Isto diz um teólogo civil. E di-lo porque imagina que "decência" e "respeito" são valores absolutos cuja definição é igual para toda a gente e que, portanto, não há o direito de ofender uma crença religiosa, ou convicção política, ou de desrespeitar uma autoridade ou símbolo, porque todas as pessoas se sentem ofendidas.
Mas não sentem, o que ofende uns não ofende outros. Por exemplo, se eu dissesse (e é provavelmente verdade) que entre os comunistas há mais invejosos do que entre os liberais, haveria comunistas que, se o que escrevo tivesse importância, se sentiriam ofendidos - mas os liberais não; e se afirmasse que a igualdade entre os sexos, consagrada legalmente entre nós, é uma conquista das mulheres (e de muitos homens) contra a Igreja Católica, que aliás ainda não a realizou no seu seio, estaria a enunciar uma evidência que não poucos considerariam ofensiva; o mesmo se dissesse que não há qualquer indício, muito pelo contrário, de que as convicções religiosas tornam as pessoas mais bondosas, mais solidárias ou mais tolerantes.
Do lado de lá do direito a não ser ofendido está o direito à livre opinião. E como a lista daquilo com que cada qual se pode sentir, e sente, ofendido, é praticamente infinita, sobra que a única maneira de congraçar os dois direitos é limitar o direito a não ser ofendido à conjugação com outros direitos individuais - o direito ao bom nome é o que com mais frequência está envolvido.
Por exemplo, se eu disser que o prof. Cavaco (de quem João confessa ter sido consultor, numa louvável manifestação de sinceridade em relação a detalhes pouco lisonjeiros do seu passado) é um exemplo gritante do bom aluno marrão e manhoso não particularmente dotado, mas que teve muito sucesso na vida, estarei a enunciar a minha opinião. E se Cavaco dela tivesse conhecimento e se sentisse ofendido, pior para ele. Mas já se dissesse que Cavaco, no exercício de funções, foi corrupto, constituir-me-ia na obrigação de adiantar os factos que baseassem uma tal suspeita.
Tudo isto são platitudes, e cansa ver ayatollahs de banca posta na comunicação social a defender obscurantismos. Diz César das Neves: "Por outro lado, é hoje fácil no mundo muçulmano invocar as blasfémias e indecência da revista como prova da hostilidade ocidental ao Islão. Mais, ver a publicação atingir o estrelato, e aqueles que insultaram a sua fé receberem as mais altas honras nacionais, torna-se, em si mesmo, um ultraje agravado".
O Ocidente que se entende a si mesmo é hostil ao Islão, em todas as suas declinações, e faz muito bem. É com essa hostilidade, na exacta medida em que a sintam também, que os muçulmanos transformarão as suas igrejas, e as suas sociedades, para conseguirem duas coisas que ainda não alcançaram: uma é a separação da Igreja do Estado; e outra o dar às mulheres o estatuto que lhes pertence.
João César das Neves não entende nada disto, mas percebe alguma coisa de economia. Faço votos para que fale apenas do que alcança.
PS: Por estes dias há abundantes motivos para comentar a grotesca palhaçada em que se vem transformando o governo do país, que vem delapidando metodicamente o pobre pecúlio, de dinheiro e sanidade, que o anterior amealhou, ao mesmo tempo que os derrotados do 25 de Novembro, que deveriam estar acantonados na sua aldeia gaulesa de curiosidades históricas, renascem das cinzas para garantir outro resgate. Mas falta paciência e ginástica: do governo de Costa só se pode escrever - com a mão no nariz.
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