Eu bem sei que depois de décadas da mais absoluta impunidade dos corruptos, dos poderosos e dos ricos, a população estava sequiosa de alguém que lhes pusesse a mão em cima.
Eu bem sei que a justiça portuguesa, num sentido lato que abrange desde os legisladores, aos orgãos de investigação criminal, às magistraturas, estava condenada ao descrédito absoluto se não desse um golpe de rins nesta impunidade que deixou correr ao longo de décadas.
Eu bem sei que nos últimos anos a justiça arrepiou caminho e começou a perseguir alguns dos realmente corruptos, dos realmente poderosos e dos realmente ricos, não tenho a certeza se, por vezes, não ultrapassando a boa administração da justiça para montar um espectáculo mediático à base de violações do segredo da justiça, de entrevistas a magistrados que deviam permanecer discretos e têm poderes que dispensam a popularidade, e da ampla divulgação de meras suspeitas da investigação ou hipóteses por provar como se fossem as acusações solidamente provadas.
Eu bem sei que neste tempo novo judicial em que a justiça passou a perseguir os corruptos, os poderosos e os ricos, quem critique a justiça ou questione se ela não ultrapassa por vezes os limites da legitimidade e mesmo da legalidade neste espectáculo mediático corre o risco de ser apontado como lacaio ao serviço dos corruptos, dos poderosos e dos ricos por todos os que passaram décadas a ambicionar vê-los um dia ser perseguidos e para quem qualquer condenação é sempre insuficiente para o que considera que eles merecem.
Eu bem sei que qualquer iniciativa de legisladores no sentido de impedir ou limitar os abusos, se é que os há, da investigação criminal será fulminada pela suspeita pública de constituir uma tentativa de os políticos se protegerem uns aos outros, o que constitui um incentivo muito sério para deixar correr a administração da justiça tal e qual ela está.
Mas, porra!*, não há mais ninguém que ache uma inversão de valores aberrante, perversa e mesmo desumana, autores de crimes de colarinho branco que não atentaram contra mais do que o dinheiro dos outros, ou o de todos nós, e por múltiplos e maiores que possam ser os crimes contra o dinheiro que tenham cometido, serem condenados judicialmente a penas mais pesadas do que autores de crimes horríveis contra a vida? Mais ninguém acha que se está a valorizar mais o dinheiro do que a vida?
Eu acho, e sinto nojo por isso.
* Para quem sabe que sou um minhoto de raízes e coração, caralho!
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