Domingo, 28 de Dezembro de 2014

Obra de misericórida

 

DL 51-2011.jpg

 

Revogava-se o DL 51/2011, acabavam-se os limites às encomendas, e ao fim de um mês e pouco o preso preventivo já tinha recebido:

 

  • 37 livros escritos pelo dr. Arnaut;
  • Outros tantos do dr. Boaventura (5 dos quais com letras para músicas rap);
  • Uma edição anotada, em 11 volumes, dos discursos parlamentares do dr. Jorge Lacão;
  • Toda a lírica de Sophia;
  • 2 colectâneas com os gatafunhos do dr. Soares publicados na imprensa portuguesa nos últimos 3 anos;
  • Um volume, em papel reciclado, com textos eróticos de Isabel Moreira ilustrados por imigrantes dos países islâmicos: uma iniciativa pedagógica da secção do PS do Martim Moniz destinada a propagar a igualdade de género;
  • 5 livros com piadas do dr. José Lello (sem ilustração).

 

Escusam de perguntar, porque o meu pesadelo humanitário não chegou ao capítulo do audiovisual.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 22:08
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Sábado, 27 de Dezembro de 2014

Posta-restante

 

Antonio Arnaut-01 (640x424).jpg

 

Dizem-nos que o dr. Arnaut enviou a Sócrates um livro escrito por si, contendo ensaios, contos, poesia, “textos de intervenção cívica”, e uma mensagem pessoal com a ameaça de o ir “visitar logo que possível”. A cadeia de Évora devolveu a gentileza ao remetente.

 

A explicação parece razoável e a legislação também (DL 51/2011, de 11 de Abril, disponível online). Prevê limitações de quantidade, até porque o espaço não é infinito; só na primeira semana, foram enviadas a Sócrates mais de 40 encomendas acima do máximo estabelecido. E prevê limitações de identidade, exigindo que o remetente esteja registado na lista de visitantes. Isto deixa que os cavalheiros escolham as visitas e as encomendas que querem receber, protegendo-os, entre outras barbaridades, da alegada literatura de quem calha.

 

Não há sinais de "prepotência", nem "fascismo", ou ofensa a qualquer património que exceda o narcisismo do dr. Arnaut, e o aristocrático desprendimento que o impede de medir e situar o seu lugar no mundo. Esse lugar, desejavelmente, ainda é fora da prisão.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 19:39
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Os perigos da leitura

A cadeia pode ter tido a tocante atenção de não ter querido, por razões prudenciais, que o livro chegasse à mão do seu mais famoso detido - a leitura de poesias e ensaios do paizinho do SNS poderia, em espíritos deprimidos, despertar pulsões suicidárias; ou, com grande sadismo, pode ter tido a intenção de impedir a conciliação do sono de Sócrates, reacção que decerto seria a de um leitor combativo e alerta (como dizem os visitantes ser o estado de espírito em que se encontra) se exposto a uma obra literária perpetrada por António Arnaut; ou ainda, e mais provavelmente, limitou-se a aplicar um qualquer regulamento cruel e gratuito - em Portugal e em todo o mundo os tribunais condenam à privação da liberdade e a organização prisional encarrega-se de tornar a prisão o mais económica possível para o erário público e o mais segura e menos trabalhosa para os funcionários. Que isso implique penas acessórias que se dane - uma prisão não é um hotel de 5 estrelas, como dirá qualquer cidadão justiceiro, pertencente à imensa maioria na qual não me incluo.

Não sabemos. E é pouco provável que aqueles largos milhões que, como eu, têm poucas dúvidas íntimas sobre a culpabilidade do detido se preocupem com tais minúcias. A alguns já eu ouvi - ora, se vier a ser absolvido o tempo de pildra que já leva ninguém lho tira!

Preocupo-me eu. Porque a prisão de Sócrates não é apenas a prisão de Sócrates, é a ausência de liberdade de todos os acusados de qualquer coisa em que dois magistrados entendem que é essencial que o acusado esteja dentro, para não perturbar o inquérito que as polícias prosseguem fora.

Espero que em algum momento venhamos a saber, exactamente, do que consta a acusação. E reitero que, como aqui disse, "O juiz Alexandre andou mal, muito mal, ao produzir um anúncio grotesco cheio de minúcias irrelevantes sem dizer uma palavra sobre os fundamentos da sua decisão, que suponho apenas reservou para as partes". E acrescento agora que a menos que a própria divulgação dos fundamentos prejudicasse a investigação, o que tenho dificuldade em aceitar nesta altura (do que estavam à espera para investigar antes?), e a menos que tome como aldrabice a afirmação do advogado de defesa (o que aliás não descarto) de que não conhece os fundamentos da acusação, começo a vislumbrar um quadro.

E o quadro não me agrada. Que o meu concidadão ache que quem está dentro merece tudo e mais alguma coisa (ora, há muita gente com fome e a viver debaixo das pontes que não fez nada!) eu compreendo, como compreendo que gostem de Tony Carreira, piadas brejeiras, vinho rasca e espectáculos degradantes; que a gente que está do meu lado do espectro político, e que por conseguinte detesta Sócrates e o que ele representa, funcione no regime dos reflexos condicionados, achando bem tudo o que de mal se lhe faça, também entendo - a maioria das pessoas delega a independência do seu pensar na tribo a que julga pertencer.

E que dois magistrados tivessem decidido o que decidiram também aceito, sob reserva de prova.

Que um director de cadeia, ou alguém acima dele, decida que um detido não pode receber a merda de um livro que um amigo lhe enviou - não. Porque, se existe um regulamento, também deve comportar excepções, se forem necessárias, e admitir interpretações - a letra da Lei só é a Lei para juristas burros. E, já agora, a existir, como parece que existe, uma tal disposição, seria boa altura para acabar com ela. De preferência, desta vez, sem consultar o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional nem, já agora, o resto das várias entidades que, por detestável prática corporativa, se costumam consultar para fazer leis - a estupidez não é menos estúpida se colectiva.

publicado por José Meireles Graça às 01:30
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Quarta-feira, 24 de Dezembro de 2014

Espírito natalício

"O SPAC confirma ainda a intenção de impugnar judicialmente a requisição civil decretada pelo Governo e que abrange 70% dos trabalhadores da TAP".

Faz muito bem, a legislação é uma trapalhada: ou a interpretação que o sindicato (e com ele não poucos juristas) faz do instituto da requisição civil a torna numa inutilidade, por só poder ser declarada quando os fins que o sindicato pretende com a greve estão já, no caso de uma companhia de aviação, produzidos (nenhum passageiro marca viagens sob a dúvida se vai ou não vai haver... viagens); ou o sindicato não tem razão, e então fica, de momento, esclarecido qual o entendimento que deve ser dado ao diploma de Novembro de 1974 que regula a matéria.

Mas o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil também escreveu aos pilotos, alertando para que os serviços mínimos prevalecem sobre a requisição civil. E aqui temos a burra nas couves: se o sindicato já sabe qual a interpretação jurídica adequada, e age em consequência, recorre ao Tribunal para quê?

Acresce que, mesmo que a tese do sindicato não convença, nem por isso o assunto fica resolvido de vez, que a jurisprudência dos tribunais não é entre nós, salvo casos contados, fonte de direito, e há sempre outro juiz que, noutra maré, face a uma situação igual, decida outra coisa.

E depois um diploma de 1974 que ainda está em vigor é um escândalo: os governos que temos tido caracterizam-se por viverem em permanente estado de diarreia legislativa, pelo que não deve haver quase nada do que foi legislado naquele ano que ainda sobreviva - o Dec.-Lei 637/74 tem este lado heróico e resistente, para não dizer nada das saudosas assinaturas, intensamente democráticas, que nele figuram.

Isto quer dizer que, no caso de a privatização da TAP, por falta de candidatos, capotar, e se não for deixada falir, a revisão da lei da requisição civil será uma nova guerra direita/esquerda, com o seu cortejo de greves, manifestações, discursos inflamados e desfilar de personalidades, incluindo o Sr. Arménio Carlos e outros democratas da mesma extracção.

Um cenário de horror, portanto. Razão por que me permito lembrar que é mais do que provável que a maioria dos pilotos não esteja a favor da greve - pensem o que pensarem sobre a conveniência de a companhia ser pública ou privada, não querem decerto decepar a mão que lhes dá de comer. Portanto, a forma expedita de castigar a rebelião - é de rebelião que se trata - consiste, na prática, em descobrir quem são os cabecilhas e, discretamente e com tempo, aplicar a decimatio adaptada à modernidade: uma guia de marcha para a reforma ou a concorrência.

E são os votos que, neste particular, imbuído do espírito de concórdia que a quadra que atravessamos a todos deve infundir, formulo para 2015.

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publicado por José Meireles Graça às 13:22
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Sábado, 20 de Dezembro de 2014

O interesse da TAP

Sobre Silva Peneda, a concertação, e o organismo daninho, corporativo e indiscutido a que preside disse em tempos o que cumpria.

O homem é profissional do diálogo, como são feliz e necessariamente todos os diplomatas, mas também os empatas, os indecisos e os videirinhos da vida pública.

Sobre a requisição civil diz (aliás não diz, "alerta" - não é este, ai de nós, o único Silva que, em vez de dizer ao que vem, faz alertas que inculcam ao cidadão a ideia de que está ungido de alguma superioridade intelectual ou moral para os fazer, sem todavia se dar ao excessivo trabalho de indicar soluções alternativas) que ela é provavelmente ilegal, considerando "lamentável que se chegue à fase que chegaram o Executivo e os sindicatos que representam os trabalhadores da TAP, porque demonstra que o diálogo não funcionou".

Não funcionou e ainda bem. Porque, se tivesse funcionado, o feliz desenlace haveria de ser, como é sempre, cedências aos sindicatos, o que no caso equivale a dizer que a privatização seria feita com garantias de que nenhum trabalhador sairia no futuro prejudicado.

Porque é disso que se trata: para enterrar na TAP os milhões de que ela necessita e assumir o seu passivo gigantesco qualquer investidor (se houver) aligeirará os custos, tentando pô-la ao nível da concorrência, no mínimo.

Não se tem falado disso: quanto ganha um piloto ou o pessoal de bordo e de terra, e que regalias têm, por comparação com outras companhias; quantas pessoas são mobilizadas para pôr um avião no ar, que taxa de utilização têm os aviões, que rotas são ou não rendíveis, e mais um zilião de indicadores que fazem com que umas companhias sejam viáveis e outras não.

Do que se fala é de interesse nacional. "A privatização é inacreditável, é um crime", dizem anónimos, na rua, a António-Pedro Vasconcelos, conhecido comentador de futebol que lançou um manifesto, não contra a derrota do Benfica em Braga, como se compreenderia, mas a favor da manutenção da TAP na esfera pública, não vá o novo proprietário prejudicar o hub de Lisboa, seja lá essa merda o que for.

A notícia acaba com alguns nomes de subscritores e, com a excepção de Tony Carreira, um cantor romântico autor de êxitos inolvidáveis como "Por Amor Vou Deixar-te Viver" ou "E Agora Tu Vais Deixar Minha Vida", que não se sabia que tinha ideias sobre fosse o que fosse, é o lote habitual, velho, bafiento e cediço de gente que é contra privatização da TAP porque é contra a privatização do que quer que seja.

A privatização pode correr mal? Pode. E muitos passageiros de Lisboa podem ser prejudicados, por acabarem voos directos de e para lá? É possível. E muitos emigrantes podem deixar de ter voos directos para Portugal? Talvez.

Mas a imensa maioria que não anda de avião, ou não vive em Lisboa, ou ganha lá fora o que não pode ganhar cá dentro, não será chamada no futuro, como foi no passado, a cobrir prejuízos.

E isso para mim chega.

publicado por José Meireles Graça às 12:58
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Terça-feira, 16 de Dezembro de 2014

Forum da Burocracia

"O diploma vem resolver o problema de quem vendeu o carro mas o comprador não efectuou o registo e, por isso, continuava a ser o legal proprietário, recebendo notificações de multas ou de impostos (Imposto Único de Circulação - IUC) para pagar".

Nem a notícia nem o diploma dizem nada sobre os milhares de cidadãos - "cidadãos" é o termo eufemisticamente consagrado para designar as rezes que são imoladas no altar do Estado - que pagaram as multas ou o maldito imposto que não eram devidos. E nem se percebe bem por que razão o Estado se dá ao trabalho de corrigir um torto - de todas as maneiras, incluindo penhoras, alguém pagava.

Não dizem nada sobre isso, nem um pedidozinho de desculpas pela legislação celerada que esteve em vigor anos, nada.

Ah, mas se a coisa vem tarde não se pode dizer que veio com falta de solenidade: 

"Foram ouvidos o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público, a Ordem dos Advogados, a Câmara dos Solicitadores, a Associação Sindical dos Conservadores dos Registos, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, a Associação Portuguesa de Bancos, a Associação Automóvel de Portugal, a Associação Portuguesa de Leasing, Factoring e Renting e a Associação de Instituições de Crédito Especializado". 

E "foi promovida a audição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, do Conselho dos Oficiais de Justiça, da Associação dos Oficiais de Justiça, do Sindicato dos Oficiais de Justiça, do Sindicato dos Funcionários Judiciais, da Ordem dos Notários, do Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado, da Associação Sindical dos Oficiais dos Registos e Notariado e do Movimento Justiça e Democracia — Associação Cívica de Juízes Portugueses". 

E temos logo aqui um primeiro problema, pelo descaso a que foi votada a Banda de Fermentelos, que também deveria ter sido ouvida para o efeito de se saber se estaria disponível para sublinhar, com a Abertura 1812, a entrada em vigor desta legislação revolucionária, e a Associação Nacional dos Comerciantes de Veículos Semi-Novos, por razões evidentes. 

Neste pormenor não estiveram bem o Senhor Primeiro-Ministro, nem a Senhora Ministra de Estado e das Finanças, nem a Senhora Ministra da Justiça, que assinam o diploma, nem o Senhor Presidente da República, que o promulgou. Quem sabe se a Senhora Ministra da Administração Interna, que incompreensivelmente não assinou (afinal as coimazinhas irão ser aplicadas pelas polícias que dela dependem, não é verdade?) teria deixado passar esta falha, com o seu olho coimbrão e catedrático. 

E pronto, agora só faltam os protocolozinhos, porquanto: 

Artigo 11.º

Protocolos

1 — As condições de transmissão da informação sobre o pedido de apreensão efetuado nos termos do presente decreto-lei são definidas por protocolo a celebrar entre o Instituto dos Registos e do Notariado, I. P. (IRN, I. P.), e as autoridades fiscalizadoras do trânsito.

2 — Por protocolo a celebrar entre o IRN, I. P., e o IMT, I. P., são definidas as condições de transmissão da informação prevista no presente decreto -lei.

3 — Os protocolos a celebrar ao abrigo dos números anteriores estão sujeitos a parecer prévio da Comissão Nacional de Proteção de Dados. 

Mas estes protocolos não impedem a entrada em vigor do diploma, já para a semana que vem. E os emolumentos devidos são baratos: vão de 75 a 95 €, com desconto se os interessados quiserem enlouquecer tentando fazer os seus registos on-line. 

É excessivamente barato. Razão por que, peguilhento como sou, encontro outro defeito nesta legislação: não se deveriam prever desde já os aumentos, por mor de não voltar a incomodar os habitantes do Forum da Burocracia, uma pequena cidade cujos habitantes se distinguem por ser sustentados pelo resto do País, não ganharem mal e acharem normal levar tantos anos para resolver um problema que eles próprios criaram?

publicado por José Meireles Graça às 02:50
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Sexta-feira, 12 de Dezembro de 2014

Impressionismos

Sei de fonte limpa que, em Freamunde e Recarei, há algumas pessoas ansiosas por se inteirarem da minha opinião sobre o caso BES.

Sobre algumas das personagens envolvidas tenho-me fartado de dizer coisas, basta procurar pela tag BES. E sobre a solução encontrada, que abominei, para a debâcle, a minha opinião está aqui.

A quantidade de informações a que temos tido acesso entretanto via Comissão de Inquérito (graças a Deus as sessões não estão cobertas pelo segredo de justiça, esse manto que recobre, entre algumas coisas legítimas, a inoperância) não me fez, até agora, mudar de opinião. E é cedo para perceber exactamente o que se passou, quer porque algumas pessoas-chave não foram ainda ouvidas, quer porque volta e meia se tropeça no segredo de justiça, a que alguns depoentes estão obrigados, quer porque sobre a parte angolana da história reina uma opacidade de chumbo, quer porque a embrulhada é de tal ordem que só entendê-la já requer capacidade para resolver sistemas de equações a múltiplas incógnitas, além de conhecimentos profundos sobre engenharia financeira, transacções internacionais, sistema bancário, supervisão nacional e, sobretudo, supervisão dos nossos patrões europeus, comummente designados por parceiros.

É possível porém consignar algumas impressões, de índole psicológica, intuitiva e especulativa. Ei-las:

i) Um abismo separa Ricardo Salgado dos outros: o homem não era dono disto tudo por acaso. O seu depoimento estudado, calculado, frio, deu uma imagem de inexcedível competência no desempenho do papel que lhe convinha. Claro que não é possível acreditar no grau de ignorância que demonstra sobre algumas evidentes moscambilhas e decerto quem lhe comprasse o discurso por inteiro ficaria com uma visão deformada da história - mas que papelão, chapeau!

ii) Fossem outras as leis, outros os costumes, outras as polícias, e Salgado, com o que já se sabe, estaria a negociar com o Ministério Público uma pena. Ainda bem que não somos Americanos: não é porque se sossega a multidão vingativa, invejosa e sedenta de sangue, com o expediente de trancafiar argentários que crimes e erros de cálculo deixarão de ser cometidos; e a diminuição dos direitos dos arguidos, se facilita condenações, também possibilita a perseguição de inocentes;

iii) É fácil imaginar Ricciardi, mais novo, de copo na mão, a brilhar numa discoteca da moda. E a patente sinceridade do seu ódio a Salgado, a frustração da sua ambição de uma vida de ser califa no lugar do califa, os seus dotes de comunicação, e a sua aparente honestidade, até mesmo o seu orgulho ingénuo numa licenciatura em Lovaina e numa carreira que imagina ter sido unicamente devida ao mérito, tudo o fez simpático ao respeitável público - ah que se fosse com ele nada disto teria sucedido!

iv) O Banco de Portugal não preveniu a desgraça, pelo que foi inoperante, para dizer o mínimo; interveio tarde de mais, como ficou claro pelo resultado, ou cedo demais, por não ter ficado demonstrado, até agora, que outras soluções não eram possíveis. As explicações do Governador só convencem quem tem interesse em ser convencido: o Governo porque concordou com a solução, quer tenha sido originada no exterior quer seja asneirol indígena; a populaça porque aquela cambada de ladrões se lixou, Carlos Costa pô-los em sentido; o PCP e o BE porque o BdP confirmou que os privados enganam o mais pintado, donde a banca, toda a banca, tem que ser nacionalizada; e o PS porque fica demonstrado que a cegueira de Constâncio era afinal mais do que justificada. Quanto à caução pública que Carlos Costa deu, nas vésperas de um aumento de capital, a um banco nas vascas da agonia, com isso originando perdas escusadas de desprevenidos - o que, só por si, lhe deveria ter garantido uma aposentação compulsiva - que interessa lá isso? Era gente que não recebia o RSI, já ninguém se lembra, essa cambada de especuladores que vá lamber as feridas para longe;

v) Dizia há dias, na Quadratura, Jorge Coelho, um desses socialistas hábeis que garantem com eficácia que, periodicamente, o nosso eleitorado compra patranhas, que as sessões da Comissão desvendam uma novela (ele não disse bem assim, que o homem tem uma relação conflituosa com a língua portuguesa). Está lá tudo: lutas pelo poder, invejas, malquerenças, riqueza, vidas douradas, tragédia - só faltam paixões. Apareceram na refrega, ao de longe, algumas mulheres, irmãs de Salgado e de Pêquêpê, mas na condição de armas de arremesso da guerrilha entre os dois, estatuto pouco sexy. Tem razão Jorge Coelho, e faço votos para que venhamos a saber quem se espolinhou com quem em cima dos tampos de algumas mesas dos conselhos de administração, quantas fidelidades não recompensadas de balzaquianas secretamente apaixonadas, quantas promoções de quem fez carreira subindo na horizontal - para podermos tranquilamente concluir que nas altas esferas as pessoas são iguais a nós, apenas têm mais meios e oportunidades;

vi) Amílcar Pires deu de si a imagem de um funcionário fiel ao chefe. E isso, que leva a quem for prudente a não aceitar pelo seu valor facial tudo o que disse, não me impede, a mim, de acreditar nele quando afirmou que o BES não precisava de ter desaparecido. Acreditar não apenas na sinceridade mas no bem-fundado da sua opinião experiente.

E, para já, é isto. Não é impossível que, quando soubermos todos mais, muitos mudem de opinião. Eu também: não é impossível - mas improvável. Porque a liquidação de um banco com desprezo das leis que regulam a vida das empresas, e com a inimputabilidade da supervisão, não é a falência de um banco - é a falência da confiança. Essa é a primeira baixa, e a maior.

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publicado por José Meireles Graça às 22:32
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Experimente...

 

Chaves da cidade-01.jpg

 

Experimente o meu bom amigo escolher um jardim público, subir a uma banquinha, e daí exercer os seus "direitos de cidadania" e de "participação política activa" expressando ameaças de morte, apelando à violência contra o Governo e o Presidente da República, e insultando os juízes e magistrados de "malandros" para baixo. Vamos ver durante quanto tempo o deixam lá ficar.

 

Mas se o seu nome for Mário Soares, a seguir ainda espera o reconhecimento da Pátria pela sua "coragem", o seu "desassombro" e a sua "determinação". Não existe "coragem" quando não há risco, e Soares não tem neste momento rigorosamente nada a perder. O que existe é desconsideração, raiva fanática, e irresponsabilidade.

 

Mário Soares escavacou nos últimos anos uma reputação política importante, sabendo muito bem o que fez, o que disse, e o que faz; António Costa resolveu homenageá-lo, entendendo que os cidadãos de Lisboa mereciam ter neste comportamento um exemplo; o CDS não concordou, nem podia concordar.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 00:46
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Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2014

Take another plane

Num comunicado conjunto, a plataforma que reúne os 12 sindicatos da TAP refere que a greve tem como objectivo "sensibilizar" o Governo para a necessidade de travar o processo de privatização. Não sabemos se o Governo, esfregando as canelas doridas, se mostrará sensibilizado. A maioria dos milhares de passageiros que a greve vai atingir, porém, decerto demonstrariam a sua sensibilidade, se pudessem, pelo expediente de submeter os sindicalistas preocupados com o país às maiores sevícias, com o propósito de lhes ensinar que causar um considerável prejuízo (36 milhões, diz-se por aí) a uma empresa pública com um passivo gigantesco, atrapalhar a vida de emigrantes numa quadra de férias, prejudicar o turismo e os milhares de pequenos e não tão pequenos negócios que dele dependem, e embaratecer o preço da privatização, poderá ser muitas coisas mas "salvaguardar o interesse nacional" não é com certeza.

Claro que ninguém, nem os próprios, acredita nesta retórica. Do que se trata é de precaver a mais que provável hipótese de os novos patrões despedirem pessoal e diminuírem as regalias dos que ficarem, em nome da sobrevivência da empresa e dos negregados lucros. Mas, se é isso, porque não o dizem?

Um paisano obscuro, como eu, pasma. Desde quando os sindicatos têm que ter uma ideia do que seja o interesse nacional, de mais a mais permitindo-se em nome dela fazer greves? Os cidadãos têm o direito a ter essa ideia (embora normalmente raciocinem com o estômago e vísceras adjacentes) e têm-na; uma ideia diferente do que é o interesse nacional é justamente o que explica que haja partidos; e jornalistas, comentadores, opinantes sortidos, todos obedecem a uma ideia geral do bem comum, que nem é o mesmo para toda a gente nem, quando o seja, as opiniões deixam de divergir na forma de o realizar.

Mas os cidadãos, enquanto tal, não fazem greve, nem os jornalistas, quando a fazem, reivindicam que o Estado lhes nacionalize os jornais, para o efeito de lhes garantir os postos de trabalho; e quanto a comentadores a ideia de uma greve seria porventura bem acolhida pela população at large mas nem por isso jamais se verificou.

Razão, por uma vez, tem por isso o cómico que se prepara para vir animar as sessões mais tediosas da Assembleia da República: Alberto João "defende que seja decretada requisição civil porque a greve não é um direito absoluto".

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publicado por José Meireles Graça às 21:24
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Terça-feira, 9 de Dezembro de 2014

Mater familias

Num casal só ele é que ganha porque a mulher é doméstica e não tem fontes de rendimento. O legislador entende que o rendimento, para efeitos de cálculo fiscal, é a dividir por dois.

Se porém o casal tiver um filho, ou dois, ou três, Costa entende que o rendimento deve continuar a dividir-se por dois, sem qualquer majoração, porque "uma criança de uma família mais abastada permite deduzir mais do que uma criança de uma família menos abastada".

Percebo o argumento. Porém, pergunto: E a gaja? Não deveríamos, no caso de casais abastados sem filhos, estabelecer que o rendimento se deveria dividir apenas por 1,7, ou 1,4 ou 1,1, à medida que o rendimento aumente, para continuar a garantir a sagrada progressividade do imposto e assegurarmo-nos que a dondoca não anda a espatifar em toilettes o dinheiro que roubou aos impostos?

Para mim, o dinheiro que o Estado deixa no bolso das pessoas não pode, por definição, ser roubado, por não ter sido ganho, nem ser propriedade, do próprio Estado. Mas isso acho eu, que não sou comunista, nem socialista ou ladrão, com perdão da redundância.

O edil Costa, ou o esfuziante Galamba e a agremiação de demagogos que quer ganhar as eleições prometendo leite e mel, acha outra coisa - um direito deles. Mas conviria que, mesmo partindo de pressupostos errados, houvesse coerência: os filhos só contam para efeito de se poder deduzir certas despesas com eles? Pois então a mãezinha deles não tem nada que ter um tratamento privilegiado.

publicado por José Meireles Graça às 14:10
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