Sexta-feira, 28 de Julho de 2017

Corado de vergonha

Não se conhece o conjunto de erros que levou a que umas pessoas fossem encaminhadas pela GNR, em Pedrógão Grande, para uma estrada onde morreram queimados.

 

Supõe-se que o Ministério Público esteja a investigar. Mas aquela instituição trabalha em segredo, o nome dos responsáveis pelas averiguações é geralmente ignorado, não há memória de algum magistrado se ter alguma vez justificado publicamente pelos processos a seu cargo não chegarem a parte alguma em tempo útil, nem muito menos por um grande número de acusações, após anos de diligências, não desembocarem em condenações.

 

Isto é assim porque os magistrados são independentes, isto é, não investigam assim ou assado, deixam de investigar, acusam desta ou daquela maneira, em obediência a ordens; obedecem à sua consciência e às leis.

 

Que fosse de outra maneira seria, no nosso país, um perigo; e que, sendo assim, se esperem resultados positivos, uma quimera.

 

Os magistrados envolvidos nesta teia, se perguntados, dirão fatalmente que lhes faltam pessoal e meios; e que o nosso direito é demasiado garantístico, razão pela qual investigar e acusar são caminhos eriçados de escolhos.

 

É o que diz qualquer burocracia ineficiente; pior se os burocratas estiverem recobertos pelo anonimato e pela inimputabilidade; e a diminuição das garantias não é mais do que reclamam, em qualquer lugar, as polícias, para suprirem a sua incapacidade.

 

Como se desenlaça este nó cego não sei; e acho que já faço muito se enquadrar correctamente o problema.

 

Somente me ocorre que, se fosse PGR, não mobilizaria magistrados para se ocuparem de quanto processo o governo, ou a comunicação social, me despejassem no colo, mas apenas daqueles que tivessem alguma dignidade penal; não mobilizaria pessoas e meios sem uma dose razoável de probabilidade de chegar a algum lado; e exigiria que, em processos que afectem a paz pública, o magistrado responsável fosse conhecido e desse contas à comunicação social, periodicamente, da evolução do seu trabalho.

 

Neste caso de Pedrógão um inspector ou polícia eficiente chegaria rapidamente, pelo menos no caso das ordens da GNR, a conclusões. Não essencialmente para deduzir acusações que de toda a maneira viriam a dar, por inexistência de dolo, absolvições ou penas suspensas; mas para que, percebendo-se quem falhou e porquê, se pudessem tomar medidas correctivas.

 

Como as coisas estão, o famoso segredo de justiça apenas serviu para adensar as suspeitas, a primeira das quais é desde logo que a entrega do processo de investigação ao MP apenas tinha o propósito de o enterrar nos vagares daquele pântano. A quase totalidade da opinião pública tem, pela classe política, com boas e más razões, um grande desprezo; e a parte da opinião que não tem antolhos nutre pelo desprezível primeiro-ministro que nos pastoreia uma justificada aversão, muitíssimo bem traduzida por José Manuel Fernandes neste artigo, e por Paulo Tunhas noutro.

 

Suspeitas então de quê? De que nesta clamorosa falência do Estado, naquilo em que as suas funções são absolutamente necessárias, alguns membros do Governo, e desde logo Costa e os seus boys, tenham uma responsabilidade apreciável, insusceptível de ser disfarçada por tudo o que sucessivos governos deixaram de fazer ou fizeram mal.

 

O perigo é real. Daí que o presidente da República pretenda pôr uma surdina na contestação, que lhe pode estragar os planos do remanso que deseja para a sua presidência, que imagina coincidir com o progresso e o bem-estar do país; e daí que dos suspeitos do costume surjam vozes teatralmente indignadas com a suposta falta de sentido de Estado e das proporções que o PSD, com o CDS a reboque, adoptou perante o assunto.

 

Até aqui tudo dentro da relativa normalidade de um governo anormal. Mas onde se percebe que António Costa deve estar a sentir as barbas calculistas a arder é no facto de o coro de corifeus da Situação se ver engordado com vozes teórica e nominalmente da Oposição.

 

Destas, a mais saliente é Lobo Xavier. E mesmo que à hora em que escrevo a Quadratura do Círculo ainda não tenha ido para o ar, já uma televisão subserviente, e uma imprensa obsequiosa, antecipam o que aquele prócere da opinião, e dos negócios, vai dizer.

 

Que Lobo Xavier é, tanto como os outros dois comparsas do programa, e talvez até mais do que Coelho, um amigo do "António", não é segredo; e que por causa dessa ligação alinhe quase sempre nos ataques a Passos Coelho, e nas loas à governação socialista, também. Pessoas compreensivas e desenganadas como eu pensarão que num país em que o Estado está na maior parte da economia, e o Governo se confunde com o Estado, ser frontalmente contra faria talvez um grande bem à coluna vertebral, mas um grande mal aos negócios: suponho que não se possa num dia dizer que o ministro xis é um incompetente, e no seguinte telefonar-lhe para desencravar um processo.

 

Há porém limites: O PSD e o CDS devem pedir desculpa?!

 

Do PSD sei apenas que certamente o faria todos os dias, se seguisse o conselho de Pacheco Pereira. Do CDS, do qual Lobo Xavier é figura de referência, militante histórico, e suponho que conselheiro, não imagino que o faça ou sequer mencione Xavier senão para dizer, se perguntado, que as opiniões de Xavier apenas vinculam Xavier.

 

Já eu, que sou apenas um filiado quase anónimo, não-histórico, e conselheiro apenas de quem tenha interesse em comprar frigoríficos industriais, diria, se perguntado, que não supunha que no meu partido chegasse um dia em que uma figura de referência me fizesse corar de vergonha  ̶  e indignação.

publicado por José Meireles Graça às 12:34
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Terça-feira, 25 de Julho de 2017

Padeiros, banqueiros, e protecção do consumidor

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O Dr. Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, deu mais uma entrevista em que voltou a derramar as suas habituais lágrimas sobre a insuficiência das comissões que os bancos cobram aos seus clientes, nomeadamente das que são impedidos de cobrar por imposições legais, como as das operações realizadas nas caixas da rede do Multibanco, e a reafirmar que, sem as ambicionadas comissões, a rendibilidade dos bancos anda pelas ruas da amargura.

A entrevista foi muito oportuna, porque veio calhar no momento preciso em que se incendiava a discussão pública por causa de o maior banco português, a Caixa Geral dos Depósitos, que não cobrava comissões aos clientes ricos e cobrava as mais altas do mercado aos pobres, ir passar a não as cobrar aos clientes ricos e a cobrar as mais altas do mercado aos pobres, só que agora ainda mais altas do que antes.

O Dr. Faria de Oliveira tem o ar bonzão de um avô babado a quem apetece apertar uma bochecha ou, para os adeptos do cumprimento, trocar um give me five, e é talvez por isso que, ao contrário do que fizeram ao presidente da Associação dos Industriais da Panificação quando há uns anos atrás deu uma entrevista em que disse que, como a farinha tinha aumentado, o pão também teria que aumentar, e todas as autoridades lhe cairam em cima para investigar se o raciocínio era um apelo ilegal, por violador das leis da concorrência, para que os padeiros associados aumentassem de modo implicitamente concertado o preço do pão, ao Dr. Faria de Oliveira lhe deixam apelar ao aumento das comissões em todas as entrevistas que dá sem colocarem a hipótese absurda de se tratar de uma mensagem codificada aos bancos associados a sugerir-lhes para aumentarem as comissões de modo concertado sem terem que falar uns com os outros para se concertarem sobre o aumento, que seria um crime digno de pena de prisão. Ou por isso, ou por as autoridades competentes serem tão intolerantes com os padeiros quanto tolerantes com os banqueiros.

Mas pronto, aceitemos como adquirido que a rendibilidade dos bancos anda pelas ruas da amargura e que um aumento das comissões lhes vinha mesmo a calhar, e que a referência a isto na entrevista, e em todas as outras que ele dá, não passa do reconhecimento de uma evidência e não é um apelo a que todos os bancos as aumentem sem terem de combinar preços uns com os outros e correrem o risco de serem apanhados em escutas e irem parar ao Torel pelo crime de concertação de preços.

Aqui para nós, até é verdade que a rendibilidade da banca já foi mais elevada.

Não é, no entanto, algo que seja evidente nas remunerações que paga aos banqueiros.

Quando um governo socialista aqui recuado recrutou um director de um banco, e um director não é sequer um administrador, para dirigir o fisco como director-geral e ele optou pelo salário de origem, passou a ser o servidor público mais bem pago da história de Portugal, com um salário superior a vinte mil euros por mês. Mas isto era na época em que a rendibilidade da banca era estratosférica, e a banca pagava salários de vinte mil euros aos directores. Era a época em que os cinco membros do Conselho de Administração do banco onde ele era director recebiam por junto quarenta e cinco milhões de euros por ano. Mais reformas, transporte de helicóptero, enfim, vivia-se bem na banca.

Quando o governo socialista actual andou a recrutar na banca privada um banqueiro para gerir a CGD teve que recorrer a todas as engenharias legais e mais algumas para lhe conseguir pagar o salário que ele pretendia, e não era sequer para trocar o seu emprego actual pelo novo, era para aceitar acumular este novo emprego com a pensão de reforma com zeros demais para citar aqui que já tinha assegurada, e para manter em segredo o património pessoal que ele acumulou como banqueiro.

É claro que, como diziam tradicionalmente os neoliberais, e dizem agora os socialistas, e mesmo as bloquistas, quem quer gestores bons tem que lhes pagar bem, para fugir às consequências perniciosas do conhecido ditado if you pay peanuts, you get monkeys. Mas também é verdade que os salários de ouro da época de ouro da banca não serviram para pagar a quem construisse instituições sólidas como um banco se deseja para lhe confiarmos as nossas poupanças e capazes de atravessar sem rombos no casco os momentos menos fáceis do ciclo de negócios. Estes banqueiros criaram instituições merdosas que começaram a afundar à primeira ou segunda sacudidela, e só foram salvas de afundar por milhares de milhões de euros sacados a contribuintes tesos que nem carapaus por uma crise económica que os bancos ajudaram a desencadear. O ditado aqui foi mais if you pay diamonds, you get monkeys.

Também não é evidente que a fraca rendibilidade da banca se deva à exiguidade das comissões que impõe aos seus clientes, num contexto, a ladainha passa sempre pelo contexto, de taxas de juro muito baixas. Mesmo com taxas de juro baixas, mesmo com taxas de juro negativas, mesmo que pagasse juros aos clientes a quem concede crédito, a banca ganha dinheiro, porque financia-se a taxas de juro ainda mais negativas junto do sistema. O lucro do banco não está no juro cobrado, está no spread. A onda, qual onda? o maremoto de imparidades que fez implodir a rendibilidade da banca não se deveu a uma maior tolerância na cobrança de comissões aos clientes particulares ricos ou pobres, deveu-se à concessão de créditos ruinosos, alguns no limiar da gestão danosa, alguns declaradamente criminosos, que justificam aliás que mesmo o banco público estique até ao limite, com a ajuda de sempre dos socialistas e a ajuda inovadora dos bloquistas e dos comunistas, a cortina para tentar esconder das autoridades o crédito malparado e as condições, quanto? a quem? quando? como? por quem? e por ordem de quem? em que foi concedido. A banca não é suficientemente rentável por ter estoirado milhares de milhões em crédito irrecuperável concedido a amigos seus e a amigos dos governos socialistas que fizeram dela o braço financeiro das suas estratégias económicas. E é este buraco ilimitado que, primeiro, os contribuintes, e agora os consumidores, estão a ser chamados a contribuir para tapar.

O Dr. Faria de Oliveira tem aqui uma excelente oportunidade de melhorar os rácios de rendibilidade da banca, mesmo que a banca não venha a ser autorizada a lançar comissões sobre as operações realizadas nos terminais da rede do Multibanco. É sugerir aos bancos associados que ajustem os salários que pagam aos administradores, directores e trabalhadores à rendibilidade do sector.

Mas quem se lixa é o mexilhão, e os clientes mais modestos da CGD, que não têm culpa nenhuma dos negócios estratégicos que o governo socialista do José Sócrates forçou o banco a financiar até à sua ruína, e que taparão a cratera que foi agora parcialmente coberta com dívida que fica para eles ou os seus descendentes reembolsarem no futuro, também vão ser chamados a tapá-la pagando comissões mais elevadas.

(Chegados aqui, deixem-me partilhar convosco uma experiência recente, com a abertura de uma conta bancária para um pequeno condomínio acabado de formar, para a que se fez uma consulta a cinco bancos, há condomínios que preferem a consulta a vários fornecedores à adjudicação directa, de que saiu que a CGD foi o banco que apresentou custos de comissões mais elevados e não foi, por esse motivo, o escolhido.)

E o que podem fazer os clientes da CGD que vão ser mais uma vez involuntariamente envolvidos no resgate de um banco mal, criminosamente mal, gerido? Os consumidores têm basicamente duas alternativas para defenderem os seus interesses. Uma é confiarem a defesa às associações de defesa dos consumidores e aos partidos que os defendem na televisão mas jogam a feijões na feira de gado onde os negoceiam uns com os outros em conjunto com outros interesses. Outra é deixarem o capitalismo e a economia de mercado defendê-los, e simplesmente mudarem do banco que acha que tem o rei na barriga para um que não lhes cobra comissões: o Banco CTT ou o Activobank, que me lembre agora. Adivinhem qual delas resulta?

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 21:15
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Sexta-feira, 21 de Julho de 2017

Desventuras do CDS

André Ventura, numa já famosa entrevista, pronunciou-se a favor da restauração da prisão perpétua para certos crimes (e certos criminosos, por exemplo Pedro Dias).

 

Ou seja, quer acabar com um dos poucos exemplos em que Portugal figura como uma referência civilizacional, por acreditar que o aumento das molduras penais é uma arma eficaz no combate contra o crime.

 

E é: na Arábia Saudita pode-se deixar o carro estacionado com uma pasta lá dentro, à vista, com um risco diminuto de ser assaltado. O preço desta segurança é a Arábia Saudita ter uma percentagem anormal de manetas. Podemos estar certos também de que um criminoso executado apenas poderá cometer crimes no Inferno, no Céu ou no Purgatório, e seguros de que o caminho do aumento das penas acaba na pena de morte, por se constatar que são sempre insuficientes.

 

No caso porém de não apreciarmos enterros em vida, nem penas corporais, nem assassinatos legais, nem erros judiciais irremediáveis, isto é, no caso de não sermos sauditas, selvagens, motoristas de táxi ou americanos, olhamos para quem defende tais soluções com desdém.

 

No CDS, que eu tivesse lido, ninguém se incomodou por aí além com as pulsões justicialistas do candidato. Faz sentido: encontra-se por lá, e sempre lá esteve, como está nos outros partidos, uma ala de ignorantes, cobardes e sádicos, que defende a pena de morte para "certos crimes". No caso do CDS, que é o meu partido, esta ala distingue-se neste particular das dos outros partidos por ir muito à missinha.

 

Mas se ninguém se incomodou com isto, surgiram vozes bem-pensantes do partido com reacções indignadas às declarações sobre os ciganos, não fossem as luminárias da opinião de esquerda, credo!, tacharem o CDS de racista, ultramontano e troglodita.

 

Caso estranho, porém: o que se censura ao homem não é a inverdade dos factos que alega, possivelmente porque qualquer investigação séria apuraria que são genericamente correctos; é a circunstância de se referir a um grupo específico de cidadãos, distinguível por ter hábitos, comportamentos, tradições - numa palavra, cultura - diferentes do resto da população. E como alguns desses hábitos e tradições são anti-sociais, e não são tolerados a mais nenhum grupo social, Ventura reclama a igualdade dos cidadãos perante a lei, e portanto a repressão.

 

Repressão de quem, dos ciganos? Não. Repressão daqueles indivíduos em idade e condições de trabalhar que não provam convincentemente que, recebendo o RSI, procuram activamente trabalho; que andam nos transportes públicos sem pagar; que, tendo recursos para o fazer, não pagam rendas sociais; que reagem ao exercício legítimo da autoridade pública com desobediência impune; e que de modo geral se comportam, em serviços públicos como hospitais e repartições, como se estivessem não exactamente acima mas à margem da lei e das regras de civilidade que regulam o comportamento dos não-ciganos.

 

São todos os ciganos assim? Decerto não; e os que não são assim, em particular as mulheres, apreciarão talvez que se lhes dê a oportunidade, que a tribo lhes nega, de rejeitarem tradições que serão talvez identitárias mas que lhes cobram um preço. No caso das mulheres o preço é muito alto, em abandono prematuro da escola, em casamentos forçados e numa vida, para os padrões contemporâneos e ocidentais, de inaceitável subordinação aos machos viris, da navalha e do clã.

 

A razão porque se grita racismo! de cada vez que um grupo ou indivíduo distinguível da maioria pela cor da pele, a religião, o comportamento, é censurado, tem, além da defesa do multiculturalismo (uma doutrina de esquerda, na prática uma reciclagem do marxismo), uma utilidade prática, que é a de garantir votos, a pagar com discriminações positivas em benefícios, subsídios e criação de dependências.

 

O campeão em Portugal desta táctica é o Bloco de Esquerda. E deve ter sido portanto para pescar votos na área do BE que o CDS resolveu retirar o apoio ao candidato do PSD a Loures.

 

Algo me diz porém que a transferência de votos entre o BE e o CDS é, em Loures, tão provável como em qualquer outro lugar, quer dizer nula. E portanto o CDS, na defesa de princípios que entende mal, e ao serviço de uma estratégia que entende pior, fere gratuitamente um aliado para servir objectivamente a esquerda.

 

O meu voto, se fosse louriense, estaria garantido. Mas eu não sou nem desejo ser independente; os eleitores de Loures sim. E os do resto do país também.

publicado por José Meireles Graça às 01:39
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Terça-feira, 18 de Julho de 2017

Os pairadores

No meu post anterior manifestei a intenção de perpetrar comentários sobre a última entrevista de António Barreto, e pelo menos um terço dos meus leitores já me pressionou para o cumprimento da ameaça. Não posso ignorar uma proporção tão significativa, e apresso-me portanto a satisfazer aquelas duas pessoas.

 

Uma nota prévia, porventura de gosto duvidoso: Barreto tem hoje um aspecto um tanto emaciado, e duas fundas rugas se lhe cavam na fronte alta; a magreza numa estatura elevada compõe um quadro de ascetismo; e fala com simplicidade e voz grave sobre assuntos graves, destilando o que o espectador supõe frutos maduros de uma longa reflexão.

 

O espectador que não seja geringôncico fanático, por certo, o que quer dizer uma grande maioria da população. Infelizmente, e mesmo que quem se pronuncie no espaço público de forma crítica sobre o Poder do dia conte com a minha simpatia instintiva, a mandarins da opinião exijo clarividência. Vejamos se Barreto a tem.

 

A entrevista começa com a natural revisitação das ideias vertidas no livro Anatomia de uma Revolução, publicado em 1987 e agora reeditado. É história, que deixo para os historiadores. A mim basta-me a memória da liquidação da Reforma Agrária comunista, na qual desempenhou um papel corajoso e determinante. Se, nas circunstâncias da época, era possível lançar as bases para uma mais completa aniquilação do poder comunista, que hoje sobrevive sob a forma de votações cativas em inúmeras autarquias do Alentejo, que por sua vez fornecem a base eleitoral para o essencial da influência deletéria que o PCP ainda detém na sociedade portuguesa, desconheço.

 

Saltando para os nossos dias, Barreto reconhece que existe hoje "algum preconceito contra a direita" e que "o bom momento que este Governo viveu neste ano e meio ficou a dever-se, em grande parte, à complacência, à cortesia, da imprensa em geral".

 

E para explicar este estado de coisas diz Barreto que "a direita, ela própria, talvez por causa da ditadura de Salazar, também tem vergonha de dizer que é de direita, o que contribui para o preconceito. Eu não gosto de simplificar, mas às vezes ajuda: o que é que a direita faz? Dinheiro, empresas, enriquece e faz enriquecer. A esquerda faz o quê? Cultura, letras, palavras, cinema, teatro, jornais, educação. A esquerda tem, digamos assim, 'boas especialidades' e a direita tem 'más especialidades".

 

Eu também não gosto de simplificar, e é por essa razão que prefiro pensar que há em Portugal uma tradição, que começou antes da quartelada de 25 de Abril, e antes do Estado Novo, de dependência do Estado, que distribui empregos, poder e benesses a um país pobre onde a sobrevivência é difícil e o sucesso quase impossível sem ser à sombra do Poder; que a direita não tem vergonha de dizer que é direita por causa de Salazar mas por medo de perder votos, que perderá infalivelmente se disser que o Estado deve ser, como tem que ser, mais pequeno; e que a Cultura que a esquerda faz quase nunca o é, mas apenas circo para o povo, no melhor dos casos, e sustento de parasitas que retribuem com silêncio aquiescente ou propaganda, no pior.

 

A esquerda faz essas coisas (cultura, letras, palavras, cinema, teatro, jornais, educação) com apoio do Estado; e a direita não as pode fazer porque sabe que o Estado deve gastar menos, não mais.

 

Os jornalistas portugueses são pobres, têm medo de perder o emprego porque a economia não é suficientemente dinâmica para criar outros, estão inseridos na lógica infernal de não poderem fazer jornalismo de investigação porque não têm meios, e perderem ao mesmo tempo leitores porque fazem jornalismo de opinião para a qual não têm nem conhecimentos, nem gramática, nem autoridade, nem independência; para não falar na concorrência das redes sociais, que fazem de graça, e com frequência melhor, o mesmo trabalho. O socialismo medra no medo e na miséria quando não há anticorpos na sociedade contra o estatismo, como sucede em Portugal. Queria-se que os jornalistas fossem, na sua maioria, de direita?

 

É provável que alguns jornais on-line sobrevivam; e que mais alguns em papel fechem; e que os socialistas façam o que sempre tentaram fazer, e em geral conseguem, condicionar uns e outros; e que, quando a direita regressar ao poder, a comunicação social faça um grande berreiro, se ainda houver democracia. Mais do que isto não vislumbro. Barreto, aparentemente, nem isto vislumbra.

 

Prosseguindo, não gosta da geringonça, por muitas e boas razões, e preferia que não se tivesse feito. Mas o que lhe ocorre sobre o momento em que Costa fez o flick-flack sobre a sua derrota eleitoral é isto: "Neste conjunto de avaliação de forças, o primeiro-ministro António Costa disse: 'É a altura'. Além de que não havia mais nada. Ou era isto ou não era nada. A conjugação destas duas coisas fez com que houvesse uma mudança".

 

Quer dizer: o líder do partido derrotado faz uma coligação sem precedentes com uns pestíferos em torno dos quais sempre os socialistas haviam estabelecido, desde 1975, um cordão sanitário; o eleitorado não se pronunciou sobre tal coligação, que nunca lhe foi aventada; e Barreto acha que o presidente da República não podia fazer nada? Claro que podia: desde logo declarar que jamais daria posse a um governo cujo parto dependesse do apoio da ala comunista da Assembleia. O país mergulharia numa crise, claro. Mas as crises são como certas guerras: mais vale fazê-las cedo para que não se tenham que fazer mais tarde, e maiores.

 

"Talvez tivessem [os portugueses] mais autonomia e mais liberdade durante o reino dos Filipes do que agora". Boa frase. E a partir dela António pinta um quadro aterrador, e pertinente, da nossa situação e da do resto da Europa. E que diz sobre a forma de sair deste buraco? Diz isto: "Continuo pessimista".

 

A seguir vêm os incêndios de Pedrógão Grande e o assalto a Tancos. Barreto diz melancolicamente: "A ideia de que este Governo foi melhor do que o anterior ou pior do que o anterior para os incêndios ou para Tancos? Não aceito essa ideia". Não aceita essa ideia nem a da demissão dos responsáveis: "Demissões? Sinceramente, não sei".

 

Já eu não acredito que Passos se enredasse no prodigioso conjunto de aldrabices e passa-culpas que Costa e sus muchachos estadearam perante um país atónito; não acho que as responsabilidades deste e do Governo anterior sejam equivalentes, desde logo porque o actual é legitimamente suspeito de estar a enfraquecer via cativações a eficácia de serviços básicos do Estado, além de ter povoado de boys, de forma particularmente sôfrega, o aparelho da Protecção Civil, entre outros; e sinceramente acho que demissões já devia ter havido, se não for por mais nada ao menos por responsabilidade objectiva e preservação do princípio de que quando os que mandam perdem a vergonha os mandados perdem o respeito. Costa pode ser um aldrabão contumaz, que efectivamente é, mas a autoridade do Estado deve ser preservada.

 

"O Estado que queremos depende desta discussão. Se queremos um Estado liberal ou um Estado robusto e interventor. Se queremos um Estado que tem uma enorme despesa social ou menor. E, no caso da despesa social, ser uma despesa social universal ou seletiva".

 

Sim sim, pé-ré-pé-pé, já sabemos que a discussão vai ser essa, se os credores entretanto não intervierem para dizer que não há discussão nenhuma e que vai ser assim e assado. Mas o entrevistado o que acha sobre essas magnas questões? Ah, disso seremos inteirados um dia, quando António Barreto acabar de cogitar.

 

"Está a ser uma alternativa, esta solução?
Está, mas não a alternativa no essencial que é o pagamento da dívida e o crescimento económico. Ainda não é alternativa nenhuma. Mas é alternativa às pensões, às reformas, ao bem-estar das pessoas, ao dinheiro que foi devolvido e à paz social. A paz social faz parte de uma estratégia política do Governo e o primeiro-ministro comprou a paz social com o PCP e com o Bloco. E enquanto der é um sucesso, é um êxito".

 

Truísmos, Barreto, truísmos. O que nós queríamos saber era o que fazer para promover o crescimento económico e sobre isso nada. Sucede que o Governo anterior demonstrou (e isso não era evidente, nem sequer para mim) que é possível diminuir a despesa pública e, a prazo, crescer. O corte na despesa foi transversal e deveria ter sido vertical, isto é, eliminando serviços públicos, o que significa que não houve verdadeira reforma do Estado. Mas daquele lado a reforma pode talvez vir, mesmo que tímida. Do lado socialista, de mais a mais acolitado pela esquerda fóssil e pela festiva bolivariana, não.

 

"Para mim, o grande, grande problema dos deputados é o seu modo de eleição, dado que ali nenhum deputado responde perante o seu eleitorado. Responde perante o chefe do partido. O verdadeiro patrão dele é o chefe do partido. E devia ser ao povo que ele devia prestar contas".

 

É inegável que a representatividade do Parlamento sairia reforçada com alguma revisão das leis eleitorais que diminuísse o poder dos aparelhos e aumentasse o do cidadão. Porém, Barreto parece acreditar que algo de substancial mudaria no país com estes novos arranjos, e decerto naquela cabeça peregrina mora a ideia de que com esta varinha mágica a nossa democracia se pareceria com a inglesa.

 

Puro engano: num país onde o Estado tem o peso que tem e o centralismo que tem o deputado regional tenderá a ser uma correia de transmissão de interesses locais quando não de empresas e indivíduos; e um parlamento cheio de deputados do queijo limiano, Isaltinos Morais, Mesquitas Machados e Mirabeaux de aldeia poderá talvez ser mais representativo; mais respeitável é que se duvida. Mesmo assim, esta mudança talvez seja necessária e aconselhável; mas conviria não esperar dela o que ela não pode dar nem fazer disso o alfa e o ómega de uma reforma das instituições. Muito mais importante seria rever a Constituição económica, tornando-a mais favorável à livre iniciativa e à responsabilidade, e menos ao parasitismo.

 

A seguir vem a Justiça, sobre a qual as considerações tecidas são mais do que razoáveis, em particular sobre as magistraturas. Tanto que, só por isto e a despeito do que antecede, António Barreto teria tido o meu voto se tivesse sido candidato à presidência da República em alternativa, ou em concorrência, ao saco de vento palavroso e oco que acabou por ganhar.

 

E a entrevista acaba com umas considerações desastradas e pedantes sobre a demissão dos secretários de Estado: nem o custo das deslocações aos jogos foi tão insignificante, nem convites de uma empresa a governantes, mormente àquele que se ocupa de questões fiscais, devem ser desvalorizados: se eu, que sou empresário (isto é, uma pessoa que produz bens e não perdigotos), sou obrigado a pagar um imposto extra sobre despesas de representação, a que título se justificam tais despesas junto de quem não é nem cliente nem fornecedor? E a referência às low-cost e aos sanduíches manhosos é um detalhe escusado e, traduzido, quer dizer o seguinte: eu, António, sou uma pessoa finíssima, habituada a passadios de muito mais fino recorte.

 

Em resumo: António Barreto faz parte, e é porventura o membro mais ilustre, de uma variedade de pensadores muito respeitada, que são os que pairam. Desprezam os actores políticos, fugindo como da peste de manifestar preferências; quando se dizem de direita não cessam de a criticar, ao mesmo tempo que dizem coisas compreensivas e simpáticas para a esquerda; e quando se dizem de esquerda guardam para ela uma compreensível tolerância, não se esquecendo nunca de malhar na direita. São com frequência professores universitários, acham que essa condição lhes dá uma lucidez que escasseia ao comum dos cidadãos, leram quatro livros e planeiam, nas próximas férias, ler cinco. E nunca se dão ao excessivo trabalho de dizer como se faz.

 

Gente céptica como eu é bem capaz de ir ao ponto de pensar que não dizem porque não sabem.

publicado por José Meireles Graça às 22:03
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Segunda-feira, 17 de Julho de 2017

Nojo

Não apetece comentar a actualidade porque o país está um nojo e é difícil reprimir, se as sondagens estiverem certas, uma sensação de desânimo por partilhar o mesmo espaço, e o mesmo destino, que uma maioria de portugueses cavando tranquilamente o buraco em que estão enfiados.

 

Pode-se ser socialista: basta acreditar que a economia de um país é substancialmente diferente da de cada um porque duramos pouco e os países muito e porque não podemos impôr as nossas dívidas ao nosso concidadão mas o Estado pode, mesmo aos nossos filhos ainda por nascer. Não faltam economistas, incluindo prémios Nobel, a acreditar que a transposição para o Estado das mesmas regras de prudência, probidade e submissão ainda que contrariada às regras de mercado, que regem a conduta dos indivíduos sensatos, é um absurdo; e que ele, com o dinheiro que cobra hoje a uns e pede emprestado a outros, investe com mais lucidez do que os privados fariam com os recursos que lhes são subtraídos com impostos presentes e futuros.

 

Pode-se ser comunista, embora tal doença crónica só atinja, felizmente, uma minoria da população, tal como as cataratas e a esquizofrenia, afecções que aliás ajudam a entender aquela condição: a esquizofrenia provoca visões conspiratórias do mundo e alucinações e as cataratas têm efeitos deletérios na acuidade visual, tudo sintomas que só com patente má-fé o observador imparcial não reconhece nos comunistas.

 

Pode-se ser bloquista, exactamente pela mesma razão que uma parte da juventude tem acne: o indivíduo não está completamente formado, os tratamentos conhecidos não têm resultados palpáveis e o comportamento padece daquele conjunto de pulsões e atitudes que associamos à adolescência. Em princípio, o problema desaparece com a idade, tornando-se o paciente socialista.

 

Pode-se ser tudo isto, e isto tudo faz de momento a maioria do eleitorado. Mas não se pode imaginar que este eleitorado não sabe, ou suspeita, que o país está suspenso de arames (o BCE que garante financiamento, o ISIS que afugenta turistas para cá, as low-cost que dinamizam o turismo, a retoma económica no exterior que arrasta a nossa) e que quando algum ou alguns destes arames se romperem o problema será igual ao das falências anteriores, mas com uma dívida muito maior.

 

E se o eleitorado geringôncico sabe, então deve achar três coisas: uma é que estes que estão sempre lhe vão dando alguma coisinha (um aumento de pensões a um mês das eleições autárquicas, como sucederá em Agosto a dois milhões de reformados, uma manobra óbvia de compra de votos que o sinistro Vieira da Silva engendrou, por exemplo), mesmo que depois façam umas habilidades que ninguém entende bem para aldrabar aqueles lá de Bruxelas, ao mesmo tempo que reabastecer o carro fica mais caro, mas só para quem o tem, e o serviço do SNS se degrada, mas só para quem lá vai; a outra é que a PàF não faria isto, isto é, não virava a página da austeridade; e a terceira é que a Europa não haverá de querer chatices e, como somos pequeninos, alguma solução se arranjará.

 

O papel da Oposição é desmontar estas três crenças, e não se pode dizer que o venha fazendo com eficácia, a julgar pelos resultados.

 

Abstenho-me de dar conselhos nesta matéria, por ignorar quais devessem eles ser. Mas estou certo, do que tenho lido, que a pequena parte do comentariado que não é tida como de esquerda se limita a sugerir pessoas mais capazes para o lugar de Passos sem esclarecer em que consistiriam as diferenças que um novo líder deveria aportar; em explicar, no caso de economistas como Vítor Bento, João César das Neves e muitos outros, a insustentabilidade do nosso trajecto, mas sem que a mensagem converta mais do que convertidos, por haver gente com as mesmas qualificações que diz o oposto; e em refugiar-se, no caso de certos magistrados da opinião, em teses que pairam acima dos partidos, das circunstâncias, do eleitorado em concreto, com o seu perfil atávico de dependente do Estado e agora também da Europa, e que não apontam nenhum caminho, nem nenhuma solução, amalgamando tudo num desgosto geral, que abrange por igual o governo anterior e o actual, como se não houvesse diferenças e elas não merecessem análise.

 

É que, se não há diferenças, realmente tanto faz, e o eleitorado está cobertinho de razão. Sucede porém que em quarenta anos o país faliu três vezes, e das três pela mesma razão: o Estado estava endividado a um nível que, nas circunstâncias da época, fazia com que os credores não estivessem dispostos a emprestar mais sem meterem o nariz na forma como o país era administrado. E das três vezes, como na quarta quando vier, o papel desempenhado pelos partidos não foi igual, nem parecido, nem é difícil identificar o principal responsável.

 

Um destes magistrados é António Barreto, que tem farta audiência na direita pelo seu passado como ministro corajoso da Agricultura num momento chave da nossa história recente, homem probo, e intelectual não-alinhado com a ortodoxia do socialismo caseiro, a jigajoga dos poderzinhos de Lisboa e o politicamente correcto. É muito, e por ser muito suscita atenção e interesse. Mas quem procure em Barreto a mais remota ideia sobre o que o país deve fazer, além da reforma das leis eleitorais que imagina são o abre-te Sésamo da regeneração, vê as suas esperanças defraudadas.

 

Procurarei, em post separado que este já vai longo, analisar a entrevista em detalhe, a ver se de lá se retira algo mais do que as mesmíssimas irrelevâncias com que Barreto nos brinda há anos. E decerto talvez me ficasse melhor entreter-me com alguma das figurinhas da Situação mas, lá está - provocam nojo. Barreto não, desperta estima. E desconsolo. Stay tuned.

publicado por José Meireles Graça às 13:02
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Sexta-feira, 14 de Julho de 2017

Revisão de contas, ou, o tele-evangelismo dá dinheiro

2017-06-10 Situação líquida partidos.jpg

Ao abrigo do artigo 20.º, n.º 2, alínea d) da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro, com referência apenas ao balanço e demonstração de resultados, e incluindo as contas dos grupos parlamentares e de deputado único representante de um partido na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas das regiões autónomas, nos termos da alínea e) do artigo 9.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, na redação dada pelo artigo 1.º da Lei Orgânica n.º 5/2015, de 10 de Abril, a Entidade de Contas e Financiamentos Políticos publicou no seu site, as Contas Anuais dos Partidos Políticos referentes ao ano de 2016.

Para atalhar razões, a comunicação social deu-se ao trabalho de extrair dos relatórios a Situação Líquida dos partidos com assento parlamentar, e é apenas sobre ela que eu vou dar o meu parecer.

Para não entrar a frio nos números, que como toda a gente sabe, não são pessoas, devemos olhar previamente para a economa das operações, ou seja, para os relatórios de actividade. Na sua indisponibilidade, apoiemo-nos no que sabemos, ou pensamos saber, sobre a fortuna dos partidos.

Em Portugal há três grandes partidos, ou seja, partidos com muitos militantes, muitas sedes e muita despesa: o PSD, o PS e o PCP, por ordem decrescente de número de eleitores, que não necessariamente do número de militantes ou da estrutura de custos.

Destes, o Partido Comunista Português é o mais antigo, provavelmente o que tem mais militantes, e certamente o que tem mais militância. É, ao contrário do que os resultados eleitorais nos últimos 40 anos sugerem, um partido profissional, e um partido de poder. No dia 25 de Abril de 1974, apesar de ter uma boa parte da estrutura de liderança exilada em diversos países, teria sido capaz de apresentar um governo completo e pronto a entrar em funções antes de acabar o dia. E no dia 14 de Julho de 2017 também seria, e sem ter de recrutar os governantes entre os familiares de meia dúzia de amigos do primeiro-ministro. É também o partido que dominava o aparelho do Estado quando foi distribuído pelos partidos o património que se podia distribuir. E como quem parte e reparte e para si não deixa a melhor parte ou é burro ou não tem arte, e o sector intelectual do partido sempre contou com bons artistas, para além dos empregados de escritório, o PCP juntou um bom pecúnio em património imobiliário nos tempos do processo revolucionário em curso. Acresce que o grau de militância dos comunistas, quase comparável ao de uma seita religiosa, sempre se prestou a boas receitas de quotizações dos militantes, sem contar com o dízimo dos que assumem funções públicas remuneradas, para além do intenso voluntariado prestado pelos militantes de base para realizar tarefas que, em partidos mais burgueses, só aparecem feitas se forem terciarizadas, ou seja, se pagarem para as mandar fazer. Tudo junto, potencia um património imobiliário portentoso, um bom nível de receitas e uma estrutura de custos bastante competitiva para a dimensão das operações. E, sem supresa, o partido mais rico de Portugal é, de longe, o PCP, com uma situação líquida de perto de 18 milhões de euros, mesmo com a exiguidade da subvenção pública que os seus não mais de 10% de eleitores lhe proporcionam regularmente.

O Partido Social Democrata, mesmo sendo o campeão em vigor da subvenção pública, por ter ganho as eleições, e as conseguir ganhar com alguma regularidade, está muito longe do PCP, mas tem uma situação líquida apreciável. De fora do partido pode dar a impressão que é um partido de poder que nada em dinheiro, como se gosta de assumir para a política de uma maneira geral, mas de dentro percebe-se que não. Sendo militante ao serviço da secção de uma das maiores cidades do país, a Amadora, posso testemunhar, sem revelar segredos que devem ser mantidos em segredo, que a vida no interior do partido é bastante austera, o único equipamento de telecomunicações disponível na sede é um descodificador de televisão digital que compensa a idade do televisor que seria só por si incapaz de sintonizar os quatro canais digitais, e, internet sem fios, apanha-se por mero caso a gratuita da loja do Continente Bonjour que fica paredes-meias com a sede do partido e está ligada 24 horas por dia. Menos nas próximas semanas em que a loja entrará em obras e provavelmente desligará o benfazejo router wireless. Ou seja, fazendo dieta e vivendo de cinto apertado chega-se uma situação líquida modesta, de quase 1,2 milhões de euros, mas positiva.

O Partido Socialista tem a virtude da coerência. Apesar de também ter constituído um valioso patrimínio imobiliário nos tempos áureos da revolução, provavelmente não tão valioso como o do PCP, mas só o palácio do Rato deve valer uma pipa de massa, de pedir regularmente meças ao PSD em votos e em subvenções partidárias, e de ter um grande número de militantes que pagam quotas, apresenta uma situação líquida negativa de 6 milhões de euros, ou seja, está, exactamente como deixou o país da última vez que legou responsabilidades governativas a outros, tecnicamente falido, e muito falido. O PS não desilude as expectativas que levanta.

O Centro Democrático Social é um partido mais pequeno do que estes, mas praticamente com a mesma idade, exceptuando o PCP que vem dos tempos do jurássico, com uma rede de sedes apreciável, e custos consonantes, e tem uma situação líquida negativa de quase 100 mil euros, ou seja, está em situação de falência técnica. Nada com uma dimensão que não possa ser ultrapassada num partido de quadros que facilmente poderão mobilizar recursos para a inverter, mas um símbolo inequívoco de que a política não dá dinheiro como se gosta de pensar. O partido dos ricos não é um partido rico.

Com o Partido Ecologista os Verdes e o Partido Animais e Natureza não gasto tinta. Os primeiros, por serem um franchise do PCP montado há 34 anos para entrar no eleitorado mais jovem com preocupações ambientais que um partido soviético dificilmente conseguiria satisfazer plenamente, e tendo inflectido há 30 para a formação de um grupo parlamentar de 2 deputados que lhe dá direito a duplicar os tempos de antena e as nomeações para cargos políticos pelos partidos de incidência parlamentar, e os segundos por não me terem encomendado a certificação de contas nem eu estar para esse lado virado.

Resta o fenómeno da turma. O Bloco de Esquerda, partido diminuto em militantes, número de sedes e estrutura de custos, com um grau de implantação praticamente nulo no poder autárquico, à medida exacta da sua implantação no terreno, mas com uma presença quase permanente e omnipresente na comunicação social e no comentariado e nas notícias televisivas, fruto, talvez? do valor e do interesse público das opiniões dos seus dirigentes e comentadores, talvez? da simpatia de que gozam entre jornalistas, editores e proprietários de jornais e canais, apresenta, com 2,4 milhões de euros, a segunda mais elevada situação líquida, logo a seguir ao PCP e com mais do dobro da do PSD.

E o que significa isto tudo somado? Que um partido não tem que investir numa infraestrutura física real nem numa implantação no terreno, e, mesmo com uma oferta política toda ela baseada em ilusões e disparates em tudo semelhantes às que provam o seu valor no terreno económico no socialismo venezuelano, na melhor das hipóteses, e no sonho de um mergulho no socialismo em tudo semelhante ao que prova o seu valor no terreno democrático no socialismo venezuelano, na pior, pode conseguir obter níveis de votação que lhe dão o acesso a generosas subvenções partidárias, desde que consiga assegurar uma presença acarinhada, permanente e omnipresente nas televisões. Por outras palavras, o tele-evangelismo que é gratuito, quando não remunerado, quando o acesso à televisão lhe é franqueado sem pagar por ele a título de compra de espaço publicitário, rende mais do que a montagem de um partido tradicional com sedes e militantes.

De modo que, a título de síntese e de recomendações, se quiserem fundar um partido e ainda ganhar umas coroas, evitem montar grandes partidos com muita gente, que são uma maçada e uma despesa, vão à televisão o mais que possam, e gozem da notoriedade que ela vos proporciona. Optem pelo tele-evangelismo.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:29
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Terça-feira, 11 de Julho de 2017

Pequenos apontamentos de memória

Lembram-se da sociedade de advogados que tem o timbre no contrato do Siresp negociado pelo António Costa que inclui a já célebre cláusula 17 que blinda o consórcio contra quaisquer responsabilidades pelo não funcionamento da rede em situações de emergência?

 

2017-06-22 Siresp - força maior.jpg

Lembram-se do secretário-geral do Partido Socialista que uma vez disse numa entrevista "Há, em Portugal, um partido invisível, que tem secções sobretudo nos partidos de Governo, que capturou partes do Estado, que tem um aparelho legislativo paralelo através dos grandes escritórios de advogados e influencia ou comanda os destinos do País"?

Sabem qual foi a sociedade de advogados escolhida pelo governo do António Costa para estudar se há volta a dar na cláusula 17 do contrato do Siresp?

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 02:01
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Quinta-feira, 6 de Julho de 2017

Soberania mal entendida

Numa carta endereçada a António Costa, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) pede a intervenção do primeiro-ministro no diferendo entre os representantes sindicais dos juízes e o Ministério da Justiça e acusa Francisca Van Dunem de estar “completamente manietada” por funcionários administrativos e “das Finanças”.

 

Pergunta-se: Devem os juízes poder ser representados por um sindicato, mesmo que o disfarcem sob a capciosa, para não lhe chamar hipócrita, designação de "associação"? Não, não devem; e seria decerto útil saber se os "cerca de 2100" associados que são reivindicados no site respectivo existem realmente e, existindo, quantos estão filiados por causa das iniciativas úteis de carácter profissional e informativo que a Associação prossegue e quantos reclamam os direitos típicos de um sindicato, em particular o direito à greve.

 

Do ponto de vista jurídico o assunto foi tratado numa série de posts de Vital Moreira, dos quais o último é este, e mesmo que não fique a matéria encerrada  ̶  outros juristas terão, como é normal em Direito, outro entendimento, e desde logo os juízes que se prestam publicamente ao desempenho do papel de sindicalistas, e os que os apoiam - há pelo menos cobertura doutrinária e legal para, pura e simplesmente, se proibir não apenas o direito à greve mas a própria existência de associações de magistrados com carácter sindical.

 

A razão para a existência de sindicatos é conferir ao empregados a força que estes isoladamente não têm para se opor a abusos dos patrões que perante aqueles estão, ao menos teórica mas com frequência também praticamente, numa situação de força. Isto em abstracto, que em Portugal há outras razões, incluindo históricas, que nem por serem evidentes são mais confessáveis.

 

Ora, os magistrados não fixam nem a sua remuneração nem as suas regalias e condições de trabalho - quem o faz é sobretudo a Assembleia da República, que se auto-regula neste aspecto, isto é, legisla em causa própria.

 

Mas as coisas, num regime de separação de poderes, não podem ser de outra maneira: não pode a Assembleia da República julgar nem os juízes legislar. E seria forçar o senso e a experiência de vida defender que há, entre deputados e juízes, algum grau, mesmo que ténue, de dependência destes em relação àqueles.

 

Não há: todos os deputados que já foram alguma vez julgados pela prática de ilícitos foram-no por juízes, mas nunca nenhum juiz foi julgado senão pelos seus pares; os deputados legislam como entendem e pagam por isso um preço sob a forma de sanção eleitoral, mas os juízes decidem como entendem e não pagam por isso qualquer preço porque são, e têm de ser, irresponsáveis.

 

O Governo, e dentro deste o ministro da Justiça, pode evidentemente fazer alguma coisa em favor ou desfavor dos magistrados. E é ao primeiro-ministro que se dirige uma senhora juíza Maria Manuela Paupério, numa carta a meu ver muitíssimo mal redigida, reivindicando "medidas concretas que garantam, entre outros aspetos, o aumento do suplemento salarial de exclusividade, a progressão na carreira, o reforço das garantias de independência e a articulação com a nova organização dos tribunais".

 

Não faço ideia de quais são as garantias de independência dos juízes que carecem de reforço, e menos ainda de que articulação se fala (articulação de quê ou de quem com o quê ou com quem?), mas não fosse a suspeita de que no essencial do que estamos a falar é do vil metal, e ficaria alarmado: a independência dos juízes é uma pedra angular de um Estado de Direito, e se ela, a independência, para não ser posta em causa carecesse do aumento de um suplemento salarial, estaríamos mal, muito mal.

 

Sucede que a queixa a Costa incide principalmente sobre a ministra da Justiça:

 

"Em tudo aquilo que envolvesse impacto orçamental, por mínimo que fosse, a Senhora Ministra apresentou-se completamente manietada na sua capacidade de decisão. Chegou ao limite de se tornar constrangedor assistir, em reuniões havidas, a funcionários das finanças ou da administração pública negarem à frente da Ministra a possibilidade de concretização de soluções que a própria assumia como viáveis e equilibradas. Será que não podemos dialogar ao nível dos órgãos de soberania? Temos que nos sujeitar ao veto de funcionários administrativos?"

 

Olhe, senhora juíza, um ministro que não cede a reivindicações salariais porque não quer prejudicar equilíbrios orçamentais (que aliás ainda nem sequer existem), a mim, merece-me respeito; e qualquer diálogo "ao nível dos órgãos de soberania" que ignore a condução da política orçamental, e que a tache de "veto de funcionários administrativos" - não. Porque o Governo (mesmo este, com a legitimidade duvidosa que tem, e a sua particular inépcia, sobre a qual não há dúvida nenhuma) governa em nome do Povo; e os juízes julgam em nome do Povo - mas não em causa própria.

publicado por José Meireles Graça às 15:21
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Sábado, 1 de Julho de 2017

Como somos menos pobres chumbamos menos, ou por chumbarmos menos vamos ser mais ricos, tanto faz. O que interessa é sermos felizes.

2017-07-01 Chumbos.jpg

Em 16 anos, nunca nenhum jornal foi tão encomiástico com um governo como o Público é com o actual.

Para dizer a verdade, em muitos mais. Se calhar, só recuando ao Diário de Notícias dirigido pelo José Saramago se consegue encontrar um jornal tão militantemente encomiástico de um governo. E, para conseguir o que se conseguiu do Diário de Notícias de 1975, foi preciso recorrer à força bruta, aos despedimentos decididos em plenário, sem processo disciplinar, nem indemnização, nem fundo de desemprego, que a praxis laboral quando o PCP governa é de uma têmpera mais rija do que a dos moles dos capitalistas. E se não resultasse mandavam-se-lhe umas Chaimites para mostrar quem mandava. E o governo da altura até era dirigido por um brilhante primeiro-ministro, o companheiro Vasco da muralha de aço. Agora, basta ao primeiro ministro existir e fazer olhinhos às bloquistas, por quem os jornalistas se perdem de ternura, para ter jornais que o carregam num andor, sem necessidade de violência nem ameaças. Enfim, com só algumas ameaças. Uma época que fez escola.

Esta pérola que o Público, à falta dos saquinhos com brindes dos jornais do tio Balsemão, que também dispensam um amor incondicional ao António Costa, não devemos cometer a injustiça de o esquecer, nos oferece para embelezar o nosso fim-de-semana informa o povo num dos seus típicos quadrinhos com uma notícia principal e uma série de títulos que dirigem os leitores mais lentos de compreensão para a interpretação correcta da notícia, que uma figura vale mais do que mil palavras de ordem, que em Portugal nunca se chumbou tão pouco, não cuidando de explicar se é por aumento da qualidade do ensino ou por redução da exigência, o que não interessa para nada porque o objectivo do ensino no Tempo Novo socialista não é que os meninos fiquem a saber alguma coisa, até já criaram uma Matemática pós-Moderna que substitui com vantagem as Matemáticas Moderna e Clássica por dispensar os parêntesis nas expressões algébricas, nem se distingam uns dos outros pelo mérito que pode desarranjar a estratificação social que levam à partida, mas que sejam devolvidos às famílias felizes e sem retenções ao fim dos seus percursos escolares, e da relação entre chumbos e pobreza, sem explicar qual é a causa e qual a consequência, mas identificando uma vantagem importante em não haver chumbos: os meninos estão menos tempo no sistema de ensino, custam menos, e torna-se mais fácil atingir deficits ambiciosos que deleitam os socialistas e as bloquistas quando são elogiados pelo austero professor Wolfgang Schäuble. Também pouco importa.

No mundo côr-de-rosa "Acção Socialista" do Público, ou os portugueses estão a chumbar menos por serem menos pobres, ou vão enriquecer por terem menos chumbos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 10:19
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