Segunda-feira, 30 de Abril de 2012

Gordon Sócrates José Brown

At his trial in 1945, Marshal Pétain told an unsympathetic court that he had begun every day by forcing himself to repeat the words 'we are defeated'. By the same token, every minister should begin the day by forcing himself to repeat the words 'we are indebted'.


É isso aí, Daniel - nem mais. E se substituíres a dupla Blair-Brown pelo one-man-show Sócrates, com uns acertos de datas, de números, e de histórias mal contadas, quase podias estar a falar de Portugal.


A propósito: Sabemos por onde anda Blair. E Brown? Não me digas que foi estudar Sciences Po para Paris, a expensas do pecúlio acumulado numa carreira de poupanças - já seriam coincidências a mais.

publicado por José Meireles Graça às 18:30
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Domingo, 29 de Abril de 2012

A extrema-direita fortemente duvidosa

João José Cardoso descreve Fernanda Câncio como pertencendo a "alguma direita", Ricardo Lima como encaixando em algo a que chama "anarco-direita" e a mim como pertencendo à "extrema-direita".


Acho isto injusto: Se Fernanda Câncio pertence a alguma direita, eu devo ser pelo menos um terrorista nazi.

 

E como se dá o caso de subscrever quase por inteiro o que F. Câncio escreveu (o que não implica necessariamente reciprocidade - tratei da mesma realidade vista por um ângulo diferente), então, se a lógica não for uma batata, devo ser um socialista de extrema-direita democrática terrorista nazi.


Tenho a fraqueza de gostar de João José, aprecio-lhe o estilo sincero e excessivo. Até, se vivêssemos na mesma cidade, não desdenharia beber um copo com ele, dando-lhe a prévia e necessária garantia de que não levaria sob o anoraque uma bomba caseira.


Quanto ao fundo da questão, quem seguir os links do post fica habilitado a construir a sua própria opinião - já há argumentos avonde, de um lado e outro. Ainda que o que afirmei sobre as taxas de crescimento de Portugal nos anos 60, e que Cardoso desmente por me basear num "mito tantas vezes desmontado", esteja na realidade bem montado na literatura económica disponível: "No período de 1960 a 1973...o ritmo de crescimento médio do PIB atingiu 6,9% ao ano. E como, entretanto, a população não aumentou (tendo mesmo descido 3% por causa da emigração) a capitação do PIB subiu praticamente à mesma taxa." (A Economia Portuguesa desde 1960, José da Silva Lopes, 2.1, 1996, Gradiva).


PS: Também sou taxado de ignorante, a propósito do pós-modernismo. E como na realidade sou - ignorante - não contesto: por exemplo, ignorava o que fosse "ucronia". Agora já sei - mesmo com J.J. Cardoso pode-se aprender alguma coisa.

publicado por José Meireles Graça às 00:19
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Quarta-feira, 25 de Abril de 2012

Miguel Portas

Miguel Portas não deixou obra memorável: não recebeu, que eu saiba, prémios como economista, escritor, jornalista e co-autor, bem como apresentador, de séries documentais para televisão; e não foi uma figura da cultura pop, ou do jet-set, ou sequer do Poder.


E todavia a sua morte causou comoção. O pertencer à família a que pertence, e a morte prematura e as suas circunstâncias, não chegam para explicar o fenómeno.


Mas Portas tinha a imagem de ser um político de causas, e de estar disposto, por elas, não apenas a ter sido preso, adolescente ainda, mas também a abandonar uma agremiação da qual é difícil sair; a embarcar em empreendimentos generosos e de sucesso duvidoso; a defender com tranquilidade os seus pontos de vista, sem acrimónia e com respeito por opiniões diferentes, e até opostas, da sua; e em tudo pôr simpatia, desprendimento, generosidade e empenho.


Se as ideias que defendia para a coisa pública alguma vez se tornassem as dominantes, seria uma vítima do monstro que com as melhores intenções ajudara a criar; e concluiria decerto que as pessoas comuns não se regiam pelos seus padrões, ou, quem sabe, que a igualdade não pode ser obtida sem violência.

 

As pessoas sabem que não há muitas pessoas assim; e não precisam concordar com elas para lhes sentir a falta.

 

publicado por José Meireles Graça às 23:15
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ANGOLA É NÓÇA!!

 

 

 

Comemora-se hoje mais um binteçinco dabril, passados que são 38 anos sobre o dia em que etc. etc.

 

Cumpre-me assinalar que não sei quê. O povo saiu à rua, os capitães fizerem umas coisas com as espingardas e enfiaram flores nos bigodes. Os chaimites cometeram muitas infracções, porque havia cidadonas penduradas por todo o lado. Depois foram ao Largo do Carmo e gritaram "pá".

 

Foi uma onda de esperança, toda uma população isto e aquilo, à Portela chegaram senadores.

 

Nunca mais, em toda a história desta pátria cuja aventura é uma comovente puézia, se juntaram tantas calças à boca de sino a subir e a descer os quartéis num grito de alegria colectiva.

 

Os soldados comeram sandes de mortandéla.

 

As crianças brilharam nos cabelos das raparigas. As árvens não morreram de pé, porque ficaram cheias de autocolantes encarnados com letras amarelas.

 

Nas casas dos eleitores, as televisões emitiram miras técnicas e cumenicádos de pessoas que antes disso eram analfabetas. Nas universidades, os estudantes puseram-se espertos e passaram de ano com muitas namoradas. E nunca mais tiveram que aturar as parvoíces dos preçôres.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 14:52
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Terça-feira, 24 de Abril de 2012

25 de Abril sempre

 

Excepto se aproveitados para uma ponte, os feriados civis provocam-me um indizível tédio - são ainda mais chatos que o Domingo. E dos religiosos gosto apenas por respeito difuso à tradição que a comunidade a que pertenço santificou há séculos, e ainda, em havendo crianças por perto, porque elas neles vêem encanto.


Dos discursos é melhor nem falar: o dia das Comunidades costuma ser um longo desfiar de inanidades, e nos feriados das mudanças de regime aproveita-se para "mensagens" e "recados", que diligentemente o Chefe de Estado, os representantes dos Partidos e um ou outro Senador propinam com generosidade.


A comunicação social excita-se com umas e outros, uma semana após o rumor esmorece - para o ano há mais.

 

De tanto discurso e tanta intenção benévola ou venenosa não resta, que me ocorra, uma linha memorável.


O 25 de Abril, porém, é diferente porque está ainda viva muita gente que o viveu. E isso faz com que não haja, na realidade, um único mas vários 25 de Abris. Lembro alguns: o dos militares que o fizeram, ou a ele aderiram, com maior ou menor risco pessoal; o daqueles que foram presos, exilados, prejudicados nas suas carreiras profissionais ou de alguma forma ofendidos pelo regime deposto; o dos que nutriam silenciosa antipatia pela Velha Senhora, mas, no interesse próprio e no das suas famílias, se abstiveram de a manifestar publicamente; o dos que o viveram como uma festa, mas eram demasiado novos para ter sentido a opressão sufocante do Salazarismo; e os outros, isto é, a maioria que tratava da sua vidinha e à política dizia nada, como a política nada lhes dizia, e que descobriu que, se berrasse o suficiente, se faria ouvir.


O primeiro grupo não era unívoco: irmanados na aversão a um regime que os condenava a uma guerra sem fim à vista, tinham que inventar à pressa uma doutrina que desse cobertura ideológica ao propósito do golpe de Estado, cujo motivo principal (carreiras sem futuro, exílio para longínquos teatros de guerra de guerrilha, intuição de que os ventos da História não sopravam para onde os responsáveis diziam que eles sopravam) não era fundamento bastante para um regime novo.


Daí o manicómio em autogestão a que se chamou o PREC: os militares não escolheram todos, no pronto-a-vestir ideológico, o mesmo figurino, e os pais da malta do 5Dias pescaram abundantemente naquelas águas revoltas, a ver se pariam uma democracia autêntica, com Trotzkys, Ches, Fideis e outros barbudos. Cunhal, a Raposa Branca, à espreita, que seria ele o herdeiro da bagunça e em devido tempo limparia o sebo aos desvios de esquerda, logo a seguir a tê-lo limpo à direita fascista e reaccionária.


O resto é conhecido: ganhou a facção "moderada", Soares e outros cavalgaram a imensa mole da população que não queria comunistadas, e Eanes ajudou a recolher os militares aos quartéis.


Os militares ganhadores, que ficaram pela maior parte na Associação 25 de Abril, e os civis que lançaram as bases do regime que temos, ficaram donos dele, e por conseguinte da comemoração deles, à qual ficaram românticamente associados os comunistas de todos os bordos porque foi linda a festa, pá, e ainda temos a Constituição.


Depois escolheram o Euro e a UE, enquanto vinha a globalização. E os ganhadores do regime não perceberam nada disso, e continuaram a festa como se não houvesse amanhã. Mas havia - é hoje.


E por isso não querem celebrar o 25 de Abril oficial. E têm razão - o 25 de Abril deles acabou.


Oxalá o outro, onde cabem todos e que não tem donos, subsista. 

 

publicado por José Meireles Graça às 00:28
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Segunda-feira, 23 de Abril de 2012

As conversas

  

 

As conversas são, tradicionalmente, uma forma de aproximar as pessoas. É preocupante concluir que, de há uns tempos a esta parte, as pessoas deixaram de saber conversar.

 

Começa logo na escolha do tema. Se excluirmos a bajulação e a intriga, não me lembro de mais nenhum que possa interessar. Por exemplo: a dívida. É um tema excelente, capaz de entusiasmar uma mesa com muitos convidados, se tratarmos de esmiuçar a dívida do Adérito, do Mendonça ou da Raquel, e desde que essa dívida tenha sido contraída na sequência de um processo de divórcio, de chantagem, de favores políticos ou de rinoplastias particulamente complexas. Se o endividado estiver presente, melhor. Mas atenção, convém ser específico: se a dívida for "dos portugueses" ou "dos madeirenses" a conversa tende a perder o viço. Até pelas razões da dívida, como veremos a seguir.

 

É absolutamente indispensável, para que a conversa seja fecunda, que a dívida em questão tenha origens humilhantes. Se um país inteiro se endividou porque passou trinta anos a curtir mordomias pagas pelos alemães, isso não é motivo de humilhação. É motivo de orgulho e até de bravata porque, qualquer europeu percebe imediatamente, se trata de um país de rapaziada bem disposta, despreocupada, e que sabe apreciar o que a vida tem de prazenteiro. Acima de tudo, trata-se de um país de gente urbana e sedutora - ingredientes sem os quais nenhum vigarista consegue uma carreira digna desse nome. Pelo que a dívida pública não tem qualquer interesse, num jantar ou num debate televisivo, e era bom que os membros do governo tomassem nota deste facto.

 

Não há nada mais grosseiro do que uma conversa à qual seja necessário prestar atenção. Suponhamos que o dr. Passos Coelho pretende bajular as audiências dizendo-lhes que os portugueses não alinham em escolas manhosas, porque preferem que os seus filhos tenham uma educação exigente em vez de gastarem o tempo e o dinheiro em aulas de cidadania, de ballet, de expressão artística ou outra pieguice qualquer. Tem que chegar ao estúdio e dizer esta frase, assim tal e qual, toda direitinha. Não é esperar pela inauguração de um edifício tremendo, armado de um sistema de ar condicionado de tal maneira complexo que ninguém o sabe ligar, com as janelas todas bloqueadas em nome da segurança das crianças e equipado com os candeeiros mais caros do mercado, e fazer, com a testa luzidia e o buço perlado de suor, um discurso de uma hora e vinte minutos que nenhum português tem paciência para acompanhar.

 

Uma conversa em condições é aquela em que estamos a tratar de assuntos que são importantes para nós; como empernar com um administrador da Parpública que está sentado do outro lado da mesa, ou investigar para que lado é que os empregados do restaurante arrumam os seus orgãos genitais.

 

Pior do que conversar com alguém, é prestar atenção ao que alguém nos diz. Isso vai dar-lhe a sensação de que estamos interessados na conversa. No caso de se tratar de um político, de um comentador, de um banqueiro ou de um "agente cultural", o equívoco é particulamente grave porque nos tornamos coniventes com a dimensão que estes egos atingem, e quando menos esperamos temos o país em peúgas.

 

Por isso o verdadeiro patriota, com sensatez e com berço, nem deve olhar para a pessoa que fala com ele. A atitude certa é virar as costas e deixá-la a falar sozinha. Caso não seja possível, devemos agarrar no iPhone, ligar ao facebook com um perfil falso, e passar o resto do serão a marcar encontros com os filhos das nossas amigas. Desta maneira, garantimos uma série de frustrações e atritos domésticos que, como se sabe, contribuem para o "processo de estruturação" de qualquer adolescente. E asseguram um número conveniente de postos de trabalho aos psicólogos, sociólogos, assistentes sociais, pedagogos, pedo-psiquiatras e toda esta espécie de profissionais que, de outro modo, ninguém estaria na disposição de pagar.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 02:34
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Sexta-feira, 20 de Abril de 2012

Tobacco Road

Gente ingénua acredita que as campanhas anti-tabágicas, as proibições, as coimas, têm que ver com a defesa do direito dos não-fumadores a não serem fumadores passivos.


E os próprios não-fumadores acreditam que, se por momentos sentirem nas narinas o horrível aroma inconfundível do tabaco, a palpitação que imediatamente os aflige é já o prenúncio do cancro no pulmão que, infalivelmente, os vai abater dali a uns anos.


Estas crenças nasceram nos Estados Unidos, acompanhadas dos devidos estudos "científicos" - a moda dos wacko studies é uma criação local, mais genuína aliás do que as aculturações, que consistem em pegar numa tradição qualquer estrangeira, retirar-lhe o gosto e o requinte, se o tiverem, e acrescentar-lhe a marca do rebotalho local. Daí que seja normal o Presidente deixar-se fotografar vestido de cow-boy e com os pés em cima da secretária - a grosseria fica automaticamente promovida a autenticidade. O Povo gosta, exactamente como gosta de junk-food e pelas mesmas razões porque ainda hoje não sabe usar em simultâneo o garfo e a faca.


Infelizmente, naquela terra onde se incrustou a moda dos bonés com a pala a proteger o pescoço - a ver se o cidadão, no caso de não ser negro, se tisna de modo a ficar com aspecto de garnizé - existe uma tradição puritana. E essa tradição, que a modernidade oficialmente nega, manifesta-se na obsessão com o sexo, o crime e o castigo, e a repressão dos vícios.


Daí que a defesa dos direitos dos não-fumadores nunca tivesse sido, nem seja, mais do que a desculpa bem-pensante para impôr a virtude do corpo são, a ver se a alma também fica - sã.


Não acreditam? Pois leiam. Fernando Leal da Costa, esse, já deve ter lido, e no original, que o homem é Americano avonde.

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publicado por José Meireles Graça às 12:35
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Quarta-feira, 18 de Abril de 2012

O Tratado loiro

Tenho um negócio e vou receber 100; mas vou gastar 110. Os dez serão emprestados pela agência local do banco x, cujo gerente é um tipo porreiro.

Se os 10 forem a entrada para uma máquina xpto (ou uma promoção da marca, ou um lançamento de um produto ou de uma ideia nova, ou outra coisa qualquer que me permita vender mais, ou ainda aumentar a margem do que já vendo), abençoados 10: o banco faz o negócio dele, eu o meu, e vamos almoçar, pagando eu, cela va de soi (os banqueiros e bancários só pagam o almoço a quem não quer realmente almoçar com eles).

Se porém os 10 forem gastos em passeios para agradar ao pessoal e em despesas de representação, ou a máquina é um trambolho, o produto novo uma inutilidade, a ideia uma burrice, a redução dos custos uma miragem, a marca um flop, as circunstâncias uma surpresa - apertem os cintos de segurança, que no melhor há uma travessia do deserto e no pior um fecho de portas.

Um negócio é assim; e um país, nas traves-mestras da sua política orçamental, em que pese aos milhões de adeptos da economia vudu - também.

O privado trata do que é dele e por isso precata-se e tem medo; se não se precatar e seguir a sua fé pode acabar na valeta ou no pódio - alguns poucos, realmente, chegam ao pódio, que é por definição exíguo.

O representante do público, no geral, não se precata: o dinheiro não é dele, a valeta também não, as causas e os efeitos estão muito separadas no tempo, donde as culpas não são contemporâneas dos culpados, e as portas não se fecham. Pelo contrário, abrem-se para deixar entrar os credores e sair os emigrantes.

Porque, em princípio, os países não vão à falência, apenas fazem acordos de credores, que passam a administrar a massa falida.

É nesta situação - massa falida - que estamos.

E por isso deveria aplaudir isto:

ARTIGO 3.º

1. Para além das suas obrigações por força do direito da União Europeia e sem prejuízo das mesmas, as Partes Contratantes aplicam as regras que constam do presente número:

 a) A situação orçamental das administrações públicas de uma Parte Contratante é equilibrada ou excedentária.

E aplaudiria, se assim nunca tivesse deixado de ser. Mas deixou, e por ter deixado é que vêm os loirinhos com o seu diktat em forma de Tratado.

E aquilo que, se fosse voluntário, me pareceria bem, e me pareceria bem igualmente se fosse apenas uma imposição dos credores e do estado de necessidade, enquanto este durasse, parece-me mal se traduzir, como traduz, um permanente estado de inferioridade e submissão.

É que os Portugueses, como os outros Povos, podem cometer erros e aprender com eles. Mas não podem aprender, nem aprenderão, com o bom-senso imposto por terceiros.

E isto terá a seu tempo consequências, como se verá. E o sinal delas já aí está: o apertar do cinto não será interpretado como a justa consequência das decisões da litania de lunáticos socialistas que temos elegido para nos governar, mas como a imposição de quem imagina saber melhor do que nós como tratar da nossa coisa pública, mesmo que seja verdade.

Talvez devesse estar contente, afinal: que quanto mais o Imperador mostrar o seu império, e a sua águia, e a sua Guarda, mais a ficção da Europa das Nações e das solidariedades sortidas se desesconde do manto da treta internacionalista da burocracia europeia, a que está lá e a que está cá.

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publicado por José Meireles Graça às 21:34
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Terça-feira, 17 de Abril de 2012

A primeira morte de Günter Grass

  

Gunter Grass.jpg

 

«Temos a Coreia do Norte e o seu tirano autista, que conta com um arsenal nuclear amplamente operativo.

 

Temos o Paquistão, do qual ninguém sabe nem o número de ogivas que possui, nem a exacta localização destas, nem que garantias temos de que, quando menos esperarmos, não acabem nas mãos dos grupos ligados à Al Qaeda.

 

Temos a Rússia de Putin que, em duas guerras, conseguiu a façanha de exterminar a quarta parte da população chechena.

 

Temos o carniceiro de Damasco, que já vai pelos dez mil mortos, cuja alienação criminal ameaça a paz na região.

 

Temos o Irão, claro está, cujos dirigentes fizeram saber que, quando dispuserem delas, as suas armas nucleares servirão para atacar os vizinhos.

 

Em resumo: vivemos num planeta em que abundam os Estados oficialmente pirómanos que apontam abertamente aos seus civis e aos povos circundantes, e ameaçam o mundo com conflagrações ou desastres sem precedentes nas últimas décadas.

 

E eis que a um escritor europeu, um dos maiores e mais eminentes, uma vez que se trata do prémio Nobel da Literatura Günter Grass, não lhe ocorre nada melhor do que publicar um "poema" em que explica que a única ameaça séria que pesa sobre as nossas cabeças procede de um país minúsculo, um dos mais pequenos e vulneráveis do mundo, que, diga-se de passagem, também é uma democracia: o Estado de Israel.

 

Esta declaração cobriu de satisfação os fanáticos que governam em Teerão, que, através do seu ministro da Cultura, Javad Shamaghdari, se apressaram a aplaudir a "humanidade" e o "espírito de responsabilidade" do autor de O tambor de lata.

 

Também foi objecto dos comentário extasiados, na Alemanha e no resto do mundo, de todos os cretinos pavlovizados que confundem a recusa do politicamente correcto com o direito a dizer o que lhes vem à cabeça libertando, de passagem, os fedores do mais pestilento dos pensamentos.

 

Finalmente, deu lugar ao habitual e fastidioso debate sobre o "mistério do grande escritor que, para mais, pode ser um cobarde ou um canalha" (Céline, Aragon) ou, o que é pior, sobre a "indignidade moral, ou a mentira, que nunca devem ser argumentos literários" (em cuja abjecção toda uma pletora de "pseudocélines" e "aragões de trazer por casa" se poderíam regalar).

 

Mas, ao observador com um pouco de bom senso, este caso inspirará sobretudo três simples anotações.

 

A decadência característica, às vezes, da senilidade. Esse momento terrível, do qual nem os mais gloriosos estão isentos, em que uma espécie de anosognosia intelectual faz com que todos os diques que habitualmente continham os transbordamentos da ignomínia se desmoronem. "Adeus, ancião, e pensa em mim se me leste" (Lautreamont, Os cantos de Maldoror, Canto primeiro).

 

O passado do próprio Grass. A revelação que fez há seis anos quando contou que, aos dezassete anos, se alistou numa unidade das Waffen SS. Como não pensar nela hoje? Como não relacionar as duas sequências? Por acaso não fica patente o vínculo entre isto e aquilo, entre o burgrave social-democrata que confessava ter dado os seus primeiros passos no nazismo e o miserável que agora declara, como qualquer nostálgico de um fascismo convertido em tabu, que está farto de guardar silêncio, que o que diz "deve" dizer-se, que os alemães já estão "suficientemente sobrecarregados" (não se percebe porquê) para se converterem, ainda para mais, em "cúmplices" dos "crimes" presentes e futuros de Israel?

 

E a Alemanha. A Europa e a Alemanha. Ou a Alemanha e a Europa. Esse vento de mau agoiro que sopra sobre a Europa e vem encher as velas do que não se pode senão chamar "neo-antissemitismo". Já não é o antissemitismo racista. Nem cristão. Nem sequer anticristão. Nem anticapitalista, como no princípio do séc. XX. Não. É um antissemitismo novo. Um antissemitismo que só tem possibilidades de voltar a fazer-se ouvir e, melhor, de ser expressado, se conseguir identificar o "ser judeu" com a identidade supostamente criminal do Estado de Israel, disposto a descarregar a sua ira contra o inocente Estado iraniano. É o que faz Günter Grass. E é o que faz deste caso um assunto terrivelmente significativo.

 

Ainda me lembro de Günter Grass em Berlin, em 1983, no aniversário de Willy Brandt.

 

Ainda o oiço, primeiro na tribuna, depois sentado a uma mesa, entre uma pequena corte de admiradores, com o cabelo tão denso como o verbo, uns óculos de armação ovalada que lhe davam um certo ar de Bertoldt Brecht e o rosto bochechudo tremendo de uma emoção fingida enquanto exortava os seus camaradas a olhar de frente o seu famoso "passado que não passa".

 

E ei-lo aqui, trinta anos depois, na mesma situação que esses homens com a memória esburacada, fascistas sem o saberem, acossados sem o ter querido, a quem, naquela noite, ele convidava a assumir os seus inconfessáveis pensamentos ocultos: postura e impostura; estátua de areia e comédia; o Comendador era um Tartufo; o professor de moral, a encarnação da imoralidade que combatia; Günter Grass, esse peixe gordo das letras, esse robalo congelado por sessenta anos de pose e mentira, começou a descompor-se e isso é, literalmente, o que se chama um descalabro. Que tristeza.» *

 

(Bernard-Henri Lévy, publicado no jornal El Pais em 15 de Abril de 2012)

 

* Tradução minha

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 22:07
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O militante da incompreensão recorrente

O Governador do Banco de Portugal diz, com inusitada frequência, coisas. E valem a pena porque são, quase sempre, extraordinárias.


Vejamos a eructação mais recente: Há "evidência" de dificuldades de acesso de crédito por parte das empresas, mas acrescenta que neste momento a instituição ainda está a tentar perceber "o que se passa".


Também gostava de saber o que se passa na cabeça do Dr. Costa, porque o que se passa nas empresas não é difícil de perceber. Se eu constatasse a "evidência" de um problema tão grave como a falta de financiamento às empresas e tivesse a obrigação de o resolver, convocava os senhores dirigentes dos bancos e perguntava-lhes porque não emprestam; depois confirmava as informações e esclarecia-me das dúvidas; finalmente, tomava medidas, se tivesse competência para as tomar, ou propunha-as a quem de direito. O que não vinha era para a praça pública confessar ignorância e revelar impotência.


Mas, magnânimo, dou umas dicas: imagine, Dr. Costa, que o Estado não paga o que deve, por exemplo no âmbito do IVA; e que uma empresa deixa, por causa disso, de pagar a um banco, dado que a alternativa é não pagar a um fornecedor que não dá crédito por causa do "risco País". E que o que o banco lhe debita pela mora, mediante o expediente de a considerar descoberto na conta DO, é, com autorização sua, Dr. Costa, 25 ou 27%. Não sei se está a ver o quadro - depois ainda é preciso produzir, e exportar, e dar crédito ao cliente - só estou a levantar uma pontinha do véu, que eu ganho mal pelo meu trabalho bem feito, enquanto o Amigo ganha bem pelo que faz mal ou nem faz de todo.


Mas a inutilidade palavrosa e a ignorância contumaz a gente atura - nenhum pequeno empresário exportador espera realmente que um membro da elite dirigente da coisa pública, ou da Academia, a começar pelo Presidente da República, passando pelo Ministro das Finanças, dezassete catedráticos de Economia e acabando no adjunto do adjunto da Secretaria de Estado da Reforma da Contabilidade Fortemente Informática, saiba realmente do que está a falar quando fala de pequenas empresas.


Mas já é mais difícil aturar frases como esta: "O problema é que há empresas financeiramente inviáveis que perturbam a análise dos agregados monetários e análise de crédito".


Ou seja, traduzindo: as empresas financeiramente viáveis são as que não necessitam de crédito à tesouraria; uma vez eliminadas passa a haver grande abundância de crédito, e Costa fica assim dispensado de esmiuçar a embrulhada. 


Costa, desculpa só ter para ti frases banais: Porqué no te callas?

publicado por José Meireles Graça às 15:59
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