Poderíamos, com o resultado das últimas eleições, ter um governo minoritário PàF, que reformaria ainda menos do que quando era maioritário e vivia sob a férula da troica, mas se esfarraparia para, ao menos, atingir as metas do défice.
Seria preciso que a bonança do preço do petróleo, a boa vontade do BCE e o ciclo de crescimento da indústria exportadora e do turismo se mantivessem, o que não parece, até onde a vista alcança, impossível.
Costa, porém, esse pútrido pote de banha ambiciosa, escaqueirou isto, ao inventar a maioria anti-austeridade; e Cavaco dinamitou a possibilidade da existência de deputados trânsfugas do PS, em número de nove para votarem contra em moções ou no orçamento, em número crescentemente maior se alguns destes ou todos se abstivessem, decerto por lhe parecer que esta quantidade de dissidentes simplesmente não existe no grupo parlamentar do PS.
Todos os partidos comunistas que aceitaram fazer parte de coligações, como parceiros minoritários, e entraram no jogo das cedências que a negociação permanente implica, perderam no negócio e foram reduzidos à insignificância, salvo quando puderam aproveitar a oportunidade para instaurar a revolução.
Porque os comunistas oferecem a terra prometida a quem nela acredita e odeia a desigualdade e os ricos; e a promessa vem completa com livros sagrados, um panteão de santos, um martirológio, e a caução da ciência marxista.
Tira-se algum destes elementos e o edifício da fé rui; e, ruindo, o crente muda de igreja.
Cunhal sabia disto; Jerónimo sabe disto; os textos teóricos do PCP não dizem outra coisa, para quem tiver coragem de se perder nos seus versículos e sermões; e não há qualquer actualização porque ela não é possível: ou se quer a sociedade comunista ou não, e tudo o mais é instrumental, táctico e circunstancial.
Uma coligação com comunistas não seria uma má ideia para o PS se este fosse dar um abraço de urso. Mas o urso, aqui, não é o PS, como se prova pela serena resistência e impermeabilidade do PCP ao longo de 40 anos, que lhe permitiu ser um bastião do comunismo à antiga no Ocidente: os outros que se entretenham com aggiornamentos, novas vias, agendas fracturantes e o camandro. O PCP está.
Está e colaborará com o PS para enxundiar o aparelho do Estado, alargar a sua influência nos sindicatos e meios de comunicação, minar as instituições e conservar, e se possível alargar, o número dos seus fiéis.
Em qualquer momento que o negócio não pareça estar a correr de feição puxará o tapete. E só aliás põe a hipótese de fingir ser um parceiro sério por os votos do BE não serem suficientes para a maioria. Porque, se não, deixaria desde já a Tininha, frei Anacleto, e todos os alucinados daquela agremiação de revolucionários de campus de universidades e tresleituras de Zyzek, fritarem-se em cedências ao grande capital multinacional, aos mercados, à plutocracia e aos inimigos da classe operária, dos camponeses e dos pequenos e médios empresários.
Cavaco, segundo a minha interpretação, não quer deixar esta herança, e deixará, pobre homem, um molho de brócolos.
Interessa por isso saber o que dizem os possíveis sucessores. E destes, em particular, o que diz o candidato da direita, porque um módico de sanidade ou vem dali ou não vem de lado nenhum.
Diz asneiras: que fará um único mandato, coisa em que nem o próprio, possivelmente, acreditará, para inculcar a ideia de uma independência que não se lhe deseja e um desprendimento que não se lhe agradece; que não se anuncia uma dissolução a prazo, em patente crítica ao seu putativo antecessor, como se este tivesse a opção de a fazer de imediato; que "não é bom para um país saído de uma situação de crise ter de viver seis meses sem Orçamento do Estado, o que implica um Governo em plenitude de funções" - como se fosse irrelevante a natureza do governo "em plenitude de funções". E abundou nos elogios a Sampaio, um intelectual de pacotilha, autor de uns discursos sonsos a recomendar, quando se percebiam, disparates, e que se distinguiu sobretudo por demitir, ao cabo de seis meses, um PM cujos defeitos já conhecia aquando da indigitação, não obstante uma maioria absoluta no parlamento, para permitir o acesso de um patife ao Poder.
"Sou naturalmente próximo das pessoas e não vou mudar um centímetro a minha maneira de ser", declarou.
É pena. Que, por mim, dispenso a proximidade; a "maneira de ser" terá talvez alguma importância num sogro ou num genro, e muita num entertainer da televisão, mas pouca ou nenhuma num Presidente; e o que queria saber, mas não fui elucidado, é o que fará esta rolha do regime, se ganhar, com o país em pantanas.
Recebeu "uma prolongada salva de palmas".
Estamos fritos.
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