O mantra dos políticos de eleição que dantes havia (Kohl, Mitterrand, Mário Soares, Delors e tutti quanti, para não irmos aos monstros sagrados Monnet, Shuman, de Gasperi, Adenauer ou Spaak) e agora não há é daqueles discursos do "dantes é que era" - não podem ser contraditados porque as circunstâncias eram diferentes e as comparações históricas, precisamente, devem levar em conta as circunstâncias.
Há porém um critério seguro para medir a "grandeza" dos estadistas históricos, e esse é o do grau de influência exercido na vida dos contemporâneos e vindouros. Afonso Henriques fundou uma independência sobre a qual, em devido tempo, se construiu uma nacionalidade, César lançou as bases para o Império, Washington foi e Mandela provavelmente é Pai de Pátria, Lenine e sobretudo Estaline, tal como Hitler, são epítomes de tragédias multi-nacionais que, tantos anos volvidos, ainda projectam as suas sombras. Estes homens, e muitos outros, encontraram o Mundo assim e deixaram-no assado.
Não podemos ter a certeza de que os tempos que vivemos serão grávidos de consequências de monta. E todavia faz falta alguém como Churchill, para dizer o óbvio para ele, mas original para os contemporâneos, como fez em 5 de Março de 1946: From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic an iron curtain has descended across the Continent. Behind that line lie all the capitals of the ancient states of Central and Eastern Europe. Warsaw, Berlin, Prague, Vienna, Budapest, Belgrade, Bucharest and Sofia; all these famous cities and the populations around them lie in what I must call the Soviet sphere, and all are subject, in one form or another, not only to Soviet influence but to a very high and in some cases increasing measure of control from Moscow …
Ele via a cortina e com ela cunhou a expressão "cortina de ferro". E permito-me pensar que hoje, deparando-se com mais um aflorar deste projecto, não veria uma cortina mas um manto que lentamente se estende sobre boa parte da Europa, com a intenção delirante de, para salvar um equívoco e adiar estas consequências, abafar as independências nacionais.
Não duvido que quem ache, como eu acho, que as contas públicas devem ser equilibradas, talvez possa aplaudir a iniciativa; que quem acalentou o sonho de ficar rico, desenvolvido e moderno por efeito de pertencer a um clube rico, desenvolvido e moderno, não queira despertar; que quem entende que a moeda faz os países, em vez de os reflectir, não queira abrir mão da ambição de forçar o desenvolvimento com a engenharia da moeda; e que a quem pareça que o princípio nacional é uma velharia historicamente ultrapassada, o passo em frente dos desnacionalismos pareça lógico.
E sobretudo não duvido que os meus concidadãos, aos quais foi prometido o terceiro D (o do desenvolvimento, para quem não se lembra) não queiram acreditar que a classe dirigente que elegeram e reelegeram os meteu numa enrascada; e que as outras classes dirigentes dos países com os quais partilhamos o Euro se tenham igualmente enganado.
Não se enganaram, dizem os responsáveis - apenas calcularam mal alguns detalhes. E para os corrigir basta que o Poder, todo o Poder, passe para quem não fala a mesma língua, não tem os mesmos interesses, nem peso demográfico semelhante, nem o mesmo sentimento de pertença nem as mesmas circunstâncias. Antes acreditavam que o Euro seria o abre-te Sésamo do Progresso; e agora reclamam que os cidadãos que neles confiaram nem sequer os julguem por se terem enganado.
Não vai acabar bem: se o Euro não se finar vítima do seu insucesso, acabará mais tarde vítima do seu sucesso, porque este nunca será, nem pode ser, igualmente distribuído. E mesmo que uns porque de tão aflitos queiram apenas ser salvos, e outros os queiram salvar porque deles precisam para manter a ficção e os interesses do barco comum, tarde ou cedo se verá que este não tem condições de navegabilidade.
Creio que Churchill diria, mil vezes melhor, isto mesmo. O que me leva a concordar afinal com o mantra do início: dantes é que era - mas temos que ir um pouco mais atrás do que costumamos.
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