Quinta-feira, 30 de Novembro de 2017

Desventuras de Segismundo

Se eu fosse uma personagem de banda desenhada o autor desenhava-me com ar de guarda-livros, de óculos, careca, um pouco sobre o gordo e de meia-idade.

 

Se a acção se iniciasse de manhã com a personagem, chamemos-lhe Segismundo, a sair de casa, aparecia com os olhos inchados e meio fechados, em particular o esquerdo; e sobre a cabeça uma nuvem escurenta pairava, cheia de raios e coriscos.

 

Segismundo guiava, sem pôr o cinto de segurança, até à bomba de gasolina distante aí uns 500 metros, parava à porta da casinha, por onde irrompia resmungando um bom dia! pouco convincente, para ouvir a funcionária dizer, como diz sempre: Bom dia sr. Segismundo. Dois e um?

 

Isto é um código, e destina-se a confirmar um laço de cumplicidade criativo de uma barreira contra outros clientes que porventura estejam no estabelecimento, carentes do privilégio de a empregada saber antecipadamente o que querem, no caso dois maços de tabaco e um café.

 

Na televisão, ligada todo o santo dia demasiado alto, Gouxa àquela hora grasnava e Cristina não-sei-quê gania; e Segismundo sabia de ciência certa que no outro café, na vilória de destino, onde dentro de meia hora emalaria mais três cafés de enfiada, veria ao cabo deles as mesmas duas personagens numa televisão igual, mas com olhos de respeito por quem tanto trabalha, espanto pelo novo fato de Manuel Luís, que o muda todos os dias, distraída admiração pelas coxas de Cristina, que graças a Deus as conserva sempre iguais, e compreensão pelos milhares de donas-de-casa a quem aqueles chilreios inanes aliviam a maçada das tarefas matutinas.

 

O dia de anteontem foi porém diferente para Segismundo. Porque na rotunda 200 metros acima estavam dois cobradores de impostos na versão guardas nacionais republicanos, e um deles mandou-o encostar, evidenciando alguma suspeita excitação. Segismundo preparou a carta de condução e o cartão de cidadão e abriu o porta-luvas e o vidro para ouvir um simpático jovem dizer, ao mesmo tempo que pegava nos documentos já disponíveis: Bom dia sr. condutor, posso ver os documentos da viatura?

 

Aberta a pasta onde se encontravam, quis apenas o documento único, que era aliás o primeiro. E com ele foi conferir os selos que estão no para-brisas, após o que regressou para dizer com bons modos e usando o sobrenome de Segismundo, ao contrário do que os seus colegas costumam fazer, que havia um problema.

 

Havia, ai.  E após demorado exame dos vidros e dos números que lá se encontram gravados, Segismundo foi confrontado com a informação de que aqueles estavam recobertos por uma película escurecedora que não estava homologada, coisa que aliás o senhor condutor podia confirmar na viatura da GNR onde um ominoso PC atestava com uma série de números incompreensíveis que, de facto, aquela alteração não constava da ficha de não sei quê. Razão pela qual era devida uma multa de 250 euros.

 

Segismundo não conta nas suas numerosas qualidades a de um excessivo respeito pelas cominações das autoridades. E mansamente inteirou o agente da sua perplexidade: se as coisas eram assim, como se compreendia que ainda há poucas semanas a inspecção periódica obrigatória tivesse, a troco de uns modestos trinta e poucos euros, certificado o mais completo respeito do veículo pela legislação aplicável? Tanto mais que a própria GNR, na falta do selozinho que certificava aquela conformidade, aplicava uma multa de 250 euros? Não não, Segismundo não pagava, ia reclamar.

 

O agente declarou com desgosto que realmente aquelas entidades que fazem a inspecção deixavam a desejar, parecendo ignorar a legislação; e que ele, agente, discordava que fossem entidades privadas com aquela missão porque não tinham interesse em afugentar o inspecionado que, se incomodado, da próxima ia a outro centro. Isto não obstante, informou melancolicamente, também lhe parecer que, se fossem públicas, se calhar o resultado não seria muito melhor.

 

A Segismundo neste ponto começou a parecer que o agente, com o qual já estava favoravelmente impressionado, destoava bastante do ordinário dos seus colegas, que tendem a lembrar por demais a digna enxada que nunca deveriam ter largado. E por isso lançou-se numa amena troca de impressões, com o fito de apurar até onde ia a lucidez do moço.

 

Não ia muito longe: confrontado com a informação de que, em países como os Estados Unidos, os vidros fumados eram usados frequentemente e muito mais escurecidos sem que isso fosse considerado uma grave quebra de segurança, retorquiu que os polícias americanos tinham muito mais poder, num salto de raciocínio lógico que não pôde acompanhar. E como o senhor condutor tinha a declarada intenção de não pagar mas discutir, informou o diligente militar, teria que apreender a viatura.

 

Seguiu-se a emissão do auto de contraordenação, do auto de apreensão do veículo e da guia de substituição de documentos, esta válida por 24 horas.

 

Segismundo, com a manhã quase esgotada com estas actividades, foi trabalhar como de costume; e, a seguir ao almoço, levou o automóvel ao concessionário para efeitos de remover as películas em questão.

 

Foi um trabalhão, e o solícito mecânico informou prescientemente que o veículo iria ficar a cheirar a diluente, por causa da remoção da cola. Ficou. E quando o cheiro desaparecesse haveria ainda que desmontar o vidro de trás, visto que o serviço não tinha ficado perfeito por causa da resistência eléctrica – fumado já o vidro não estava mas tinha uns teimosos restos de cola.

 

A operação custou a ninharia de 102,09 euros.

 

Restava portanto ir levantar os apreendidos documentos a Braga, ao IMTT, se aquele prestigiado departamento os entregasse sem o pagamento da multa, pormenor sobre o qual os extensos textos das notificações, redigidos em legalês de funcionário, deixavam pairar uma dúvida angustiante.

 

Entretanto o concessionário em pessoa, inteirado destes sucessos, achou toda a história obscura. E, inquiridos os serviços por causa da falha que de algum modo lhes era imputável, veio o esclarecimento de que não apenas os vidros em questão estavam perfeitamente legais como inclusive dispunham do respectivo certificado de homologação.

 

Como porém a viatura já não pudesse circular, sendo Segismundo fiel depositário e guardando-a em nome do Estado na sua residência, pessoa amiga prontificou-se a inquirir junto do organismo como proceder.

 

Bem, uma coisa ficou certa, e essa é a de que os documentos lá não estão, só talvez para a próxima terça-feira.

 

Neste ponto da história o autor não sabe bem que saída haverá de dar à embrulhada em que Segismundo se meteu e requer o concurso dos leitores pacientes. Pergunta-se:

 

Deve Segismundo pagar a multa?

 

Se sim, e se mesmo assim reclamar, pode ter alguma esperança de recuperar o que pagou?

 

Se o concessionário tiver, como parece, razão, a remoção das películas tornou o veículo desconforme com a homologação. Não implica isso que um outro zeloso agente autue e apreenda por os vidros terem ficado brancos?

 

Nestes dias em que Segismundo usa um veículo emprestado, quem o indemniza pelo favor que fica a dever e pelo transtorno de se deslocar num desportivo que lhe dá cabo das costas? E quem o vai ressarcir das despesas na oficina, das perdas de tempo e dos transtornos escusados?

 

Deve Segismundo, que tem o vício de escrever, fazer doravante textos acerbos sobre o estado a que o Estado chegou no seu afã de angariar receitas de qualquer maneira por processos desonestos e abusivos que o desprestigiam, apoucam os agentes da autoridade que têm que agir como esbirros de uma quadrilha de ladrões, e degradam a cidadania?

 

Estas as dúvidas excruciantes do autor.

publicado por José Meireles Graça às 20:34
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A afeição da esquerda pelo Estado

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Num país em que morrem atropeladas pessoas a fugir de incêndios em cadeiras de rodas torna-se muito fácil interpretar o sentido de a maioria parlamentar obtida pela soma das minorias que perderam as eleições legislativas ter garantido que os dirigentes da Autoridade Nacional para a Protecção Civil continuarão a ser escolhidos pelo cartão do partido e não por concurso, e que os herdeiros das vítimas terão que pagar o IMI das ruínas das casas delas, mesmo que as casas tenham sido destruídas pelo fogo.

É a possibilidade de capturar o Estado para dar empregos a amigos e extorquir dinheiro aos mesmos cidadãos que abandona à sua sorte quando estão em perigo que sustenta a afeição da esquerda pelo Estado.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 17:45
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Sábado, 25 de Novembro de 2017

Ao pé da porta

Os telejornais, as redes sociais, as entrevistas de rua, a rapidez de reacção, a simpatia, a efusividade e as indignações encontram-se entre as piores pragas da política contemporânea.

 

Entendamo-nos: dos telejornais não se pode esperar muito mais do que as notícias do dia editadas a correr, os atropelos ao português, a absurda preponderância do tempo dedicado às trincas e mincas do futebol, o enviesamento governamental e de esquerda do alinhamento, ou a prevalência da faca e do alguidar, consoante os canais.

 

Está muito bem assim. E estaria melhor, sem corrigir um único destes vícios, se não existissem canais sustentados pelos contribuintes, porque nunca a televisão pública se distinguiu da privada senão por nos, aos contribuintes, custar dinheiro.

 

Vozes autoritárias e intervencionistas têm ideias claras sobre o que a televisão deveria ser, e estão dispostas, a golpes de organismos públicos e decretos-lei, a conformá-la de modo a aprimorar o gosto, garantir a independência, promover os valores que cada tribo acha deveriam ser os da grei, e de modo geral fazer uma televisão de qualidade, que consiste quase sempre em ignorar o que o patego do espectador quer e impingir-lhe o que se acha que ele deveria querer, com o louvável intuito de educar as massas e, de caminho, sustentar artistas sem mercado e lisonjear o poder do dia.

 

Já eu quereria que não houvesse canais públicos, nem ERC, nem limitação do número de canais que não decorresse de considerações técnicas de disponibilidade do espectro, nem processos obscuros de rateio de publicidade e de concessão de entrevistas; e apreciaria que os canais, em vez de serem alegadamente isentos e equidistantes, assumissem com clareza as suas simpatias e os seus parti-pris, políticos e outros.

 

As redes sociais são os gigantescos cafés e tertúlias da contemporaneidade; e nelas se forma, no meio do griteiro e do vozear com frequência asneirento de todos os que até ao advento delas estavam reduzidos ao silêncio, boa parte da opinião pública. São isto; e são também o que João Pires da Cruz diz aqui.

 

Está bem assim, e estaria melhor se o puritanismo americano e os poderes governamentais não exercessem explícita ou encapotadamente um controle de contornos nem sempre evidentes.

 

Qualquer jornalista acha normal, e mais do que isso de sua obrigação, agredir um político ou famoso ou vítima de qualquer coisa com um microfone que lhes põe debaixo do nariz, fazendo a pergunta estúpida, ou indiscreta, que julga que a opinião pública precisa de ver respondida.

 

Também está bem assim. Salvo que enquanto os famosos apenas o são quase sempre por exporem a sua intimidade para disso tirarem dividendos, e portanto renunciam ao direito à sua privacidade, já seria o tempo de os anónimos começarem a maltratar jornalistas atrevidos, dando-lhes com o microfone na cabeça em vez de exibirem um sorriso alvar para as câmaras; e que os políticos, em vez de coonestarem a falta de educação e maneiras do quarto poder, teriam talvez a ganhar em gravitas se se dessem ao respeito não malbaratando as suas palavras pelo hábito de as proferirem, sem estudo nem preparação, a torto e a direito e em qualquer lugar. O exemplo acabado entre nós desta modernidade pateta é Marcelo, e certamente tem ganho muito em popularidade em aliviar-se de inanidades que sublinha com um sorriso de plástico e uma solidariedade de fachada. Mas falta demonstrar que aquela resista a ventos adversos, se for chamado a tomar decisões grávidas de consequências; e nem a autoridade da presidência, nem o bem da comunidade, ganharam até agora um vintém com o exercício festivo do múnus presidencial popularucho.

 

Fenómeno estranho: existe hoje uma indústria da indignação, com especialistas, publicações dedicadas e meios de comunicação social atentos. Basicamente, do que se trata é sempre da luta do fraco contra o forte, do pobre contra o rico, do indefeso contra o poderoso, do puro contra o poluidor, do pacífico contra o violento, em suma, do inocente contra o culpado.

 

E como toda a gente aprecia imaginar-se virtuosa e encontra satisfação em diluir-se na massa dos bons, vagas sucessivas de indignações percorrem o país ou o mundo. A esquerda, de modo geral, é campeã a lançar ou cavalgar a maior parte destas ondas porque lhe pertence, e não à direita conservadora e antropologicamente céptica, o monopólio do amanhã das sociedades perfeitas; e porque o contraste entre o que, quando está no poder, consegue, e o que promete, necessita da designação permanente de inimigos, culpados e bodes expiatórios.

 

Vai por aqui uma grande amálgama, porque o que eu queria era falar da transferência do Infarmed para o Porto.

 

A decisão de o transferir é uma idioteira de tal modo gritante que espanta que tenha defensores.

 

Fica o Infarmed mais barato se sair de onde está? Não, fica mais caro porque nem tudo pode ser transferido (parece que tem um laboratório onde se enterraram milhões, o qual evidentemente tem de permanecer) e a separação física de centenas de quilómetros entre pessoas pertencentes ao mesmo organismo ocasiona despesas escusadas. As empresas que precisam do Infarmed ganham alguma coisa se deixar de estar em Lisboa? Não, e de resto nem se pronunciaram nem ninguém curou de saber ou de as inquirir. A transferência pode fazer-se sem custos significativos? Não, não pode, e mesmo que não se tenha, como eu não tenho, uma excessiva preocupação com os interesses dos trabalhadores, a convulsão decorrente da transferência origina por si um custo humano que tem consequências negativas no funcionamento. Foi isto ponderado? Não, não foi. E a instalação no Porto é coisa barata? Não, não é: transferir e instalar mesmo que apenas uma parte de um organismo que tem quase 400 (!) funcionários  custa por si uma tal fortuna que, se houvesse juízo, o Infarmed teria de homologar um novo analgésico mais potente para as dores do contribuinte, um antipirético para a febre de indignação que assaltaria as pessoas conscientes e viagra cerebral para Costa e a sua entourage, a ver se espigam.

 

E então como é que se liga o longo introito das pragas que assolam a política e esta decisão de transferência?

 

Parece óbvio que Costa se precipitou ao anunciar a candidatura do Porto, e não Lisboa, na sequência de uma série de trapalhadas, todas inexplicáveis, a sede da Agência Europeia do Medicamento. E precipitou-se, como se precipita sempre, para aparecer no telejornal a uma luz favorável depois da barulheira que no Norte se estava a desenhar porque o vaidoso presidente de câmara local acha com razão que não é preciso muito para assoprar as brasas do bairrismo tripeiro, aliás com fortes e boas razões de queixa. As redes precisavam também de ser desarmadas, a patrulha do PS não é suficiente para as encomendas. E como a tal agência foi parar a Amsterdão, antes que se pusesse em causa o empenho das autoridades, e antes que ficasse a nu o amadorismo da operação, convinha dar um verniz de respeitabilidade ao conjunto do asneirol, fazendo crer que a regionalização, ou desconcentração, ou lá como se chama o processo de transferência de poderes para as regiões, era o verdadeiro motivo da ideia peregrina da mudança do Infarmed.

 

António Costa foi rápido desde o princípio. Mas depressa e bem há pouco quem. E ainda há menos, e certamente não ele, quem tenha uma ideia do interesse público que não coincida todos os dias com o que a volúvel opinião pública acha que se deve ou não fazer.

 

Isto se a história não envolver combinações obscuras com Rui Moreira e cálculos mesquinhos do que o eleitor portuense poderia ficar a pensar do governo geringôncico.

 

É possível que vá para o Porto alguma coisa, para fingir que Moreira sabe bater o pé e que a regionalização não é uma letra morta; ou pode acontecer que o assunto fique esquecido por ser substituído por uma nova indignação a respeito de outra irrelevância qualquer. Veremos.

 

O que não veremos, e aliás ninguém pergunta, é por que razão, se já existe uma agência europeia, cuja sede vai deixar de ser em Londres e que tem um orçamento de 322 milhões de euros para 113 milhões em despesas com o pessoal (2016), é necessária uma filial portuguesa com quase 60 milhões de euros de receita em 2016 e mais de dez milhões de despesas com o pessoal.

 

É que a receita destes elefantes vem da indústria do medicamento, o que significa que são os doentes que a pagam. E mesmo, como é provavelmente o caso, que estes organismos sejam indispensáveis, cabe perguntar se em Portugal se justifica um tal mastodonte ou se não será mais outra avantesma obesa e antro de parasitas do contribuinte, como é o banco de Portugal, este intocável por ser uma filial do BCE, o anjo da guarda do nosso desregramento financeiro.

 

Perguntas espúrias, claro. Que o que nos anima é saber exactamente se os nossos recursos são torrados na capital, parasitária por antonomásia, ou ao pé da porta, mesmo que neste último caso o esbulho fique ainda mais pesado.

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publicado por José Meireles Graça às 14:41
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Segunda-feira, 20 de Novembro de 2017

Barjona de Freitas

Barjona de Freitas tem avenidas em Lisboa e Vieira do Minho, e ruas em Barcelos, Cabeceiras de Basto e Penacova. Em Cabeceiras de Basto tem também um largo, e uma travessa em Penacova, mas em Coimbra, de onde era natural, não tem nada - pelo menos é o que se retira do google maps.

 

Em Lisboa, aliás, a avenida é uma ruazeca ali para os lados de Benfica, que vai dar à rua Conde de Almoster, este uma personagem ao que parece ilustre sobretudo por se ter dado ao trabalho de nascer.

 

Barjona de Freitas foi o pai da abolição da pena de morte e a sua ausência de popularidade e notoriedade compreende-se: ainda hoje não é certo que a maioria da população, se consultada, não fosse a favor da restauração daquela pena, sobretudo se ao cabo de uma campanha em que a imprensa, e a televisão, bombardeassem todos os dias a opinião pública com os pormenores escabrosos de quanto assassinato ominoso se comete, em Portugal como em toda a parte.

 

E daí talvez não. Que os crimes da moda não são bem os mesmos do séc. XIX. Dantes, os crimes eram contra a propriedade e contra a integridade física das pessoas, mas agora são mais a corrupção, a evasão fiscal, o racismo e a violência doméstica.

 

Para estes é que se reclamam os furores do Código Penal, para estes é que existem polícias especializadas: a Autoridade Tributária tem poderes inquisitoriais, que incluem a inversão do ónus da prova e a impossibilidade prática de quem não tenha meios de se poder defender em tribunal; a corrupção pode dar origem a penas demenciais, como os famosos 17 anos do sucateiro Godinho; gente paga com dinheiro do contribuinte atroa os ares com acusações generalizadas de racismo, e em lado nenhum figura o direito a ter, e manifestar, ideias racistas, embora se possa, com inteira liberdade, defender ideias comunistas, ou que a terra é plana, ou que a ida dos americanos à Lua foi uma invenção da CIA; e o cidadão a quem roubaram o automóvel ou estroncaram a cabeça vai para o tombo geral dos queixosos, mas se a cabeça em questão tiver sido objecto dos cuidados do cônjuge tem direito a uma secção especial da PSP.

 

Mundo admirável este, em que as cadeias continuam cheias mas crescentemente de gente que infringiu a modernidade.

 

Seja, cada época tem direito à sua galeria de brutidões e patetices, até ao tempo em que as substitui por outras. Mas no vaivém das leis penais havia um progresso civilizacional que consistiu em eliminar a tortura como método de investigação; em admitir que a necessidade de prevenção geral não se deve realizar com penas infamantes, nomeadamente corporais; em partir do princípio que todo o acusado se presume inocente até prova em contrário; e em concluir que os presos perdem a sua liberdade, ao cabo de uma sentença transitada em julgado, mas não a sua dignidade humana.

 

A inversão do ónus da prova em processo fiscal foi uma inovação demoníaca, por se partir do princípio que pena é apenas a privação da liberdade. Ficar um cidadão sem parte ou a totalidade do seu património, quando o ladrão seja o Estado, não é uma pena, e portanto para se defender do esbulho o assaltado tem que provar tudo, e o ladrão não tem que provar nada.

 

Por ela foi entre nós responsável o celebrado Paulo Macedo, com a geral e cobarde aquiescência dos poderes da época, e o aplauso da massa dos cidadãos. Estes foram convencidos de que as vítimas de tais processos seriam os ricos, de cujos bens o Estado, e portanto eles, se apropriariam, com o inerente aliviar da carga fiscal, que todavia nunca se materializou.

 

Foi um retrocesso civilizacional, desde logo porque desequilibrou a relação entre o Estado e o cidadão: se aquele, com todos os meios ao seu dispor, não consegue provar que o cidadão fez, como se espera que este consiga provar que não fez?

 

A opinião pública aceitou isto, e o que seria natural vindo de um comunista passou por razoável por o governo da época ser democrático e o Paulo em questão passar por social-democrata. Os sucessores, por sua vez, com a gritante, e incompreensível, saliência de Paulo Núncio, aprimoraram ainda os requintes dos processos da Santa Inquisição, agora denominada Autoridade Tributária, reforçaram os poderes dos familiares do Santo Ofício, agora denominados inspectores, e acabrunharam os direitos dos judeus, agora designados, para efeitos de geral opróbrio, como evasores fiscais.

 

Neste clima geral talvez não seja surpreendente que tenha quase passada despercebida a notícia de que para a alimentação de cada recluso estejam previstos para 2018 um euro e trinta cêntimos por dia.

 

Ninguém se escandalizou por a ministra ter dito que a alimentação não seria tão boa como a que existe à disposição dos senhores deputados no Parlamento, num acesso de piadismo tão mais frequente quanto menos os ministros são oriundos das bancadas, e ocupam os seus lugares em homenagem à competência técnica que quase sempre se revela imaginária.

 

Claro que a diminuição de verbas é apenas mais uma manifestação do negócio abjecto de cortar nas despesas do Estado para poder contentar as multidões de funcionários e pensionistas, cujos advogados são o PCP e o Bloco.

 

E não duvido nada que, se o caso chegasse às redes sociais em forma de escândalo, vozes virtuosas se levantariam a dizer que se cidadãos inocentes morrem em incêndios porque o Estado cortou nos meios de defesa (não foi sobretudo isso, claro, mas não sou eu a dizer) e se cada vez mais “utentes” do SNS morrem à espera de operações, ou simplesmente infectados por falta de manutenção dos equipamentos, então os presos bem podem rebentar de fome – não fazem cá falta nenhuma.

 

É, não fazem falta, o que faz falta é animar a malta, como dizia o outro. Bem vistas as coisas, o tal Barjona não se lembrou que um dia haveria comunistas no governo, e lentamente a civilização começaria a fazer marcha-atrás.

 

Dever-se-ia ter lembrado. Porque no seu tempo comunistas não havia. Mas já havia maçãs podres e estas, já então, faziam apodrecer as restantes quando no mesmo cesto.

publicado por José Meireles Graça às 21:27
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Domingo, 19 de Novembro de 2017

O caminho das estrelas

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Em abstracto devemos deixar o planeta às gerações vindouras tão limpo, e tão fresco, dizem-nos agora, como o recebemos. Em concreto, devemos deixar o planeta.

[Hoje vou imitar o Professor Francisco Louçã a imitar o Professor Rebelo de Sousa e inaugurar aqui um espaço de divulgação científica para dar um toque cultural e cosmopolita ao meu comentário, quase todo baseado nos temas maçadores da política e da economia com breves incursões pelos pequenos problemas do dia-a-dia das pessoas normais que o tornam mais útil mas ainda menos erudito]

O princípio de que, quando o abandonamos, devemos deixar qualquer lugar onde permanecemos pelo menos tão limpo como o encontrámos é indiscutível, e um dos mais básicos que devem ser incutidos pelas famílias às crianças, e sem os quais as crianças correm o risco de crescerem para se transformar em  criaturas boçais que se recusam a entregar as chaves da associação de estudantes quando perdem as eleições ou que dedicam as suas vidas adultas a procurar mistelas políticas para conseguirem governar sem terem ganho as eleições. Tão básico como habituá-las a fazer a cama, mesmo à custa do risco de contrariar a sua natureza de a deixar desarrumada para a mãe a fazer, traumatizando-as e fazendo delas crianças menos felizes do que um bom cirurgião deve ser.

Se nos der para fazermos um pique-nique não devemos, e se o fizermos não passamos de porcalhões, deixar restos de comida nem lixo no local. Ponto parágrafo.

E com o planeta é a mesma coisa. Ponto final.

É verdade que o conceito abstracto de deixar o planeta no estado em que o encontrámos é mais difícil de formular concretamente do que o mesmo conceito aplicado ao local do pique-nique. Há aspectos que são evidentes. Não devemos despejar venenos em locais onde possam envenenar animais ou plantas, nomeadamente na água que corre sempre para baixo nem no ar que os leva para todo o lado. Há outros aspectos menos evidentes mas também inteligíveis. Não devemos largar na natureza resíduos que ela não tenha capacidade para absorver devidamente na sua função de reciclagem permanente de tudo o que lhe aparece. Há outros menos, como o aquecimento global.

O efeito de estufa existe e é bem conhecido, e resulta de o vidro ser transparente à radiação com comprimentos de onda próximos do da luz solar, que são os emitidos por qualquer corpo a cerca de seis mil graus centígrados de temperatura, pelo que a luz solar que entra aquece o interior da estufa, mas ser opaco à radiação infravermelha emitida pelos corpos à temperatura do interior da estufa, umas dezenas de graus centígrados, pelo que a radiação entra mas não sai e o interior da estufa aquece mais do que o ambiente exterior.

Que há gases que, como o vidro, são mais transparentes à luz solar do que à radiação infravermelha, e que o dióxido de carbono é um deles também é um facto. E o metano. Que a actividade humana no mundo actual, nomeadamente na produção da energia que a humanidade consome, produz mais dióxido de carbono do que no tempo da pedra lascada, também é um facto.

Que tudo isto faça aquecer o planeta de modo suficientemente intenso para provocar alterações climáticas tão catastróficas que o torne inabitável, é convicção de muitas pessoas. Que esta convicção seja suportada pelas opiniões de muitos centistas, também é um facto. Que essas opiniões sejam solidamente fundamentadas no conhecimento científico já é mais duvidoso.

A Meteorologia é, sendo uma ciência da natureza, o estudo de fenómenos tão complexos que não se conseguem extrair conclusões do mero conhecimento fundamental, pelo que muita da ciência do clima acaba por se basear na estatística. Como as ciências humanas. E, tal como nas ciências humanas, a estatística tanto pode ser usada para tentar aprofundar o conhecimento dos fenómenos estudados desmentindo as convicções que se têm sobre eles, e é assim que a ciência avança, como para comprovar opiniões que se têm sobre eles de modo a formar opiniões prevalecentes. Presta-se a ser transformada em ideologia. E é verdade que hoje em dia qualquer um que formule qualquer dúvida relativamente à opinião vigente sobre o aquecimento global e às consequências catastróficas a que vai inapelavelmente conduzir, algumas das quais até já deviam até ter acontecido se as previsões dos cientistas se tivessem cumprido, é tratado como um néscio, cientificamente ao nível de qualquer criacionista, e eticamente como ambicionando a destruição do planeta e da humanidade. Pior ainda, um trumpista!

E tudo isto está a conduzir a humanidade à emergência da descarbonização. Trocamos o carro pela bicicleta, pelo menos os que têm pernas e equilíbrio. Trocamos as centrais térmicas pelos elegantes moinhos de vento, que nos aparecem em números grandes e letra miudinha na factura de electricidade. Demolimos as casas dos pobres com eficiências térmicas baixas, que precisam de aquecedores no inverno, para construir belíssimos condomínios energeticamente sustentáveis. É este o admirável mundo novo.

E o nuclear? O nuclear produz a energia mais barata disponível no mercado sem emitir dióxido de carbono. Mas a energia nuclear serve para fazer bombas. Todas as formas de energia servem para fazer armas, mas toda a gente sabe que é muito mais humano morrer à paulada ou à pedrada do que incinerado instantaneamente a um milhão de graus centígrados numa explosão atómica. Nuclear não, obrigado!

Descarbonização sem nuclear, portanto. Alguém tem dúvidas? Eu não. E pur si muove...

Mas temos um problema.

Ao contrário da energia solar, que é renovável, o Sol não é uma fonte de energia renovável. O Sol consome-se ao produzir a energia que emite, consome, e não vou entrar em detalhes técnicos, que nem sequer domino, Hidrogénio do seu núcleo. E à medida que for consumindo o seu núcleo, o Sol vai arrefecer e inchar, e acabará por se apagar. Vai inchar, dizem os astrónomos, até um diâmetro que se estima entre os diâmetros da órbita da Terra e da de Marte. Atalhando razões, o Sol há-de engolir a Terra. Também se estima que isto demorará alguns milhares de milhões de anos, bem mais do que as poucas décadas ou alguns séculos que os ideólogos do aquecimento global nos dão de vida se não descarbonizarmos sem nuclear. Mas também é verdade que muito antes de o Sol chegar a engolir a Terra a torrará ao longo do seu processo de crescimento. Nunca demorará menos de milhões de anos, mas é um destino fatal.

O que significa que a humanidade se extinguirá inapelavelmente, com poluição ou sem ela, com construção energeticamente sustentável ou sem ela, a andar de bicicleta ou de todo-o-terreno, com moinhos de vento ou centrais nucleares, a não ser que consiga chegar a outro local habitável fora do sistema solar, um exoplaneta, ou planeta de outra estrela que não o Sol, que reúna as condições de sobrevivência que a Terra nos oferece. O que justifica o esforço actual da astronomia na procura de exoplanetas potencialmente habitáveis, que os vai encontrando.

O problema é que para lá chegar é preciso viajar distâncias muito longas. A estrela mais próxima de nós, a Proxima Centauri, e nessa ainda não foi descoberto nenhum exoplaneta dos que servem para viver, está a mais de quatro anos-luz. Não vale a pena traduzir esta distância em quilómetros, é um número com treze zeros, mas a luz que nos chega dessa estrela demora quatro anos a chegar até nós, o que significa que quando olhamos para ela a vemos como era há quatro anos. Ou que se telefonássemos para alguém que lá estivesse, a conversa "- Chegaste bem? - Cheguei. - Diverte-te e traz-me uma lembrança. - Está bem, beijinhos." demoraria 16 anos.

Mas o problema da viagem é ainda maior. Para a viagem durar quatro anos teria que ser realizada à velocidade da luz, trezentos mil quilómetros por segundo, o que, em número, não tem nada de especial, mas é fisicamente impossível, até porque a energia cinética necessária para viajar à velocidade da luz é equivalente à energia da matéria que é necessário acelerar para a levar até essa velocidade, ou seja, seria necesssário consumir a matéria para a acelerar. Quatro anos de viagem estão fora de questão.

Mas vamos supor que se conseguirá um dia descobrir tecnologia capaz de transformar eficientemente matéria em energia cinética de modo a conseguir acelerar corpos até velocidades próximas da da luz, por exemplo, metade da velocidade da luz, o que corresponde a um quarto da energia cinética.

Então, será possível fazer a viagem de ida em oito anos e meio, porque serão necessários seis meses para os acelerar a intensidades suportáveis pelos viajantes semelhantes à da gravidade terrestre, em que a velocidade média só será de metade da velocidade de cruzeiro, e outros seis para os travar à chegada, mais sete anos e meio em velocidade de cruzeiro. Ao fim desses oito anos e meio poderão fazer uma transmissão a dizer que chegaram, que será recebida na Terra quatro anos depois. Se esperarem lá mais quatro anos pela primeira resposta da Terra poderão então iniciar a viagem de regresso que os devolverá à procedência ao fim de vinte e cinco anos de viagem, com notícias sobre se o exoplaneta que visitaram tem ou não tem condições para acolher a vida da Terra. Isto, em tempo.

Em energia, consumirão um quarto da massa para acelerar até à velocidade de cruzeiro de metade da velocidade da luz, e consumirão outro tanto para desacelerar para conseguir pousar no planeta. No regresso consumirão outro quarto na aceleração e outro tanto na desaceleração, pelo que fica ela por ela.

Fisicamente uma viagem destas poderá ser uma possibilidade, e demorará dois meios-anos para acelerar e travar acrescidos de seis anos por ano-luz de distância do exoplaneta. E se aquele não servir pode-se repetir a exploração com outro um pouco mais longe, até encontrar um que sirva. Fisicamente, a humanidade e, mais genericamente, a vida na Terra, pode ter uma escapatória.

Mas tecnologicamente ainda não tem.

Não se acelera a velocidades que permitem fazer viagens destas em décadas em vez de milénios de bicicleta. Nem em veículos movidos a energia eólica ou solar. Nem com motores de explosão interna, ou de reacção, ou electricos, nem sequer nos motores de foguetão mais eficientes que é fisicamente possível conceber. A humanidade ainda não descobriu nenhuma tecnologia que lhe permita armazenar e transformar qualquer tipo de energia em energia cinética doseável em quantidades suficientes para atingir as velocidades que tornam possível realizar uma viagem destas.

E pode não estar a caminhar no sentido necessário para alguma vez a chegar a descobrir. A única energia conhecida na física teórica que, em abstracto, pode criar a possibilidade de fazer em concreto viagens destas se for dominada pela tecnologia é a nuclear. E do conceito físico teórico à engenharia que o concretiza ainda vai um caminho muito longo. Que a diabolização do Nuclear não, obrigado! não encurta.

Temos alguns milhões de anos para resolver o problema. Muito tempo. Mas cada dia que passa é menos um dia que sobra. Andarmos a brincar aos conservacionistas que até andam de bicicleta nas cidades para descarbonizar e, pela descarbonização, salvar o mundo do aquecimento global de um grau, mas ao mesmo tempo diabolizarmos o melhor que a ciência nos disponibiliza para o descarbonizarmos e o único meio de um dia, com muito esforço e alguma sorte, nos permitir transportar a vida terrestre para outro lado onde possa ser vivida antes de ser assada a quatrocentos graus na Terra, é um recuo. Um suicídio.

Temos muito tempo. Mas temos cada vez menos. E o juízo também parece ser cada vez menos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 14:15
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Sexta-feira, 17 de Novembro de 2017

O bom capitalista

2017-11-17 Isabel dos Santos.jpg

Financiamento

Não sei de onde vem a imensa fortuna que a empresária Isabel dos Santos investe um pouco por todo o lado, nomeadamente em Portugal, onde tem investidos alguns milhares de milhões de euros, parte deles a título pessoal, e parte em associação com entidades angolanas como a Sonangol.

Desde a independência, Angola foi transformada pelos dirigentes do MPLA numa plutocracia cleptocrata, ou vice versa, facto que aliás confirma a tendência que se verifica normalmente nos regimes socialistas, de modo algo discreto enquanto mantêm as economias fechadas e mais evidente quando as abrem, e a acumulação de fortuna que ela pessoalmente conseguiu pode não ter sido alheia a esta circunstância.

É muito plausível que, no mínimo, tenha construído a fortuna em monopólios que lhe foram concessionados por ser filha do presidente e, no máximo, a tenha construído em infernos inimagináveis. Eu não sou polícia para investigar se neste caso o que é plausível é mesmo verdadeiro, total ou parcialmente, pelo que honestamente não posso mais do que ter alguma dúvida sobre a origem dos fundos que ela investe. Onde não foi certamente foi na venda de ovos em que, ainda criança, ela se iniciou no mundo dos negócios.

Isto tudo, e muito mais que me escuso de enumerar aqui, para dizer que não sou capaz de garantir nem a transparência nem a ética na origem dos fundos com que ela se financiou para investir em Portugal.

Investimento

Mas conheço, tanto quanto um espectador com um mínimo de atenção consegue conhecer, os investimentos que ela tem feito em Portugal.

Tem investido quase sempre em empresas boas, bem geridas e rentáveis, que actuam em mercados concorrenciais e, portanto, nem extraem da economia rendas de monopólio para transferir para os accionistas nem estão dependentes de favores ou desfavores dos poderes políticos mais intervencionistas, foi até vítima de uma iniciativa legislativa do governo António Costa eticamente duvidosa por ser especificamente dirigida a impossibilitá-la de impedir legalmente uma operação de que ela discordava de outro accionista do BPI, não é conhecida por interferir na gestão das empresas onde investe nem por utilizá-las para albergar amigos, não lhe é conhecido nenhum saque à tesouraria das empresas que domina para financiar aventuras empresariais, nunca arruinou nenhuma empresa, não lhe são conhecidos negócios obscuros.

Ou seja, fazendo os capitalistas com o seu dinheiro aquilo que lhes dá na gana dentro do que lhes é possível fazer, a capitalista Isabel dos Santos faz exactamente aquilo que fez do capitalismo o sistema económico mais decente e próspero da história da humanidade, ou seja, dirige os fundos de que dispõe para investir em projectos competitivos e entrega a sua gestão a gestores profissionais competentes e independentes dos accionistas com a missão de rentabilizarem o investimento, resultando tudo no incremento da competitividade e no enriquecimento desses projectos, da economia e da sociedade, e também dela como investidora.

Em Portugal a empresária Isabel dos Santos é um capitalista exemplar. Fosse a generalidade dos capitalistas portugueses como ela, e a economia portuguesa seria bem mais próspera, e os portugueses de uma maneira geral bem menos empobrecidos por não serem regularmente chamados a salvar com o dinheiro que têm, em impostos, e que não têm, em incremento da dívida pública, empresas e bancos que os capitalistas portugueses, frequentemente com o apoio e a ajuda de governantes, arruinaram.

Para nosso bem, oxalá a purga que está a ser feita pelo governo actual angolano aos beneficiários mais evidentes da plutocracia cleptocrata, ou vice versa, do governo anterior, a começar pelos filhos do anterior presidente, seja com o objectivo de exterminar a plutocracia cleptocrata, seja com o de substituir os plutocratas cleptocratas por outros, não afaste a empresária Isabel dos Santos de Portugal. Se isso acontecer, é muito provável que quem lhe suceda faça pior.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:00
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Segunda-feira, 13 de Novembro de 2017

O sono de Nelinha

No sábado fui a uma festa e encontrei outro convidado que me perguntou se os problemazinhos com o cartão de cidadão já estavam resolvidos.

 

É meu leitor, coitado, portanto pessoa de gostos duvidosos, mas nem por isso deixei de o informar que depois da minha cunha à ministra Nelinha tinha esperado e nada.

 

Assim foi, e a razão haverá de ter sido porque não pus nenhum link para o blogue do marido e portanto este momentoso assunto não lhe terá chegado aos ouvidos atentos às necessidades do cidadão.

 

Meter uma cunha é o remédio tradicional para problemas com a administração pública portuguesa. Mas é preciso saber a quem. Pelo que, depois de cogitar, resolvi falar a uma funcionária da empresa onde trabalho que sabia ser amiga de um carteiro, que por sua vez é colega do da minha área de residência.

 

A cartinha que não estava em lado nenhum apareceu em dois dias. E fui com ela, orgulhoso, regularizar a minha situação.

 

Foi o caneco: tive que ir estacionar aos quintos dos infernos e estava uma maralha na repartição, pelo que depois de tirar a minha senhazinha vim cá para fora espairecer. E como me desse conta de que havia muitíssimo espaço para aparcamento em frente à repartição mas estava lá a polícia municipal a enxotar os atrevidos que queriam estacionar, resolvi fotografar a zona com o intuito de fazer uma exposição à câmara local a significar-lhe a conveniência de pôr em surdina, naquele sítio, a sua sanha anti-automóvel.

 

Por um excesso de delicadeza informei um agente do que ia fazer, e que se não quisesse ficar na fotografia só tinha de se afastar uns metros.

 

O que fui dizer? O moço, exaltado, informou-me que se o tentasse fotografar apreenderia o telefone; que eu nunca deveria ter ouvido falar do direito à imagem; e que os contornos de tal direito deveriam ser, mas como se via não eram, ensinados nas universidades.

 

Esta última parte deixou-me incomodado, por admitir que o agente da autoridade estivesse a a assacar-me a condição de professor universitário, possivelmente por influência de ideias erróneas segundo as quais os professores em questão têm necessariamente óculos e um aspecto distinto.

 

Apressei-me a informar o jovem de que não era apenas o ensino universitário que sofria de graves carências, o secundário, como ele próprio ilustrava, não estava melhor; que para me apreender o telemóvel lhe faltava a competência; e que, não o conhecendo de lado nenhum, o tratamento de “você” não me parecia o mais indicado.

 

Relatei o incidente com mais detalhe, por e-mail dirigido no passado dia 6 ao comandante da força. E aguardo pacientemente que este me responda.

 

E então, o cartãozinho? Lá fui atendido, simpaticamente como de costume, e informado de que agora só tinha que esperar uma nova carta, com a morada corrigida, e com ela comparecer no Registo, acompanhada da anterior onde constavam os códigos, e o cartão.

 

Esta última carta veio hoje. E informa-me que posso “proceder à confirmação da nova morada” até ao dia 05.01.2018. E não fica por aqui a atenção: também fiquei inteirado de que nem sequer preciso de ir à repartição, podendo eu próprio promover a alteração via internet desde que seja o feliz proprietário de um “leitor de cartões compatível com o Cartão de Cidadão”.

 

Tenho um micro-ondas, uma manta eléctrica e numerosos outros electrodomésticos que testemunham o meu amor à modernidade, mas realmente leitor de cartões não. E, pior, só poria a hipótese de adquirir um se tivesse a funcionalidade de dar choques eléctricos a quem superintende neste labirinto obsceno.

 

Razão pela qual lá fui, a seguir ao almoço, ao registo civil, lá tirei a senhazinha e lá esperei.

 

Chegada a minha vez,  correu tudo muito bem mas o computador não dava o serviço por pronto. E a funcionária, desalentada, perguntou para os lados onde estava o Tó.

 

Fiquei inicialmente aflito, temeroso de que fosse de minha responsabilidade saber onde o Tó estaria. Mas não: consultado aquele ser mítico, que não  cheguei a ver, veio o veredicto: para estes novos cartões com validade de dez anos o sistema não estava a responder. Teria de lá voltar.

 

Quando? Ai isso não era possível saber, a situação já tinha sido denunciada mas sem resposta nem solução.

 

Mansamente, fui dizendo que já ali tinha estado uma quantidade de vezes; que o meu tempo, sem ser precioso, não é tão completamente inútil que o possa gastar a frequentar repartições; e que me comprometia a lá ir novamente, desde que me marcassem dia e hora, mas não para mais uma deslocação vã.

 

A senhora tomou nota do meu número de telemóvel, para passar a um colega que tem a espinhosa missão de informar os cidadãos de quando os serviços estarão em condições de corrigir os erros que não deveriam ter cometido.

 

Tenho fortes suspeitas de que tanto receberei uma chamada do prestigiado Instituto dos Registos e Notariado como uma resposta do senhor comandante da polícia municipal, acima referido.

 

Ou talvez não. E a Nelinha, entretanto?

 

Ora, estou certo, e francamente desejo, que durma descansada. Merece-o: é voz corrente, e pacificamente aceite, que é um dos melhores ministros deste governo.

 

Pelo menos, é o que diz a comunicação social isenta, que é quase toda. Portanto, deve ser verdade.

publicado por José Meireles Graça às 21:09
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O Público, um caso de estudo do jornalismo activista

O Acção Socialista Público publicou hoje pela manhãzinha uma notícia do jornalista José António Cerejo com o título "Comissão Europeia e Ministério Público chegaram a conclusões opostas no caso Tecnoforma", que informa que o OLAF, o organismo de luta anti-fraude da CE, em 2015, e o MP, em 2017, chegaram a conclusões diferentes sobre a existência de irregularides, o OLAF dizendo que as houve, e o MP que não, num projecto subsidiado envolvendo a Tecnoforma, a empresa onde o Pedro Passos Coelho foi consultor e depois administrador.

2017-11-13 Notícia tecnoforma.jpg

Tenha sido essa a motivação para publicar hoje esta notícia, ou não, ela é muito oportuna para o governo, que tem andado a ser massacrado nos últimos dias por uma questão tão arreliadora quanto de importância relativa, a realização de um evento social da conferência comercial Web Summit no Panteão Nacional, que a tradicional trafulhice arrogante e descuidada do primeiro-ministro quando tentou sacudir a responsabilidade da ocorrência para cima do governo anterior transformou numa caixa de Pondora onde ele, outros governantes actuais, e outras figuras do actual regime socialista, incluindo o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foram apanhados a mentir. Ao distrair o público desta trapalhada, o Público dá-lhes tempo para respirarem e se reposicionarem melhor, talvez mesmo para organizarem um focus group que os ajude a formular uma resposta politicamente mais eficaz do que tem sido até agora. Mesmo que não a consigam, enquanto o pau vai e vem folgam as costas do Costa. Como disse o José Meireles Graça no Facebook, a Tecnoforma é, para o Pedro Passos Coelho, o que são os submarinos para o Paulo Portas, uma coisa que emerge quando dá jeito, e agora deu mesmo jeito.

E a questão da oportunidade não é de somenos importância, porque a conclusão do OLAF que sustenta a existência de irregularidades não é de agora e já tinha sido noticiada pelo mesmo jornalista há mais de dois anos, no final de Julho de 2015, também com um conveniente sentido de oportunidade a poucas semanas das eleições de Outubro. E o despacho de arquivamento do MP é de Setembro deste ano, já tem cerca de dois meses. E a notícia foi publicada hoje.

Não me vou meter na análise dos factos noticiados, nem se indiciam ou não, com solidez ou fragilidade, as irregularidades que os transformaram em notícia. Habituei-me ao longo de toda a legislatura anterior a ser periodicamente exposto a informação que parecia sugerir que o Pedro Passos Coelho era um campeão dos negócios obscuros, e ainda me pergunto porquê ele? que constituiu ao longo da carreira um património e sempre manteve um nível de vida de classe média, e não mais, que é proporcionado pelo salário declarado da ordem dos cinco a sete mil euros por mês, e não os que, com salários da mesma ordem de grandeza, conseguem exibir níveis de vida muito mais prósperos e ao mesmo tempo constituir patrimónios muito mais valiosos, como se o dinheiro desses salários desse para tudo, o que quem os recebe tem perfeita noção que não dá? E habituei-me a descobrir depois, e sempre, que a sugestão afinal não passava de insinuação desmentida pelos factos.

O que me interessa hoje é uma técnica específica utilizada pelo Público para usar a notícia como arma de combate político: o destaque que lhe é dado no site do jornal, tanto em termos de localização como de conteúdo.

Desde o início do dia, ou pelo menos desde que liguei o computador pelas nove da manhã, o topo da página online do jornal foi sempre ocupado pela chamada para esta notícia. Já é hora de jantar e continua a ser. O que está bem. Quando se quer fazer jornalismo activista não se pode desperdiçar um factor tão importante no destaque da informação que se quer realçar como a sua localização.

Mas, curiosamente, o título da chamada para a notícia no topo da página online foi sempre diferente do título da notícia. De manhã, o Público destacou a notícia com o título "Caso Tecnoforma. Bruxelas contraria Ministério Público e diz que houve fraude".

2017-11-13 Notícia tecnoforma - capa manhã.jpg

Os títulos têm alguma semelhança mas semânticas diferentes. O da notícia é factual, porque de facto o OLAF e o MP chegaram a conclusões diferentes. O do destaque é falso, porque implica uma precedência cronológica entre a conclusão do MP, que arquivou o processo por não detectar irregularidades, e a do OLAF, que a contrariou dizendo que houve fraude, que é falsa. A conclusão do OLAF foi publicada em 2015, pelo que não pôde contrariar a do MP, que nessa altura ainda não existia para ser contrariada e foi apenas publicada dois anos e picos mais tarde. A descrever a precedência cronológica real, o título devia ser algo como "Caso Tecnoforma. Ministério Público contraria Bruxelas e diz que não houve fraude".

Este título seria factual, mas seria demasiado pífio como arma de jornalismo activista. Diz o bom senso que quem contraria depois está, não só na posse da informação que contraria, mas também possivelmente de informação adicional que não detinha quem fez a afirmação antes. Que quem corrige, corrige por ter erros para corrigir. Que quem diz por último, diz melhor. E por isso é uma sugestão muito mais convincente da existência de fraude dizer que o OLAF corrigiu o MP do que o contrário. Ou insinuação.

E este título, o falso, foi um sucesso. Foi este que jornais de referência como o Acção Socialista Expresso do Dr. Pinto Balsemão, por um lapso embaraçoso tinha-me esquecido de dizer que o Acção Socialista Público também é um jornal de referênciautilizaram quando divulgaram a notícia do Público: "Tecnoforma. Bruxelas contraria decisão do Ministério Público e diz que houve fraude". Talvez os jornalistas de jornais de referência citem notícias de outros jornais de referência lendo apenas o que está no topo da página online do jornal, sem se darem à maçada de clicarem para a página da notícia e descobrirem o seu título real, para não falar no conteúdo? Ou talvez, e porque eles citam partes do conteúdo da notícia parece mais provável, a tenham mesmo lido e se tenham mesmo apercebido que o título que adoptaram é falso, mas o tenham preferido, talvez por serem também praticantes do jornalismo activista? Em todo o caso, cumprida a missão deste título depois de estar espalhado pelos quatro cantos do mundo, havia que o substituir por outro para também cumprir finalidades adicionais.

E ao fim da tarde o título da chamada de atenção para a notícia, que permaneceu no topo da página online do Público, mudou para "Investigadores de Bruxelas defendem que Tecnoforma tem que devolver seis milhões".

2017-11-13 Notícia tecnoforma - capa tarde.jpg

Da leitura do título da chamada de atenção, no entanto de exactamente a mesma notícia, com o mesmo título e o mesmo conteúdo, a coisa mudou de nível, e já não se perde tempo a discutir visões alternativas do caso, e se terá ou não havido irregularidades, e de que gravidade, mas passou-se directamente para a sentença.

A dúvida é perniciosa para o activismo, que requer mais voluntarismo que reflexão, e se a primeira chamada de atenção arrumava com a dúvida sobre qual das conclusões seria mais correcta, uma vez que a conclusão do OLAF de ter havido fraude refutou a anterior do MP de não ter havido, esta segunda chamada de atenção já dá a fraude por completamente adquirida e já só discute a penalidade a aplicar.

E, sejamos honestos, se o jornalismo activista se dirige a pessoas burrinhas e de opinião já formada com a finalidade de lhes sustentar aquilo em que crêem, o facto de ser feito com cuidado só denota um profissionalismo louvável. O Público está de parabéns. Ou de parabenses, como eu escrevo no Facebook para não ficar a letrinhas vermelhas.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 20:21
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Domingo, 12 de Novembro de 2017

Sobre festanças em cemitérios

2017-11-12 Web Summit Costa Medina.jpg

Pelo que leio por aí, se um dia o lenocínio tiver sido legalizado pelo governo anterior e a prostituição tiver passado a poder ser exercida como uma actividade económica com enquadramente empresarial e fiscal, e não apenas como um biscate na economia paralela, qualquer pai que coloque as suas filhas, ou filhos para ser gender neutral, na vida não deverá ser alvo de censura social, porque apenas se limitará a aproveitar para fazer dentro da lei aquilo a que a lei o autorizará a fazer. Como se permissão constituísse obrigatoriedade. A culpa será do governo anterior.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:45
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Quarta-feira, 1 de Novembro de 2017

Uma asneira dita com convicção não é uma asneira, é uma opinião

2017-10-31 Mariana Mortágua.jpg

O meu pai dizia, já não me lembro se de autoria própria, se citando algum dos mestres que teve ao longo da vida, e já não tenho possibilidade de lho perguntar para me esclarecer, "Uma asneira dita com convicção não é uma asneira, é uma opinião". Se a frase não era da autoria dele podia bem ser, porque continha a mistura de bonomia e ironia nas proporções exactas que faziam o retrato dele e que eu tento, com o gosto genuíno por elas que lhe herdei nos genes, e alguma aproximação na parte da ironia, mas muito longe na da bonomia, não desonrar.

A deputada Mariana Mortágua tem sempre opiniões para dar e vender, tanto no parlamento, como nos écrans de televisão de onde raramente se ausenta mais de vinte e quatro horas, como em colunas que lhe são concedidas para as publicar em jornais. Tanto a qualidade do asneirol como o débito estão assegurados, e a convicção é o seu middle name, de modo que, de opiniões, estamos conversados.

E publicou mais uma destas, com a graça de "A borla fiscal ao Estado chinês", no Jornal de Notícias, onde lamentou o excelente negócio realizado pelos investidores chineses na EDP por, diz ela, terem conseguido receber nos últimos anos, que são cinco, digo eu, 725 milhões de euros em dividendos, que conseguem subtrair ao IRC através do recurso a holdings em paraísos fiscais e às engenharias fiscais habituais, mesmo entre capitalistas socialistas.

Eu, por mim, nem lhe leria a opinião, sei que ela diz as suas asneiras sempre com grande convicção mas que não têm nada que se aproveite, mas como vi gente a citar esta, porque lhe parecia bem apanhada, achei que valia a pena desenganá-la. À gente que citou esta opinião. Vamos lá então ao desengano.

  • A EDP pagou ao investidor chinês 725 milhões de euros em dividendos nos últimos cinco anos. Dinheiro perdido pelo Estado português?

Asneira! O Estado português recebeu à cabeça 3 mil milhões de euros do investidor chinês pelas acções que lhe vendeu, mais do quádruplo do que já teria deixado de receber em dividendos, e isto se os lucros e a política de dividendos tivessem sido semelhantes sem a entrada do accionista chinês, hipótese que não tenho meios de validar mas posso aceitar como boa para seguir em frente na discussão. Entre o dinheiro certo que recebeu à cabeça e o incerto que tem deixado de receber o Estado ainda está a ganhar, portanto, 2.275 milhões de euros até agora. Além disso, com esses 3 mil milhões pôde amortizar dívida e deixar de pagar os juros correspondentes que, se a dívida amortizada remunerasse os credores a juros de 4% semelhantes aos dos empréstimos do FMI, significaram 120 milhões por ano de poupanças, ou já 600 milhões de ganhos certos acumulados nestes cinco anos. Tudo junto, o Estado português ainda tem no bolso mais 2.875 milhões de euros do que teria se não tivesse privatizado a EDP. As privatizações são ruinosas para o Estado, mas muito moderadamente ruinosas, pelo menos quando se sai da retórica das colunas de opinião da Mariana Mortágua para se fazerem algumas contas.

  • A EDP entregou aos chineses dinheiro do bolso dos consumidores?

Asneira! É tão estúpido dizer que pagar dividendos aos accionistas de uma empresa é entregar-lhes dinheiro do bolso dos clientes, como seria dizer que um banco paga os juros aos depositantes com dinheiro tirado do bolso dos devedores que lhe pagam juros. Os dividendos são a remuneração dos capitais próprios investidos nas empresas, na mesma medida em que os juros são a dos empréstimos recebidos. As responsabilidades contratuais são diferentes para com credores e accionistas, os empréstimos têm de ser pagos e os juros são fixados contratualmente, enquanto os capitais próprios não têm que ser devolvidos e os dividendos são o que puder ser, e pode não poder ser nada, pelo que é expectável os accionistas desejarem uma remunerção contingente dos capitais investidos superior à remuneração certa exigida pelos credores, mas tudo, dividendos e juros pagos, constitui remuneração de capitais investidos na empresa, sejam na rubrica de Capitais Próprios, sejam na de Passivo.

  • O dinheiro investido por estrangeiros na compra de activos financeiros não cria emprego?

Asneira! Os três mil milhões de euros do investimento financeiro pagos pelos novos accionistas estrangeiros aos accionistas portugueses que lhes venderam as participações foram injectados na economia nacional onde ficaram disponíveis para, entre outras coisas, investir, e onde têm a mesma capacidade de criar emprego que quaisquer outros três mil milhões de euros investidos por portugueses ou estrangeiros em projectos de investimento físico.

Aliás, é justamente esta possibilidade de canalizar poupanças feitas por quaisquer aforradores para investimentos feitos por quaisquer investidores que os primeiros nem sequer conhecem, não lhes metem o nariz nos negócios, e a quem não pedem mais do que remunerar os capitais investidos o suficiente para rentabilizar as suas poupanças, esta independência entre os que poupam porque têm competência e capacidade para poupar, mas não necessariamente para investir, e os que investem porque têm competência e capacidade para investir e multiplicar o investimento, mesmo que não disponham de capital suficiente, esta oportunidade de cada um fazer aquilo que sabe melhor, que faz do capitalismo o sistema mais formidável de criação de prosperidade, liberdade e democracia da história da humanidade.

Tudo junto, o sucesso até agora do investimento chinês na EDP medido pelos dividendos que já conseguiu receber não é caso para nos alarmar, e tanto mais quanto a associação aos accionistas chineses lhe puder ter aberto as portas a novos negócios fora do tradicional de extracção de rendas do monopólio e de reembolso dos favores prestados ao governo socialista Sócrates & Pinho, onde a empresa possa ampliar os seus lucros e o valor para todos os accionistas, incluindo os chineses, mas também os portugueses. No limite é o facto de a empresa enriquecer mais ou menos em novos negócios por ter estes accionistas que determina se Portugal enriquece ou não por ter privatizado a empresa.

Mas já não é tão evidente assim a utilidade de as Universidades portuguesas atribuirem licenciaturas em Economia a pessoas que não utilizam os conhecimentos que lhes foram ministrados para qualquer finalidade onde pudessem ser socialmente úteis, nomeadamente para a economia, mas apenas para colorir com linguagem técnica, que impõe respeito aos leigos por lhes parecer erudita, mesmo que seja para dar forma vocal ou escrita a asneiras, as histórias da carochinha em que acreditam ou que acreditam que devem contar às massas, como se a Economia fosse uma alternativa a Românicas e a Germânicas.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:20
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