Há cinco meses que não fazemos mais nada senão discutir as declarações de Tsypras, as toilettes de Varoufakis, o futuro do Euro e da UE, e as consequências que terá para nós o Grexit.
Estou farto: é o caso de dizer que nem a velha morre (a velha é o Euro) nem a gente almoça (almoçar, aqui, é sabermos as linhas com que nos havemos de coser).
Da última vez que escrevi sobre o desastre grego, há dias, disse:"...Que a Europa fará tudo, mas tudo, inclusive adoptando um tratamento completamente diferente daquele a que Portugal e Irlanda tiveram direito, desde que a Grécia finja que vai cumprir um programa de austeridade".
Aparentemente, calculei mal. Não porque a Europa não esteja disposta a fazer tudo - ainda agora se admitem novas cabriolas ("European Commission President Jean-Claude Juncker appealed to Athens to accept the deal proposed by international creditors last week while holding out hopes that some extra tweaks could still be possible") - mas porque critérios de racionalidade não servem para analisar comportamentos demenciais.
Entendamo-nos: eu sempre achei - hoje em dia toda a gente acha, valha-os Deus - o Euro uma moeda disfuncional. Pode-se estar do lado daquela minoria que, com bons e maus argumentos, acha que não se corrige um erro somando-lhe outros, que é onde estou; e pode-se estar do lado daquela maioria (entre nós esmagadora) que entende que é precisa mais integração, mais governança europeia, mais centralismo bruxelense e mais solidariedade, que é a designação eufemística para a chulice dos subsídios, deixando para os parlamentos e os governos nacionais tanta autonomia, ou ainda menos, do que a que têm, em relação a Lisboa, os actuais governos das ilhas. As pessoas defendem isto e dizem-se patriotas, decerto por se rebelarem contra a descaracterização do galo de Barcelos, que ninguém deseja, e o abastardamento do caldo verde, que infelizmente já se vai praticando.
Sucede porém que o extraordinário Syriza ganhou as eleições com má-fé: como os gregos querem no bolso uma moeda forte, na economia o crescimento vigoroso que o crédito barato lhes deu antes da crise de 2008 e no amor-próprio a convicção de serem um país europeu desenvolvido, haveria que lhes prometer isso tudo - mas sem pagar dívidas e pelo contrário requerendo financiamento para um programa bolivariano de desenvolvimento. O caso é único: Lenine terá dito que os capitalistas haveriam de vender a corda com que seriam enforcados, mas a dupla de bloquistas refina o leninismo a ponto de querer que a corda seja dada.
Não sei ainda qual será, exactamente, a pergunta do referendo, mas pelo que se vai lendo parece que inquirirá se o eleitor aceita o plano de austeridade da troica, ou não. A pergunta, feita assim, é desonesta, porque a austeridade é inescapável: ou é a versão, ainda que edulcorada, imposta pelos credores, ou será a violenta, decorrente do estancar dos financiamentos e do abandonar do Euro (nesta hipótese, o demente Varoufakis, numa bravata grotesca, ameaça com o tribunal, como se não tivesse que imprimir dracmas para pagar despesas do Estado no caso de lhe secarem as fontes de financiamento).
Tudo visto e ponderado, se fosse grego, no Domingo votaria não. Daniel Hannan, que tem pelos gregos ternos sentimentos que não acalento - cada povo tem, em regime democrático, os governantes que merece, e paga o preço das escolhas que faz - explica aqui por que razões os gregos devem querer sair do Euro. Todo o artigo vale a pena, se não fosse por mais nada porque o discurso pró-europeu é em Portugal sufocante e enviesado: apoias o governo, o rigor orçamental e a austeridade? Ah, então és a favor da Europa neoliberal; és a favor da Europa, mas com mais investimento público, défices, reescalonamentos de dívida? Bom, és do PS, e do BE se também quiseres perdões de dívida impostos aos credores. E finalmente: és contra o Euro? Então ou és comunista ou aluno do prof. Ferreira do Amaral.
Transcrevo abaixo dois parágrafos de Daniel, que subscrevo, e um em que não o acompanho, pelas razões que explico.
"Then again, ‘No’ has a powerful resonance in Greece because 75 years ago, Benito Mussolini demanded that Greece allow Italian troops to land unresisted. The Greek prime minister’s laconic reply ‘Ohi!’ (No!), is celebrated every October on Ohi Day".
"For, whatever Mr Tsipras’s faults (and, believe me, they are many) at least withdrawal from the euro will offer his countrymen some hope of recovery. It is true that the short-term consequences will be difficult, but a clean default, followed by a devaluation, would at least allow Greece to start growing again".
"It is true that, in the long run, a devaluation does not solve anything, but it buys the stricken country precious time in which to make reforms". Claro, no longo prazo a desvalorização não resolve nada, pelo que seria preciso, para um crescimento robusto e sustentado, que mais adiante na estrada os gregos se livrassem dos sirízicos que o desespero os fez eleger, e entregassem o leme a gente que saiba fazer, sem a pecha do crony capitalism e da corrupção, as reformas de que o país carece.
Essa gente existe? Não faço ideia. Também por isso, que Zeus ilumine os gregos no Domingo.
...Esperando que o fim da coisa lhes seja também favorável para a reconstrução sobre as cinzas. Daí a coligação na Grécia e por esse mundo fora dos interesses de ambos.
Vamos assumir que Tsipras quer apenas sair do euro - embora afirme que não e até diga que vai recorrer à justiça europeia para o impedir.
Porque Tsipras não organiza uma saída apoiada, negociada e financiada com as instituições para amortecer o impacto da mudança cambial e económica preparando assim um futuro melhor para a Grécia e seu povo mantendo a Grécia na UE? Porque, creio, o que lhe interessa realmente é terminar o projecto euro que é capitalista e continua a "exploração do exército de mão de obra por parte dos privilegiados". Tsipras é esquerda radical, revolucionária e deseja implementar uma utopia marxista na Grécia e em outros países europeus (Espanha aí está com o Podemos, prontinha a continuar o projecto).
Já estamos em guerra contra autênticos terroristas semelhantes às brigadas vermelhas, mas sem AK47, usando o nosso terreno e armas democráticas, com um plano frio, calculista, muito bem preparado e sustentado por cérebros inteligentes e maquiavélicos. Como se negoceia com esta gente determinada, gélida e disposta a tudo, mesmo a sacrificar incrivelmente o próprio povo, para atingir os seus fins? Negociar acordo de mais ou menos austeridade com ele é perda de tempo e joga a seu favor. Ele não o quer. As consequências, sejam quais forem os resultados do actual braço de forças, afiguram-se gigantescas para todos nós.
Basta ler o que Varoufakis escreveu, em livros, intervenções, e mais recentemente nos papeis que entregou ao Eurogrupo, para nos apercebermos da sua inteligência e capacidade. Ele é o muito capaz cérebro estratégico do governo do Syriza. Varoufakis conhece bem o estado geral da economia mundial sustentada artificialmente pelos bancos centrais fazendo "kicking of the can" através da política monetária expansionista. Quando ameaça o default grego, ameaça por contágio, o default de outros países da zona euro e o efeito dominó no resto do mundo. É a economia mundial em xeque na praça Syntagma.
Palpites, face ao potencial impacto? A zona euro vai ter de ceder e mais uma vez fazer o "kicking of the can" se quer sobreviver no curto/médio prazo. Ou então, a Europa, dividida (vide posição do UK e da França) e sem liderança central, opera um milagre de lucidez/coragem e joga muito forte, isolando os gregos, assumindo todo o choque, apostando todo o futuro previsto da lógica UE. Para isso é preciso "cojones". Há?
Tsipras e Varoufakis, os querubins coqueluche esperança revolucionária da esquerda radical começaram a semana, que devia ser de triunfo, com azar.
Em vez de o mundo económico e financeiro se preocupar exclusivamente com a "birra-bombisto-nuclear-intencionada" grega, na China, quase há um crash bolsista por razões endógenas, e na zona dólar, Porto Rico diz que não vai pagar a dívida de 70 mil milhões de dólares.
A resposta à turbulência, dos blocos americano, europeu e da China vai ser de magnitude provavelmente ainda não vista e os gregos vistos como um perigo a isolar em vez de um problema a conter dentro de fronteiras. A "Venezulécia" passará a interessar mais que uma Grécia a debilitar, sem fim à vista, a zona euro, a enfraquecer o retorno das exportações chinesas, ou a criar instabilidade na relação Dólar/Euro.
Pobres gregos, bem que podem votar "Sim" ou "Não", numa pergunta que convenientemente ainda não foi estruturada, que os seus sarilhos ainda mal (de maldade, mesmo) começaram.
Tudo isto terá forte impacto em Portugal. A começar ontem. Atenção às solidariedades e aos caminhos que escolhemos trilhar.
Eu e Jorge Jesus somos possivelmente os dois únicos cidadãos que não têm, sobre a crise grega, ideias claras. E sobre a ignorância que lhe assaco não estou absolutamente certo: é possível que a ausência de opiniões conhecidas se deva ao facto de os jornalistas, incompreensivelmente, não o inquirirem sobre o estado de alma, e as verdadeiras intenções, do engenheiro Alexis e do professor Varoufakis.
Talvez ele, desde logo com a vasta experiência que se lhe reconhece sobre a moda actual no seio dos futebolistas de sucesso, pudesse esclarecer o significado das toilettes: aqueles dois celebrados estadistas não usam gravata porquê?
Os políticos, homens e mulheres, com mais ou menos gosto, ou sobretudo falta dele, vestem-se com discrição porque pretendem que os imaginemos sérios, preocupados com a coisa pública, e portadores de ideias salvíficas e profundas que não casam com vestimentas fora do convencional. E porque, se não fosse assim, em vez de ouvirmos com preocupação a mais recente declaração da chanceler Merkel, ou o último discurso pós-prandial do senhor Juncker, comentaríamos a minissaia com a qual a senhora se apresentaria aos senhores deputados no Bundestag; ou o débardeur e os shorts com os quais, nestes dias de calor, o senhor presidente da Comissão se dirigiria aos jornalistas - duas possibilidades, de um vasto leque, verdadeiramente aterradoras.
É certo que, entre nós, alguns deputados se apresentam no Parlamento de pijama; e no país aqui ao lado há pelo menos um político de sucesso que tem um aspecto excessivamente piolhoso. Mas não estão no Poder executivo - aquela dupla está.
Está e não optou pelo look décontracté chic por acaso - aquilo significa alguma coisa. Jorge Jesus, com a sua chiclete, o seu penteado e o seu conhecimento dos meandros da moda entre a juventude dourada, poderia certamente descodificar - mas só lhe fazem perguntas sobre o plantel para a próxima época.
Quanto às outras dúvidas, não vejo especialista que nos esclareça: o que é que Obama tem dito a Merkel que a fez ficar tão maternal e tão predisposta a cedências às cigarras gregas? O que foi que Tsypras e Putin combinaram, se alguma coisa? O Syriza em geral, e a dupla dos Louçãs bem-vestidos, acham, como os eleitores, que a Grécia está melhor no Euro, ou entendem que estaria melhor fora, caso em que, na realidade, gostariam de ser empurrados? O colossal aumento de impostos, que parece que aceitaram, é para valer ou um expediente para mergulhar a Grécia num caldeirão revolucionário?
Não sabemos. Que sabemos então? i) Que a Europa fará tudo, mas tudo, inclusive adoptando um tratamento completamente diferente daquele a que Portugal e Irlanda tiveram direito, desde que a Grécia finja que vai cumprir um programa de austeridade; ii) Que os Gregos continuarão a querer comer o bolo e guardá-lo, uma vez que não podem imaginar-se fora do Euro, mas necessitam transferências permanentes de outros países; iii) Que o querido projecto da União pode progredir, agora com a evidente necessidade da união bancária, fiscal, orçamental, criminal e outros ais, para evitar novas grécias; iv) E que, qualquer que seja a solução encontrada, nenhuma funcionará.
Quer dizer: eu sei; Jorge, talvez, também: o homem pode exprimir-se no dialecto das classes mais desfavorecidas da Amadora, mas burro não é.
84% dos pensionistas do segmento Baixo consomem 52% da despesa, enquanto 16% dos segmentos Médio e Alto, consomem 55% da despesa. Considerando, ceteris paribus, o futuro período de não-cobertura da pensão recebida pelas contribuições do passado, os segmentos Médio e Alto consumirão uma fatia muito maior da futura despesa/impostos sobre toda a sociedade, do que o segmento Baixo.
Agora, faço um comentário que poderá ser controverso, mas se se pretende que o estado tenha uma função redistributiva equitativa e progressiva, o sistema pensionista está a contribuir para produzir o efeito contrário, considerando que o total de contribuições por pensionista durante a vida activa, não cobre o total de pensões auferidas na velhice ou reforma.
Daqui: Os desafios dos Sistemas Públicos de Pensões em Portugal, Pág. 15.
Com a obrigatoriedade da contribuição para o sistema público, que retira disponibilidade aos contribuintes para o investimento em sistemas alternativos, os portugueses estão numa armadilha contributiva. Devem fazer descontos que não são contabilizados numa conta individual de capitalização e servem para financiar todo o sistema.
Quanto mais alto o histórico de contribuições ou investimento, maior o risco assumido.
Os contribuintes que descontaram muitos anos, elevados valores, serão os primeiros a ter as pensões sujeitas a eventuais cortes. Naturalmente, são os maiores beneficiários, mas são também os maiores prejudicados, em potencial, quando é necessário reduzir a despesa.
Entre os mais altos futuros pensionistas, estão os decisores do sistema, os políticos e gestores de topo que devem, hoje, tomar as decisões de corte, ou não, nas próprias pensões ameaçadas pela sustentabilidade do sistema, e que, por sua vez, representando o maior custo, são a maior ameaça ao equilíbrio do sistema.
Poder-se-ia pensar que os maiores beneficiários teriam interesse último em manter o sistema ad eternum. A questão é: não há ad eternum.
As contas rebentarão inapelavelmente se não forem tornadas sustentáveis - mais ainda com a disciplina forçada da moeda única - logo, os decisores responsáveis pela gestão do sistema, ao não o tornarem sustentável e equitativo paras as actuais gerações e futuras, agem em primeiro momento, contra si próprios, e em segundo, contra todos os contribuintes.
Vejamos o total das Contribuições do Orçamento de Estado para a CGA e SS em 2013 comparado com o défice do OE, com e sem variação:
O montante que o Orçamento de Estado contribuiu em 2013 para a CGA e SS é superior ao Défice do OE, ou seja, os dois sistemas de pensões custam mais, aos contribuintes (pensionistas e não) em impostos e apenas em transferências do OE, sem contar com as contribuições obrigatórias, do que o total do défice do estado (que deve ser compensado com dívida e obriga as gerações futuras).
De facto, e como é de conhecimento geral, os nossos filhos e netos estão já a pagar as pensões de hoje e no futuro ainda terão de pagar as deles.
Para os montantes das contribuições do Orçamento de Estado de 2013, ver: Pag. 35 Relatório e Contas da CGA; e Pág. 7 Segurança Social em Números 2014. Imagens das partes relevantes estão nos links CGA e SS.
Em tabelas:
Ou seja, se reduzirmos 11,25% em média às pensões mais altas, obtemos uma poupança de 606 062 502 € que terá os impactos acima descritos. E a redução é obtida alterando as pensões de apenas 7% dos pensionistas.
Foi também efetuada uma simulação em que o segmento Médio sofreu uma redução de 2% e o Alto de 9,75%. Afectando 16% dos pensionistas, obteve-se uma poupança total de 606 045 498 € e um défice reduzido em 0,36%. O resumo:
Para efeitos do exercício e por motivos de simplificação foi tornado possível variar o montantes das pensões pagas por segmento. Poder-se-ia fazer variar por cada escalão de pensões mas o objectivo primário não é obter um valor da alteração, mas sim calcular um impacto médio na despesa do sistema e em grandes rubricas do OE. Assim e a título de exemplo, foi aplicada uma redução de 11,25% no valor das pensões do segmento Alto para os dois sistemas:
Não sei quem foram esses economistas, mas não duvido nada - há muitos sites dedicados a histórias verdadeiras com economistas, como este, onde se prova que aquilo é malta que diz tudo e o seu contrário. E a famosa citação, atribuída a Churchill, segundo a qual "if you put two economists in a room, you get two opinions, unless one of them is Lord Keynes, in which case you get three opinions" só não poderia aplicar-se a Portugal, com pertinência e actualidade, porque para sustentarem opiniões opostas às que já defenderam os professores de economia costumam esperar pelo menos uma legislatura.
Mas a afirmação inicial não é apenas uma expectoração de economista. Enuncia um facto histórico falso, por associar a social-democracia aos défices. Foram apenas quatro, em 2014, os países europeus que registaram superavit orçamental: a Dinamarca (com um governo de coligação entre o partido social-democrata e o social-liberal, com o primeiro-ministro pertencente ao primeiro), a Alemanha (com um governo tripartido, cujo vice-chanceler é social-democrata) a Estónia (cujo presidente é social-democrata e o primeiro-ministro do partido da reforma da Estónia), e a Noruega (cujo maior partido é o trabalhista, não obstante o governo ser uma coligação nebulosa - aqueles vikings adoram consensos, para se redimirem das patifarias que andaram fazendo nos alvores da nossa nacionalidade, e sobretudo antes). No caso deste último país, a coligação vermelha-verde que o governava, e que foi derrotada em 2013, foi responsável por superavits ainda maiores que os 9,1% de 2014.
A mim, que não sou social-democrata, entre outras, por razões ópticas - o laranja faz-me ver tudo vermelho - nem acho que o Tratado Orçamental possa ou vá ser cumprido nos prazos, não me incumbiria defender o ponto. Sucede porém que, se formos ver para trás, encontraremos uma clivagem, mas não entre os social-democratas e socialistas, supostos amigos dos défices, e os conservadores e liberais, amigos do equilíbrio, mas sim entre a social-democracia do norte e a do sul da Europa.
Era sobre isto que a Ana Sá Lopes poderia ter escrito, porque é um facto, e requer explicação. Sobre não-factos também se podem dizer coisas - mas não merecem ser lidas.
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