Quinta-feira, 25 de Maio de 2017

A bolsa ou a vida? Para a justiça portuguesa, a bolsa...

2017-05-25 Oliveira Costa - Marido a machado.jpg

Eu bem sei que depois de décadas da mais absoluta impunidade dos corruptos, dos poderosos e dos ricos, a população estava sequiosa de alguém que lhes pusesse a mão em cima.

Eu bem sei que a justiça portuguesa, num sentido lato que abrange desde os legisladores, aos orgãos de investigação criminal, às magistraturas, estava condenada ao descrédito absoluto se não desse um golpe de rins nesta impunidade que deixou correr ao longo de décadas.

Eu bem sei que nos últimos anos a justiça arrepiou caminho e começou a perseguir alguns dos realmente corruptos, dos realmente poderosos e dos realmente ricos, não tenho a certeza se, por vezes, não ultrapassando a boa administração da justiça para montar um espectáculo mediático à base de violações do segredo da justiça, de entrevistas a magistrados que deviam permanecer discretos e têm poderes que dispensam a popularidade, e da ampla divulgação de meras suspeitas da investigação ou hipóteses por provar como se fossem as acusações solidamente provadas.

Eu bem sei que neste tempo novo judicial em que a justiça passou a perseguir os corruptos, os poderosos e os ricos, quem critique a justiça ou questione se ela não ultrapassa por vezes os limites da legitimidade e mesmo da legalidade neste espectáculo mediático corre o risco de ser apontado como lacaio ao serviço dos corruptos, dos poderosos e dos ricos por todos os que passaram décadas a ambicionar vê-los um dia ser perseguidos e para quem qualquer condenação é sempre insuficiente para o que considera que eles merecem.

Eu bem sei que qualquer iniciativa de legisladores no sentido de impedir ou limitar os abusos, se é que os há, da investigação criminal será fulminada pela suspeita pública de constituir uma tentativa de os políticos se protegerem uns aos outros, o que constitui um incentivo muito sério para deixar correr a administração da justiça tal e qual ela está.

Mas, porra!*, não há mais ninguém que ache uma inversão de valores aberrante, perversa e mesmo desumana, autores de crimes de colarinho branco que não atentaram contra mais do que o dinheiro dos outros, ou o de todos nós, e por múltiplos e maiores que possam ser os crimes contra o dinheiro que tenham cometido, serem condenados judicialmente a penas mais pesadas do que autores de crimes horríveis contra a vida? Mais ninguém acha que se está a valorizar mais o dinheiro do que a vida?

Eu acho, e sinto nojo por isso.

 

* Para quem sabe que sou um minhoto de raízes e coração, caralho!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 17:40
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Ratos e homenzinhos

Dantes ter um furo nos pneus era vulgar, hoje raro. Mas antes, agora e no futuro até que os carros levitem, nunca ninguém me viu ou verá a mudar uma roda se tiver ao lado uma pessoa que acha que o sabe fazer melhor do que eu.

 

Por esta razão nunca preenchi uma declaração de IRS, tarefa que sempre cometi a um antigo colaborador a quem de há muito tolero uma quantidade inverosímil de asneiras, por troca com a paz de espírito que advém de, com o Estado, seus agentes, impressos e procedimentos, manter a maior distância que for possível.

 

No ano passado, paguei uma pipa (para os meus recursos) de dinheiro, que atribuí a algumas pequenas alterações nos rendimentos do agregado familiar, por herança, e à natural rapacidade de um governo socialista, de mais a mais coligado com duas associações de bandidos e malfeitores.

 

Este ano, a simulação do imposto a pagar, que o meu colaborador em questão me enfiou debaixo do nariz com perversa satisfação, teve um efeito súbito e deletério na minha tensão arterial, que geralmente se comporta com uma serenidade budista.

 

Tanto que com o mesmo suporte documental fui pedir a simulação a um gabinete contabilístico, que chegou a um resultado mais de um terço inferior.

 

Feito o cotejo das duas declarações foi fácil concluir que numa estava piscado um quadradinho que dizia desejar o casal "englobar rendimentos" e na outra não.

 

Qualquer uma das lamentáveis personalidades que têm ocupado o lugar de Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, incluindo o actual com a sua rotundidade falsamente bem-disposta, o anterior com a sua rigidez obtusa, e os outros que desde Paulo Macedo (que não foi SEAF mas deixou grata memória aos esquerdistas como Director-geral dos Abusos, Exacções e Tropelias do Estado) achará que um tipo que põe numa merda de um papel oficial, por ignorância ou distracção, uma cruzinha onde não deve merece severo castigo, e um agravamento dos impostos parecer-lhes-á adequada punição. Se fossem familiares do Santo Ofício decerto veriam hereges em todos os cantos, e se fossem membros do Politburo da URSS reaccionários por toda a parte, uns merecedores da fogueira e os outros do gulag.

 

Isto acham eles com certeza. Já eu, que os desprezo ainda mais do que eles desprezam inconscientemente o Estado de Direito, acho que a porcaria dos programas informáticos em que torram milhões bem poderiam, a partir das informações que os contribuintes e os serviços disponibilizam, optar SEMPRE pela taxa legalmente mais baixa, sem contar, com esperteza saloia, que incautos, distraídos e ignorantes caiam numa ratoeira.

 

Porque as ratoeiras fazem-se para apanhar ratos. Dos ratos não se deveria esperar,  mesmo que fossem para o Governo, que fizessem ratoeiras para apanhar cidadãos.

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publicado por José Meireles Graça às 14:19
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Terça-feira, 23 de Maio de 2017

A arte de viver (e sobreviver) fora do Procedimento por Deficit Excessivo

2017-05-22 PDE Público.jpg

A Comissão Europeia tornou pública ontem a recomendação de retirar Portugal do Procedimento por Deficit Excessivo (PDE).

Talvez não fosse essa a intenção do jornal que hoje em dia mais se aproxima da função que um dia foi assegurada pelo Acção Socialista, mas, de tudo o que foi ontem publicado sobre o tema, os dois títulos que melhor sintetizam os desafios que esta retirada nos colocam são justamente do Público: "Portugal cresce e fica hoje sem alguns travões de Bruxelas. E agora?" e "Centeno feliz: Vamos poder fazer o que não podíamos fazer até agora".

Estes títulos significam que se podem dar os parabéns ao governo socialista, porque sem o policiamento de proximidade do Eurogrupo e das instituições europeias, sem "travões", vai ter mais liberdade para fazer as vontades aos partidos que o sustentam, PS incluído, se não fazendo crescer o deficit, já que é mais fácil controlar o deficit através de artifícios contabilísticos, e tem sido historicamente feito com requintes de fenómeno do Entroncamento pelos governos socialistas, do que controlar a dívida, até porque a dívida não é só contabilizada e divulgada pelos devedores mas também pelos credores que são tradicionalmente relutantes em esquecê-la ou perdoá-la, acumulando dívida a um ritmo ainda maior do que tem vindo a acumular. E que em 2016 já foi bastante superior a dois vírgula tal por cento do PIB.

Aliás, os partidos que sustentam o governo no parlamento não perderam tempo a apresentar exigências para que, uma vez que o deficit contabilizado deixou de ser excessivo, se utilize a folga na vigilância orçamental das instituições europeias para o fazer elevar de novo à categoria de excessivo. E, sem travões, esta gulodice é irresistível e vai ser satisfeita na medida em que o governo a consiga satisfazer.

Pelo que é algo duvidoso que, mesmo se o governo português está de parabéns, os portugueses também estejam, nomeadamente as gerações mais novas a quem vai calhar no fado servir e pagar a dívida que a nossa geração lhes está a deixar.

  • Deixando de ter o travão do controlo mais apertado das instituições europeias decorrente do PDE, quem vai defender os interesses dos contribuintes, nomeadamente das próximas gerações, desta voracidade de os depenar para comprar apoios e votos no curto prazo?

As entidades independentes, como o Banco de Portugal e o Conselho de Finanças Públicas, podem dar uma boa ajuda.

Em teoria, porque na prática já se percebeu que o governo, além de as procurar ridicularizar sistematicamente perante a opinião pública do modo grosseiro que é o seu, e é decalcado dos modos e da educação do primeiro-ministro, e de o presidente da república não mexer um dedo para o confontar com aquilo onde outros vêem uma intolerável falta de respeito institucional por essas entidades e em vez disso ir também soltando a sua piadinha ocasional sobre elas, está também a fazer o que está ao seu alcance, que não é tudo, mas é alguma coisa, para bloquear o seu funcionamento, nomeadamente pela recusa em nomear para as constituir e dirigir personalidades que não façam parte da sua maioria de sustentação parlamentar. Também sem qualquer reacção do presidente da república, pelo que a eficácia das entidades independentes vai ser reduzida a nível de não terem capacidade para defender os contribuintes.

Terão que ser eles próprios, os contribuintes, ou a opinião pública, a publicada esforça-se mais por apoiar entusiasticamente o governo, ou por agenda política ou porque isso a beneficia em interesses onde o governo tenha uma palavra a dizer, do que os contribuintes.

  • E o que podem os contribuintes fazer para fiscalizar um governo socialista sem travão?

A medida que tradicionalmente é mais observada para avaliar a sustentabilidade das finanças públicas é o deficit público.

  • Mas será o deficit público a medida que deve ser acompanhada com mais cuidado?

O último governo socialista, de que fizeram parta grande parte dos governantes actuais, conseguiu demonstrar que é possível ir apresentando deficits públicos razoáveis até à iminência de uma catástrofe.

O deficit é, como os resultados negativos nas empresas, um indicador contabilístico calculado de acordo, mas o acordo pode ser mais ou menos fiel, com um conjunto de normas e critérios. Uma empresa pode, com as mesmas despesas e receitas mas ajustando critérios contabilísticos, apresentar resultados diferentes em função do que lhe for mais vantajoso: quando faz uma compra, se e a sua maior preocupação for reduzir os impostos, contabiliza a compra como custo e reduz o resultado; se a sua maior preocupação for o marketing financeiro dirigido aos accionistas e bancos, contabiliza-a no imobilizado e apresenta um resultado melhor. Os governos têm a mesma flexibilidade, e os governos socialistas têm provas dadas de que conseguem dar a volta ao deficit, mesmo quando são controlados pelas instituições europeias.

Não é, pois, acompanhando cuidadosamente a evolução do deficit público apresentado pelo governo socialista que os contribuintes portugueses vão conseguir detectar riscos de catástrofes a tempo de as evitar. O deficit público não é suficientemente eficaz como sinal de alarme para evitar catástrofes financeiras.

E, sendo a causa inegável de problemas de sustentabilidade das finanças públicas, gastar mais do que se ganha origina problemas no futuro, quer seja a uma dona de casa, a uma empresa ou a um governo, o deficit público também não é "o" problema em si. Se eu gastar mais do que ganho até consigo ter uma vida melhor, e ter uma vida melhor não é para mim um problema. Se alguém me oferecer o que gasto em excesso do que ganho, não é até problema nenhum, é, pelo contrário, um prazer. O problema é que, se ninguém mo oferece, tenho que me endividar para o financiar, o que também não é em si um problema, apenas mais uns envelopes com contas todos os meses na caixa do correio. O problema real é que um dia terei mesmo que pagar a dívida. Não em percentagem do meu rendimento nessa altura, mas em euros.

Pelo que, se os contribuintes portugueses querem doravante incrementar a vigilância sobre a sustentabilidade financeira da acção de um governo com apetência e estímulos para ser populista, e tentar compensar a redução da vigilância das instituições europeias decorrente da saída do PDE, devem observar com o máximo cuidado, não o deficit público, que o governo pode facilmente manipular para lhe dar aparência de controlado, mas a evolução da dívida pública, que representa precisamente o ónus que eles e as gerações futuras terão que suportar pelos excessos populistas dos governos actuais e passados.

  • Querem ver uma aplicação deste critério à execução orçamental de 2016?

Em 2016 o governo português conseguiu um déficit público de dois vírgula poucos por cento. Merece que lhe dêem os parabéns!

Em 2016 a dívida pública de que os portugueses têm que pagar os juros e terão um dia mais tarde que reembolsar cresceu 9,5 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 5% do PIB. Mil euros por português, três mil para um agregado familiar de três pessoas como o meu, seis mil para uma família numerosa com quatro filhos. Merecem que lhes apresentem os pêsames.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:05
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Domingo, 21 de Maio de 2017

Livres das instituições europeias, ficamos finalmente entregues à bicharada

2017-05-22 Wolfgang Schäuble - Hitler.jpg

Amanhã vamos sair do Procedimento por Deficit Excessivo, se Deus quiser. Estamos de parabéns.

Estamos?

Reza uma certa histeria colectiva inoculada e propagada por todos os partidos da esquerda, parlamentar e extra-parlamentar, e também pela direita radical, nomeadamente a populista, que os procedimentos por deficit excessivo, assim como, de uma maneira geral, todos os regulamentos e controlos impostos aos governos dos países pelos tratados europeus em matérias orçamentais, limitam a soberania e a liberdade dos governos para resolverem os problemas dos cidadãos que governam e defendem os interesses egoístas ou até obscuros dos bancos, das economias do centro da Europa, dos seus governos, ou, para resumir a rede de facínoras em poucas palavras, da senhora Merkel e do senhor Schäuble, por acaso ambos Doutores, ele em Direito e ela em Química Quântica, mas senhores, o que é até um elogio comparativamente com os qualificativos que usam para se referir a eles quando falam entre si ou para públicos seleccionados. Pelo que a libertação destas grilhetas permitirá aos governos conduzirem os seus povos até aos níveis de prosperidade que justamente ambicionam. É isso que pregam a esquerda moderada e radical e a direita radical.

Na verdade, não são os interesses da senhora Merkel e do senhor Schäuble que os procediments por deficit excessivo defendem. Servem para proteger os contribuintes de governos perdulários que, em vez de financiar com impostos impopulares as despesas populares que fazem para conquistar o coração dos eleitores, que como toda a gente sabe bate do mesmo lado do bolso onde guardam a carteira, preferem financiá-las com dívida, um conceito quase abstracto enquanto se usufrui dela para se consumir mas muito concreto quando chega a hora de a remunerar com juros e a reembolsar, mas isso será mais um problema dos filhos e dos netos do que deles. Servem para impedir os governos de conduzir os seus povos até circunstâncias em que a cura é mais dolorosa do que a doença foi até aí, se bem que muito menos do que se se deixar a doença evoluir.

É que se vai tornando notório que, mesmo conseguindo dar a muitos problemas respostas que, mesmo quando não são suficientemente satisfatórias, são menos insatisfatórias do que as das alternativas, as democracias têm uma certa dificuldade em tomar as decisões mais adequadas para os cidadãos quando os chamam a decidir entre o curto prazo e o médio e longo prazo, e entre uma prosperidade actual aparente financiada por dívida, que mais tarde se vai pagar à custa de muito sangue, suor e lágrimas, e uma modéstia actual para basear a prosperidade possível no futuro, tem-se verificado que caem muito frequentemente na armadilha encantatória da primeira.

Pelo que a partir de amanhã o governo português que, mesmo com rédea apertada, conseguiu fazer aumentar a dívida pública portuguesa no último ano ao ritmo de 24 mil euros por minuto, ao mesmo tempo em que o crédito ao consumo tem sido concedido ao ritmo de 12 mil euros por minuto, vai ter rédea muito mais solta para nos conduzir muito mais rapidamente até à próxima tragédia, que será pior do que a anterior porque os que nos salvaram na anterior se arrependerão com a inutilidade do investimento que fizeram na nossa salvação.

Amanhã vamos sair do Procedimento por Deficit Excessivo. Apertem os cintos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 22:48
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Terça-feira, 16 de Maio de 2017

Promessas, leva-as o Metro

2017-05-14 Metro de carpinteiro.jpg

Num mundo em que até é proibido, e mesmo criminalizado, a um partido aceitar a disponibilização gratuita de um auditório municipal para organizar uma sessão pública, por violar a proibição de os partidos receberem financiamento de pessoas colectivas e uma câmara municial ser uma pessoa colectiva, a expansão do Metro é o melhor dos instrumentos para a propaganda política, autárquica pelo alcance local, mas também nacional por ser um tema de aferição da ambição e do progresso dos decisores de grande visibilidade. Até porque promessas leva-as o vento e só muito depois das eleições autárquicas ou nacionais que pretendem influenciar se chega a ver se foram cumpridas ou, o que é certo e sabido, mas muitas vezes esquecido no momento de as ouvir, e de votar em consequência com a generosidade da oferta, não foram.

Quem tem a faca e o queijo na mão é, naturalmente, o accionista da empresa do Metro, o governo, cujos planos são em teoria promessas credíveis, por ter o controlo do mealheiro de onde as paga, ao contrário dos da oposição, que não passam de aspirações irrealistas e demagógicas. E, quando se aproximam eleições autárquicas de Lisboa, e as deste ano estão aí a bater à porta, é chegado o momento de os tirar dos estiradores e os espetar nos telejornais em horário nobre. A história explica que não é para lhes dar muita importância, porque a correlação entre os planos de expansão apresentados pelos governos ou exigidos pelas oposições e os planos de expansão concretizados é muito reduzida, mas é tema que entra facilmente no imaginário popular e dá-se-lhe sempre alguma importância.

Desta vez o governo veio em auxílio do futuro candidato socialista à Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, é quase garantido quem está numa câmara recandidatar-se, mas normal deixar para a última hora o anúncio da candidatura de modo a usar até o mais tarde possível todos os meios de propaganda que o governo da câmara lhe proporciona, desde obras, a cartazes ou meros boletins municipais, passando por sessões públicas nos auditórios municipais, estas dentro da lei porque não são iniciativas de partidos mas da própria câmara, anunciando, numa manhã de primavera, a construção de quatro novas estações dentro da cidade de Lisboa, e na tarde do mesmo dia, a construção de apenas duas e a promessa de mais outras duas, o que vai dar ao mesmo e tem o mesmo efeito eleitoral, porque é tudo para se fazer muito depois de receber os votinhos nas eleições, mas sai muito mais barato.

De caminho, confirmou o que já tinha sido sugerido na última cerimónia de inauguração de uma estação, a da Reboleira, que a prioridade agora passaria a ser construir mais estações dentro de Lisboa, fechar a rede, e adiar para as calendas gregas a expansão das linhas fora de Lisboa, entre as quais o prolongamento da linha que serve a Amadora desde a estação da Reboleira até ao Hospital Fernando Fonseca, o Amadora-Sintra, passando pelo centro da Amadora. Aliás, com uma estação planeada à distância ideal da minha casa, ou seja, suficientemente longe para eu não levar com a poeira das obras quando estiver em construção mas suficientemente perto para poder sair de casa e ir a pé até à estação quando estiver em funcionamento. Que tinha sido prometida, por quem? pelo anterior governo socialista, o do Sócrates de boa memória, justamente por um dos muitos governantes que transitaram directamente desse governo para o actual, a então secretária de estado dos transportes Ana Paula Vitorino, e quando? no período que antecipou as eleições autárquicas de 2009. Eu já tinha avisado.

Nessa época era conveniente apoiar a reeleição do então Presidente da Câmara da Amadora Joaquim Raposo com um anúncio de uma expansão do Metro para servir a Amadora, agora é mais importante apoiar a eleição (ia dizer reeleição mas ele nunca foi eleito) do Presidente da Câmara de Lisboa e delfim do primeiro ministro, e quem parte e reparte e para o delfim não guarda a melhor parte ou é burro ou não tem arte, e os manhosos dos socialistas que nos governam têm a arte toda. Está nos livros, e assim foi feito.

Às duas mais duas estações oferecidas agora pelo governo ao candidato Fernando Medina para brilhar na campanha eleitoral, respondeu a candidata Assunção Cristas dizendo que, com rasgo e ambição, o governo devia ter prometido vinte em vez de duas. Candidata à Câmara Municipal de Lisboa, note-se, pelo que o rasgo e a ambição chegaram-lhe para pedir vinte novas estações mas não lhe chegaram para reclamar as três da ligação da Reboleira ao Hospital Fernando Fonseca.

O nacional situacionismo socialista caiu-lhe em cima, claro, por estar a fazer promessas demagógicas e disparatadas, onde é que já se viu alguém pedir vinte estações de Metro, onde é que se vai buscar dinheiro para as construir? Acalmado do povo o gran sussurro, recordou-se que estas vinte que ela pediu não são mais do que uma selecção das trinta que o governo socialista anterior tinha prometido quando já se lhe estava a acabar o dinheiro mas ainda havia campanhas eleitorais para fazer. Quem dá mais acabam sempre por ser os socialistas.

Eu vou poupar aos leitores os detalhes da história, ou não sairiamos daqui, tamanha a variedade de planos de expansão que são proclamados ou reclamados ou protestados. Será suficiente assinalar que são apresentados quando estão a chegar eleições autárquicas de modo a favorecer o candidato do partido do governo à Câmara Municipal de Lisboa ou de algum dos concelhos limítrofes abrangíveis pelo Metro, que o partido da situação fica satisfeito com a promessa, mesmo que fique muito aquém do que reclamava antes, e os partidos da oposição insatisfeitos, mesmo que a promessa ultrapasse o que tencionariam fazer se estivessem na situação, mas que isto tudo é um bocado indiferente, porque no mundo real o Metro se vai expandindo ao seu próprio ritmo, que é o do dinheiro que se vai arranjando para o expendir, e que não coincide em nada com o ritmo voluntarista das campanhas eleitorais.

De modo que podemos concluir que as promessas de expansão do Metro são iguais ao litro.

 

PS: Ó Doutora Assunção Cristas, se me está a ouvir, queria-lhe dizer que a acho uma simpatia de pessoa, mas que os amadorenses, pese embora o handicap de não poderem votar em si por não terem direito de voto nas eleições autárquicas de Lisboa, e talvez até merecessem poder votar pelos impostos e taxas que largam neste concelho, desde a derrama das empresas de Lisboa onde trabalham e para cujos resultados contribuem, ao IVA deixado por eles nos restaurantes ou lojas de Lisboa que frequentam, a todas as taxas e taxinhas que incidem sobre as empresas de quem são clientes, mas não têm direito de votar, também são pessoas, com sentimentos e necessidades e aspirações, alguns até são também uma simpatia de pessoas, de modo que deixe-os lá ambicionar um dia também vir a ter Metro até ao hospital como a senhora e muitos lisboetas já têm, e alguns até estações de Metro à distância ideal as suas casas. E alguns deles até votam no CDS, se bem que na Amadora. Como disse uma vez o saudoso José Torres, o Bom Gigante que também morava na Amadora, deixe-nos sonhar!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:40
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Sábado, 13 de Maio de 2017

Mamadou deu uma entrevista

Mamadou deu uma entrevista.  E eu, que não conhecia este filósofo social, fui lê-la por a ver citada encomiasticamente.

 

Venho impressionado porque Mamadou não diz senão asneiras, e asneiras incomodativas porque se inserem na vasta tendência para policiar o pensamento que, com origem nos Estados Unidos, chega agora, com o atraso da praxe, às nossas costas, juntamente com garrafas de plástico, hidrocarbonetos e outros detritos.

 

E como este pensador é, pelos vistos, assessor do Bloco de Esquerda, as patetices que expectora têm potencial para afectar a nossa vida e as nossas liberdades. A razão, circunstancial, é simples: a economia que o Bloco deseja contraria a que os nossos patrões europeus consentem, e portanto o PS não pode dar à Sara Bernhardt da Companhia de Teatro de Visões Úteis (não estou a inventar, semelhante coisa existiu sem ser o departamento de teatro do Hospital Conde de Ferreira), nem aos restantes dementes que compõem o grupo parlamentar do BE, o que ela quer. E como na economia e nas finanças não pode ser, haverá que ser noutras áreas, seja a protecção dos animais, o combate à evasão fiscal, a igualdade entre os sexos, as novas formas de parentalidade, as modernas teorias pedagógicas, o racismo e quanto disparate o marxismo recauchutado inventou para fazer um homem novo - se não podes para já, enquanto o IRS não chega aos 100%, ser materialmente igual ao teu vizinho, que ao menos penses sob ameaça o mesmo que ele em áreas sensíveis.

 

Que diz então Mamadou? "Denuncia o racismo estrutural existente em Portugal, visível nas demolições em bairros sociais como o 6 de maio, na Amadora, ou na forma de atuação das autoridades, isto numa altura em que as imagens de uma agressão de um militar da GNR a um cidadão brasileiro, em plena repartição das Finanças, no Montijo, estão a dividir a opinião pública. Para o dirigente do SOS Racismo, o racismo que existe no nosso país é fruto do 'imaginário colonial' que subsiste nos dias de hoje, uma vez que Portugal ainda não foi capaz de fazer a sua 'catarse histórica'. Neste sentido, critica o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, por ainda “não ter descolonizado a sua mente”.

 

Não conheço felizmente o bairro 6 de Maio, de nome aliás suspeito (que raio se passou em 6 de Maio?), nem sei quem lá vive, mas, mesmo sem conhecer, e sem estar seguro de que a entidade que deliberou a demolição saiba o que está a fazer, há maneiras de reagir contra decisões ilegais. E se essas maneiras nem sempre são acessíveis a quem é pobre, sê-lo-ão certamente a uma associação. É isso que o SOS Racismo vai fazer? Não, que ideia.

 

Envolvi-me numa discussão no facebook com um polícia que defendia com os argumentos de caserna e corporativos que seriam de esperar a atitude do seu colega do Montijo, de resto sob os aplausos da escumalha justiceira que pulula nas redes sociais. Nem ele, que defendia a selvajaria, nem eu, que a atacava, alguma vez mencionámos a condição de estrangeiro, e menos ainda a de provável gay, que o "arruaceiro" aparentava ter. E não fiquei de modo nenhum com a impressão que isso tivesse para o polícia qualquer relevância: era perfeitamente capaz de adoptar o mesmo procedimento abusivo em relação a qualquer outro cidadão que estivesse a ofender o respeitinho que ele imagina ser devido à autoridade. Mas mesmo que o factor "estrangeiro" ou "paneleiro" tivesse pesado, não deve isso ter qualquer relevância nem sequer como agravante: todos os cidadãos merecem tratamento igual e a sanção das ofensas aos seus direitos não deve ser agravada ou aliviada por causa das convicções dos seus autores. É isto que defende Mamadou? Claro que não.

 

Mamadou, ou outras cabeças pensadoras, vão fazer trabalhos de investigação e publicar livros onde se vertem teses dolorosas e convincentes para corrigir o "imaginário colonial" e promover a necessária "catarse histórica"? Que trabalheira, credo, há maneiras mais expeditas de convencer as pessoas. A toque de caixa, por exemplo.

 

Que o presidente Marcelo "precisa de descolonizar a sua mente" - não poderia estar mais de acordo. Mas Mamadou não parece entender muito de processos mentais: semelhante operação implicaria que Marcelo removesse previamente a prodigiosa quantidade de ficheiros inúteis que lhe entopem o disco duro, mais uma grande acumulação de bugs, após o que estaria em condições de instalar o software do Bloco. Mas nem o novo software é recomendável segundo as opiniões mais avisadas nem o disco duro em questão tem tamanho para uma operação de tal envergadura.

 

"Prova disso é que as questões raciais 'deixaram de ter centralidade na intervenção dos partidos políticos' e que o Governo português não foi, ainda, longe o suficiente no que diz respeito à lei da nacionalidade ou à criminalização do racismo, considera Mamadou Ba".

 

Não estou muito familiarizado com esses momentos abençoados em que as questões raciais tiveram "centralidade", e portanto igualmente não me apercebi de quando deixaram de ter. E como o ilustre, e até agora ignoto, entrevistado explica lá para o fim que ir mais longe no que diz respeito à lei da nacionalidade significa que quem nasce em Portugal é português, vejo-me coagido a fazer-lhe um processo de intenção, declarando: se é para entupir o país de Mamadous, não, obrigado, já sustentamos uma quantidade mais do que razoável de inúteis. Quanto à criminalização do racismo receio bem que seja exigível previamente uma definição objectiva do que por tal conceito se entende, e em que consiste o crime: se é para proibir as pessoas de terem, e emitirem, opiniões racistas, sou contra, por privilegiar o direito à livre manifestação da opinião; se é para proibir comportamentos discriminatórios com base na cor da pele, ou na religião, ou nas convicções políticas, ou na orientação sexual, tais proibições já estão contempladas na lei.

 

"Temos o 'racismo ordinário' e o 'racismo subtil' - apesar de eu não gostar muito desta expressão. O 'racismo subtil' está na atuação das instituições públicas e privadas, está presente no acesso aos serviços mais básicos e está nas relações sociais quotidianas. Quando eu, por exemplo, pretendo alugar uma casa e o proprietário ou agente [imobiliário] descobre que eu sou diferente, ou pelo sotaque, pela cor da pele ou pela origem, é uma forma de racismo".

 

Em matéria de ilícitos e crimes não há lugar para presunções, mais ou menos ou assim-assim. Portanto, o agente imobiliário não alugou a casa a um preto mas arrendou-a a um branco com a mesma situação económica e que oferecia as mesmas garantias? Provem e queixem-se. Dá muito trabalho, custa dinheiro, e consome tempo? A Justiça funciona mal para todos, tenham paciência, brancos, pretos, pobres, ciganos e tutti quanti; e funciona um pouco menos mal para quem tem recursos e advogados, situação que só nos deve interessar se o seu remédio não for pior do que a doença. Agora, não me venham cá com distinções especiosas entre racismos ordinários e subtis: as mesmas distinções de atitude existem para mulheres bonitas e feias, ou ricos e pobres, sem que para toda a discriminação subtil exista remédio, e sem que todas as categorias de ofendidos andem por aí a gemer e a reclamar uma especial atenção à sua condição.

 

"Temos uma violência policial muito enraizada no racismo. Vários jovens foram mortos pela polícia, em circunstâncias absolutamente indefensáveis do ponto de vista da absolvição dos códigos de procedimento da atuação da polícia, simplesmente porque eram negros ou ciganos".

 

As polícias, em Portugal, têm uma tradição de abuso e impunidade, que resulta das deficiências da sua formação, do militarismo dos seus comandos, dos reflexos condicionados das magistraturas (que tendem a não castigar o exercício abusivo da autoridade por suporem que isso pode diminuir a sua própria), do justicialismo presente na opinião pública, e da cobardia do poder político que só quer defender princípios na medida em que com isso não perca votos. Isto será assim, é o meu palpite. Mas nem Portugal é um caso particularmente assinalável pela negativa, nem o problema é fácil de resolver, nem o fundamento racista das atitudes policiais em relação a comunidades "diferentes" está demonstrado. Caberia perguntar, por exemplo, por que razão a comunidade chinesa, aqui e em toda a parte, está relativamente ao abrigo de incidentes.

 

Em vez das críticas gemebundas do entrevistado, que são aliás as comuns na área política a que se acolhe, o SOS Racismo faria bem em dedicar-se a perceber por que razão a criminalidade é mais alta em certas comunidades do que noutras. E se encontrar como resposta que as famílias estão mais desestruturadas e que a taxa de desemprego é muito maior faria melhor em tentar remediar esses males - dentro de si e não na imposição de comportamentos de discriminação positiva a terceiros.

 

"A opinião pública está formatada pela opinião publicada. E isto é um problema. A opinião publicada tem procurado criar uma narrativa de perigosidade em determinadas classes sociais e em determinados lugares no nosso país. Há bairros que são considerados perigosos por serem habitados por determinadas pessoas. Essa retórica e todo o circo mediático que se constrói em torno do perigo que existe nestes bairros, da ameaça à ordem pública que representam as pessoas de determinadas características culturais e fenotípicas, faz com que, obviamente, haja a ideia de que a atuação da polícia condiz com a necessidade de garantir a ordem pública".

 

Lá que a opinião pública está formatada pela opinião publicada estou, em parte, de acordo. A opinião publicada portuguesa, por exemplo, acha há quarenta anos que em tirando aos ricos e dando aos pobres ficam todos remediados, e a opinião pública acha consequentemente o mesmo, donde nem o país cresce, nem a dívida diminui, nem a classe média se alarga, nem os ricos existem em maior quantidade. Mas é inegável que Trump foi eleito contra a opinião publicada, e que Marine Le Pen teve muito mais votos nas urnas do que os indiciados pelo apoio nos meios de comunicação social. Vamos fazer o quê? Um catálogo de ideias acertadas para os jornalistas papaguearem? Mas o catálogo de quem? O meu ou o de Mamadou e Mariana Mortágua?

 

"No entanto, o que as pessoas se esquecem é de perguntar porque é que a policia não atua da mesma forma quando entra na [avenida] 24 de julho e quando entra na Cova da Moura. Obviamente que o que determina a musculatura da intervenção das forças de segurança é o preconceito racial. Há uma espécie de espaço de sessões jurídicas em determinadas zonas do país onde as forças de segurança acham que, por estas serem habitadas por determinadas pessoas, não são obrigadas a cumprir determinadas práticas deontológicas. Isto tem que ver, efetivamente, com a questão racial, e as pessoas esquecem-se, muitas vezes, de que Portugal ainda é um país que tem uma cultura bastante colonial. Enquanto não for feita a catarse histórica relativamente à escravatura e ao colonialismo obviamente que teremos sempre pessoas que vão continuar a justificar o seu racismo".

 

Épá, realmente tenho-me esquecido de perguntar isso. Mas estive a reflectir durante quase dois minutos e ainda vou a tempo de responder: a polícia vai aos sítios onde é mais provável encontrar drogas, armas, traficantes e bandidos, de forma diferente da que usa quando vai a sítios onde encontra bêbedos e tipos sem carta de condução. Abusa em ambos os lugares, e abusa de forma diferente porque nos primeiros é mais provável levar um balázio e em ambos os atropelos ficam impunes. Será por racismo? Tretas.

 

O resto é mais do mesmo e consiste basicamente nisto: o colonialismo foi um horror e os descendentes dos colonizadores devem levar a mão à consciência e ao bolso, pedindo desculpa aos descendentes dos colonizados ao mesmo tempo que rapam da carteira de cheques.

publicado por José Meireles Graça às 20:49
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Quarta-feira, 10 de Maio de 2017

Em casa

Tirando os comunistas e os bloquistas (e mesmo assim sem conseguirem esconder que a senhora Le Pen lhes dá calafrios) quase toda a gente em Portugal se felicitou pelo resultado das presidenciais francesas.

 

Costa, que já tinha ganho as eleições gregas quando ainda não havia perdido as portuguesas, ganhou também estas. O homem está condenado a ganhar tudo e o seu oposto, pela razão de que, ao contrário dos políticos vulgares, que são oportunistas na medida das suas necessidades tácticas, preservando todavia um núcleo de valores distintivos, Costa não tem outro valor que não seja a sua sobrevivência. Donde, a sua táctica é o oportunismo, com um grande sucesso, reconhecível pela descrição, pacífica na comunicação social e no comentariado, de homem de grande habilidade política. Deixemos porém estes assuntos putrefactos para responder a uma questão que me afligiu por espaço de quase meia hora - a mim e outros espíritos sãos e inquisitivos: se fôssemos franceses votávamos como?

 

Marine Le Pen, no seu programa, diz, a abrir, isto: Retrouver notre liberté et la maîtrise de notre destin en restituant au peuple français sa souveraineté (monétaire, législative, territoriale, économique). Pour cela, une négociation sera engagée avec nos partenaires européens suivie d’un référendum sur notre appartenance à l’Union européenne. L’objectif est de parvenir à un projet européen respectueux de l’indépendance de la France, des souverainetés nationales et qui serve les intérêts des peuples.

 

Nos pontos sob a epígrafe ÉRADIQUER LE TERRORISME ET BRISER LES RÉSEAUX FONDAMENTALISTES ISLAMISTES (29 e seguintes) enumera algumas medidas de combate ao islamismo, que subscrevo quase integralmente. Sucede que:

 

A boa da Marine quer dinamitar o projecto europeu, e eu também. Infelizmente, porém, conjugando esta entrada de rompante com as outras 143, percebe-se que não quer liberdade de circulação de pessoas, nem capitais, nem mercadorias, nem trabalho. E eu quero estas coisas todas, desde que aplicáveis apenas aos cidadãos da UE, e com as derrogações que cada Estado entenda dever fazer; assim como, sendo aceitáveis mecanismos supranacionais para dirimir conflitos no âmbito dos tratados ou jurisdicionais no âmbito dos Direitos Humanos, já não o serão órgãos legislativos supranacionais  ̶  de mais a mais integrados por funcionários apátridas que ninguém conhece, ninguém elegeu e que não respondem portanto senão perante outros burocratas igualmente cobertos de privilégios e igualmente especializados na moscambilha carreirista.

 

O que ela quer é que a França assuma o estatuto de superpotência que julga lhe pertence por direito histórico, por ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e a bomba atómica. E por isso defende a saída da OTAN, a construção de um novo porta-aviões (que decerto impressionaria imenso os naturais do Senegal e os da Reunião) e o reforço da dotação orçamental das forças armadas e dos seus efectivos.

 

Defende também um elevado grau de autarcia económica e um impressionante rearranjo dos serviços e funções do Estado, em nome de generosos benefícios para o trabalhador francês, e em particular o funcionário ou o aposentado, sem todavia dedicar quase nenhuma linha à diminuição da despesa ou da dívida pública (que anda nuns estonteantes 100% do PIB).

 

Isto, mais um ou outro ponto rebarbativo, como a restauração da prisão perpétua, que seria um retrocesso civilizacional, ou o reforço dos poderes das polícias, desnecessário fora do âmbito do combate ao terrorismo e que é apenas um tique caro a uma certa direita bastante selvagem, chega para, em balanço, dizer: Marine Le Pen - não.

 

E Macron? O homem foi ministro de um governo de Valls, sob o patético Hollande, e distinguiu-se por querer reformar. A sua carreira como inspector de finanças e bancário internacional, em princípio, não o recomendava para reformador, menos ainda se acumuladas com a sua condição de vice-presidente do PS local: um pot-pourri de contra-indicações que faria supor que nos dois aninhos que esteve no governo teria tempo para operar uma razoável série de asneiras. Mas não: diz-se que foi amigo das empresas e que apenas deu à sola em Agosto do ano passado para preparar a sua candidatura à presidência.

 

Vejamos o seu programa. Começa com uma frase inspiradora (RETROUVER NOTRE ESPRIT DE CONQUÊTE POUR BÂTIR UNE FRANCE NOUVELLE) que não significa absolutamente nada e dirige-se aos franceses e às francesas, naquela formulação perifrástica irritante em uso por políticos patetas a fingir que são modernos. Continua com uma impressionante série de banalidades, ao abrigo dos vários "estaleiros" (lamento mas a palavra é dele) sob os quais se propõe infundir na sociedade francesa a confiança que lhe falta.

 

Diz que "há mais de 30 anos que não conseguimos resolver o problema do desemprego de massa nem o da integração. Transformações radicais novas abalam as nossas vidas e as nossas certezas. A revolução numérica muda as nossas maneiras de produzir, consumir e viver em conjunto. As mudanças climáticas obrigam-nos a repensar a nossa organização e os nossos modos de vida. A nova ordem mundial etc. etc."

 

Tretas, isto parece um discurso de Marcelo. E basta lembrar que a única forma que ocorre pela qual as mudanças climáticas terão tido influência na vida dos franceses haverá de ter sido algum aumento da temperatura média que tenha prejudicado a maturação dos queijos.

 

Primeiro estaleiro, o da educação e cultura: "Quero repor a transmissão de saberes fundamentais, da nossa cultura e dos nossos valores no coração do projecto da nossa escola e das nossas universidades". Não está mal.

 

E como não está mal fui procurar as medidas onde estes nobres objectivos estariam vertidos e, ó surpresa, o arranjo das medidas não é o mesmo da introdução. De tal modo que o que encontrei sobre este assunto, perdida numa floresta de intenções, foi uma página sob o título "Les mêmes chances pour tous nos enfants", onde se lista uma quantidade de medidas impressionante, umas razoáveis, outras nem por isso, e outras simplesmente tolas, como esta: "Nous créerons un 'Pass Culture'. Il permettra à chaque Français de 18 ans d’effectuer 500 euros de dépenses culturelles (cinéma, théâtre, livres...)". Onde é que o bancário Macron vai buscar dinheiro para isto o programa não diz, como não diz de onde vem o pognon para construir 80.000 alojamentos para jovens.

 

Tentar comentar o programa ocuparia uma dúzia de posts porque as iniciativas são às centenas, quase sempre implicando encargos novos que não estão quantificados, e intervencionismos sortidos. Mas não é possível deixar de notar que em quase todas as páginas há promessas de despesa nova, incluindo uma intitulada "Bem viver do seu trabalho e inventar (sublinhado meu) novas protecções".

 

Os programas eleitorais não são para cumprir, já se sabe. Mas a demasia inculca a ideia que este tipo é um aldrabão, e os franceses que o elegeram uns pombos. E como este enarca bancário e socialista, com fama de liberal, é o chouchou dos europeístas, importa ver o que, sobre a União Europeia, diz ele.

 

QUER um orçamento para a zona euro votado por um parlamento e executado por UM ministro da economia.

 

QUER que se lute contra os arranjos fiscais entre Estados e empresas multinacionais, como entre a Apple e a Irlanda.

 

QUER reservar o acesso aos mercados públicos europeus às empresas que tenham pelo menos metade da sua produção na Europa.

 

QUER propor à Alemanha uma Europa da defesa associando países voluntários, criando um fundo europeu de defesa que financiará equipamentos militares comuns e um Quartel-General permanente.

 

QUER uma Europa que proteja as indústrias estratégicas (francesas, entenda-se).

 

QUER um mecanismo de controle dos investimentos estrangeiros na Europa a fim de preservar os "nossos" (deles) sectores estratégicos.

 

QUER que, na discussão do Brexit, seja defendida a "integridade" do mercado único europeu, que haja um mercado único do "numérico" e um fundo de capital de risco que permitirá financiar o desenvolvimento de start-ups europeias, e que seja fixado um preço "plancher" do carbono nos países da União.

 

E também quer dar a palavra ao povo, propondo convenções cidadãs em toda a Europa para voltar a dar um sentido ao projecto europeu.

 

Costa quer por certo a quase totalidade destas coisas. E, no que não queira, venderá o seu apoio por alguns milhões, na boa tradição portuguesa desde 1986.

 

Isto é Macron. E é claro que, se fosse francês, não votaria em semelhante demagogo, até porque o homem presume de imaginar para a França um papel de liderança na UE, que nunca poderá ter, e que os mais de 25% que se abstiveram, mais os 33% (33% de 75%, entenda-se) que votaram Le Pen, lhe compram os delírios.

 

Então, se fosse francês votaria em quem, na segunda volta? Não votava, claro. Porque Marine iria fazer implodir a Europa, tal como a conhecemos, substituindo-a pelo caos. E Macron, como este ingénuo aqui, acredita que a geringonça europeia tem conserto pelo expediente de lhe aprofundar os erros.

publicado por José Meireles Graça às 01:32
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Domingo, 7 de Maio de 2017

Bússula para o caminho de sucesso dos advogados do regime

2017-05-07 Bússula e baú do tesouro.jpg

O Diário de Notícias, jornal secular do grupo de comunicação social do advogado Proença de Carvalho, o tenebroso comissário político da AD na RTP (lembram-se? ele e a Maria Elisa Domingues eram ainda mais odiados pela esquerda do que o Sá Carneiro e o Freitas do Amaral? lembro-me eu) e mais tarde advogado do primeiro-ministro José Sócrates nos seus processos judiciais milionários para aterrorizar jornalistas, actualmente confiado ao capataz Paulo Baldaia, oferece aos seus leitores um mundo onírico que se divide entre os louvores às grandes realizações do governo e às propostas do BE para as melhorar e as alfinetadas à má oposição, à que ganha eleições ao António Costa em vez de louvar o seu génio poítico e coexistir pacificamente com ele, alienando-os das trapalhadas que vão sendo cometidas com cada vez mais frequência, quanto mais seguros se sentem, mais se soltam, pelos anões de que ele, que é pequenote, se rodeou para parecer gigante, e depois de um dia de trapalhadas criadas pela secretária-geral adjunta desbocada Ana Catarina Mendes relacionadas com a tentativa de apropriação pelo PS dos louros de uma possível vitória eleitoral do candidato independente Rui Moreira à Câmara Municipal do Porto, que apoia, do repúdio que este manifestou pelo apoio do PS mas abertura para manter nas listas da candidatura os mesmos socialistas que já lá estavam mas na figura de independentes, e da decisão do PS de afinal apresentar como candidato próprio à Câmara o mesmo que antes se candidatava a número dois da lista do candidato independente, como fez hoje mesmo ao erradicar da primeira página qualquer referência ao rasgar do apoio do PS à candidatura do independente Rui Moreira à Câmara Municipal do Porto, à convenção autárquica do partido, e à apresentação da candidatura do socialista Manuel Pizarro.

2017-05-07 Capa DN.jpg

Longe da vista, longe do coração, e não calharia nada bem criar nos leitores habituados aos relatos do passeio triunfal do António Costa pela política portuguesa uma dúvida corrosiva sobre as suas reconhecidas qualidades políticas, que são a conjugação da vigarice com a manha suficiente para a conseguir levar a cabo, de modo que está tudo bem.

Mas a grande questão sobre que hoje me debruço é...

  • ...o que faz os grandes advogados do regime, como o Proença de Carvalho, apoiar regularmente os socialistas?

Alguns deles, como o Vasco Vieira de Almeida ou o Miguel Galvão Teles, já eram socialistas antes de se transformarem em advogados do regime, de modo que para esses a questão está respondida à partida.

Mas outros, não. Sociologicamente são oriundos da direita, alguns mesmo, como o José Miguel Júdice, da direita caviar. Servem invariavelmente os grandes grupos económicos capitalistas, quer nacionais, quer internacionais estabelecidos ou em vias de se estabelecer em Portugal. São advogados de banqueiros. E no entanto têm corrido ao longo dos anos a publicitar o seu apoio a socialistas, e principalmente a socialistas do calibre do José Sócrates e do António Costa. Porquê?

Eu desenvolvi e proponho um algoritmo que explica com razoável fidedignidade este comportamente aparentemente anómalo, e de fácil utilização por se basear na análise de apenas dois factores, ambos facilmente verificáveis, a bússula para o caminho de sucesso dos advogados do regime. Em que consiste? Na resposta às perguntas.

  • Quem está no poder?

Sendo por definição advogados do regime aqueles que são contratados pelas entidades dependentes do poder, ou pelas entidades que têm interesses dependentes do poder e interesse em ser simpáticas com o poder para satisfazer esses interesses, este factor tem uma importância óbvia e auto-explicativa para a formação da posição política com mais potencial de beneficiar a posição de cada um deles. Próximidade do poder é melhor que distância do poder. Mas não explica o motivo da proximidade com o socilaismo que eles evidenciam mesmo quando os socialistas estão na oposição, e que, para simplificar as contas, se pode mais ou menos quantificar como metade do tempo. Este factor é inegavelmente importante, mas não chega para explicar tudo, e é necessário outro.

  • Qual é o grau de generosidade dos beneficiados a retribuir a quem os apoia?

Este é um factor que tradicionalmente tem distinguido a direita da esquerda. Enquanto políticos como o Pedro Passos Coelho têm demonstrado uma grande ingratidão, mesmo para com personalidades ilustres da sociedade civil como o banqueiro Ricardo Salgado, políticos socialistas têm revelado uma enorme gratidão a retribuir quem os apoia, seja através de contratações de serviços, de nomeações para cargos honoríficos ou simplesmente bem pagos, até de favorecimento em negócios particulares. A retribuir favores, os políticos socialistas são um valor seguro.

Pelo que se pode enunciar com bastante solidez uma bússula para os pretendentes a advogados do regime maximizarem as suas probabilidades de sucesso escolhendo criteriosamente quem apoiam, e que consiste na resposta a estas duas simples perguntas:

  • Quem está no poder?
  • Qual é o grau de generosidade dos beneficiados a retribuir a quem os apoia?

Bons sucessos!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 14:30
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Segunda-feira, 1 de Maio de 2017

Les beaux esprits se rencontrent

2017-05-01 Louçã - formação ideológica.jpg

Os incentivos entusiásticos da redacção do Público e as grandoladas da Marisa Matias não foram suficientes para levar o candidato Jean-Luc Mélenchon, o da esquerda radical, como diz a direita, ou o da social-democracia moderada, como diz a esquerda radical, à segunda volta das eleições presidenciais francesas, e na segunda volta o populismo ficou todo por conta da candidata Marine Le Pen, que vai confrontar o candidato europeista Emmanuel Macron.

Na segunda volta de umas eleições como as presidenciais francesas, em que apenas concorrem dois candidatos, todos os eleitores e opinadores são bem vindos a explicar as suas motivações e decisões, e todos as podem ter e exprimir inovadoras e diferentes das de cada um dos outros, mas para o que conta só há três posições possíveis: ou se vota num dos candidatos, ou se vota no outro, ou não se vota em nenhum.

Pelo que a esquerda moderna europeia de que o Mélenchon, e o Bloco de Esquerda, o Podemos, o Syriza, o Partido Trabalhista do Jeremy Corbyn se este não tivesse acabado de chegar do paleolítico contraditório com o qualificativo moderna, e os sectores emergentes do Partido Socialista que vieram para a boca do palco com a erecção (termo de engenharia civil, nada de piadolas) do António Costa, fazem parte, a esquerda não sovietista, se viu na iminência de ter que tomar uma posição sobre o que fazer, ou o que recomendar, no caso dos que não são eleitores recenseados nas eleições presidenciais francesas, na segunda volta destas eleições.

À primeira vista parecia uma decisão fácil: a única forma segura de impedir a ascensão da extrema-direita ao poder é o voto no Macron. E impedir a (re-)ascensão da extrema-direita é a sua maior razão de ser, pelo menos a dar crédito à retórica a que recorre permanentemente, apontando perigos de reascensão da extrema-direita até em políticas de partidos que, no entanto, outros consideram moderados, como o PSD e o CDS. Na política nacional, porque, nas assembleias municipais, até em medidas de executivos socialistas eles chegam a vislumbrar a mão da extrema-direita. A extrema-direita é, pois, o seu maior inimigo. Não é?

Não se sabe. Porque na verdade esta esquerda tem quase tudo em comum com a Marine, incluindo a vontade de sair da União Europeia e do Euro, a desconfiança relativamente ao grande capital e aos mercados e a vontade de re-erguer barreiras económicas para estancar as ameaças da globalização aos american french (and portuguese, and spanish, and greek, and british) jobs, percebendo-se que têm tanta determinação em barrar as importações quanto esperança em conseguir manter as exportações no pressuposto que o resto do mundo é parvo e não os topa, assim como o gosto pelo exercício musculado do poder quando o exercem, que não o gosto pela submissão a poderes musculados quando outros os exercem, e convergem até no ódio aos judeus, sendo que uns odeiam os judeus massacrados pelo nazismo no século passado enquanto os outros odeiam os que os vizinhos árabes se têm esforçado nas últimas décadas, com diligência mas insucesso, por massacrar. A maior diferença entre os populismos da esquerda moderna e da Marine Le Pen está no posicionamento perante as migrações, sendo que o desta aprecia a construção de muros para evitar a imigração, enquanto o daquela abomina estes e prefere os que servem para impedir a emigração, ou a fuga ao comunismo.

No entanto, apesar de os geómetras explicarem que virar 180º à esquerda resulta exactamente no mesmo ângulo que virar 180º à direita, e com tanto em comum, os radicais de esquerda declaram-se inimigos mortais dos de direita, e vice-versa. Com alguma razão do ponto de vista estratégico, porque competem com propostas idênticas pelos mesmos eleitorados.

Por isso, o discurso de reconhecimento da derrota na primeira volta das presidenciais do Mélenchon foi um choque para quem esperaria dele uma recomendação inequívoca de voto contra a Marine na segunda volta, sendo que, uma vez que só entram dois candidatos na segunda volta, o único voto seguro contra a Marine é o voto no Macron. Até o Álvaro Cunhal engoliu sapos e recomendou aos comunistas o voto no Mário Soares na segunda volta das presidenciais de 1986, se necessário de olhos tapados para não terem um ataque de nervos dentro da cabine de voto. Mas o Álvaro Cunhal era um político profissional que não hesitava em mutilar a sua própria liberdade de voto para votar no candidato menos desfavorável aos objectivos políticos do Partido, e estes radicais pequeno-burgueses de fachada socialista são uns meninos que dão mais importância às suas idiosincrasias do que à causa da revolução. De modo que o Mélenchon não recomendou o voto no Macron, tendo dito que a esquerda devia ponderar muito bem o sentido de voto na segunda volta de um modo confuso que significa que, quem se quiser abster, se pode abster à vontade, mas quem quiser votar na Marine não vai para o inferno por isso, até porque o voto é secreto. Um modo retorcido de, sendo-lhe proibido mandar votar na Marine, recomendar o voto nela.

Escândalo! De tal modo que foi necessário os mais proeminentes fazedores de opinião da esquerda moderna europeia virem em auxílio do Mélenchon para evitar a sua cruxificação pela populaça de direita irritada por ele não mandar votar no seu candidato preferido e pela de esquerda que não lhe queria perdoar não ter claramente apelado ao voto contra a extrema-direita.

Em Portugal ergueu-se o Francisco Louçã, que já resumiu o dilema colocado pela segunda volta das eleições no sugestivo título "O escroque contra a fascista" (o historiador Manuel Loff, da mesma tribo política, tinha dado ao seu próprio comentário o título semelhante "O banqueiro e a neofascista platinada", recorrendo no entanto a um tom mais sexista que, populismo oblige, tão bem cai na sua clientela), por um lado, ilustra bem a dificuldade da escolha e, por outro, mostra uma tentativa de isenção e objectividade do conselheiro de estado português na formulação da sua recomendação às massas para que ela lhes pareça ainda mais recomendável.

E o que recomenda ele? Para dizer a verdade, eu não consigo perceber o que é que ele recomenda ao certo, e nisso acompanha a recomendação iguamente viscosa do Mélenchon. Mas, mesmo sendo a conclusão confusa, há aspectos possíveis de aferir, até quantificadamente, na sua análise.

A parte da crítica ao Macron, 

  • "...Entendamo-nos: o início da campanha da segunda volta correu pessimamente a Macron. Deslumbrado, festejou no domingo os 24% como se já tivesse a presidência no papo, esqueceu-se de que lhe faltam outros 27%. Arrogância. Esqueceu-se de que houve uma greve geral contra o seu governo há um ano. Insensibilidade. Esqueceu-se de que a lei que tem o seu nome foi imposta pelo Presidente por fora do parlamento dada a revolta dos próprios deputados do PS. E que lei: cartas de condução, resíduos radioactivos, segredo comercial, transportes públicos em autocarros, regras para os notários, cinco a dez mil milhões em privatizações, facilitar os despedimentos colectivos, reduzir indemnizações por despedimento, empréstimos entre empresas, o programa de Macron foi essa lei. Pesporrência.

    Portanto, Macron deve mexer-se para conseguir os 27% que lhe faltam e faria bem em dar garantias aos trabalhadores que dele desconfiam. Mais valia que mostrasse o que o separa de Le Pen, uma candidata perigosíssima, xenófoba e com tintas fascistas, que tem de ser vencida. Em vez disso, para animar a festa, um dos conselheiros de Macron, Jacques Attali, decidiu exibir a sua cor: no dia em que Macron ia visitar uma fábrica ameaçada de fecho explicou que a globalização é isso mesmo, despedimentos, e que a resistência é uma “anedota“. Não havia de haver desconfiança?

    Desenvolvido o programa do candidato, temos desde o despedimento de 120 mil funcionários públicos até ao corte de 10 mil milhões em subsídios de desemprego, como também um aumento do investimento público. No plano europeu, é puro hollandês: um ministro das finanças europeu, um parlamento da zona euro e, cereja em cima do bolo, “convenções democráticas” em todos os países durante o último semestre deste ano.

    Suponho que é por isso que surge o apelo: na falta da confiança e perante o perigo, usa-se o que está à mão, como em 2002 quando, como bem lembrou Tavares, o “lema informal” da esquerda era “votem no escroque (Chirac) contra o fascista (Le Pen pai)”. Há 15 anos, resultou; agora tem pelo meio o fracasso europeu, a vergonha Hollande e tudo o que alimentou Le Pen. Pergunto-me portanto quem se vai comover hoje com este apelo a votar no “escroque” e durante quanto tempo alguém pensará que a promoção do “escroquismo” é estratégia vencedora. Se isto é forma de combater a abstenção, então entrega os pontos. Se é a alternativa que sobra, então só retrata a degradação das direitas...",

consome-lhe 403 palavras e 2.440 caracteres.

Já a crítica à Marine, 

  • "Ora, há todas as razões para votar contra Le Pen",

ocupa-lhe 10 palavras com 48 caracteres.

Pelo que o leitor que, como eu, não consiga perceber a recomendação de voto do Francisco Louçã, mas, ao contrário de mim, porque me estou nas tintas para a recomendação dele, a tente decifrar por confiar na lucidez do conselheiro de estado e pretender adoptá-la para formar a sua própria posição, se fundamentar a sua análise na amplitude das críticas aos dois candidatos, chegará à conclusão que, se ambos são criticáveis, um deles é 40,3 vezes mais criticável do que a outra (em palavras, mas 50,8 vezes em caracteres), o que, se permite tolerar a abstenção, sugere com alguma veemência subentendida o mal menor, o voto na candidata menos criticada contra o candidato mais criticado.

E porque recomendará o Francisco Louçã o voto na Marine Le Pen? Não sei dizer. Se calhar, acompanho o raciocínio do António Barreto quando, em entrevista recente, tentou explicar o apoio do PCP ao governo do António Costa:

  • "...Estes quatro anos foram duros e difíceis. E o Governo de Pedro Passos Coelho estava a começar a obter resultados no último ano. Havia a possibilidade de voltar a ser Governo. Isto, para o PCP, era insuportável. Conceder o benefício do êxito à direita, ao BCE, ao FMI, à UE… Era insuportável para o PCP...".

A esquerda pode recomendar, sem o dizer explicitamente, o voto na Marine Le Pen, ou pelo menos recusa recomendar o voto que mais seguramente impede a sua vitória, talvez na esperança de tentar evitar uma experiência de governo, ainda para mais europeísta, que receie que possa vir a correr menos mal.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 12:52
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