Sexta-feira, 31 de Julho de 2015

1984

Sempre suspeitei que o cartão de cidadão, com a possibilidade de armazenar dados, e os seus três ou quatro pins que é preciso memorizar, era uma pedra na tumba das liberdades; e que seria apenas uma questão de tempo até que um dos controleiros que pululam no governo e fora dele - a falta de respeito pela liberdade é, na esquerda, um dado adquirido em nome da igualdade e, na direita, quando ocorre, em nome da segurança, da eficiência, da ignorância ou da inconsciência - começasse a tirar partido do mundo de possibilidades que a informática oferece.

 

Aí está. E em vez de se ver a iniciativa por aquilo que é, um perigoso passo para amanhã se começarem a tratar dados e com base neles se imiscuírem Savonarolas da saúde pública, como o Secretário Leal, na relação médico-doente, ensinando uns a prescrever e outros a adoptar os comportamentos que as autoridades acham recomendável, censura-se os médicos porque - ó escândalo! - apenas metade "tem Cartão do Cidadão ou da sua Ordem".

 

Um imbecil que preside a um organismo que responde ao nome de Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) declarou que "um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) sem Cartão do Cidadão é uma vergonha", em "sessão de esclarecimento".

 

Vergonha é haver funcionários que se permitem "esclarecer" os cidadãos que os sustentam com os seus impostos sobre o que é melhor para eles; e que não hesitam em considerar que os médicos deveriam sentir "vergonha" por não terem a merda do cartãozinho que o burocrata acha importante.

 

Já hoje as autoridades fiscais acham que o cidadão tem que ter um endereço de e-mail e uma conta bancária, o primeiro para comunicarem directamente as suas importantes opiniões e decisões, a segunda para devolverem o que não deveriam ter cobrado e, eventualmente, juntar à pilhagem dos próprios bancos a do Estado. E é claro que todos temos que ter uma ligação à Internet, e tirar cursos de formação, se tivermos menos de 65 anos, para navegar no mar de declarações que os nossos extremosos patrões nos exigem, para nosso benefício.

 

O regime fascista exigia que não nos metêssemos na política ou que, se o fizéssemos, tivéssemos a elementar prudência de o fazer do lado dele. Afora isso, deixava-nos em paz. Possivelmente, porque não tinha meios informáticos.

publicado por José Meireles Graça às 23:01
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Quinta-feira, 30 de Julho de 2015

Volta, Lombroso

As teorias de Lombroso, não me canso de dizer, foram arrumadas na prateleira com demasiada precipitação: não é difícil imaginar Jerónimo, com a sua cara talhada a escopo e os cantos da boca descaídos, ordenando com voz trémula e uma lágrima furtiva a escorrer pela pele curtida dos comícios a prisão de ex-camaradas dissidentes, se visse a luz do dia a revolução comunista dos seus sonhos; nem se requeria um excesso de argúcia para detectar no rictus do malogrado ministro Varoufakis o ego monstruoso do engenheiro social que, acreditando conhecer cientificamente o que é melhor para o seu povo, engendra um esquema clandestino para fazer o contrário do que o seu mandato lhe impunha; e a papada de Guterres, o traço estreito da boca de Cavaco, os olhos de goraz de Fazenda, o capacete de Roseta, o nariz de Sócrates, a adiposidade supranumerária de Costa, eram e são outros tantos traços indicativos de malformações mentais que a ciência política ignora sobranceiramente.

 

Sucede que o ministro Jorge Moreira da Silva tem uma cara irremediável de menino estudioso, daquela variedade que conhecemos nos bancos do liceu: marrão, teimoso, graxista dos professores, inteligente o bastante para ser o melhor da turma e burro o suficiente para a vida lhe passar ao lado. O destino natural destes deficientes é chegarem a catedráticos, produzirem uma obra completamente falha da mais leve centelha de originalidade, e jubilarem-se um dia no meio da consideração geral.

 

Infelizmente, em vez de se limitar a chatear os alunos com as suas fantasias bem-pensantes na área das alterações climáticas e energia, e encher os ares de Co2 a correr de avião para cimeiras ecológicas, Jorge tem uma carreira política. E resolveu, em plena campanha eleitoral, pôr em prática o que se dizia no Compromisso para o Crescimento Verde, um catálogo asnático de modernices, na parte em que estatuía: (...) "até 2020, introduzir 1250 viaturas elétricas e híbridas plug-in nos serviços do Estado" (...)

 

Aí está. Se a notícia não tiver sido, como é frequente, redigida com as patas, só para estudos são três milhões. E aos inúteis paliteiros de recarga eléctrica que Sócrates espalhou pelo país, e que apodrecem ao sol e à chuva à espera do totó que vem recarregar o seu carrinho de faz-de-conta, irão juntar-se outros milhares.

 

Talvez, nesta onda de fervor religioso pró-ambiente que os campus das universidades originaram, travestindo hipóteses em certezas, e agendas políticas de esquerda intervencionista em soluções, possa haver lugar para alguma sanidade, lembrando:

 

O modo como os funcionários se deslocam de e para o trabalho não é da tua conta, Jorge, é da conta deles. Se te achas no direito de decidir na matéria, cabe perguntar o que te impede de, amanhã, te lembrares, em nome da igualdade ou outro virtuoso pretexto, impôr as mesmas soluções aos restantes trabalhadores e seus patrões;

 

Se os carros eléctricos tiverem futuro, o mercado dirá. O que tu achas na matéria só terá interesse se quiseres pessoalmente investir em alguns empreendedores que querem revolucionar os transportes. De empresários visionários precisamos muito - mas com capital e crédito deles.

 

A ideia é poupar? E adquirindo 1200 carros eléctricos poupam-se 50 milhões exactamente como? Olha, Jorginho, do que não há falta é de empresários que sabem, de poupanças e negócios, mais a dormir do que tu alguma vez saberás acordado. Se a iniciativa fosse boa, já havia milhares de carros eléctricos a circular. E, na verdade, de certo modo, há, alguns: tuquetuques (e mesmo destes só os que não têm motor de motorizada).

 

Renovo o conselho que atirei ao vento há tempos, não apenas para substituir 1250 carros mas poupar, realmente poupar: eliminar, até 2020, 12500 viaturas nos serviços do Estado. E, não vá algum funcionário ficar apeado, todas as viaturas eliminadas devem pertencer a serviços a extinguir. Pode-se começar pelo Tribunal Constitucional e pelo próprio Ministério do Ambiente e um terço dos municípios. Deve sobrar.

 

publicado por José Meireles Graça às 11:53
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Sexta-feira, 24 de Julho de 2015

Alguns dados sobre Itália

Ontem, no Twitter falavam-me no caso de a Itália ter sofrido mais e ter crescido menos do que Portugal desde a crise de 2008. Sim, é um facto, mas há duas particularidades que penso serem essenciais para amortecimento dos impactos:

  1. Reduzida exposição da dívida pública ao exterior: A divida pública italiana é detida na maior parte por investidores italianos:

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  1. Dificuldades no acesso ao crédito privado: o endividamento privado manteve-se estável em torno dos 42,8% do PIB. Subiu (era 38,2% em 2007) mais pela redução do PIB que por incremento de crédito concedido. O peso nos rendimentos das famílias é de 62,9% enquanto na Zona Euro a média é de 96%.

Alguns dados macro recentes:

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Monti iniciou, e Renzi tem continuado, a reforma do mercado de trabalho no sentido de maior flexibilidade. Salário Médio 2014: 1.327 €/mês; 7 milhões de italianos vivem com menos de 1.000 €/mês. Em Itália não há salario mínimo.

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Se quiserem ver algum destes aspectos aprofundado, ou outros, por favor deixem na caixa de comentários.

É muito dificil obter séries dos últimos 2 anos no INE italiano. Há dados até 2013, mas a evolução mais recente não é mostrada na maior parte das tabelas. Não sei se é propositado, mas parece-me criar dificuldades à oposição e favorecer o governo. Exemplo: a carga fiscal tem dados apenas até 2013 (era cerca de 43%). 

 

 

 

 

 

 

publicado por João Pereira da Silva às 09:48
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Quinta-feira, 23 de Julho de 2015

Dúvida não-existencial

"O pedido de liberdade condicional foi pedido no final do ano passado, mas as novas acusações resultarão agora numa nova pena, cuja duração ainda não é conhecida".

 

Se o pedido não tivesse sido pedido, mas pelo contrário tivesse sido não-pedido, supõe-se que o homem continuaria não-solto.

 

Mas, na prática, nada disto interessa porque é um skinhead, e a essa categoria de não-pessoas não se aplica o direito à presunção de inocência e outras frescuras. Que outra razão poderia haver para o jornalista concluir que "as novas acusações resultarão numa nova pena"?

publicado por José Meireles Graça às 00:02
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Terça-feira, 21 de Julho de 2015

A esquerda socialista moderada está a ficar tonta?

Não consigo dizer, como o José Meireles Graça faz aqui, que a UE tem os dias contados.

Penso que até chegarmos a um ponto de não-retorno (se aí chegarmos) ainda vai correr muita tinta e muita luta entre as facções políticas que neste momento se radicalizam na Zona Euro com o apoio do extremistas interessados do Reino Unido.

A Itália, que uso como exemplo, talvez seja o pais da ZE onde o debate do Euro/Não Euro, mais tem adeptos há mais tempo. O consenso continua a ser maioritário em torno da permanência, embora a confiança na governação da UE seja baixa.

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A questão central é: a confiança que baixa. A confiança e a segurança fomentam-se, oferecendo aos cidadãos, uma perspectiva do rumo mais claro possível enquanto o navio navega em mar agitado.

É esse rumo que tem tido mensagens contraditórias por parte da liderança europeia. Por um lado, durante a cimeira da decisão grega, a Zona Euro deu um sinal claro: ou os gregos estão na Zona Euro, cumprindo as regras, ou devem sair.

Por outro, as hesitações de Hollande, o centro do consenso socialista europeu, passaram uma mensagem de medo, de receio sobre o que sucederá se os gregos saírem. É natural que a imposição aos eleitorados, da solidariedade com a Grécia a todo o custo, suportada pelos contribuintes europeus, não poderá deixar de ser vista com outro olhar que não seja o do receio e insegurança.

A posição de Hollande, pressionada pela direita radical francesa (medo de Le Pen) é também forçada por uma interpretação, a meu ver errónea, da manifestação de vontade mais barulhenta nas últimas semanas por parte da esquerda radical. Os radicais de esquerda são poucos, mas muito barulhentos e activos nos media e nas redes sociais.

Esse fenómeno estará também a acontecer em Portugal no PS dando origem às hesitações de Costa. Apoio ao Syriza - meias tintas - o "Syriza tem politicas tontas" - silêncio.

Naturalmente, a esquerda radical, está a perder contornos definidos, quando internacionalmente é sustentada, nos argumentos, pelas posições v.g., de Krugman, Stiglitz, Sachs, e outros referentes, pretensos moderados. Está a ser propulsionada pelo "mainstream" ideológico e a pressionar posições socialistas que nunca poderão obter apoio popular ao centro moderado.

A última tontice hollândica foi a proposta do governo ZE, a seis, e a criação de um novo parlamento.

Não se pode governar eficazmente a Zona Euro com tontices que produzem insegurança. Nem qualquer outro país ou bloco. 

Antes de dizermos que os problemas monetários da Zona Euro são insolúveis, podemos concentrar-nos nos constrangimentos oferecidos pelas tontices na política nacional e internacional e não nos deixarmos condicionar demasiado por eles?

 

publicado por João Pereira da Silva às 07:11
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Segunda-feira, 20 de Julho de 2015

Cadáver Adiado que Procria

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou o meu ser que houve, não o que há.
Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

 

Não sei o que diz hoje a historiografia sobre D. Sebastião. Da última vez que li alguma coisa sobre o homem e o seu tempo, ficou-me a ideia de um moço bastante estúpido e teimoso, com a cabecinha cheia de utopias sobre cavaleiros andantes e a expansão da Fé, já obsoletas no seu tempo para as pessoas mais esclarecidas e que, de resto,  contou com não pouca oposição à louca empresa de Marrocos.

 

A Pessoa a loucura não interessava senão para a admirar, nem a contabilidade do sucesso ou insucesso das decisões políticas o interessava - o core business da poética nacionalista dele era a desmedida, e por isso vive no coração de alguns portugueses que sabem ler e, creio, viverá enquanto a língua não se extinguir.

 

Podemos julgar que tudo isto pertence a um passado morto. Nada mais falso: o espírito de cruzada está entre nós, a propósito de tudo, e portanto também a propósito da Grécia, sob novas vestes - ontem era o cristianismo que se opunha ao islamismo, hoje são os pobres e explorados de um lado e os ricos e exploradores do outro. E sempre que aparece um cavaleiro andante que defende a viúva, a criança indefesa e o velhinho (hoje o desempregado, o trabalhador explorado e as minorias) podemos estar certos de que não lhe faltarão hossanas - mesmo que seja Alexis Tsipras.

 

Que Alexis Tsipras é um D. Sebastião podemos estar certos: até mesmo um apoiante seu (o prémio Nobel da Economia, na descrição usual da comunicação social, como se não houvesse outros) pasma. O homem foi para uma batalha que não podia ganhar, sem sequer ter planos para a fuga. Só não é o Encoberto porque está vivo.

 

Claro que os pobres gregos não são tão pobres como, por exemplo, os Búlgaros, os Croatas, os Estonianos, os Húngaros, os Letões, os Lituanos, os Polacos e os Romenos, além de estarem praticamente a par do Chipre, da Eslováquia, Eslovénia... e de nós. Mas, que importa? Os Cristãos não se distinguiam dos Mouros pela tolerância dos costumes, nem pelo avanço civilizacional; mas detinham a Verdade. E a Verdade deles ganhou (na lenda) em Roncesvalles e, na realidade, em Lepanto e muitos outros lugares.

 

A Verdade dos gregos, porém, não vai, nem pode, ganhar, e a musa inspiradora de Tsipras, que aderiu ao Partido Comunista por alturas da queda do Muro, explica porquê. Estamos no tempo da farsa: há outra maneira de descrever um acordo para fazer o roll over da dívida, que terá, porque não pode deixar de ter, efeitos recessivos, no qual os credores não acreditam, nem o devedor, para aplicar um programa dirigido por um Nicolás Maduro do Peloponeso? Isto quando todos os ricos já puseram o seu a salvo (a preocupação sobre quanto os gregos podem levantar dá vontade de rir - não pode haver nos bancos depósitos que se vejam), só se fossem loucos o repatriariam, e todo o arranjo sob a égide de um Eurogrupo que não tem existência legal e está paralisado pelo medo dos eleitorados, do calote, e do desmoronar do edifício no qual apostaram as carreiras e a reputação?

 

A Grécia vai-se arrastar até ao próximo default, ou até o seu eleitorado cair na real e descobrir que pode ter a sua moeda mas não ser nórdico; ou ser nórdico mas não ser independente.

 

As instituições vão correr para montar um edifício à prova de grécias; esse edifício vai aprofundar ódios e ressentimentos.

 

E Pessoa, que atribuiu a Cristo uma grande ignorância em matéria de finanças, virá a ter, por ínvios caminhos, razão.

 

Porque a União Europeia é já, e sê-lo-á mesmo que dure ainda dois ou vinte anos, um cadáver adiado que procria.

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publicado por José Meireles Graça às 21:33
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Sexta-feira, 17 de Julho de 2015

"Debunker": Nova oportunidade para profissão

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Debunking: Colocar em dúvida ou desmascarar afirmações falsas.

Lamento mas não encontro expressão equivalente em português. Talvez: "desmontar mitos".

Deveria ser criada a categoria profissional de "debunker" com equivalência à profissão médica. O "debunker" seria responsável por contribuir para a sanidade no debate público e publicações na comunicação social e redes sociais. Uma actividade a tempo inteiro implicando séria capacidade de investigação e argumentação, com elevado ROI (Retorno do Investimento). Alguns, graças a deus, já o fazem de modo amatorial, mas não chega. Seriam precisos, só para Portugal, centenas ou milhares de profissionais dedicados a desmontar argumentações falsas destinadas a promover agendas políticas.

Os perpetuadores de mitos, alguns profissionais, gente sem escrúpulos e disposta a retorcer o que quer que seja para impor uma "verdade útil ao interesse" produzem a velocidade e volume alucinante. Há muitos exemplos portugueses dispersos pela imprensa e televisões. Gente disposta a retorcer, ou mesmo a criar factos, por interesse pessoal, sem qualquer consideração pela realidade ou com a qualidade da informação passada à opinião pública.

A situação é grave e os perpetuadores de mitos marcam, com preponderância, a agenda mediática e dominam grandes sectores da opinião pública, intoxicando-a com o único propósito de ganhar vantagem, na luta político-económica, através da criação e manipulação da opinião crítica na decisão das escolhas democráticas.

Tenhamos muito cuidado com o que lemos e com aquilo em que decidimos acreditar.

Aplausos para os debunkers amadores. Votos de continuação do excelente e muito útil trabalho. Que continuem com sucesso a atirar factos aos perpetuadores de mitos.

 

 

publicado por João Pereira da Silva às 05:39
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Quinta-feira, 16 de Julho de 2015

Não temos vagar para ler

A ASAE, no cumprimento da sua missão pedagógica de ensinar às empresas como negociar, deu um claríssimo exemplo de como fazer "menos gala em ser forte com os fracos e mais forte com os fortes", impondo uma multa de um milhão de Euros ao grupo Jerónimo Martins, uma conhecida associação de malfeitores.

 

Parece que a escumalha que gere o Pingo Doce vendeu produtos abaixo do preço de custo, e isto gerou uma onda de indignação no seio da concorrência, bem como um intolerável peso na consciência daqueles consumidores que, desde a linda vila de Monção até à Mexilhoeira Grande, concelho de Portimão, adquiriram para cima de 3000 pacotes de fraldas de bebé e uma quantidade indeterminada de tronchudas e maçãs reineta.

 

Estes consumidores gananciosos, porém, nada têm a temer. A ASAE, ao contrário do que tem vindo a ser a sua prática, agora está virada para os fortes - ai deles, se desrespeitarem o DL n.º 166/2013, de 27 de Dezembro, PIRC para os entendidos.

 

Fui ler. É coisa de tomo: só o preâmbulo é maior que certos contos de Pessoa, recentemente publicados, e, como alguns deles, igualmente surreal. O propósito é, parece, a transparência nas relações comerciais e o equilíbrio das posições negociais entre agentes económicos. Gente ingénua poderia supor que, nas relações comerciais, o segredo é a alma do negócio; e que o equilíbrio das posições negociais resulta ofendido com intromissões do Estado - se o Pingo quer vender, por exemplo, tendas de campismo abaixo do preço de custo, e há quem as queira comprar, a situação está perfeitamente equilibrada. O prejuízo que daí decorra é um problema da gerência e dos accionistas; e a concorrência esfregará decerto as mãos por ver este prejuízo no vizinho.

 

Mas não. Este diploma prolixo, que se espraia por 21 artigos e centenas de alíneas, abre a porta a que a ASAE vá espiolhar as transacções de quem quer que tenha a porta aberta; e regula tudo o que se pode imaginar, e também o que ninguém sonharia, deixando apenas um assinalável vácuo legislativo para a circunstância de algum agente económico, no decorrer de uma transacção, a interromper para ir ler, para o quarto de banho, sob pretexto de uma súbita indisposição, os comandos legais.

 

O ministro teve o seu sound bite; a populaça meneará com aprovação a cabeça - é para esse fássista do velho Soares dos Santos, e os outros poderosos, aprenderem; a imprensa e a televisão encheram chouriços, de graça, com a notícia; a Oposição também terá decerto alguma coisa a dizer, provavelmente que há muito mais casos a requererem a intervenção morigeradora das polícias; e o próprio grupo, em tribunal, anulará a coima, que a lei tem tanto artigo, e tanta excepção, que o senso há-de passar por algum buraco.

 

Por mim, redigiria um novo diploma, a assinar pelos mesmos quatro ministros, além do Primeiro, que o subscreveram, com o seguinte preâmbulo:

 

A frequência de Bruxelas, feiras, encontros, conferências, workshops, entrevistas, debates e cocktails, e as viagens para acudir a tudo isso, rouba-nos o tempo necessário para prestarmos atenção à papelada que os serviços nos põem debaixo do nariz para assinar. E tendo os serviços uma tendência, natural em todas as burocracias, para regularem tudo o que mexe, fomos levados a querer corrigir defeitos do mercado, tarefa que manifestamente excede as nossas luzes. Razões por que o presente diploma revoga a legislação que imprudentemente levámos o senhor Presidente da República a promulgar, nomeadamente o denominado PIRC. Do mesmo passo, tomam-se providências para que os funcionários responsáveis pelo deslize que involuntariamente cometemos passem de imediato ao regime de mobilidade.

publicado por José Meireles Graça às 11:45
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Sexta-feira, 10 de Julho de 2015

O Gato das Motas

No momento em que escrevo não se sabe se realmente o parlamento grego vai engolir esta pílula amarga e, em caso afirmativo, se a populaça vai partir montras e queimar carros em quantidade recorde.

 

O meu palpite é que sim, vai engolir, e não, as manifestações não serão daquelas de entupir a praça Syntagma: pode haver uns quantos desacatos, mas as massas ficarão resignadamente em casa - é um governo de esquerda, man, e os governos de esquerda fazem, quando podem, o bem, e o mal apenas quando não têm outro remédio, caso em que a culpa é dos imperialistas, dos inimigos de classe, dos plutocratas, dos americanos, dos fássistas e do carago, em suma, dos outros.

 

Pode não ser assim. A política grega é de tal modo extravagante que prever os seus desenvolvimentos é como adivinhar o tempo que fará no próximo mês de Setembro: há-de estar calor, excepto se fizer frio.

 

O absurdo de fazer aos eleitores uma pergunta prolixa, mas que se resumia a saber se aceitavam ou não a austeridade imposta pela tróica pelas instituições, recomendando o não, para de imediato agir como se a resposta tivesse sido o sim, desafia a imaginação.

 

Tanto que as teorias conspirativas fervem: o medo de Putin, o secreto desejo de que a resposta ao referendo tivesse sido o contrário da que foi, as instruções de Obama a Merkel, um acordo tácito de que o programa não é para cumprir, tudo serve para explicar o volte-face.

 

Nesta entrevista, que se não for do próprio será de alguém muito próximo de Varoufakis, o Gato das Motas, encontra-se, creio, a chave da irracionalidade. Nela se reconhece que as autoridades sirízicas “underestimated” o poder de Schäuble, Dijsselbloem e de todos os outros. E confessa-se uma grande estranheza por os credores estarem preocupados com os seus bancos e os seus créditos, e nada com a legitimidade do governo grego, as suas credenciais democráticas, os direitos humanos: "... the Eurozone is completely undemocratic, an almost neo-fascist euro dictatorship". 

 

Pois subestimaram. E, salvo melhor opinião, ao eleitorado grego, como a eleitorado nenhum, convém que o seu governo subestime seja o que for, muito menos num assunto de tão transcendente importância. Nem se admite, senão a motards beatniks, que imaginem que, por apresentarem como reféns filas de velhos nas ATM, possam decidir o que fazer com o dinheiro dos outros.

 

Como diz o entrevistado: "We went to a war thinking we had the same weapons as them". Não tinham, claro. E também não tinham, nem têm, juízo:  "If he could negotiate with one at a time for an hour, the deal would be struck in a day". Varoufakis, Yanis, até pode ser que, de teoria dos jogos, saibas alguma coisa. De conselhos de administração não entendes nada: os votos não são por cabeça, são por quotas. E quem não quiser tem um bom caminho: sai da sociedade.

 

Era o que eu faria, se fosse grego.

  

publicado por José Meireles Graça às 21:42
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Arriscamos um gigantesco erro (mais uma vez) para os povos da ZE

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Muita água ainda vai correr até à aprovação da proposta grega no domingo próximo. Mais ainda, correrá depois para aprovação por parte dos restantes parlamentos nacionais onde a proposta deve passar por força da lei.

Mesmo com a aprovação de todos os parlamentos, não há qualquer garantia sólida de que os gregos cumpram o escrito. A hipótese é que a Grécia seja irreformável, liderada por um partido contra a austeridade, obrigado a aceitar um acordo de austeridade sem precedentes, depois de um referendo contrário à austeridade e depois de a dívida pública grega (vai subir!) ter sido declarada iníqua pela comissão do parlamento grego.

Neste momento, não há na oposição grega quem se apresente como alternativa defendendo a austeridade. Esta, vai durar mais do que o actual ciclo legislativo e há o sério risco de radicalização ainda maior, por parte do eleitorado grego. A Aurora Dourada (extrema-extrema-direita) espera que o poder lhe caia nas mãos, com a ajuda do sofrimento da classe média grega.

Há muito mais incerteza no resultado positivo do que probabilidade de sucesso e o menor risco, é que daqui a quatro anos estejamos de novo a questionar toda a organização da zona euro, com a radicalização ainda maior das posições de todos (notemos como nos últimos dias a opinião pública esteve em autêntica efervescência).

A economia europeia está há 3 semanas parada no que diz respeito a decisões de investimento. As empresas simplesmente não sabem com o que contar. Vamos ter nova recessão? O Euro vai continuar? Em limite, arriscamos uma nova guerra com o perigo geopolítico representado por uma saída da Grécia da UE?

Dito isto, em termos práticos, o que poderia ter sido feito?

A pergunta do referendo grego poderia ter sido:

- É a favor de uma saída organizada, mesmo que temporária, da zona euro com apoio dos restantes 18 estados?

Assim, os gregos decidiriam em consciência ficar ou partir, sendo responsáveis pelas futuras reformas se quisessem ficar ou sair do Euro. Os restantes ajudariam, a Grécia reformar-se-ia, ou não, e o Euro seria fortalecido podendo continuar a tímida retoma.

Tal como está agora previsto, somos todos nós, Europeus, responsáveis e fiadores das acções que não controlamos, de um povo obrigado a fazer algo muito doloroso, contra a sua própria vontade.

Tem tudo para correr mal, mas deixámos que um grupo de radicais, interessados em rebentar com tudo por motivos ideológicos, nos manobrassem durante seis meses. E vão andar por aí, alimentando-se de todas as fragilidades da integração europeia.

Estamos prestes a dar-lhes mais uma fragilidade com a aprovação do acordo: a ideologia alimenta-se do sofrimento e da emoção ressentida.

publicado por João Pereira da Silva às 09:16
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