Há-que reconhecê-lo: o primeiro-ministro António Costa fez-se preceder no caminho da ascensão ao poder pela exibição da sua grande inteligência. Além de se ter feito apoiar nas primárias do PS pelas 600 personalidades da elite da inteligência nacional, elaborou o seu programa de governo com a ajuda de 12 sábios, como o Mário Centeno, o João Galamba, ou o Fernando Rocha Andrade, com base no grande desígnio de "debater com a Comissão Europeia uma interpretação inteligente do Tratado Orçamental".
É verdade que, para os mais invejosos, "interpretação inteligente do Tratado Orçamental" significa apenas chico-espertice para conseguir fazer deficits superiores ao compromisso do tratado sem ser penalizado nos termos previstos no tratado. É também verdade que os mais limitados na inteligência, grupo em que, infelizmente, tenho que me conformar a pertencer, não conseguem perceber que vantagens nos traz aumentar o deficit e, com ele, a dívida que o financia e que os nossos filhos e netos serão obrigados um dia a reembolsar, sabendo que os meros 3% de deficit autorizados pelo tratado em cada ano representam no futuro 11 dias de produção de riqueza nacional completamente dedicados ao seu reembolso. Adiante.
Não é apenas no domínio dos tratados que o António Costa recorre à sua inteligência para interpretar. Um dos domínios em que tem sido mais inteligente a interpretar é o da separação dos poderes, mais especificamente, a Justiça. E, neste domínio:
Esta inteligência, que chega a ser brilhante, na interpretação da separação dos poderes só surpreende, diga-se em abono da verdade, os mais distraídos que não lhe acompanharam o percurso político. Já há muitos anos o actual Primeiro-ministro tinha feito uma interpretação magistral da separação dos poderes ao conspirar com o actual Presidente da Assembleia da República e o então Presidente da República para ao almoço meter uma cunha ao Procurador-geral da República para evitar que um processo chegasse ao tribunal de instrução criminal, tentativa essa frustrada porque o procurador do processo, "lá o dito Guerra", o entregou logo pela manhã. Azar dos azares, mas a intenção conta.
O mais objectivo que se pode dizer é que o António Costa não frustra as expectativas.
Um caso exemplar.
Finalmente, saiu a acusação do caso dos vistos dourados.
Um ano e meio depois de o caso ter vindo a público e de terem sido feitas as primeiras detenções, a justiça decidiu levar a tribunal 17 acusados, entre eles, um ex-ministro e vários ex-directores ou sub-directores gerais, que usaram os poderes que lhes foram delegados para favorecer irregularmente terceiros, envolvendo crimes de "...corrupção activa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, peculato de uso, abuso de poder e tráfico de influência...".
Independentemente da maior ou menor solidez dos indícios e provas recolhidos para sustentar cada uma das acusações, pode-se dizer que está a ser um caso exemplar, em que a justiça não recuou perante e estatuto social e institucional dos arguidos.
Ou apenas quase exemplar?
Ou será que recuou?
No decorrer das investigações foram apanhados nas escutas três magistrados judiciais.
O primeiro foi apanhado a tentar convencer o principal arguido, o antigo director do Instituto dos Registos e Notariado, a encontrar entre os candidatos a vistos dourados comprador para um apartamento em Leiria que um familiar queria vender por três milhões de euros (!). Não nos Champs Elysées, mas em Leiria.
O segundo, à época director do SIS, foi ajudar o mesmo arguido a detectar se estava a ser escutado pela justiça, fazendo-lhe um varrimento electrónico no gabinete.
O terceiro limitou-se a, durante um telefonema para meter uma pequena cunha em que o outro o avisou que estava a ser investigado e devia ter o telefone sob escuta, oferecer-lhe, verbalmente, toda a solidariedade pessoal e institucional na investigação de que estava a ser alvo.
Como é de lei, os indícios contra os três magistrados foram extraídos do inquérito original no Tribunal de Instrução Criminal e integrados num inquérito independente do primeiro a correr junto do Supremo Tribunal de Justiça. Esse inquérito acabou por ser arquivado. A defesa do principal arguido no inquérito original aproveitou mesmo o arquivamento deste inquérito autónomo para procurar suscitar a libertação do seu cliente, então ainda em prisão preventiva.
Lições para a jurisprudência?
Em Portugal, juízes podem ajudar altos funcionários investigados por corrupção a perturbar a recolha de prova nas investigações judiciais de que são alvo e podem meter-lhes cunhas para seu enriquecimento próprio, ou, em termos técnicos, cometer perturbação do inquérito na forma consumada e tráfico de influências na forma tentada, sem correrem o risco de serem levados a tribunal com os seus associados no crime.
Debaixo da alçada da lei, vivem acima da lei.
Tinha admitido que a pasta da Justiça me viesse a ser adjudicada, por sorteio, num próximo Governo, se trilhasse o seu caminho a justa reforma que, com assinalável rasgo, e insuficiente impacto, congeminei para o nosso sistema eleitoral. Calçaria sapatos de ilustres predecessores: sem ir ao Estado Novo, onde o cadeirão ministerial estaria assombrado ainda por gigantes do Direito como Antunes Varela ou Pires de Lima, e menos ainda ao séc. XIX, onde avulta o Visconde de Seabra, sempre na III República teria como antecessores advogados ilustres, como Salgado Zenha, juízes, como Laborinho Lúcio, ou um penalista como Eduardo Correia - o suficiente para intimidar outro menos desempoeirado e atrevido do que eu.
Sucede que a Justiça está num canho. E para o saber não é preciso ser advogado ilustre, ou magistrado, ou professor de Direito. Chega a ser sustentável, aliás, que qualquer dessas condições inibe o discernimento porquanto, não cessando o lugar de ser preenchido por profissionais da área, não tem ela cessado também de degradar-se, pelo que é melhor confiar no juízo de quem frequenta os tribunais na condição de arguido, réu, testemunha, ofendido ou queixoso.
Ou então confiar nos gráficos (quadro 4). São bastante lisonjeiros - poderemos perfeitamente estar à frente dos três países que não apresentaram dados, se os dados que esses países apresentarem forem piores que os nossos.
Só nos falta portanto aproximarmo-nos dos restantes 24.
Para tanto, não podemos fazer alterações legislativas baseadas em palpites - isso é o que cada novo ministro faz, tradicionalmente, e portanto insistir na mesma receita não pode produzir resultados diferentes.
Não resolve apostar (com desculpa do chavão) em informática (quadros 21 a 25), estamos no topo. E gastar mais dinheiro, se fosse possível, não seria uma escolha criteriosa: ver quadros 38, 40 e 41 - com menos despesa há quem esteja muito melhor no desempenho.
Poderíamos talvez retirar a licença a alguns advogados (a Ordem agradeceria), a fim de ficarmos na média - quadro 42 - mas como estes dependem deles próprios e dos clientes, e não do Orçamento, não se vê a vantagem de um tal extermínio. E também não se vê que mais juízes, se pudéssemos falar de mais despesa aqui sem falar de menos despesa noutro lado, fosse uma escolha defensável: há quem - quadro 43 -, com menos, faça melhor.
Também não se vê que discriminar positivamente o mulherio, em obediência à moda do igualitarismo sexual, trouxesse qualquer benefício: as mulheres já são a maioria na primeira instância - quadro 45 -, sê-lo-ão também a prazo - quadro 46 - nas instâncias restantes. Além de que está por demonstrar que a performance delas esteja acima da dos colegas homens. Suspeito aliás que, na idade fértil, estará abaixo.
Com este quadro como é que eu farei, quando tomar posse? Vamos a isso:
1) Por volta das 11H00 da manhã já estarei no Terreiro do Paço, a tomar cafés (três), a ver o e-mail particular e a conversar com os secretários de Estado. Logo ali lhes direi que não tenciono tomar qualquer decisão que tenha que ver com o funcionamento do ministério, nomeações e rotina, tarefas que lhes delegarei por completo, sob reserva de não estarem autorizados em caso algum a gastarem mais um cêntimo do que no ano anterior; que apenas reservo para mim a assinatura de diplomas, embora tenha a intenção de devolver a maior parte, se não estiver absolutamente convencido - e quase nunca estarei - de traduzirem uma palpável melhoria; e que, dos poucos com os quais concordar, enviarei a maior parte para um grupo seleccionado de professores de Direito (que não incluirá o Prof. Marcelo, por razões de discrição e por ter horror a cata-ventos), se não tiverem sido anteriormente ouvidos, após o que, em geral, ignorarei os conselhos que ministrarem; e que portanto serão eles que se deslocarão à Assembleia da República para prestarem contas, dado que os senhores deputados se cansarão rapidamente de um ministro que não sabe, nem quer saber, de nada, para além de interromper as sessões, de meia em meia hora, para fumar.
2) Estudarei com vagar uma lista de professores, magistrados, sindicalistas na área da Justiça, polícias e presos, elaborada com a precaução, segundo informações recolhidas, de excluir idiotas, para o efeito de os receber em dia e hora que lhes convenha para almoço, jantar, ceia ou tardes, depois da sesta, a fim de os ouvir sobre o que fariam para curar os males do seu sector, sem porém jamais tomar decisão alguma.
3) Perguntaria por escrito a juízes e funcionários dos tribunais mais sobrecarregados se estariam dispostos a aceitar que uma empresa de organização e métodos fosse fazer um trabalho de campo para avaliar se, sem mudanças legislativas, ou apenas mudanças de pormenor, seria possível agilizar o processo decisório, aliviar os incómodos dos cidadãos e as tarefas dos funcionários. E, se tropeçasse em resistências ou obstáculos, faria umas poucas secções-piloto, em tribunais, inteiramente constituídas por voluntários, para este efeito.
4) Destas empresas contrataria uma mão-cheia, com um prazo generoso - não menos de seis meses -, para produzir um relatório.
5) Enquanto as empresas se esfalfavam, as conversas prosseguiriam, sempre com o mesmo princípio: Está bom, o cafézinho? E o cigarro, incomoda? Olhe, senhora juíza (suponhamos que é uma juíza) imagine um tribunal sob sua responsabilidade, onde dirige o pessoal todo, contrata ou despede quem entende, fixa prémios e objectivos, administra directamente, ou por interposta pessoa, tudo o que tem que ver com as condições de funcionamento, apenas com a limitação de se manter dentro de um orçamento cujo limite é o que o Estado e os cidadãos gastam habitualmente para a realização da justiça nas pendências, ou processos, que conseguir levar a termo. Acha isso possível? Se não, o que acha que se pode fazer que melhore e dure, sem gastar mais?
Mau seria se ao fim de seis meses de paleio inconsequente não começasse a aparecer algum fio condutor - alguns pontos pacíficos onde fosse possível melhorar, alguma ideia-mestra que reunisse consenso suficiente.
Pela mesma ocasião as tais empresas apresentariam as suas recomendações. E estas seriam remetidas aos sindicatos e abertas ao comentário e sugestões de todos os magistrados e funcionários, desde o porteiro ao chefe da secretaria, durante um tempo mais do que suficiente.
Após o que chegaria a hora de ponderar, meditar sem pressas e decidir pôr no terreno novas soluções - à experiência, com voluntários e durante um larguíssimo prazo.
Enfim, tretas. Que Nero disse: Qualis artifex pereo! - Que artista morre em mim! E eu só não direi a mesma coisa substituindo o artista pelo ministro porque não estou perto de morrer e tenho ainda outras pastas para as quais poderia, se houvesse senso neste mundo, oferecer os meus préstimos.
Talvez o destino, afinal, me reserve a Saúde. E, excepto pelo facto de as minhas ideias sobre o Serviço Nacional de Saúde poderem eventualmente levar a um surto de enfartes e AVCs, creio que há espaço para grandes reformas que produziriam bons resultados, embora impliquem uma cirurgia prévia, consistindo em extirpar da cabeça dos Portugueses a ideia de que um serviço marxista - de todos segundo as suas possibilidades, a todos segundo as suas necessidades - pode funcionar bem.
Fica para outra maré, que a actividade reformadora é extenuante.
"Isto é uma mudança de paradigma relativamente ao que a magistratura tem vindo a fazer nestes últimos anos". Mudança de paradigma?! Começam muito mal - de palavreado oco a armar ao intelectual já estamos servidos.
Depois, os Meritíssimos que me perdoem mas a linguagem jurídica não existe por acaso, mas por necessidade: um advogado experiente pode entender um despacho, uma pronúncia, uma sentença precisa, em termos precisos, por economia de meios e rigor conceptual, mas já terá dificuldades acrescidas em recorrer de uma sentença em linguagem corrente, que se presta mais, muitíssimo mais, a dúvidas de interpretação - para os advogados, que têm que explicar a sentença a quem nisso tenha interesse e dela recorrer, se for o caso, e para os magistrados da instância de recurso, que têm que a apreciar.
A menos que os juízes tenham que lavrar duas sentenças: uma para os autos, a verdadeira, a da Bayer; e outra para a Internet, não vá o Povo, em cujo nome o juiz julga, imaginar que os pobres magistrados não trabalham que se matam. Se for este o caso, temos a burra nas couves: por um lado, nada garante que o mesmo juiz que lavra uma excelente sentença, impecável na sua fundamentação, sólida na apreciação da prova, indestrutível no enquadramento do caso no direito aplicável, tenha dotes de jornalista, ou escritor, para "aproveitar as novas tecnologias de informação para dar conhecimento público das suas decisões, descodificando a linguagem jurídica quando necessário"; por outro, do que o Povo sobretudo se queixa, com razão, é que a Justiça não funciona, e este acréscimo de trabalho inútil pode talvez esclarecer muito jornalista incapaz de interpretar despachos e sentenças mas não acelera a máquina - trava-a.
"Os magistrados pretendem ainda dar justificações públicas dos seus atrasos processuais e ver divulgados os inquéritos disciplinares aplicados à classe, no sentido de ficar esclarecido por que é que um determinado juiz foi inspecionado e qual o conteúdo da decisão de quem o fiscalizou."
É fatal como o destino que o magistrado que vier dar explicações públicas dirá uma de duas coisas, ou ambas: i) Não tenho meios; ii) A legislação está mal feita. E o responsável pelos meios dirá que não senhor não falta nada, ou falta mas não há caroço, enquanto o legislador confessará que esse aspecto vai ser tido em conta na próxima reforma, ou não será porque o senhor juiz, valha-o Deus, não sabe o que diz. Da publicidade dos inquéritos a juízes nem falemos, que, salvo nos casos de aposentação compulsiva, ou outro afastamento, o juiz ficará com um ferrete público que, no regresso ao serviço, o acompanhará.
Bem sei que há para aí advogados que não sabem escrever, jornalistas que não sabem ler, e cidadãos que não sabem pensar. Mas dos juízes espera-se contenção, reserva e ponderação - tudo o que não existe na rua. E estas iniciativas, se levadas à prática, o que farão não será nem acelerar o funcionamento da Justiça, nem melhorar a qualidade das decisões, mas criar, em torno dos tribunais, discussão e arruaça.
"O maior número de juízes de sempre", declarou José Mouraz Lopes, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), que organizou o encontro. Bem, este cidadão acha que sindicatos de juízes são uma contradição nos termos; e também que, desde que se aceitou o princípio, não ficou melhor a justiça do Povo - mas ficamos mais perto da justiça popular.
Bem sei que ainda faltam os recursos e demais procedimentos a que têm direito os folgazões sempre que a justiça se interessa por eles. Hoje, a sentença de 3 anos e meio de prisão, com pena suspensa, deixou a antiga ministra “mal impressionada”.
Tudo isto porque o tribunal considerou provado que a senhora tinha, caridosa e conscientemente, distribuído lugares, contractos, favores, e dinheiros públicos por um círculo de amigos seus, do PS, e do seu “companheiro”. Estou em condições de compreender o desgosto de Maria de Lurdes.
Também eu toda a vida escorreguei sobre as auto-estradas a velocidades compreendidas entre os 180 e os 200 km/h (quando ia de carro, porque de mota era mais desembaraçada). Até ao dia, de Julho ou Agosto de 2011, em que fui apanhada por um radar a 186 km/h. Com base no valor registado, desconfio que falava ao telemóvel, acendia um cigarro ao mesmo tempo, e procurava uma moeda que me tinha caído para debaixo do tapete. Só assim consigo justificar uma marca tão baixa, e foi assim que me defendi, cá em casa, de acusações torpes.
Recebi o papelinho da Brigada de Trânsito com o coração a estoirar. Esperava que me dessem uma medalha de mérito desportivo, mas não foi esse o entendimento daqueles incompetentes, daqueles corruptos, e daqueles vendidos que me aplicaram uma multa extorsionária e uma apreensão de carta por uns meses, com pena suspensa. Fiquei muito mal impressionada.
Aparentemente o dr. Mário Soares censurou o Governo porque se “meteu num grande sarilho” com Ricardo Salgado, ao ter-se “intrometido” no BES e no GES, e avisou: “Quando ele falar, e vai falar, as coisas vão ser diferentes”.
Na reportagem que a RTP vai transmitir, durante o Telejornal de hoje, prometem-se “depoimentos” de outros beneméritos, uns defendendo Salgado e outros apontando o dedo a quem lhe tornou a vida menos fofa.
No dia em que o assunto chegar aos tribunais, e vai chegar, Soares falará em “governos de juízes” e dirá dos magistrados que se estão a pôr “em bicos dos pés” – como disse toda a vida sempre que a justiça incomodou algum dos seus quadrilheiros. E nesse sentido, só nesse, as coisas não vão ser diferentes.
Para falarmos só da última meia dúzia de semanas, o processo de Jardim Gonçalves “prescreveu”, Paulo Portas “foi ouvido” no processo dos submarinos, e as relíquias de Miró já se encontram entrouxadas em três zelosas providências cautelares - cumprindo a “promessa” da senhora Procuradora-Geral.
À história destes processos, para quem tem interesse e paciência, falta “enquadramento” e rodriguinhos jurídicos que, por motivos de asseio, me dispenso de mencionar. Um facto luminoso fica à mostra: o nosso sistema de justiça escolhe os processos que avançam, os que se arrastam, e os que prescrevem. E Joana Marques Vidal tem, sobre esta escolha, uma palavra decisiva.
A Associação Nacional dos Dentistas Portugueses (não fui conferir, mas deve existir), ou a secção de médicos dentistas na Ordem dos Médicos (não fui conferir, mas deve existir), organismos naturalmente preocupados com a nossa saúde oral, deveriam ler com atenção artigos como este. E outro tanto se diga da Associação Nacional dos Cardiologistas ou a secção respectiva na Ordem dos Médicos, no que toca ao bom estado geral do nosso sistema vascular (também não fui conferir, mas Deus nos livre se tão ilustre especialidade não estivesse arregimentada).
Porque estas coisas fazem ranger os dentes e subir a tensão. E se aqueles organismos, na nossa sociedade corporativa, não reagirem, quem nos defende? Porque o cidadão, esse, aparentemente tem que se resignar a analgésicos e a inibidores de não sei quê.
Por mim, lá pelo meio da história, vi o nome do ex-ministro Mendonça, o do TGV - já nem me lembrava dessa patética figura. E, se algum dia me cruzar com a mendonçal assombração, está decidido - mudo de passeio. É que sou pacífico. Nem todos são.
Saudável regra operativa no mercado italiano: não se pode confiar em dois de cada três italianos. Por causa dos dois primeiros, nunca sabemos se podemos confiar no terceiro. Com dois de cada três alemães a confiança é a base da relação e mantê-la uma honra mútua. Depois, interrogamo-nos porque não funciona a economia a sul.
O que estragou a confiança em Itália? Segundo os próprios italianos, a porca da política dos últimos 20 anos com um ex primeiro-ministro e uma classe política para quem a palavra é o reflexo da conveniência do momento e das próprias contas bancárias. Perguntarão não é assim em todo o lado? Não. Na Suíça, por exemplo, a confiança contratual também é estabelecida com a palavra de honra dada apoiada num contrato. O contrato regula o modo de relação, mas a honra das partes sedimenta-a.
Em Itália, um contrato tem pouco valor para proteger as duas partes quando se for a tribunal dirimir as faltas aos compromissos assumidos. Como o processo pode durar 10 ou mais anos e de pouco serve pelo emaranhado de leis oriundo da política que visa em muitos casos proteger os prevaricadores, muitos deles políticos, sucede um bloqueio económico e pouco valor é dado aos contratos que se podem furar sem graves consequências. Honra e confiança conceitos ultrapassados? Antes fossem para estar de acordo com as nossas expectativas desiludidas sulistas. Sem justiça operativa em tempo útil, por cá, o contrato é papel pouco mais que inútil e a palavra dada tem pouco valor.
Como acontece o reforço da confiança pessoal nos países do norte? Apoia-se numa justiça eficiente que tutela a parte ofendida e condiciona o potencial ofensor a comportar-se. A norte, o bom funcionamento da justiça reforça o valor da confiança e da honra. A sul, a justiça lenta e muitas vezes participante na porca da política desagrega a confiança social e económica paralisando a cooperação necessária. Porquê isto?
Quando se vêem notáveis magistrados a participarem em acções de campanha de notáveis bandidos políticos, o impacto social é claramente o de erodir ainda mais a confiança no funcionamento justiça que já é muito mal visto. A honra e a confiança pessoal convêm às partes quando a justiça também é de confiança e dissuasora de comportamentos incorrectos.
Mais vale ser e agir em confiança que correr o risco de apanhar com uma sentença rápida e eficaz. Coisa de somenos importância que nada tem a ver com o nosso bem-estar social e económico, não é?
Daniel Oliveira, um notório (diz muito de nós mesmos) homem político que passa (a alguns) a impressão de ser um comentador objectivo da realidade portuguesa faz hoje um artigo onde "demonstra" que em Portugal não seria necessário despedir funcionários públicos se compararmos o número de funcionários e o seu custo com outros países da OCDE. Isto porque da sua profunda e aturada análise resulta que não temos funcionários públicos a mais. Com base nos dados e reflexão apresentados no artigo poderíamos concluir também que o número de estrelas no universo é equilibrado.
Deixando de lado o facto de os nossos funcionários públicos custarem mais que os dos países comparados, se fizermos a proporção simples entre o seu custo e o seu número entre Portugal e a média da OCDE (vide percentagens no artigo linkado), há coisas mais relevantes a dizer.
Ora bem, a quantidade de funcionários públicos não é o factor importante. O factor importante é a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos e a qualidade no desempenho das funções por parte dos mesmos. É na qualidade que Portugal está atrás dos países que Daniel Oliveira invoca para mostrar o equilíbrio das estrelas no universo. E desta, não fala ou menciona qualquer preocupação. Parece que mais uma vez, a função de serviço do estado não é importante mas sim o facto de garantir muitos empregos. E aqui está o busílis: o emprego no Estado é garantido para a maior parte dos funcionários, como ficámos mais uma vez a saber com a recente decisão “inteligentíssima” e própria da Dinamarca, Noruega ou outro país semelhante ao nosso, do Tribunal Constitucional.
É preciso despedir funcionários públicos? Sim. Porquê? Para que se demonstre que quem manda no estado, o partido político eleito para governar e os diretores gerais competentes e preocupados com a eficiência do estado, possam impor o clima favorável ao melhor desempenho por parte de muitos trabalhadores estatais, enquistados nas suas funções.
Na actual função pública portuguesa, e atenção que não digo que todos os funcionários públicos são assim (há muitos extremamente dedicados, competentes, lutadores e dignos servidores públicos) há inteiros departamentos de ministérios que nada, repito, nada fazem. Estão sentados nos seus lugares garantidos, sub-contratando todas as funções “core” de serviço público a terceiros (empresas de consultoria privada, profissionais liberais, contratados a termo) garantindo a sua imobilidade com autênticas máquinas de resistência à mudança na função pública patrocinada pelos sindicatos e outros defensores da classe como o Tribunal Constitucional.
É preciso poder despedir para dar o exemplo. Para recordar ao funcionário público que tem um função de interesse geral, que ele, tal como o privado, deve trabalhar ao nível do contrato e remuneração que tem. É muito simples. Não tem mistério e decorre da natureza humana: se o ganho é fácil e garantido, o esforço é pouco.
O estado português consumiu em 2012 cerca de 48% da despesa total nacional. É muito dinheiro para estar entregue a um sector de emprego protegido onde o desempenho conta pouco para a manutenção no emprego. Os restantes 52% da sociedade não contam com essa proteção e muito se esforçam para se auto-alimentar e ainda mais, sustentar os garantidos pelo nosso estado social herdado da nossa doença pós-revolução. Pedir igualdade entre os que trabalham e os que prestam serviço público parece demais? Despedir? Sim. Não os números e pelos números, mas os que não trabalham. Os tempos de um processo disciplinar e a burocracia do sector público não são comparáveis à facilidade com que no sector privado se despedem incompetentes.
É dura a minha posição? É politicamente incorrecta? Sim. Mas o ser humano não é politicamente correcto e precisa de motivações claras sobretudo num regime garantista, ou dizem alguns, ultra-garantista como o nosso. A Espada de Dâmocles é necessária?
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