Quarta-feira, 30 de Agosto de 2017

Casa & Jardim

A casa em que vivo foi construída em fins dos anos quarenta em dois socalcos, dos três que constituem o terreno em que está implantada. O primeiro era, e segue sendo, jardim, feito à época; e no segundo e terceiro havia pomares, horta, galinheiro e, em determinada altura, coelheira e algumas colmeias. Em tempos mais recuados chegou a cevar-se um porco, quando ainda se guardavam nas caves talha de azeite, pipos de vinho e vinagre e caixa de sal, além do madureiro. Em plena negra noite do fascismo, portanto.

 

A dona da casa, neta e herdeira de quem a construiu, deixa-me lá viver desde 1975. E como não pagasse renda casou comigo em 1976, legalizando portanto a situação.

 

O jovem casal não descansou enquanto não deu cabo dos pomares, da horta e do resto. E no segundo socalco fez uma zona de lazer na qual instalou um equipamento para dar trabalho e despesa, vulgo uma piscina, no espaço onde estavam as tangerineiras, arrelvando o resto e plantando árvores, de sombra e porte.

 

Fez também um lago de jardim, que povoou com carpas e rãs, garantindo assim que no Verão o silêncio da noite fosse atordoado com uma chinfrineira infernal, hoje consideravelmente diminuída pelos cuidados de uma garça forasteira que lhe faz visitas periódicas ao raiar do dia, assegurando o equilíbrio ecológico e o silêncio.

 

No terceiro socalco fez um mini-bosque, que no conjunto com o resto representou várias dezenas de árvores, quase todas diferentes, a gosto.

 

Há uns 30 ou mais anos, na única clareira disponível no antigo jardim, perto da faia tricolor, plantou-se um liquidâmbar. Durante anos, a arvorezinha foi crescendo com bastante circunspecção, mas aqui há uns dez parecia que lhe tinham soprado, e desde que se instalou rega automática deu em lançar uns ramos vigorosos, verdíssimos (na Primavera) e extensos.

 

A faia quase septuagenária assistiu a estes desenvolvimentos com grande fleuma. Tanto que o liquidâmbar, pouco menos alto, para o lado dela quase não conseguiu lançar ramos nenhuns, sendo portanto uma árvore desequilibrada, embora de tronco perfeitamente erecto.

 

Sem vento, sem chuva e sem sinais de feridas aparentes, caíram uns quantos ramos, dois com peso considerável, dos quais um para o caminho público, o que nos afligiu grandemente - poderia ir a passar um vizinho, mesmo que fosse um dos socialistas que, parece, existem em profusão nas cercanias.

 

Há dias caiu outro, mais uma vez sem sinais de qualquer dano; e com a trovoada e a chuva de há duas noites, que o governo engendrou como única, e desesperada, medida de combate aos incêndios, há um que tem uma inclinação mais suspeita ainda do que a credibilidade do ministro Centeno.

 

O cirurgião de árvores virá antes do Inverno abater aquele ser vivo, felizmente não senciente; e a benefício das futuras gerações já está bem perto uma magnólia novinha e ambiciosa.

 

E então, este pequeno incidente da vida doméstica contém algumas lições para edificação dos gentios? Quer-me parecer que sim, duas:

 

Uma é que fazer um jardim amador é uma asneira. Um jardim, como uma casa, requer projecto e especialista. Porque é difícil imaginar, a décadas de vista, como vão as árvores evoluir; porque uns sítios recomendam umas plantas, e outros outras, e o casamento de árvores com arbustos, flores, canteiros, relvas e outros espaços verdes, é muito mais traiçoeiro do que parece; e porque a manutenção é sempre cara, mas pior se incluir constantes correcções e acertos.

 

Outra é que o meu orgulhoso liquidâmbar é uma metáfora do país e do PS: cresce viçoso (viçoso é como quem diz, a gente embala-se com a retórica), possivelmente porque encontrou um veio de água, no caso a facilitação quantitativa, ou lá o que é, do BCE.

 

Os ramos que caem são o Serviço Nacional de Saúde e outros serviços que se degradam, e a sombra é a da propaganda com que se esconde a doença do nosso Estado e da nossa economia.

 

Será abatida a árvore, e 1 de Outubro seria uma data tão boa como outra qualquer. Assim os eleitores quisessem na mesma altura melhorar o seu jardim.

publicado por José Meireles Graça às 16:04
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Terça-feira, 29 de Agosto de 2017

Modernização administrativa

A minha carta de condução tem inscrita uma data de validade do ano de 2022, ano em que eu completarei 65 anos de idade, se ainda for vivo. Mas eu sei que não é válida até essa data, porque sou um cidadão atento e informado. Sei que, a páginas tantas, um governo mais dado à complicação administrativa determinou que a carta de condução tinha que ser revalidada aos 50, aos 60, aos 65, aos 70, e de dois em dois anos a partir dos 70. Até consigo, apesar de não ser tão atento e informado assim, saber exactamente em que ano, e por acção de que governo, o sistema teve este incremento na complexidade: foi em 2008. Como consigo este prodígio de memória? Através de uma mnemónica: em 2007 eu fiz 50 anos e não tive que revalidar a carta, em 2008 o meu irmão fez 50 anos e teve. Quem é que nesse ano de 2008 brilhava no firmamento do governo socialista por fazer milagres na simplificação administrativa? A ministra Maria Manuel Leitão Marques, investigadora em situação de licença, quando exerce cargos políticos, do Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Esse mesmo.

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Vai daí, e conhecedor da necessidade de um atestado médico para fazer a revalidação da minha carta, dirigi-me ao centro de saúde da minha área de residência onde, desde 2013, voltei a ter médico de família que não tinha desde os idos do primeiro governo do António Guterres, quando deixei de ter para não mais voltar até 2013. Atribuir-me médico de família foi um dos castigos com que fui penalizado pelo governo neoliberal Passos / Portas. Mas adiante.

Marquei uma consulta, com taxa moderadora de 4,50€, custava a exorbitância de 5,00€ na legislatura anterior mas o governo António Costa fez-me esta devolução de rendimentos de 0,50€ por consulta, e a funcionária deu-me um formulário e explicou-me que, a parte da frente, descrevendo o meu historial clínico e assinalando as doenças que eu tive e que não tive relevantes para a condução de veículos automóveis, preenchia eu, e assinava, e a de trás tinha que ser preenchida e carimbada por um oftalmologista ou optometrista, devendo eu trazer o formulário preenchido, assinado e carimbado à consulta que ficou então marcada.

Eu perguntei-lhe se podia marcar ali uma consulta de Oftalmologia e ela explicou-me que, para isso, teria que ir à consulta do médico de família e pedir-lhe uma guia para fazer uma marcação no hospital, fizemos um exercício conjunto de previsão para estimar quanto tempo seria preciso esperar pela consulta de especialidade e acordámos que poderiam ser 6 meses, ou talvez 2 anos. Como não estava disposto a passar os próximos 2 anos sem carta de condução, e uma consulta no meu oftalmologista habitual nunca custa menos de 100,00€, decidi investigar a possibilidade de ter uma consulta de Optometria. Felizmente entrei numa loja da Multiópticas, passe a publicidade mas a verdade deve ser dita, para perguntar, e fiquei a saber que a Multiópticas oferece essa consulta e o preenchimento do formulário gratuitamente a quem o solicite, mesmo tendo eu esclarecido que não era cliente daquela loja, se bem que fosse de outra que, esclareceu-me a funcionária, não pertence ao mesmo franchisado. E, assim, a loja da Multiópticas da Amadora, a quem eu nunca tinha feito uma compra, ofereceu-me gratuitamente o serviço que o SNS, que financio com os meus impostos, não fornece, e cobraria uma taxa moderadora por ele se fosse suficientemente organizado para conseguir fornecer.

E lá cheguei eu à consulta com a médica de família com o formulário preenchido e assinado, num lado uma declaração minha a descrever o meu historial clínico, no outro o registo do resultado dos exames que a optometrista me tinha feito. Sem doenças nem perturbações na visão, tudo em ordem.

Então, mas, e a médica? Qual é o papel da médica? Dactilografar a ficha, incluindo o nome, a morada e os números do Cartão de Cidadão e da Carta de Condução, no sistema informático do centro de saúde para imprimir o atestado médico que assinou e carimbou.

E aqui eu pensei que anda uma miúda desde criança a preparar-se para conseguir à saída do liceu média para entrar em Medicina, anda mais seis anos a queimar os neurónios para completar uma licenciatura que custa aos contribuintes 100 mil euros, e mais o internato e o exame de especialidade, para acabar a desempenhar funções de dactilógrafa para a máquina burocrática do estado.

E pensei outra coisa. Não tivesse saído do anonimato absoluto por ter revelado numa entrevista à jornalista Fernanda Câncio, tão cheia de cumplicidades que, como disse o Gastão Taveira no Facebook, parecia uma entrevista do ventríloquo ao boneco, que é homossexual, e não fosse esta revelação de um membro do governo essencial para mudar mentalidades, e, num mundo onde o único método infalível para mudar mentalidades tem sido arrancar cabeças e substituí-las por outras com a mentalidade correcta, mudá-las por entrevista é tão meritório quanto benigno, mesmo que de eficácia algo duvidosa, e quase pareceria que a secretária de estado da modernização administrativa é tão dispensável para nos governar quanto era desconhecida até revelar em público a orientação sexual. Secretária de estado vinda de onde? Adivinharam!

Pelo que tenho uma proposta que gostava que os leitores socialistas, e sei que os tenho porque de vez em quando me aparecem aqui comentários de ódio que revelam essa orientação ideológica, fizessem chegar ao senhor primeiro-ministro: sendo a secretária de estado necessária no governo para mudar mentalidades por causa da sua orientação sexual, mas sendo também uma nulidade incompetente para promover qualquer modernização administrativa, e sendo a modernização administrativa importante para o país, seria mais útil para o país e a sociedade civil se ela fosse transferida de um lugar que seria vantajoso ser ocupado por alguém competente para assumir as responsabilidades deste lugar para um lugar onde nenhuma competência seja exigida, por exemplo, para distribuir dinheiro pelos amigos numa qualquer secretaria de estado do ministério da cultura. No caso improvável de não ter amigos na cultura não há problema nenhum, pode perfeitamente pedir à jornalista que lhe apresente alguns, e a distribuir dinheiro pelos agentes culturais é fácil fazer amigos. Ficavam os amigos felizes, e ela também, e nós também.

E, preferencialmente, que deixasse os médicos trabalhar.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 17:54
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Domingo, 27 de Agosto de 2017

Ali Baba socialista e os quatrocentos ladrões

Há quem ache que não há qualquer razão para a existência de bancos privados desde que estes detêm, como de facto detêm, o poder de criar moeda, uma antiga prerrogativa do Estado.

 

Prerrogativa do Estado é como quem diz; que na realidade o que o Estado faz, e o que deixa de fazer, sempre foi o que o soberano quis. E o soberano quis com frequência desvalorizar a moeda metálica, falsificando-lhe a composição em metais nobres mas retendo o valor nominal, para financiar as suas guerras e os seus delírios de grandeza, na ilusão, tão velha como o mundo desde o tempo dos lídios, que a moeda é em si mesma a riqueza, em vez de simplesmente a representar. Esta degradação foi facilitada com o papel-moeda, que já nem dava sequer o trabalho de cunhar, e o fim do padrão-ouro em devido tempo, e atingiu, ao termo de uma evolução de séculos, o actual esplendor, primeiro com meros lançamentos de registos em papel e agora, em respeito à preservação das florestas, com transacções electrónicas.

 

Os bancos privados, quando nasceram, deram provas de saber como fazer frutificar os recursos postos à sua guarda, de tal forma que cedo começaram a emprestar ao soberano. E descobriram um pouco mais tarde que, já que o sistema repousava na confiança do depositante de que o seu dinheiro estava aplicado com critério, e que seria adequadamente remunerado e reembolsado, emprestar um múltiplo dos depósitos detidos era apenas uma extensão da confiança.

 

Com uma ou outra ocasional falência espoletada por uma corrida aos depósitos, o sistema podia funcionar. Mas não se o desastre de um banco se comunicasse aos outros - o famoso risco sistémico. E isso, infelizmente, sucedeu algumas vezes, a última há pouco, com a agravante de, desta vez, haver pouca gente que tendo beneficiado de anos a ganhar fortunas à boleia de prémios de desempenho tenha perdido o que especulativamente ganhou, e menos ainda gente a saltar pela janela.

 

Consequências de organizações too big to fail, e de equipas de gestão sob pressão para realizar mais-valias de qualquer maneira, a curto prazo, certas de que empochados os prémios milionários quem viesse atrás que fechasse a porta.

 

É nisto que estamos. E então como é, nacionalizamos os bancos todos?

 

Não há sociedades desenvolvidas sem bancos privados; os bancos públicos, onde existem, nunca deram qualquer sinal de se distinguirem pela qualidade da gestão, e pelo contrário são invariavelmente mais burocráticos, menos competitivos e mais sensíveis à influência do poder político do dia; e das crises dos bancos, que acompanham quando não provocam as crises cíclicas do capitalismo, sai-se para novos períodos de crescimento, enquanto em todos os países onde a banca é ou foi integralmente pública crises não houve - nem crescimento, criação de riqueza, liberdade económica ou sociedade de consumo. O que há, hélas, e mesmo assim com excepção de uma casta de dirigentes do Partido, é igualdade na miséria e violência do Estado para negar direitos básicos de cidadania.

 

A "nossa" Caixa Geral de Depósitos era, no tempo do Estado Novo, uma instituição sólida, e dispunha de consideráveis vantagens quer em clientes cativos (as autarquias, por exemplo, era lá que se financiavam) quer em depositantes (muitos funcionários públicos e serviços do Estado, igualmente por exemplo). A gestão não era, nem tinha  de ser, competitiva, bastava-lhe ser rigorosa e comedida.

 

A CGD transformou-se porém, com o regime democrático, num bicho anómalo: mais dependente ainda do poder político que a banca privada, imaginou-se que podia ser com naturalidade uma estância para gestores de aviário oriundos do Centrão; e que com este enquadramento seria um banco como os outros, competindo com naturalidade num mercado em que a promiscuidade entre o Estado e a banca era de tal ordem que se poderia julgar que, pública ou privada, a banca era tudo farinha do mesmo saco. E é claro que, sendo um banco igual aos outros, permitiu-se que os seus gestores, em nome da necessidade de atrair os melhores, tivessem as regalias pornográficas que são a norma no sector, tudo sob a supervisão de um organismo pletórico e invisual, ele próprio uma gigantesca inutilidade e um depósito de parasitas pagos a peso de ouro.

 

Mas não era. Bastou que viesse um governo particularmente corrupto, e particularmente inconsciente no seu intervencionismo demente, para que a CGD viesse a ter necessidade de sucessivos aumentos de capital. E mesmo que a queda do BES dê a impressão de que os casos são iguais, não são: o BES pagou o preço de uma gestão arriscada e de um crescimento desmedido para a miséria de capital com que reiniciou a sua actividade aquando da privatização, e não sobreviveu a uma crise séria, nem à alteração pelo BCE dos critérios de necessidade de capital, nem a um governo menos susceptível à influência do seu poder de facto, falindo. Os seus accionistas perderam tudo, os seus gestores têm para anos de opróbrio e infindáveis sarilhos judiciais e o contribuinte perdeu, e continua a perder, o necessário para evitar o tal risco. Mas o BES acabou.

 

A Caixa não acabou. E como não acabou e como estava na realidade falida, enxertou-se-lhe uma administração sem o troca-tintismo de numerosos elementos de administrações pretéritas, aumentou-se-lhe mais uma vez o capital, pôs-se uma tampa sobre as loucuras, as aldrabices e as moscambilhas do passado, e declarou-se: Agora é que vai ser  ̶  até ao próximo aumento de capital, bem entendido.

 

Ou talvez não. Que a nova administração resolveu encerrar agências, despedir pessoal (pagando-lhe, em nome da paz social, o que uma empresa privada falida não paga), aumentar os preços dos serviços que presta e dos que imagina prestar, e assaltando com descaramento as contas dos depositantes. Tudo com a bênção do governo (que há muito tornou impossível às empresas pagar em dinheiro, ao contribuinte não ter uma conta bancária e ao cidadão fazer transacções que o Estado desconheça), a cumplicidade dos outros bancos, que vão atrás quando não iam à frente, e o Banco de Portugal, que preside com mansuetude ao roubo organizado.

 

É de roubo que se trata, e talvez inevitável desde que o BCE inventou que a solução para a crise era tornar o crédito tão barato que nem o depositante é remunerado, nem a margem do banco consente financiamento à economia a não ser com garantias que administrações acéfalas exigem por não saberem avaliar o risco, nem a actividade bancária atrai investidores, nem o futuro da banca tradicional está assegurado, nem os bancos, que deviam ser pequenos, cessam de se conglomerar.

 

Desastre mais completo não há. E parece evidente que Portugal, que perdeu a sua independência há muito, é um mero receptor de decisões alheias, nesta área com maior nitidez ainda do que noutras.

 

Seja, o que tem de ser tem muita força. Conviria porém que a casta de gestores que o poder democrático engendrou à boleia do sector público da economia cessasse de sugar um país exangue para fingir que é depositária de competências especiais que lhe justificam as prebendas. Não é, como se prova pela litania de falências, intermináveis ajudas do Estado e promiscuidades sortidas.

 

O que Paulo Macedo está a fazer na Caixa é provavelmente o que, nas circunstâncias actuais e querendo preservar a sua propriedade pública, tem de ser feito. Mas não se entende que o mesmo cidadão que acha normal pagar o modesto estipêndio que atribui ao Presidente da República e aos membros do Governo encare com equanimidade pagar fortunas a quem desempenha, dentro do Estado, funções que nada têm de mais complexo. E não se diga que são necessárias competências especiais e que elas só se encontram no sector bancário. Porque, mesmo que fosse o caso (e não é, a banca de propriedade portuguesa praticamente desapareceu, não obstante os milhões que o Estado lhe emprestou, o que diz alguma coisa sobre as sumidades que a administraram) desempenhar funções de topo no serviço público deveria ser um privilégio - mais o de servir e menos o de servir-se.

 

Ao trabalhador cujo miserável ordenado é depositado em conta que a banca assalta para garantir resultados talvez tudo isto interesse pouco, salvo para o confirmar na ideia de os de cima serem uma quadrilha de ladrões.

 

São. E não é porque se nomeiam comissões que têm a especial incumbência de determinar a extensão do roubo que este deixa de o ser. Mais ainda se os próprios membros dessas comissões ganham, pelo esgotante trabalho de coçarem as costas aos administradores, ordenados obscenos que o ministério das Finanças lhes manda pagar, decerto porque o titular da pasta, como muitos dos anteriores, acha que virá a fazer parte do sistema de portas giratórias que é a norma perversa que a extensão do sector público, a promiscuidade com o Estado, e a corrupção dos costumes, engendraram.

 

Tem de ser assim? Não tem. O assunto foi há muito bem resolvido. E é uma medida da degradação do nosso regime democrático que a comparação com outros tempos resulte, neste aspecto, desfavorável. É que este diploma dizia, na alínea e) do seu art.º 1º:

 

"Que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou por ele garantidos, bem como as empresas de navegação consideradas de interesse nacional, quando o Estado para elas deva nomear, ou nomeie, delegados ou administradores - quer se revistam da forma de administração, direcção, comissão executiva, fiscalização, ou qualquer outra, não podem perceber remuneração superior à atribuída aos Ministros de Estado".

 

Os outros artigos e alíneas são igualmente edificantes, numa lei que se lê num ápice. De brinde, está redigida em português, hoje uma raridade. A seriedade também.

publicado por José Meireles Graça às 16:40
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Sábado, 26 de Agosto de 2017

O outing do Zeinal Bava

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O gestor Zeinal Bava, um dos grandes expoentes do período de ouro do socialismo português, multiplamente premiado e até condecorado, encheu-se de coragem e fez o outing de 11,5 milhões de euros que tinha guardado lá fora, "para mudar mentalidades": "...as pessoas afirmarem publicamente que esconderam rendimentos lá fora, não há muito quem o tenha feito. E acho que isso é importante...", disse ele na conferência de imprensa reproduzida aqui numa linguagem técnica meio hermética que não é fácil de entender, mas era isso que ele queria dizer.

* Por razões atendíveis, decidi preservar o anonimato do parceiro do gestor, que ainda não tomou a corajosa decisão que o gestor tomou.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:58
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Sexta-feira, 25 de Agosto de 2017

A Ilha dos Amores

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Enquanto o ministro Eduardo Cabrita e a Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género às ordens dele varrem dos escaparates os livrinhos de actividades para as férias para crianças dos 4 aos 6 anos que "acentuam estereótipos de género que estão na base de desigualdades profundas dos papéis sociais das mulheres e dos homens", e a escritora e gestora cultural Inês Pedrosa propõe acabar com a venda de brinquedos diferentes para meninos e para meninas nas prateleiras do Continente, o Bloco de Esquerda já vai muito mais à frente nas questões da igualdade do género, e já experimentou as casas de banho partilhadas no Acampamento Liberdade.

Como explicou a Ana Rosa, uma das campistas, "Para nós, não faz sentido ter casas-de-banho binárias. A separação homem/mulher é extremamente redutora". Está cheia de razão, não faz mesmo sentido nenhum.

Inesperadamente, em vez de usufruirem da oportunidade para "desafiar os limites do género e os papéis de género e os pudores", por exemplo, espreitando-se uns aos outros ou organizando brincadeiras uns com os outros durante o banho, os rapazes, provavelmente privados do papel que a revista Gina tinha tido na educação sexual de outras gerações de rapazes antes de ser removida da circulação por também reflectir os estereotipos de género, e movidos por uma curiosidade anacrónica pela anatomia do corpo feminino, ou meramente para organizarem uma experiência cultural de recriação da visita dos marinheiros do Vasco da Gama à Ilha dos Amores e verificação in-loco da hipótese colocada pelo poeta Luís Vaz de Camões no verso "andando as lácteas tetas lhe tremiam", usaram esta experiência para olhar para as raparigas, tendo provocado desconforto nalgumas delas. Boys will be boys.

Perante este inesperado revés, os bloquistas regressaram às casas de banho separadas. Mas o Ricardo Gouveia, moço novo mas já senhor de uma retórica espertalhona, não desiste, porque "continuamos a ter no nosso horizonte chegar um dia e poder dizer que vamos tornar isto misto, porque queremos mesmo desafiar os limites do género e os papéis de género e os pudores". Ah, Ricardo, Ricardo, o que tu queres sei eu!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 01:56
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Quarta-feira, 23 de Agosto de 2017

É pró menino e prá menina

Uma editora privada editou livros de exercícios escolares para crianças dos 4 aos 6 anos que os pais podem, se quiserem, comprar para ocupar os seus filhos durante as férias. E decidiu publicar um para rapazes e outro para raparigas, com grafismos e exercícios diferentes, sendo que qualquer pai ou mãe pode comprar para o seu filho ou filha aquele que bem entender, ou os dois, ou mesmo nenhum e simplesmente deixar as crianças serem crianças durante as férias grandes na esperança de com essa liberdade desenvolverem alguma autonomia para serem alunos interessados no regresso às aulas.

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Os exercícios propostos, pelo menos o exercício que saltou para as páginas dos jornais e não sei se é ilustrativo de uma tendência geral ou se apenas se representa a si próprio, têm graus de dificuldade diferentes no livrinho para os meninos e no livrinho para as meninas. O labirinto dos meninos é mais difícil de resolver que o labirinto das meninas. Se eu tivesse uma filha nesta idade, como já tive, com mais gosto pela matemática do que pela conversa, como era o caso, e me desse ao trabalho de folhear os livrinhos antes de os comprar, comprar-lhe-ia o dos meninos. Isso, se a quisesse manter ocupada a estudar durante as férias, o que nunca foi o caso, para a formatar para 12 anos mais tarde conseguir média para entrar em Medicina.

Mas há pais que preferem tentar formatar as suas crianças para um dia entrarem em Medicina e que desde a idade do Jardim de Infância lhes compram livrinhos para estudarem durante as férias. E, entre estes, há os que não admitem as diferenças de género, mesmo entre livros que eles têm a liberdade de não comprar ou de comprar, e neste caso, escolher, para os seus filhos ou filhas. E chamaram a polícia.

A rede de bufos do neo-fascismo dos costumes, os do velho e clássico fascismo dos costumes apresentavam queixa de outras coisas como mulheres de calças, alunas de liceu sem bata ou rapazes de cabelo comprido, mobilizou-se para apresentar múltiplas queixas de discriminação de género por haver duas versões do livrinho a uma das novas polícias dos costumes, a Comissão de Cidadania e Igualdade do Género. E esta, em vez de se dedicar a resolver as questões sérias e reais de cidadania e igualdade do género que persistem na sociedade, abraçou, como tem sido hábito, as pretensões dos neo-fascistas dos costumes a terem uma palavra a dizer sobre os estilos de vida e as decisões tomadas em liberdade pela generalidade dos cidadãos e decidiu "agir em conformidade. O assunto não é indiferente, nem vai morrer aqui", o que significa que vai investigar se consegue arranjar fundamento legal para censurar e proibir a venda do livro que os irrita. Não pode haver livrinhos pró menino e livrinhos prá menina. E aproveitar para, de caminho, fazer a sua prova de vida cíclica, não vá alguém suspeitar que comissões como ela não servem para nada.

Eu, por mim, quero que estes neo-fascistas se f., e continuo a ter pena de a Constituição da República Portuguesa de 1976 não ter generalizado a proibição das organizações que perfilhem a ideologia fascista para a de organizações que perfilhem ideologias totalitárias. Mais do que isso, receio que qualquer idiota que um dia se proponha mobilizar a sociedade contra este neo-totalitarismo, mesmo sem ter a mais pequena ideia sobre como resolver os problemas que de facto a sociedade devia resolver, acabe por se conseguir fazer eleger para aquilo de que é manifestamente incapaz, governar. Não seria inédito.

 

PS: Ainda o dia não acabou e já esta história de censura teve um final feliz. O ministro adjunto, o mesmo que enquanto deputado desligava o micofone a adjuntos de ministros, mantém o gosto por desligar microfones depois de chegar a ministro adjunto, e deu orientações à Comissão de Cidadania e Igualdade do Género para recomendar a retirada dos livrinhos da circulação. O que confirma duas coisas: a inutilidade de comissões como esta que apenas servem de magafone aos ministros que as tutelam; que o ministro é coerente com o seu exemplo cívico de igualdade de género no único lar de Portugal onde tanto o marido como a mulher são ministros. É o Tempo Novo.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:03
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Domingo, 20 de Agosto de 2017

Silly season o ano todo

É da natureza dos romances serem transgénero, informa a autora da entrevista, uma revelação surpreendente com que o leitor desprevenido é brindado. E o romance em questão, somos ameaçados, é além disso transatlântico, transformador e transgressor.

 

Para um só romance é muito, mas reconforta-nos a informação de que tem 550 páginas, o que deve realmente sossegar quem tivesse dúvidas sobre se haveria espaço bastante para conteúdos tão atravancadores.

 

A entrevista processou-se através de uma corda de palavras a atravessar o oceano, diz Fernanda Câncio, a parceira do lado de cá, modalidade ao mesmo tempo original e pouco prática, mas conduzida a bom porto pela sua mão segura, e presumivelmente ornada com membranas interdigitais.

 

A corda em apreço é naturalmente submarina, donde a profundidade das perguntas e respostas, o que faz com que se tenha de envergar previamente um escafandro para as entender.

 

Vejamos:

 

"És ateia, mas este livro pode ser considerado religioso. Não tanto por beber em noções bíblicas como a do mundo feito em sete dias e do apocalipse, mas pela forma como estabelece uma ligação entre tudo e todos, uma ideia de retribuição e redenção, de um certo fatalismo, e sobretudo pelo misticismo. Assumes isso?"

 

A marota da entrevistada, Alexandre Lucas Coelho, não diz que sim nem que não, antes se refugia na convicção de que as leituras de facto variam entre "quem vê nele um romance queer e essa ideia de que será religioso". Já ela, que o escreveu, não sabe bem, mas mesmo assim "continua avessa a aparelhos religiosos, espantada com o milagre diário que é ficar vivo".

 

Pessoalmente tenho também alguma aversão a aparelhos religiosos, em particular o hissope dependurado num cabo, que imagino me pode estropiar a cabeça, e até mesmo o báculo, que brandido por um clérigo colérico pode causar grandes estragos; mas não vejo qualquer milagre em Alexandra acordar viva todos os dias - seria mais o caso de falar numa maldição, tendo em vista o seu hábito deplorável de perpetrar livros.

 

"Contém também a ideia de deambulação, da errância. 'Bolar um romance é ir achando constelações, unir pontos num novo desenho', dizes a dada altura. Tão depressa estamos em casa dos irmãos Judite e Zaca no Cosme Velho como na Torre do Tombo a ler relatos com 500 anos, como a saber de astronomia ou do rinoceronte que se afogou no naufrágio de uma das caravelas".

 

Fernanda Câncio baseia-se nas palavras da autora para alegar que esta  é astrónoma, mas Alexandra rejeita com veemência a insinuação: "Falo em montagem porque desde o início pensei num mecanismo cinematográfico, alternando panorâmica - nos dias ímpares, em que se vagueia pela cidade - e zoom - nos dias pares, com planos fixos em cada personagem".

 

Não foi, mas devia ter sido, aprofundado, se os dias são os da semana ou os do ano. Porque se forem os da semana conviria esclarecer quais são os ímpares, em particular qual a natureza aritmética do sábado e do domingo; e se forem os do ano se apenas anos bissextos ou os ordinários, caso em que, tal como para os da semana, haverá um desequilíbrio a favor dos dias ímpares, o que será decerto uma escolha prenhe de significados.

 

"É como se tivesses querido escrever algo voluntariamente difícil. Não tens medo de que os leitores se percam?"

 

A julgar por esta entrevista/recensão o medo razoável deveria ser o de que não se encontrem leitores. Mas Alexandra parece ser uma mulher destemida e como, nas palavras dela, "o autor escreve o que sente que tem de escrever, trabalha para que o livro se torne no que precisa, e não pode perder-se no medo da recepção", ficamos sossegados.

 

"Contaste este mês, numa apresentação do teu livro na Bahia, que depois de leres esse relato foste aos Jerónimos olhar os túmulos de Gama e Camões. Achas que Camões quis voluntariamente ignorar esse episódio horrível?"

 

Alexandra não sabe. Não sabe, a pobre querida. Talvez Camões tivesse querido deitar água benta por cima de episódios violentos ou bárbaros ou cruéis dos Descobrimentos, da escravatura, da relação com pretos, ameríndios e asiáticos, mas se calhar teve receio, ele e todos os homens bons daquela época, da reacção dos homens maus, que detinham as alavancas do Poder.

 

Que Camões e Vasco da Gama fossem homens do seu tempo, e que portanto concepções nascidas séculos mais tarde sobre direitos humanos, dignidade e igualdade básica de direitos entre cidadãos e pessoas de raças e de geografias diferentes lhes fossem inteiramente alheias, não lhe ocorre.

 

Não lhe ocorre isso nem que a mistificação do "colonialismo doce" está mais do que denunciada, e de há muito, por inúmeros historiadores, o que, para uma historiografia séria, não exclui que tenham existido diferenças entre os vários colonialismos, e que essas diferenças tenham tido consequências que se manifestam ainda hoje. Mas fazer juízos de valor, como se a contemporaneidade fosse um tribunal, sobre o comportamento de figuras históricas do passado, com ignorância e descaso das circunstâncias de tempo e lugar, cultura dominante, influências, jogos de poder, percursos, resultados e consequências, com o dedinho em riste do politicamente correcto a servir de bússola, é um exercício de estupidez e ignorância.

 

O mundo não nasceu em 1789 nem em Maio de 68; e para Portugal decerto 1820 foi um ano importante, e o 5 de Outubro, o 28 de Maio e o 25 de Abril espirros com consequências. Mas para perceber tudo isto requer-se estudo das fontes, método, espírito inquisitivo, cepticismo e lucidez - moralismo não.

 

César, que mandou amputar uma mão a milhares de guerreiros de tribos celtas vencidas, ou Truman, que despejou duas bombas atómicas sobre o Japão, têm direito a ser compreendidos nos seus próprios termos, e à avaliação objectiva das alternativas possíveis, e não a julgamentos sumários de gente com poucas luzes.

 

Os japoneses honraram os seus mortos com monumentos comoventes; e os franceses só não o terão feito porque foi há muito tempo e a sua identidade é mais tributária de uma tribo germânica bárbara, e da romanização, do que do fundo celta que partilham com boa parte da Europa.

 

Aos americanos e aos italianos de Roma é que não deve ocorrer o frenesim de monumentos a pedir desculpa. Pobres coitados, que Alexandra mostra o caminho:

 

"Defendes a necessidade de, a par do Padrão dos Descobrimentos, dos Jerónimos, de tanto monumento a celebrar o épico da gesta, criar um memorial daquele outro lado, o do horror. Que forma imaginas para isso?"

 

Alexandra quer um "tributo a ameríndios e africanos nas imediações da Torre de Belém, do Mosteiro dos Jerónimos e desse Padrão com que o salazarismo glorificou uma versão infantil do império". E deseja ardentemente "poder levar os [meus] sobrinhos a ver a cabeça do rinoceronte na Torre de Belém".

 

Os sobrinhos em questão, se tiverem juízo, apreciarão talvez mais os afamados pastéis daquelas redondezas, que Alexandra pague do seu bolso; e eu ficaria grato que não se escavacasse o meu dinheiro de contribuinte a erigir monumentos às manias infantis de reescrever a história por outra forma que não seja em livros que posso comprar ou não.

 

E se fossem apenas monumentos, ainda vá. O Padrão dos Descobrimentos é muito feio, plantar-lhe ao lado outras pessegadas pode até ser aceitável se forem pequenas, para não se verem ao longe e para que Alexandra, e as outras alexandras todas, sosseguem. Mas a afogueada moça quer mais, muito mais: "Tudo isto para dizer que não só falta uma descolonização do pensamento em Portugal como é urgente fazê-la com reflexos práticos na vida de milhões agora, também. Portugal não é branco, nem em primeiro lugar dos brancos. Como a língua portuguesa, aliás, não é de Portugal, mas de todos os que a falam, e são 300 milhões".

 

Não vejo nada disto com bons olhos, e declaro solenemente que recuso que Alexandra Lucas Coelho e Fernanda Câncio me descolonizem o pensamento. Poderia talvez aceitar outras formas de interacção, mas descolonizarem-me não, e creio que somos milhões com esta firme determinação. E vou já adiantando que só aceito que Portugal deixe de ser branco se Angola, Moçambique e as outras antigas colónias deixarem de ser pretas, perspectiva que ignoro se cabe dentro deste arrojado plano.

 

Quanto à língua portuguesa, cada um dos países que a fala trata-a como entende, e está no seu direito. Alexandra Lucas Coelho e Fernanda Câncio também estão, mesmo que só a usem, praticamente, para dizer asneiras.

publicado por José Meireles Graça às 22:59
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Sexta-feira, 18 de Agosto de 2017

A madrassa de Coimbra

2017-08-18 Workshop_Bea.jpg

A madrassa com mais sucesso em Portugal é o Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra dirigido pelo conhecido académico das ciências sociais Boaventura Sousa Santos.

Uma das funções que a notabilizam é oferecer lugares de retaguarda como investigadores a políticos, sindicalistas, académicos e activistas do marxismo, dotando-os dos meios de subsistência, financiados pelos contribuintes, necessários para prosseguirem condignamente a revolução socialista quando secam os meios de subsistência, igualmente financiados pelos contribuintes, decorrentes dos lugares que ocasionalmente ocupam no sistema que combatem. E o CES tem os seus ilustres investigadores espalhados por instituições como o Parlamento, o Parlamento Europeu ou mesmo o Governo da República.

Mas uma madrassa não se limita a tornar mais confortável a vida material dos líderes para se poderem dedicar melhor à causa espiritual, tem um papel importante na radicalização de fiéis. O CES acolhe, e até oferece doutoramentos, a candidatos à radicalização, criaturinhas fracas de espírito e de carácter que acreditam na superioridade do seu credo, de estar no lado certo da história, que, para mostrar a sua fé inabalável na ditadura do proletariado, papagueiam para defender uma ditadura como a venezuelana as palavras de ordem do velho testamento marxista como "oposição de direita e extrema-direita", "suposto regime ditatorial", "carácter fascista e golpista da oposição", "episódios de violência instigados e executados por forças paramilitares organizadas pela direita", "oposição de oligarcas golpistas", e, claro, "imperialismo dos Estado Unidos da América", para além de uma algarviada que me abstenho de seguir, à uma, por falta de espaço, às duas, por falta de tempo, e às três, porque não tem ponta por onde se lhe pegue e não vale a pena continuar a gastar tinta, mesmo virtual, com ela. Com o toque modernaço de designar a imprensa que não está alinhada com eles como mainstream, modernidade que partilham, aliás, com a alt-right. Uma boa redacção no esquerda.net que junte todos estes ingredientes e que apoie solidamente outra recente do imã garante um lugar na academia ao candidato.

Qual é o segredo da sobrevivência destas madrassas? A Constituição da República Portuguesa que, por um erro estúpido decorrente do medo em que se vivia na época em que foi redigida, proibiu no nº 4 do Artigo 46º, não as organizações que perfilhem a ideologia totalitária, mas apenas as organizações que perfilhem a ideologia fascista, abrindo as portas da permissividade a todos os fascismos que têm outras designações e que esta e outras madrassas como ela defendem, nomeadamente o socialismo.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 22:34
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Terça-feira, 15 de Agosto de 2017

Nuvens negras

Ontem o INE anunciou um crescimento, para o segundo trimestre, de 2,8%, e portanto temos direito às declarações, repetidas até à exaustão, do ministro Centeno, que abunda em gabarolices, do mesmo modo que o faria se estivéssemos a falar de 1,ou 2 ou 3 ou 5%. O homem, como acontece muito aos técnicos paraquedizados no mundo político, absorveu rapidamente os piores tiques da classe, no caso agravados pelo carácter contranatura do governo de que faz parte e pelo perfil essencialmente troca-tintas do chefe.

 

O que este ministro diz, com o característico sorriso alvar que só lhe perdoaríamos se não suspeitássemos que traduz a irremediável mediocridade que o aflige, não tem na realidade qualquer importância: sabemos que o governo aproveita os benefícios do ciclo económico, o boom impressionante do turismo e a tolerância das instâncias europeias, gratas porque Costa faz os malabarismos necessários para fingir que vai seriamente a caminho de respeitar o Tratado Orçamental; e que o Estado anafado disfarça, com as cintas do crescimento, as novas gordurinhas que vai acrescentando.

 

Não houve ocasião de a comunicação social ouvir o chefe, que aparentemente continua de férias, mas podemos estar certos de que o país que acaba de fazer a maior reforma da floresta desde D. Dinis, na opinião do ministro Capoulas, estará sem margem para dúvidas a caminho do maior crescimento desde D. João II logo que Costa tenha ocasião de se pronunciar.

 

Claro que a reforma da floresta durará até à próxima época de incêndios sem precedentes, ou o próximo ministro, conforme o que ocorrer primeiro; e o crescimento até à próxima crise, que o país defrontará mais endividado do que em qualquer das anteriores porque ainda não se inventou maneira de aldrabar a dívida pública, nem a externa, como se tem aldrabado tudo o mais.

 

Que as contas estão aldrabadas não é a Oposição que o diz, embora o diga, nem é o crescimento da dívida pública, nem o que consta sobre as dívidas do SNS e todas as outras que se podem empurrar com a barriga  ̶  é o Tribunal de Contas.

 

Sobre este pobre organismo, porém, não ouviremos entrevistas nem declarações, salvo as de circunstância para protestar um grande respeito, nem haverá um clamor público a reclamar reformas. De reformas, o respeitável público quer saber se há aumentos. E o governo, pressuroso, lá irá esportulando as esmolas que no seu calculismo cheguem para contentar a clientela dos seus parceiros revolucionários, e a sua própria, enquanto o PCP assenta arraiais no ministério da Educação e vai metodicamente minando os serviços do Estado.

 

Nem tudo porém são apenas nuvens negras no horizonte, que o cidadão não quer ver porque está anestesiado por uma comunicação social domada, um comentariado tradicionalmente esquerdista e a fé bovina de quem prefere ser enganado: a tela cuidadosamente tecida da propaganda começa a esgarçar e pelos seus rasgões percebe-se que algumas daquelas nuvens estão afinal muito próximas:

 

Uma entidade que dá pelo nome de Entidade Reguladora da Saúde, e que suponho seja igual, na sua inoperância, ao Tribunal de Contas e a todos os supervisores que o Poder foi criando para dar a impressão que o capitalismo português não vive em conúbio com o Estado e que os serviços públicos estão ao serviço do cidadão, vem denunciar as mortes que ocorreram no SNS (uma pequena parte, presume-se, que fazer a prova seja do que for que suceda dentro de um hospital é uma corrida de obstáculos com frequência inultrapassáveis), num relatório que a notícia qualifica de "retrato assustador".

 

O título é "ERS puxa orelhas", e a julgar pelas medidas que aquele organismo tomou (por exemplo "recomenda que se garanta 'o acesso a tratamentos oncológicos em tempo útil', adequados às necessidades dos doentes e que 'devem ser prestados humanamente, com prontidão e respeito pelo utente") há boas razões para pensar que nem o ministro da Saúde, nem as direcções dos hospitais, nem os médicos e restante pessoal envolvido correm qualquer risco de ficar com aqueles apêndices a arder.

 

A maior parte da população não presenciou tais casos de falência do Estado; nem os dos mortos de Pedrógão Grande, nem as centenas de feridos naquele e noutros incêndios. E é certo que a bem oleada máquina da propaganda governamental para tudo encontra uma explicação que tem a ver com o governo anterior, as forças da Natureza, os incendiários, o acaso, o espírito derrotista e retrógrado da Oposição, as fases da Lua e os desmandos de Donald Trump.

 

As sondagens não mostram ainda, mesmo que se lhes faça a correcção do enviesamento pró-esquerda que quase sempre têm tendência a ter, a censura que devia merecer um governo que todos os dias demonstra que nos livrámos de Sócrates mas não do socratismo. Agravado por uma aliança espúria e completo com a maior parte do mesmo pessoal político, de cuja cumplicidade nas tropelias socratianas é ingénuo duvidar.

 

Estamos assim. E precisamos de paciência porque é como diz o outro: pode-se enganar toda a gente durante algum tempo, e alguma gente durante o tempo todo; mas... (o resto da citação que a complete o leitor astuto).

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publicado por José Meireles Graça às 13:05
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Terça-feira, 8 de Agosto de 2017

Uma lição de Ética de esquerda

2017-08-08 Salgueiro Maia.jpg

Aproximam-se as eleições, um tema que me é particularmente sensível porque vou, pela primeira vez nos últimos 60 anos, apresentar-me como candidato a um lugar político, mas nem este facto me esmorece a minha natureza solidária que se sobrepõe a qualquer sectarismo, e vou partilhar uma reflexão de grande oportunidade e utilidade para os meus leitores de esquerda, no entanto os meus adversários no combate político que me vai ocupar os próximos dois meses. Eu sou mesmo assim.

Quer fazer uma declaração política?

Não hesite em mentir. Arranje uma figura mediática capaz de sensibilizar o público-alvo, como se faz nos anúncios da televisão das operadoras de telecomunicações ou dos suplementos alimentares, parta de factos reais

"...deixou Portugal em 2011..."

para a mentira ser plausível, omita os detalhes suficientes

"...chegou ao Luxemburgo a 15 de Março de 2011..."

para a conclusão saltar à vista, e seja claro na conclusão

"...foi convidada a sair de Portugal pelo primeiro-ministro Passos Coelho".

Faça-se publicar no jornal Público em tempo de pré-campanha eleitoral. E candidate-se às eleições pelo Bloco.

E se for apanhado na mentira?

Diga que foi um exercício de ironia.

E o jornal Público?

Altere o título da edição online de "Filha de Salgueiro Maia no Luxemburgo depois de convidada a sair por Passos Coelho" para "Filha de Salgueiro Maia emigrou para o Luxemburgo e lembra convite de Passos". Não remove o lixo, mas varre-o para debaixo do tapete.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 10:29
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