Querem fazer uma Lei da Nacionalidade de direita radical populista sem se sujeitarem à vergonha de a família, os vizinhos, os colegas de trabalho e os amigos do Facebook vos apontarem o dedo como xenófobos e racistas? É possível, mas não é evidente.
Copiar a doutrina de clássicos do populismo da direita radical como a Marine Le Pen ou o Viktor Orbán cumpre facilmente o primeiro objectivo, mas com um risco elevado de colocar inapelavelmente em causa o segundo. Vão-vos apontar o dedo! O que fazer então?
É fácil. Contratar como assessora jurídica uma jornalista de esquerda, mais da radical que da moderada, dizendo-lhe, e esta parte é imprescindível para chegar aos objectivos, que é por causa da nacionalidade de um político de direita neoliberal. Políticos detestados como o Passos Coelho ou o Paulo Portas são exemplos ideais, mas a Assunção Cristas também serve. E o que responderá a jornalista de esquerda? Algo como:
"...Assunção Cristas é angolana! Pessoalmente, desconhecia que a líder do CDS não era portuguesa ou teria dupla nacionalidade. Mas palpita-me que a realidade é Assunção Cristas ser, de facto, filha de colonos - não angolana. Ser angolano não é ter nascido em Luanda em 28 de setembro de 1974. Isso é ser filho de colonos - e assumir o passado colonial despojado de tretas também é uma forma de os dois países entrarem na idade adulta.
Aqui há dias, um amigo diplomata africano falava-me da profunda irritação que os dirigentes das ex-colónias tinham quando loiros de olhos azuis se apresentavam em Luanda - ou em qualquer outra capital de um antigo país colonizado - a afirmar a sua “nacionalidade” angolana. Eu confesso que percebo perfeitamente a irritação. A conversa do ser “angolano” é uma atitude profundamente paternalista. Assunção é portuguesa, nascido pelo acaso no fim do colonialismo em Luanda e “retornada” à sua verdadeira pátria. Ponto final...".
Depois, é só trocar "colonos" por "imigrantes", "angolano" por "português", "loiro de olhos azuis" por "preto", e a Lei está pronta a ser publicada no Diário da República. Ficará algo progressista como:
"...Ser português não é ter nascido em Lisboa em 28 de setembro de 1974. Isso é ser filho de imigrantes - e assumir o passado de imigração despojado de tretas também é uma forma de os dois países entrarem na idade adulta.
Aqui há dias, um amigo diplomata europeu falava-me da profunda irritação que os dirigentes das ex-potências coloniais tinham quando pretos se apresentavam em Lisboa - ou em qualquer outra capital de um antigo país colonizador - a afirmar a sua “nacionalidade” portuguesa. Eu confesso que percebo perfeitamente a irritação. A conversa do ser “português” é uma atitude profundamente paternalista. Assunção é estrangeira, nascida pelo acaso no fim da imigração em Lisboa e “retornada” à sua verdadeira pátria. Ponto final...".
É verdade que a lei dirá que não podem ter nacionalidade portuguesa filhos de imigrantes nem pretos, e será difícil distinguir a sua orientação da de manifestações da xenofobia e do racismo como a frase clássica "Ó Assunção, vai para a tua terra". Mas a origem progressista da Lei constituirá uma garantia contra o risco de se ser considerado xenófobo e racista.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais