Não se conhece o conjunto de erros que levou a que umas pessoas fossem encaminhadas pela GNR, em Pedrógão Grande, para uma estrada onde morreram queimados.
Supõe-se que o Ministério Público esteja a investigar. Mas aquela instituição trabalha em segredo, o nome dos responsáveis pelas averiguações é geralmente ignorado, não há memória de algum magistrado se ter alguma vez justificado publicamente pelos processos a seu cargo não chegarem a parte alguma em tempo útil, nem muito menos por um grande número de acusações, após anos de diligências, não desembocarem em condenações.
Isto é assim porque os magistrados são independentes, isto é, não investigam assim ou assado, deixam de investigar, acusam desta ou daquela maneira, em obediência a ordens; obedecem à sua consciência e às leis.
Que fosse de outra maneira seria, no nosso país, um perigo; e que, sendo assim, se esperem resultados positivos, uma quimera.
Os magistrados envolvidos nesta teia, se perguntados, dirão fatalmente que lhes faltam pessoal e meios; e que o nosso direito é demasiado garantístico, razão pela qual investigar e acusar são caminhos eriçados de escolhos.
É o que diz qualquer burocracia ineficiente; pior se os burocratas estiverem recobertos pelo anonimato e pela inimputabilidade; e a diminuição das garantias não é mais do que reclamam, em qualquer lugar, as polícias, para suprirem a sua incapacidade.
Como se desenlaça este nó cego não sei; e acho que já faço muito se enquadrar correctamente o problema.
Somente me ocorre que, se fosse PGR, não mobilizaria magistrados para se ocuparem de quanto processo o governo, ou a comunicação social, me despejassem no colo, mas apenas daqueles que tivessem alguma dignidade penal; não mobilizaria pessoas e meios sem uma dose razoável de probabilidade de chegar a algum lado; e exigiria que, em processos que afectem a paz pública, o magistrado responsável fosse conhecido e desse contas à comunicação social, periodicamente, da evolução do seu trabalho.
Neste caso de Pedrógão um inspector ou polícia eficiente chegaria rapidamente, pelo menos no caso das ordens da GNR, a conclusões. Não essencialmente para deduzir acusações que de toda a maneira viriam a dar, por inexistência de dolo, absolvições ou penas suspensas; mas para que, percebendo-se quem falhou e porquê, se pudessem tomar medidas correctivas.
Como as coisas estão, o famoso segredo de justiça apenas serviu para adensar as suspeitas, a primeira das quais é desde logo que a entrega do processo de investigação ao MP apenas tinha o propósito de o enterrar nos vagares daquele pântano. A quase totalidade da opinião pública tem, pela classe política, com boas e más razões, um grande desprezo; e a parte da opinião que não tem antolhos nutre pelo desprezível primeiro-ministro que nos pastoreia uma justificada aversão, muitíssimo bem traduzida por José Manuel Fernandes neste artigo, e por Paulo Tunhas noutro.
Suspeitas então de quê? De que nesta clamorosa falência do Estado, naquilo em que as suas funções são absolutamente necessárias, alguns membros do Governo, e desde logo Costa e os seus boys, tenham uma responsabilidade apreciável, insusceptível de ser disfarçada por tudo o que sucessivos governos deixaram de fazer ou fizeram mal.
O perigo é real. Daí que o presidente da República pretenda pôr uma surdina na contestação, que lhe pode estragar os planos do remanso que deseja para a sua presidência, que imagina coincidir com o progresso e o bem-estar do país; e daí que dos suspeitos do costume surjam vozes teatralmente indignadas com a suposta falta de sentido de Estado e das proporções que o PSD, com o CDS a reboque, adoptou perante o assunto.
Até aqui tudo dentro da relativa normalidade de um governo anormal. Mas onde se percebe que António Costa deve estar a sentir as barbas calculistas a arder é no facto de o coro de corifeus da Situação se ver engordado com vozes teórica e nominalmente da Oposição.
Destas, a mais saliente é Lobo Xavier. E mesmo que à hora em que escrevo a Quadratura do Círculo ainda não tenha ido para o ar, já uma televisão subserviente, e uma imprensa obsequiosa, antecipam o que aquele prócere da opinião, e dos negócios, vai dizer.
Que Lobo Xavier é, tanto como os outros dois comparsas do programa, e talvez até mais do que Coelho, um amigo do "António", não é segredo; e que por causa dessa ligação alinhe quase sempre nos ataques a Passos Coelho, e nas loas à governação socialista, também. Pessoas compreensivas e desenganadas como eu pensarão que num país em que o Estado está na maior parte da economia, e o Governo se confunde com o Estado, ser frontalmente contra faria talvez um grande bem à coluna vertebral, mas um grande mal aos negócios: suponho que não se possa num dia dizer que o ministro xis é um incompetente, e no seguinte telefonar-lhe para desencravar um processo.
Há porém limites: O PSD e o CDS devem pedir desculpa?!
Do PSD sei apenas que certamente o faria todos os dias, se seguisse o conselho de Pacheco Pereira. Do CDS, do qual Lobo Xavier é figura de referência, militante histórico, e suponho que conselheiro, não imagino que o faça ou sequer mencione Xavier senão para dizer, se perguntado, que as opiniões de Xavier apenas vinculam Xavier.
Já eu, que sou apenas um filiado quase anónimo, não-histórico, e conselheiro apenas de quem tenha interesse em comprar frigoríficos industriais, diria, se perguntado, que não supunha que no meu partido chegasse um dia em que uma figura de referência me fizesse corar de vergonha ̶ e indignação.
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