O caso vem contado aqui e é difícil não o ler sem uma surda suspeita de que alguém fez borrada, assim como os quase vinte anos já decorridos desde que Pedro Vilela nasceu, para chegar a uma decisão judicial quase definitiva (falta o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, se os pais tiverem recursos), não podem senão despertar nojo e desprezo pelo nosso sistema judicial.
Não estou em condições de dizer que houve (para além do palpite de que sim, que houve) negligência médica e quem tiver a coragem de ler a sentença - um documento interminável e prolixo com o nº processo 0445/13, data do Acórdão 16-01-2014, descritores HOSPITAL PÚBLICO, PRESUNÇÃO DE CULPA e RESPONSABILIDADE POR ACTO MÉDICO (estas indicações são necessárias para obter a sentença através do motor de busca no site e só disponho delas por causa de um comentador ao post acima referido) - não chegará, creio, a uma conclusão satisfatória.
E isto porque nela se discute não apenas o que se passou no Hospital de S. Marcos, em Braga, há vinte anos, que levou a que Pedro ficasse com uma incapacidade de 100% (não fala, não ouve, não vê), mas também quem tem que fazer a prova da culpa do hospital ou ausência dela. O STA acha, ao contrário das instâncias inferiores, que, tratando-se de um hospital público, esse ónus recai sobre o utente, isto é, na prática, são os pais de Pedro que têm que provar que as lesões decorrem de falhas ocorridas desde que a mãe deu entrada no hospital, às 17H49 do dia 18-12-1994, até às 10H45 do dia seguinte, quando teve lugar o parto por cesariana.
Acha muito mal. E digo-o não por causa da autoridade jurídica que não tenho, mas porque o bordão "dura lex, sed lex", se se justificou historicamente como um progresso em relação à lei não escrita; e se se justifica ainda hoje em nome da segurança jurídica: não pode ofender aquele sentido de Justiça que todas as pessoas bem formadas têm consigo, e que lhes diz que uns pais que têm por filho um vegetal (com perdão da imagem) têm direito a que se não lhes diga que, se fossem a um hospital privado, não teriam que provar o que não podem, nem sabem, mas, como foram a um hospital público, o ónus da prova recai sobre eles.
Assim não o entendeu o Tribunal Constitucional, em sentença que não li (para ver as sentenças é precisa uma inscrição no site do TC e indicar uma password, vá lá o diabo saber porquê) e ficarei assim sem saber por que forma se ignorou o artº 13º da Constituição, que reza:
Quer-me parecer que se num hospital privado não há dúvidas, havendo indícios de más práticas médicas que tenham originado lesões, que o estabelecimento tem que provar que essas práticas ou não existiram ou não originaram aquelas lesões; igual obrigação deve recair sobre um hospital público.
Porque, a entender-se o contrário, os utentes de hospitais públicos têm menos direito de acesso à Justiça do que os utentes dos hospitais privados, quando são, real ou imaginariamente, maltratados.
Não é que eu seja um entusiasta do SNS - não sou. Mas sou um entusiasta da igualdade dos cidadãos perante a Lei.
Ninguém vai ligar à notícia: essa merda do aquecimento global é lá coisa deles, que se entendam - se bem que o tempo não está como antigamente, lá isso não, como já os antigos diziam. E o efeito de estufa preocupa, agora que vamos entrar no Inverno, sobretudo por causa da falta de qualidade dos tomates da dita, que são esponjosos.
Na prática, o aquecimento global (ou alterações climáticas, como se começou a dizer quando a temperatura parou de subir, contradizendo as previsões) cumpre várias funções úteis: i) Mobiliza os moços das causas (há uma grande abundância de moços para causas, cheios de educação, formação, vícios e telemóveis, mas sem emprego) para esta relativamente inócua, impedindo-os de partir montras e incendiar automóveis em nome de coisas mais perigosas, como ideologias radicais e o ISIS; ii) Dá visibilidade, quando não oportunidades de emprego, a lunáticos como aquela simpática gente da Quercus e congéneres por todo o mundo capitalista poluidor; iii) Proporciona subsídios para investigação mais ou menos científica, viagens para conferências e cimeiras, e prebendas várias, sem que o contribuinte tuja - é para a causa; iv) Fornece uma excelente arma de arremesso para os políticos estatistas reforçarem o poder do Estado e multiplicarem regulamentações, intervencionismos sortidos e criação de agências com o louvável propósito de, superintendendo na actividade económica, garantirem que não viremos a morrer afogados, por causa da subida do nível das águas do mar, de fome, por danos irreversíveis à agricultura, de sede, por se esgotar a água, e em calamidades, que a mãe Natureza despejará sobre nós - se não os ouvirmos.
O nosso relativo atraso deveria proteger-nos desta onda de patetice. Mas não, estamos albardados com um Ministério do Ambiente que, para já, com o propósito de nos garantir um futuro risonho, se desentranhou em impostos verdes, que se distinguem dos outros por se dizerem virtuosos, e se prepara para embrulhar a vida de toda a gente com várias dezenas de quilos de legislação preventiva de grandiosos desastres imaginários, ao mesmo tempo que vai causando pequenos desastres reais.
Exagero? Quem me dera: aqui há um bom par de anos fui obrigado, como todos os fabricantes, a fazer largos investimentos para deixar de utilizar um gás frigorífico tradicional e passar a usar outro, moderníssimo, que não contribuía para o buraco do ozono. Os meus colegas chineses, que tinham grandes quantidades de gases antigos para escoar, resolveram o problema de uma forma que me pareceu muitíssimo esclarecida, mudando as etiquetas dos aparelhos frigoríficos para as novas designações, e exportaram-nos para cá enquanto na Europa a produção e comercialização dos gases antigos, mais baratos, foi proibida.
Claro que o efeito que os gases que então se usavam teria provocado na camada de ozono nunca foi universalmente aceite pela comunidade científica, desde logo porque, historicamente, a camada de ozono sempre variou, e houve buracos muito maiores quando não havia nem frigoríficos, nem aerossóis, nem queima de combustíveis fósseis, nem cientistas, nem aldrabões. Mas isso não impediu uma simpática engenheira de uma associação do sector (as associações costumam desempenhar, por razões que não vou detalhar, um papel nestes processos) de me tentar, ameaçadoramente, e a outros pequenos fabricantes, mudar a mentalidade, coisa que não me caiu particularmente bem, por sempre ter tido as melhores relações com a mentalidade de que estou servido.
Bom. Os Chineses encheram a burra, as multinacionais dos gases também, quem sobreviveu cá está, o R12 que eu usava (assim se chamava o mafarrico) desapareceu, mesmo na China, e o buraco de ozono fez o favor de sumir, pelo menos das notícias.
Estava eu posto em sossego, dos meus anos colhendo o amargo fruto, e zás: tenho debaixo dos olhos o Regulamento (UE) 517/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, "relativo aos gases fluorados com efeito de estufa". Mas que grande galo: o gás que agora uso, de seu nome R-134a, tem um "ozone depletion potential" de zero, mas um "global warming potential" de 1300.
Isto não pode ser. E portanto é preciso mudar tudo. Mas, desta vez, haverá necessidade de certificações várias, fiscalizações, pessoal especializado e o diabo a sete. É que os gases recomendados são explosivos e com isso não se brinca.
Prepare-se, amigo leitor: é provável que o seu próximo frigorífico tenha um gás explosivo. E portanto haverá incidentes. Mas que importa isso? Se morrerem localmente uns quantos cidadãos azarados, será pela irrefragável causa de não morrermos todos por efeito do aquecimento global. Justíssimo. E, é claro, o negócio terá, como sempre ganhadores, perdedores e ingénuos. Não faço parte dos primeiros nem dos últimos.
É conhecido o esforço, geralmente gabado, e coroado de êxito, que este governo tem feito, na esteira dos abusos que o anterior inaugurou, para combater a evasão fiscal. Este esforço tem consistido em, partindo do princípio de que todos os cidadãos são evasores, criar as condições para que a fraude seja impossível, através do cruzamento de informações, da instalação de um olho do big brother nas empresas, a expensas destas; na inversão sistemática do ónus da prova; no incentivo ao comportamento arrogante e predatório dos agentes da Administração (do que é exemplo, entre muitos, a prática de notificar os contribuintes para pagar impostos já pagos, salvo se puderem exibir os competentes recibos); na arregimentação dos cidadãos, para já sob o isco de prémios, e a breve trecho sob coacção, para a tarefa de fiscalização; na indiferença sobre as deficiências de funcionamento dos tribunais fiscais, aos quais mesmo assim o recurso está na prática vedado se o cidadão ou a empresa não tiverem recursos ou crédito na banca; na interpretação capciosa ou errónea das leis, traduzida em circulares que, tendo apenas uma eficácia interna, para os serviços, acabam por configurar, pelas obrigações que criam ao contribuinte, um poder legislativo paralelo... et j'en passe.
O pano de fundo para a generalizada aprovação a esta tendência e a este estado de coisas é o descaso sobre as consequências que pode ter no futuro tanta concentração de informação, sobre a vida dos cidadãos e das empresas, nas mesmas mãos; a convicção, que os governos com sucesso propagandeiam, mas que os factos entre nós nunca demonstraram nem demonstrarão, de que se todos pagarem o que devem todos pagarão menos (se todos pagarem o que devem o Estado tem mais recursos para gastar, e gasta - o único verdadeiro incentivo que tem existido para o corte nas despesas é a necessidade, mas apenas na medida imposta pelos credores, e nem isso); a satisfação perversa da maioria dos cidadãos, que não pagam IRS, em saberem que quem tem mais do que eles é apertado; a ideia, na qual a maioria sociológica de esquerda, e bastas quantidades de idiotas úteis soi-disant na direita, acredita, de que as empresas são fonte inesgotável de receita e a actividade empresarial precisa de ser severamente vigiada; e a convicção de que os empresários não sabem investir (ou, quando sabem, fazem-no com intuitos egoístas que de modo nenhum beneficiam a colectividade) mas o Estado sim.
O preço deste sucesso de Pirro mede-se em falências, em alívio da pressão para a reforma do Estado, e em distorções do funcionamento da economia. Dou um exemplo actual, porque tropecei nele:
Imaginemos uma pequena casa de software que tem um programa de gestão (facturação, salários, IVA, contas-correntes, stocks, etc.) e uma pequena carteira de clientes que utilizam o programa, que em devido tempo adquiriram, pagando uma avença para a manutenção. Esta consiste no essencial em actualizar o programa sempre que o Estado altera alguma coisa - taxas, regimes, classificações, the works. A geringonça tem que estar certificada pela Fazenda, uma invenção do saudoso ministro Teixeira (Portaria nº 363/2010, de 23 de Junho) que os sucessores conservaram com gosto e entusiasmo, para acabar de vez com a ideia absurda de que a contabilidade é uma ferramenta de apoio à gestão, antes de ser um instrumento de saque fiscal; e uma forma de limitar a concorrência e a inovação no sector da criação de software de gestão.
Pois a nova área de negócios consiste nisto: vender a carteira de clientes a uma casa maior que possa integrar os dados históricos do programa antigo num novo, para utilização do qual será necessário adquirir uma nova licença, pagar mais pela "manutenção", fazer nova formação, etc.
Os clientes, claro, não são obrigados a concordar: podem escolher outra casa, outro software, pagando ainda mais. Não podem é continuar com o velho programa, que servia perfeitamente, contratando os serviços de um habilidoso que o conheça.
Então e a firma velha, a tal que "descontinuou", fecha ou dissolve-se na nova? Não, não é preciso: fica a dar assistência ao novo programa. Bem visto, não é? E, se a moda pega, de dois em dois ou três em três anos, tem que se comprar uma licença nova - basta o fornecedor dizer: ai agora não, o nosso programa certificado já nem o podemos ver, a gente está a trabalhar muito e ganhar pouco, convém-nos mais ganhar muito e trabalhar pouco.
Não se pode parar o progresso - da asneira.
Daqui a dias o Orçamento será aprovado. O PCP dirá, com indignação, que são os mesmos de sempre a pagar, e que prossegue a senda dos ataques aos direitos dos trabalhadores e da destruição do Estado Social e do País. Já anunciou aliás, desarmando as dúvidas que nunca ninguém teve, que votará contra.
O PS queixar-se-á dos aumentos dos impostos, das reduções dos benefícios, do aumento da dívida pública e da continuação da austeridade. E já anunciou, desarmando as dúvidas que nunca ninguém teve, que votará contra.
Os Verdes não existem senão para aumentar o tempo de antena do PCP, e o BE dirá o mesmo que dizem os primos, como sempre, com mais ou menos arrebiques. Se já anunciou como votaria ignoro, mas ninguém ignora como votará.
A maioria votará a favor. Não pode fazer outra coisa, desde logo porque o documento já terá o visto prévio de aprovação de Bruxelas, onde reside, não direi a casa da Democracia - essa continua a fingir-se que é em S. Bento -, mas a sede verdadeira do Poder Legislativo. E, se tiver juízo, do que é lícito duvidar, fá-lo-á com melancolia e desgosto.
Melancolia porque na votação do Orçamento para 2016 já lá não estarão muitos dos que obedientemente votarão agora; e desgosto porque este Orçamento é um desastre, representando o último capítulo de uma governação falhada.
Há alguma medida séria e profunda de reforma do Estado, isto é, extinção de serviços públicos, revogação de legislação que atrapalha e onera a actividade económica, simplificação de procedimentos? Não.
Se, do lado da despesa, não há nada, salvo uns aumentos mal explicados aqui e ali, porquê a desonestidade intelectual das medidinhas do lado da receita para induzir as pessoas a pensarem que há alguma redução que valha a pena, ao mesmo tempo que se aumentam os impostos sobre combustíveis, com a descarada (não menos descarada por haver quem acredite nestas caraminholas verdes) desculpa da melhoria do ambiente?
Não falo do cenário previsto de crescimento. Sobre isso sei tanto como as pessoas que o estabeleceram em 1,5%, e tanto como as pessoas que acham que não se chegará lá, isto é, nada.
Nem falo da decantada redução do IRC para 21%, senão para perguntar se alguém acredita que a redução atrairá algum investimento estrangeiro, ou incentivará o nacional; se alguma empresa que esteja mal ficará melhor; e se as poupanças nas empresas que têm lucros significativos, positiva embora, justifica o trombeteamento da medida, sabendo-se, como se sabe, que ela será revertida logo que o dr. Costa comece a tomar medidas para o quarto resgate.
Mas, sendo tudo o mais incerto, os aumentos de impostos ficarão. E ficará também a celerada redução dos direitos dos contribuintes, entretanto agravada com mais este escândalo.
Tudo vale a pena se a alma não é pequena, disse o poeta. Mas a alma era pequena em 2011; e os tomates também, digo eu. Por isso a reforma não se fez, conforme confessou o malogrado Vítor Gaspar pouco depois de dar à sola. Agora é tarde, como o Orçamento confirma.
Mas mesmo tarde há limites para a asneira. E mais valia vivermos em duodécimos, ou copiar o Orçamento actual, com as adaptações inevitáveis, do que aproveitar a 25ª hora para reforçar o totalitarismo fiscal.
Quem achou que o estupendíssimo Paulo Morais não vinha peritar as inundações, apontando as culpas à "especulação imobiliária" e à "corrupção urbanística", é um ovo podre – para estabelecermos o tom.
Por partes: “manutenção”, dr. Morais, a sério? Usar “10% do orçamento” anual dos municípios a aplicar remendos em cima de colectores velhos, deteriorados, e com o diâmetro insuficiente, como o senhor sugere fazer, entregando boa parte dos recursos públicos a empresas e a “técnicos” que não vão (nem podem) resolver o problema, tem outro nome. Incúria? Irresponsabilidade? Amadorismo? Descaramento? Escolha o que o senhor preferir. Eu sei o que lhe chamava.
Muito resumidamente, estimado estudioso: "manutenção" é o capítulo correcto, por exemplo, para o dinheiro e o esforço que o senhor reserva para podar a sua cabeleira.
De resto, dr. Morais, esqueça as redes hidráulicas. Se não sabe, não sabe, a Pátria está disposta a perdoar-lhe. Mas se insiste em arrastar o seu fanatismo e a sua madraçaria pelas páginas dos jornais, reveja a sua prosa, o vocabulário, as graçolas e os trocadilhos. O seu pensamento tem qualidades espantosas, convém que isto fique esclarecido. É uma pena que as mostre tão frágeis, empardecidas em calão. O senhor repete-se, usa expressões infantis e frases próprias de um menor de 11 anos que leva chapadas dos amigos no recreio. “Boys”, “tachos”, “apaniguados”, “cacicar”, e “vingança da natureza sobre a má gestão urbana” – não falta nada, Deus o ajude. Chamar “nabos” (a medo, com aspas e tudo) aos responsáveis autárquicos, para chamar “nabal” às autarquias, e assim forçar o chavão do título (Chuva no Nabal) é o remate da sua miséria linguística, dr. Morais, e da imaturidade que não se recomenda a um professor universitário.
A proposta do Governo, que o Parlamento deveria neste passo, mas não vai, chumbar, reforça os poderes de uma administração fiscal intrusiva, arrogante e predatória: Mesmo agora, qual é a sanção, na prática, para o funcionário ou serviço que não responde, não presta informações ou dá informações deficientes?
Nenhuma.
Quais são as sanções para os altos dirigentes que emitem instruções que representam um entendimento enviesado da Lei, e uma compreensão errónea dos princípios que devem nortear as relações entre os cidadãos e a máquina do Estado que os deveria servir?
Nenhumas.
E a legislação ignóbil e celerada que obriga a que em certos casos seja necessário apresentar garantias, bancária ou outras, para exercer o elementar direito de reagir contra uma liquidação abusiva, o que inibe muitos de se defenderem de abusos e atropelos - foi revista?
Não. Como não o foi a floresta de normas, regulamentos, práticas, alterações, mudanças, ziguezagues, que são o dia-a-dia de uma administração que vê em cada empresário um ladrão, e em cada cidadão um mentiroso, salvo se colaborar activamente na missão gloriosa de se transformar em fiscal, voluntariamente coagido, em nome do dever cívico do combate à evasão fiscal - se todos pagarmos o que é devido pagaremos todos menos, não é verdade?
Não, não é verdade: se todos pagarmos mais, o Estado gasta mais, ponto; e ninguém tem o dever de se transformar em polícia para servir o Estado, salvo em estados policiais.
Pois doravante o funcionário que se sinta ofendido, com razão ou sem ela (e será quase sempre sem ela, que se queres conhecer o vilão põe-lhe uma vara na mão), por o cidadão reagir mal a despautérios, pode originar um processo-crime, no qual o cidadão terá que se defender. O mesmo cidadão pode ainda cometer o crime de "desobediência a uma ordem dos funcionários do Fisco" (!). Mas isto, que é demais, não chega: o sindicato acha ainda que o funcionário deve ser, como os juízes, irresponsável no exercício das suas funções.
Só que os juízes são órgãos de soberania; e os funcionários apenas de soberba. Mas isto o sindicato não entende; e o legislador também não.
Portugal tem um grave problema económico? Nada que não se resolva com alguma fisioterapia, diz Costa!
Portugal tem um grave problema de competitividade? Nada que não se resolva com uma agenda para década, diz Costa!
Portugal tem um problema de contas públicas e de manutenção do Estado Social? Nada que não se resolva pela terceira via do crescimento, diz Costa!
Lisboa tem um problema de saneamento e drenagem, mas para esse Costa logo atalha dizendo que é assim mesmo e que não tem resolução.
Pimenta no dos outros, não é?
"Isto é uma mudança de paradigma relativamente ao que a magistratura tem vindo a fazer nestes últimos anos". Mudança de paradigma?! Começam muito mal - de palavreado oco a armar ao intelectual já estamos servidos.
Depois, os Meritíssimos que me perdoem mas a linguagem jurídica não existe por acaso, mas por necessidade: um advogado experiente pode entender um despacho, uma pronúncia, uma sentença precisa, em termos precisos, por economia de meios e rigor conceptual, mas já terá dificuldades acrescidas em recorrer de uma sentença em linguagem corrente, que se presta mais, muitíssimo mais, a dúvidas de interpretação - para os advogados, que têm que explicar a sentença a quem nisso tenha interesse e dela recorrer, se for o caso, e para os magistrados da instância de recurso, que têm que a apreciar.
A menos que os juízes tenham que lavrar duas sentenças: uma para os autos, a verdadeira, a da Bayer; e outra para a Internet, não vá o Povo, em cujo nome o juiz julga, imaginar que os pobres magistrados não trabalham que se matam. Se for este o caso, temos a burra nas couves: por um lado, nada garante que o mesmo juiz que lavra uma excelente sentença, impecável na sua fundamentação, sólida na apreciação da prova, indestrutível no enquadramento do caso no direito aplicável, tenha dotes de jornalista, ou escritor, para "aproveitar as novas tecnologias de informação para dar conhecimento público das suas decisões, descodificando a linguagem jurídica quando necessário"; por outro, do que o Povo sobretudo se queixa, com razão, é que a Justiça não funciona, e este acréscimo de trabalho inútil pode talvez esclarecer muito jornalista incapaz de interpretar despachos e sentenças mas não acelera a máquina - trava-a.
"Os magistrados pretendem ainda dar justificações públicas dos seus atrasos processuais e ver divulgados os inquéritos disciplinares aplicados à classe, no sentido de ficar esclarecido por que é que um determinado juiz foi inspecionado e qual o conteúdo da decisão de quem o fiscalizou."
É fatal como o destino que o magistrado que vier dar explicações públicas dirá uma de duas coisas, ou ambas: i) Não tenho meios; ii) A legislação está mal feita. E o responsável pelos meios dirá que não senhor não falta nada, ou falta mas não há caroço, enquanto o legislador confessará que esse aspecto vai ser tido em conta na próxima reforma, ou não será porque o senhor juiz, valha-o Deus, não sabe o que diz. Da publicidade dos inquéritos a juízes nem falemos, que, salvo nos casos de aposentação compulsiva, ou outro afastamento, o juiz ficará com um ferrete público que, no regresso ao serviço, o acompanhará.
Bem sei que há para aí advogados que não sabem escrever, jornalistas que não sabem ler, e cidadãos que não sabem pensar. Mas dos juízes espera-se contenção, reserva e ponderação - tudo o que não existe na rua. E estas iniciativas, se levadas à prática, o que farão não será nem acelerar o funcionamento da Justiça, nem melhorar a qualidade das decisões, mas criar, em torno dos tribunais, discussão e arruaça.
"O maior número de juízes de sempre", declarou José Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que organizou o encontro. Bem, este cidadão acha que sindicatos de juízes são uma contradição nos termos; e também que, desde que se aceitou o princípio, não ficou melhor a justiça do Povo - mas ficamos mais perto da justiça popular.
Todos os anos ou quase, desde que me lembro, assim que chove com um bocadinho mais de força, Lisboa sofre inundações. Exactamente nos mesmos sítios, que toda a gente conhece: são os bairros mais antigos, onde vivem os mais velhos e os mais pobres.
Estas “surpresas” são o resultado directo de um sistema de drenagem obsoleto, subdimensionado, e parcialmente em ruínas, que não assegura o caudal suficiente para aguentar as águas da chuva mais as águas do Tejo se for dia ou noite de maré cheia. O dr. Costa sabe disto, como souberam todos os anteriores presidentes. A Câmara Municipal de Lisboa não tem falta de engenheiros num serviço que antigamente se chamava “de Infra-estruturas e Subsolo” e deve ter agora um nome mais macio.
As obras necessárias para corrigir estas redes são de uma dimensão e de um preço que não se ajustam a um único mandato autárquico (nem 2 e, possivelmente, nem 3 ou 4), e muito menos se ajustam à respectiva campanha eleitoral. Que eu tivesse visto, nenhum candidato sentou a sua importância na cadeira mais alta do município com promessas de obras debaixo do chão, onde causam transtorno mas não atingem a visibilidade e a glória dos pavilhões multiusos e dos recintos para regabofes interactivos. Nem nunca os artistas de trazer por esta casa estariam dispostos a defender semelhante indignidade.
O melhor é esperarmos pela volta do sol. Que a conversa das sarjetas suje o facebook, preencha os espaços mortos dos noticiários, e faça títulos extravagantes nos jornais, decorre da natureza parda do problema e reflecte a irrelevância do nosso jornalismo. Ainda que as sarjetas rebrilhassem de limpeza, ninguém nos livrava das inundações. Quem aproveita com o erro é o sr. Presidente, que durante os intervalos culpa as Juntas de Freguesia à boleia das novas competências, e sacode os restos para os meteorologistas porque “não avisaram”. Quando se usam frases feitas para combater desastres sérios aliviam-se os espertalhões. E os velhos têm muita paciência - não é assim, dr. Costa?
Manuela Ferreira Leite e Bagão Felix têm atacado, por vezes com inusitada violência, o actual Governo
Ser alvo de tão frequentes e impetuosas críticas consubstancia um activo ou aspecto meritório, do actual Governo, note-se, que nem sempre tem sido devidamente sublinhado, incluindo pelo próprio Governo.
Manuela Ferreira Leite e Bagão Felix representam, em certa medida, o pior da política portuguesa: um gosto tremendo pela manutenção de um status quo que os favorece, a utilização do acesso fácil aos meios de comunicação social para defender interesses próprios que nunca vão declarados à cabeça, um desprezo total pelo mundo real e pela novas gerações, uma vontade férrea de se quererem perpetuar.
Tudo, claro, devidamente temperado com um irritante ar devoto, que usa e abusa do interesse público e colectivo que, invariavelmente, confundem com o seu.
Vem isto a propósito da carta aberta aos Senhores Deputados, à qual espero que não cedam.
Defende Manuela Ferreira Leite, hoje, porventura com o mesmo despudor com que defendeu que políticos reformados deveriam poder acumular essa retribuição com a do cargo para o qual foram eleitos, que apesar de se ter corrigido a “injustiça” de os reformados não poderem continuar a desempenhar funções em instituições públicas (igual discurso ouvi a Bagão Felix), falta ainda que possam ser remunerados pelas despesas de representação incorridas.
Erra duplamente.
Não se corrigiu qualquer injustiça. Infelizmente, o que se fez foi ceder ao lobby de Ferreira Leite e Bagão, ao permitir-se novamente que reformados possam continuar a exercer cargos públicos.
Sejamos claros: é a própria noção de reformado que impõe que não possam nem devam continuar a exercer qualquer cargo. Pela simples e óbvia razão de que se reformaram.
Esta é claramente a regra que, como todas, consentirá um número maior ou menor de excepções, mas que deveria continuar a ser a regra. Tendo-se alterado – mal já se vê – a regra o mínimo que se impunha é que a acumulação de cargos com a qualidade de reformado seja fortemente desincentivada, não se permitindo qualquer tipo de remuneração, incluindo despesas de representação.
Dir-se-à, ou melhor, dirão Ferreira Leite e Bagão: mas não se pode desperdiçar a nossa sabedoria, a nossa experiência, a nossa disponibilidade. Para alem de elogio em boca própria ser vitupério, a verdade é que a ser assim nunca haveria renovação.
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