Não fazia ideia de que ainda houvesse mercado de ganhões. Mas tropecei nesta entrevista e, como a notícia era curta, calhou lê-la até ao fim.
Em princípio, manda a prudência que não se leiam entrevistas de ex-ministros da Educação: há décadas que o lugar é cativo de lunáticos, intelectuais de pacotilha e doutorandos em ciências de tretas pedagógicas. Com excepções, claro: Manuela Ferreira Leite não pertencia a nenhuma destas categorias, mas à de encarregada da intendência; nunca ninguém soube em que escola de pensamento encaixar Guilherme de Oliveira Martins, por o homem levitar intelectualmente no vácuo; e o actual encarregado da pasta não se ocupa realmente de questões de educação mas de assuntos sindicais.
Marçal Grilo é geralmente respeitado por ter ideias próprias, ou ao menos compradas a autores menos conhecidos, uma raridade; e universalmente se lhe reconhece um entranhado amor à formação científica, para a qual deu um grande impulso sob a égide de António Guterres, o famoso estadista que vivia consumido por uma ardente paixão pela educação.
O esforço dos dois não foi esquecido. E é hoje consensual que para o país sair da crise, ou progredir, ou apanhar o pelotão da frente da União Europeia, como dizia o saudoso Cavaco, ou ser um país a sério, como diz com frequência o ex-ministro e actual comentador Coelho, há que investir na educação.
Tem-se investido na educação, graças a Deus e a estas luminárias. E com excelentes resultados - tanto que a geração actual é pacificamente descrita pel'A Bola, o Bloco de Esquerda e o comentariado como a geração mais bem preparada de sempre.
O progresso é que, desgraçadamente, não se tem materializado, a tal ponto que há dez anos que a dívida vai a galope, por contraponto às três décadas anteriores, em que se limitava a trotar.
Isto, em alguns espíritos cépticos, faz nascer a dúvida: se a geração mais bem preparada de sempre é contemporânea da maior dívida de sempre, e dos crescimentos mais anémicos de há muito, talvez a educação, só por si, não garanta nada. E a constatação de que, geralmente, nas sociedades que muito progridem a educação progrida também, poderia ter como explicação que o progresso exige educação, mas não é causado por ela.
Ideia perturbadora. Porque, se for assim, o exangue contribuinte português sustenta um ensino pletórico para dar formação a gente que na realidade vai alimentar outras economias. E isto sem quaisquer garantias de retorno, porque o emigrante português actual, ao contrário dos seus pais e avós, não manda dinheiro para a família, nem sonha construir uma maison no terrunho. Pior: dantes exportávamos os excedentes de mão-de-obra não qualificada que nada tinham custado à comunidade a produzir, e era portanto tudo lucro; e agora mandamos enfermeiros para Inglaterra, arquitectos para o Dubai e engenheiros para a Alemanha, e eles, que já não vivem em bidonvilles, descobrem - ingratos - que Portugal é bom, apenas, para vir de férias fora da época da neve.
Apesar disto, e do país falido e exangue, Marçal e todos os outros grilos avisam para "risco de desinvestimento no ensino". E insistem que devemos gastar, gastar cada vez mais, porque o crescimento até agora não veio, mas virá com os netos. Os netos de quem? Ora, é bom de ver: da tal geração, a mesma que, devido a contrariedades sobre as quais Grilo não cogita, não quer ter filhos, ou tem-nos lá fora.
Daí que o lamento "formamos gente de topo e os alemães levam aos 30 engenheiros" seja uma involuntária autocrítica: faço parte de uma geração de imbecis que confunde correlações com causalidades; não tenho ideia nenhuma que preste sobre o que realmente trava o desenvolvimento do país; os alemães só não levarão, em vez de 30, trezentos engenheiros, porque não haverá; entretanto, faço feiras de mão-de-obra para exportar carne tenra, e sobre elas dou entrevistas a beócios que me bebem o asneirol como se fosse néctar.
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