Quarta-feira, 14 de Março de 2018

É esta a luta?

Na semana passada houve um dia da Mulher, e merecia ser assinalado em todos aqueles lugares, e são a maioria, em que elas não são iguais aos seus concidadãos homens no acesso à educação, na liberdade de escolher os parceiros, na administração de bens, e ainda no tratamento não discriminatório da sua sexualidade; em suma, na igualdade perante a lei, o que as torna em cidadãos de segunda.

 

Não foi assim. E pelo contrário o dia assinalou-se com exuberância em muitos lugares onde todas essas coisas estão garantidas há muito, e sobretudo em Espanha, vá lá saber-se porquê, em desfiles tão grandiosos que uma querida amiga minha, esquerdista mas excelente pessoa, não hesitou em declarar que “esta greve feminista vai aparecer nos livros de história”.

 

Poder-se-ia talvez supor que o propósito seria a supressão daquelas bolsas onde tradições alheias ao estádio civilizacional em que nos encontramos sobrevivem nas nossas sociedades, afrontando as leis, como sucede dentro da comunidade cigana e em todas aquelas onde se mantém a tradição, importada de países quase sempre muçulmanos, da excisão genital feminina, ou de casamentos combinados, às vezes de moças apenas púberes, e um longo etc. de abusos sortidos de índole vária.

 

Mas não. Essas coisas não apenas sobrevivem perante geral passividade como uma parte dos manifestantes (a parte dos marxistas reciclados em engenheiros de costumes) que numas capitais ou outras entupiram as ruas aprova silenciosamente todas as práticas abusivas sobre a mulher desde que oriundas de sociedades medievais, em nome do multiculturalismo.

 

E o resto dos manifestantes, que são a maioria, prestaram, no melhor dos casos, algum serviço de boca ao que se passa em lugares como a Arábia Saudita mas dedicaram as suas imprecações ao que acontece entre nós.

 

O que é que se passa, então? Coisas simples: nos lugares de chefia e relevo nas empresas, nos partidos, no governo e na Assembleia da República, elas, que são a maioria dos habitantes, não estão em maioria; há uma diferença salarial que lhes é desfavorável, se se comparar o que ganha em média cada trabalhadora com o que ganha cada trabalhador; nas situações em que para progredir na carreira, ou em casos extremos simplesmente manter o emprego,  se depende da informação ou decisão de um superior, há casos de assédio sexual, e estes são sobretudo de homens sobre mulheres, desde logo porque são eles que detêm os lugares decisivos; e na maioria dos lares, em particular com filhos, não só é mais pesada a sua carga de trabalhos como é muito mais provável que, se houver violência doméstica, sejam elas as vítimas.

 

Porém, já não estão em minoria em certas profissões qualificadas, como por exemplo professores e juízes; e o desequilíbrio que já existe, a favor das mulheres, na formação académica na maior parte dos ramos do conhecimento, não pode senão traduzir-se a prazo, se a lógica não for uma batata, num reverter de situações.

 

Porquê então a assanhada barulheira das feministas de todo o bordo e feitio, os serviços governamentais dedicados à promoção da igualdade entre os sexos (de “género”, diz o palavreado inclusivo que o politicamente correcto recomenda), a barragem incessante de propaganda em torno de ideias falsas que de tão repetidas se aceitam acriticamente como verdades axiomáticas, v.g. a alegação de uma “evidente” disparidade de salários?

 

Despachemos a questão salarial primeiro: pode haver casos, e decerto haverá mas não aparecem denunciados, de salários diferentes para funções e desempenhos semelhantes, baseados em preconceitos misóginos de quem os decide. Porém, a diferença salarial documentada abundantemente pouco terá a ver com isto e muito com a diferença de funções: se as mulheres estão sub-representadas nos lugares de topo e em certas profissões de risco, que são os mais bem pagos, como se pode esperar que não haja diferenças nas médias? Logo, a alegação das diferenças salariais per se é inconsistente, e é-o também por outra razão: nas empresas que competem no mercado o decisor que, podendo escolher, decidisse empregar, para desempenhar o mesmo trabalho e com a mesma produtividade, sistematicamente os trabalhadores mais caros, ficaria em desvantagem perante o seu concorrente que oportunisticamente apenas contratasse mulheres. Onde estão elas, essas empresas que funcionam como o clube do Bolinha, mas ao contrário – menino não entra?

 

Depois, é uma verdade gritante – e surpreendente – que a representação política tem um défice de mulheres enorme, e isso sucede, nas sociedades democráticas, qualquer que seja o sistema de escolha dos eleitos. Só não é assim quando se impõe o sistema de quotas. Cabe perguntar, então: se elas são a maioria dos eleitores, não escolhem mulheres porquê?

 

A resposta convencional é que há um acordo tácito entre homens, e costumes entranhados entre mulheres, em particular as mais velhas, que as levam a desconfiar das suas irmãs, fazendo portanto que o caminho de candidatas naturais até aos lugares cimeiros esteja pejado de obstáculos. As pobres necessitam de fazer as coisas pelo dobro para que o seu mérito seja reconhecido pela metade.

 

Será em parte assim, para muitas e em muitas situações, e tanto mais quanto mais perto do topo de certas carreiras. E para engenheiros sociais, como são sempre as pessoas de esquerda, parece um caminho natural o sistema de quotas imposto pelo Estado – nele próprio, para começo de conversa, e para já nas empresas cotadas porque lá se encontram os lugares mais sumarentos, e se pode invocar o controle público das regras que norteiam o funcionamento do mercado de acções e obrigações para obnubilar o facto de serem com frequência empresas tão privadas como as não cotadas.

 

Aberta esta porta, é apenas uma questão de tempo até que a imposição de quotas, de resto com números crescentes até que se atinjam os 52%, ou lá quanto é a percentagem exacta de mulheres, se estenda às restantes empresas. Primeiro às grandes, claro, porque algumas são maiores do que as cotadas, e essa desigualdade não pode verificar-se, credo!; depois às médias, dados os bons resultados que se verificarão nas grandes, tudo apoiado nos devidos estudos a demonstrar o ponto; e finalmente às pequenas, com adaptações para limitar os estragos do intervencionismo.

 

Quanto ao assédio sexual, que a lei hoje classifica naturalmente como crime, nem sequer precisamos de fazer votos para que as polícias e os tribunais funcionem com eficácia: a julgar pelo que se passa nos EUA (quer dizer, aqui, depois de vencido o atraso de alguns anos) uma acusação chega para se perder preventivamente o emprego; e o principal, e com frequência único, meio de prova é a confissão, ora chorosa ora ofendida, da putativa vítima. Já estivemos mais longe de uma mulher que seja uma notabilidade pública precisar de confessar, para garantir a carreira, algum obscuro atropelo, sob pena de ser considerada conivente com o generalizado crime ou, pior, feia.

 

Negar que na maior parte dos lares, e tanto mais quanto mais antigos os casamentos, é desigual a carga de trabalho doméstico entre homens e mulheres, é negar a evidência; e que, desde que as mulheres furaram as paredes do lar para irem para o mercado de trabalho, esse desequilíbrio se acentuou, é desafiar a lógica.

 

Nisto mais ainda do que no resto, seria bom que o Estado se abstivesse de intervir: a cozinha, a sala de estar e a cama são lugares absolutamente privados. Razões por que o bombardeio das nossas criancinhas com as ideias acertadas sobre o que devem ser o paizinho e a mãezinha ideais, e a parafernália publicitária de comissões e organismos públicos a promoverem lavagens de cérebro em nome da igualdade, não são mais do que o abandono da neutralidade religiosa do Estado, agora a benefício de uma religião civil.

 

As novas gerações não precisam de ajuda: as mulheres saberão, como crescentemente fazem, calçar os patins aos maridos que não lhes satisfaçam as expectativas; e os moços, cientes do facto, ou se conformam ou prudentemente evitam casar ou recasar, o que de resto muitos escolhem.

 

Não é portanto surpreendente que o vasto vento feminista que sopra no Ocidente seja sobretudo de esquerda: a engenharia social contra a desigualdade, qualquer desigualdade, é justamente o que a define, e disso retira a sua imaginária superioridade moral. Que porém mulheres de direita comprem o pacote todo, em particular na parte das quotas, a mim, não cessa de me surpreender.

 

Explico: existe um problema verdadeiro, e que a evolução dos costumes não resolverá, e esse é o de que nos anos fundacionais das carreiras profissionais ou políticas (isto é, na casa dos 20 aos 40 anos) as mulheres que queiram ser mães têm uma desvantagem. Não se pode confiar que os respectivos maridos, por muito cheios de boa vontade que estejam, as substituam com perfeição, e não apenas por não poderem dar de mamar; nem se pode impedir o divórcio dos casais com filhos pequenos, fonte principal das mulheres sós com filhos pequenos (homens também, mas em escassa – e a meu ver natural – minoria).

 

Estão portanto, objectivamente, em situação de desvantagem para competirem no mercado de trabalho. Razão pela qual, entre outras, muitas adiam as gravidezes ou põem-nas de parte, ou deixam de ter o número de filhos que desejariam.

 

Já houve um tempo, e não apenas porque ainda não tinha sido inventada a pílula, em que os filhos eram mãos úteis para a agricultura e para tratar dos animais, além da garantia de um amparo na velhice.

 

Era o tempo das famílias numerosas, de miséria e destituição felizmente pregressas, mas em que não havia previsões catastróficas de falência da segurança social por cada vez mais reformados viverem à custa dos descontos de cada vez menos empregados, nem muito menos suicídios civilizacionais derivados da importação massiva de homens e mulheres portadores de culturas insusceptíveis de integração, mas a produzirem filhos a velocidades muito superiores às das sociedades que os acolhem.

 

Não voltaremos ao tempo das famílias numerosas como regra; nem às mulheres remetidas à inferioridade e à dependência; nem a tendência para cada vez mais mulheres aparecerem em cada vez mais lugares de mando, nas empresas e no mundo político, declinará.

 

Mas uma coisa é a evolução natural das coisas; e outra é a discriminação positiva baseada em quotas, que não pode senão abrir a prazo uma guerra de sexos.

 

Porque fatalmente haverá homens discriminados por essa condição, não obstante serem melhores para este ou aquele lugar, ou seja, por se trocar uma discriminação baseada na tradição por outra baseada na lei; e porque naquelas funções atraentes onde elas já estão, ou venham a estar, em maioria, se porá o problema das quotas para homens.

 

Resta finalmente que as mulheres que têm filhos e que por esse facto são prejudicadas nas suas carreiras sinalizam às outras que ter filhos é um mau negócio, e as quotas, se podem minorar esse problema, não o podem resolver: as quotas não são, nem é defensável que sejam, para mulheres com filhos.

 

Por mim, impressionam-me pouco as mulheres que mostram as mamas com slogans pintados para reclamar igualdade; prefiro as que as mostram para amamentar. E veria com bons olhos que o grave problema de a população estar a diminuir fosse combatido com políticas públicas de apoio a mulheres que queiram ter e manter filhos, apoio em moeda sonante, em flexibilização de horários com a devida compensação às empresas, e no mais que a imaginação invente para resolver o problema.

 

Em nome da igualdade, isto é, para que os filhos não sejam um fardo que sobretudo a elas pesa; e em nome do realismo porque não nos adianta sermos iguais no suicídio colectivo.

 

É esta a luta? Não parece.

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publicado por José Meireles Graça às 16:35
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