Daqui a meia centena de anos não haverá ninguém que se lembre, por ter sido contemporâneo, do 25 de Abril, do que se lhe seguiu, da luta para evitar a russificação, da descolonização, da amarração de Portugal à jangada europeia, das personagens.
Sobre o que houver então o nosso passado e presente de agora projectarão sombras. E será o tempo dos historiadores: nunca se entendeu o presente, e muito menos se pôde futurar seja o que for, sem memória, uma verdade como um punho que muito cultor de ciências sociais ignora.
O futuro especialista do Portugal do último quarto de século e do primeiro deste tropeçará fatalmente em Mário Soares, por causa da descolonização, do regime democrático e da adesão europeia; e não tropeçará, com o mesmo grau de importância, em mais nenhum actor. Goste-se ou não se goste, é assim.
Não é porém do Mário Soares histórico que quero falar: esse declinou na sua importância com a adesão à CEE, já tinha cumprido a maior parte do seu papel quando chegou a Presidente da República, e morreu no fim do seu segundo mandato. Os episódios das candidaturas falhadas a presidente do Parlamento Europeu (cuja concorrente insultou) e de novo à Presidência da República, aos 80 anos, fazem parte da decadência.
Mário Soares não soube envelhecer. Deixou de entender o mundo que o rodeia, que não aceita, e a procura de um lugar ao sol da notoriedade e importância têm-no levado a lançar mão de todos os recursos de velho manhoso do jogo político, capaz de todos os truques e cambalhotas, a ponto de hoje os seus amigos (ou os que ele assim julga) serem em boa parte inimigos de ontem, que o aproveitam como alavanca.
A idade, que lhe retirou lucidez, acrescentou-lhe à desvergonha: Soares acha que pode incitar à violência, nomear-se procurador do poder local, gesticular na defesa da "cultura" e tachar todos os que não veem o momento presente da mesma forma estreita, obsoleta, facciosa e economicamente analfabeta que é a sua, como "especuladores da comunicação social, ao serviço do Governo" e "ao serviço do poder, para ganhar dinheiro".
Portas? "Um artista"; Cavaco? "Aconselhe-se com a esposa, que, como antiga professora, tem cultura".
É esta a prosa chula que assina num artigo prolixo e desenxabido no Diário de Notícias.
Nenhum homem é um grande homem para o seu criado de quarto, disse Eça algures, citando não sei quem. O Soares homem público de hoje perdeu há muito a grandeza e o que decerto já lá estava ficou exposto à comiseração de todos e ao aplauso da esquerda obtusa, para que se possa ver o que só alguns criados conheciam e alguns inimigos adivinhavam.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais