Como bom socialista que é, o primeiro ministro António Costa não aprecia o ranking, alérgico, como toda a família política socialista, à Matemática e, de uma maneira geral, a tudo o que possa quantificar objectivamente qualquer fenómeno e desse modo desafie a visão correcta e desejável que a retórica consegue construir a partir dele.
Até porque o ranking cria uma visão deturpada do sistema educativo, ao colocar malevolamente as escolas privadas, essa peste que desvia alunos e meios da escola pública, e por cuja erradicação o governo tem travado uma cruzada sem tréguas desde que iniciou funções, no topo das classificações. São as escolas cujos alunos conseguem, em média, classificações mais altas que os alunos das outras escolas nos exames que são iguais para todos.
Há factores sociológicos a contribuir para as escolas privadas tenderem a ocupar as posições cimeiras do ranking? Há. A esmagadora maioria dos alunos que as frequentam pagam propinas que só famílias economicamente desafogadas podem suportar, e, tudo o resto semelhante, é mais fácil a alunos provenientes de famílias desafogadas obterem bons resultados escolares do que a alunos que vivem em situações de carência material. De onde o preconceito de os colégios particulares serem a escola dos ricos.
A maioria, mas não todos. Os alunos da rede pública que frequentam escolas privadas com contratos de associação não pagam propinas, na mesma medida em que os alunos da rede pública que frequentam escolas públicas não as pagam. Se se quisesse utilizar o ranking para comparar a qualidade do ensino das escolas públicas e privadas eliminando o bias sociológico de que o ranking em bruto enferma, ou seja, em grupos sociologocamente comparáveis, a frequência de escolas privadas por alunos da rede pública permiti-lo-ia, tanto comparando os resultados de alunos privados e da rede pública nas mesmas escolas privadas, como os dos alunos da rede pública nessas escolas e nas escolas públicas vizinhas. Mas quantificar e comparar para avaliar objectivamente não está no ADN socialista, que privilegia as decisões ideológicas ou as que designa, por não se conseguirem justificar com base em critérios objectivos, por estratégicas.
Esta cruzada bizarra pela liquidação de escolas privadas e pelo despedimento dos seus professores e funcionários, porque uma coisa implica a outra, tem muitos adeptos, que até se dão ao trabalho de organizar e frequentar manifestações em defesa da escola pública, eufemismo para o ataque à escola privada com contrato de associação levado a cabo pelo governo, que juntam milhares de manifestantes, oitenta, segundo os organizadores da Fenprof, quinze, pela contagem da PSP.
Mas as escolas privadas com contrato de associação também têm os seus adeptos, a começar pelos pais dos alunos da rede pública que as frequentam e que, certamente por serem encarregados de educação satisfeitos com as escolas que os filhos frequentam, e conscientes da ameaça directa e imediata sobre eles e os seus filhos a que a continuidade dessa frequência está sujeita pela política do governo, também se manifestam, tendo juntado quarenta mil manifestantes segundo os organizadores da manifestação ridicularizada pelos sindicatos do sector, a esquerda e a comunicação social como a manifestação dos amarelos.
Pelo que o calculismo eleitoral que às vezes dirige a acção política dos governos, mais uns do que outros, e que dirige sempre a do actual governo, tem ganhos, mas também perdas, para computar. E a publicação regular do ranking não o ajuda, por colocar sistematicamente as escolas privadas acima das públicas, sugerindo que o ensino contra quem o governo governa pode ser de melhor qualidade do que aquele a quem o governo pretende oferecer o monopólio do ensino dos alunos da rede pública, os que não têm dinheiro para ter acesso ao privado.
Pelo que esta época do ano em que o ranking é regularmente publicado é sempre fértil em grande agitação mediática por parta da esquerda, que agora ocupa o poder, para o desacreditar.
Mas desta vez, no governo, fez ainda melhor. Andou a inventar um ranking alternativo que garantisse que as posições cimeiras eram ocupadas por escolas públicas. Muita análise de dados e muita folha de cálculo depois, lá saiu o ranking do sucesso que atinge esse objectivo e, adicionalmente, recupera a terminologia de sucesso e modernidade que era abundantemente usada pelo anterior governo socialista para insuflar o ego dos portugueses e, infelizmente, também as dívidas, numa experiência que acabou muito mal. Mas os portugueses têm memória de peixe, e as grandes ilusões do socratismo estão todas em vias de recuperação pelo governo actual sem grandes preocupações com o risco de também se vir a recuperar a desilusão a que elas conduziram impiedosamente. Nada de olhar para os juros para não contaminar a desejável euforia com ansiedade neoliberal.
Mas, mesmo com um ranking alternativo de resultados garantidos para convencer os pais e encarregados de educação que o ensino público é melhor que o privado e o governo está no bom caminho ao extinguir os contratos de associação, o António Costa não é capaz de resistir à oportunidade de dizer umas asneiras em público para desacreditar o ranking clássico e louvar o novo, sustentando que "Não se podem comparar escolas públicas e privadas".
Pedagógico, como sempre, pedindo meças na lógica aristotélica e na estatística aplicada a qualquer Américo Thomaz, explicou que "Se fizer um inquérito de rua, tem mais pessoas saudáveis do que dentro de um hospital, pela simples razão de que, dentro do hospital há mais pessoas doentes", para chegar à conclusão que "o essencial é saber quais são as escolas que permitem a qualquer criança progredir mais relativamente à bagagem que trazia de casa". Traduzido em miúdos, apesar de o ranking clássico dar uma ilusão do contrário, o ranking do sucesso mostra que o ensino público é melhor que o ensino privado.
Isto, para os filhos dos outros. Porque, fino como ele é, aos filhos dele, meteu-os no colégio privado que ocupa a 19ª posição no ranking, muito acima da escola pública mais bem classificada, que ocupa a 43ª posição. O António Costa é socialista mas não é parvo e sabe que a probabilidade de os seus filhos conseguirem vagas nas melhores e mais baratas universidades públicas depende das notas nos exames que determinam o ranking clássico e não dos factores que determinam o ranking do sucesso que ele inventou para enganar os tolos.
A escola pública é boa, mas é para os filhos dos outros.
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