Quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2017

Liberdade vigiada

Numa consulta popular, muito mais portugueses saberiam quem é Alex Ferguson do que Nigel Farage, mesmo que o primeiro destes senhores esteja reformado há anos e o segundo se entretenha, desde 1999, a escavacar o Parlamento Europeu de que faz parte.

 

Os seus discursos, em que ridicularizava Durão Barroso e Van Rompuy, são excelentes peças de oratória. Que os portugueses nunca viram porque num país tão ferozmente europeísta, e sempre tão orgulhoso dos nossos, que triunfam lá fora, decerto não cairia bem ver uma assembleia tão patentemente exposta na sua imensa vacuidade, e o nosso Barroso com a cara de tacho que afivelava por cima da sua habitual, de panela, quando Farage o interpelava.

 

Só durante a campanha do Brexit, e mesmo assim de raspão, Farage começou a ser mencionado entre nós, sempre com a precaução de o indicar de extrema-direita. Qualificação que naturalmente nos impedia de o ouvir porque o espectador deve ser poupado a extremistas fascistas. Se forem comunistas, está bem: primeiro não são bem extremistas - Jerónimo de Sousa não dá um avô muito querido para qualquer um, e Catarina não é uma moça desempoeiradíssima e moderna? - e segundo porque, como toda a gente sabe, o fascista diz coisas impossíveis e o comunista sempre tem a vantagem, em juntando-lhe alguma água de rosas, de dar um social-democrata bastante aceitável.

 

Sucede porém que a televisão vive do espectáculo, e não hesita em passar qualquer reportagem sumarenta do mundo da política desde que haja suspeitas de corrupção, ou acrimónia, ou berreiro, ou exaltações, ou manifestações e caçoadas - em resumo, paixão: um grupo de senhoras e senhores a imputarem-se reciprocamente horrores com grande delicadeza não é tão bom como se se tratassem uns aos outros de pulhas e andassem à estalada, e o ideal seria que houvesse mais mulheres e o jogo da política se passasse também entre lençóis, connosco a ver, mas enfim, faz-se o que se pode.

 

É verdade que em matéria de espectáculo político para consumo de massas temos Marcelo, o entertainer da República. Mas, a julgar pela audiência à comunicação de fim de ano, é um cómico que começa a cansar, e qualquer dia se quiser regressar a grandes níveis de audiência terá que dar despacho no meio do Tejo, com a Guarda Costeira a afastar diligentemente a imundície para não o atrapalhar na promulgação de dejectos.

 

Ora tudo isto é estranho. Que se o vistoso, o espampanante, o diferente, vende, Nigel Farage é boicotado porquê? E não é só ele: Geert Wilders, que ainda há pouco foi julgado por discriminação racial e incitamento ao ódio, mereceu umas quantas referências apressadas porque o assunto era notícia em todo o mundo, mas não tivemos direito a ouvi-lo - quem quiser que vá ao YouTube. O espectador português é poupado a ouvir os horrores que incansavelmente debita o, possivelmente, político mais popular da Holanda, como foi aos do inglês que mais tenazmente defendeu o Brexit - e ganhou.

 

Que a televisão, por apenas querer vender, difunda horas infinitas de debates sobre os jogos que vai haver, os que houve, e, sobretudo, as trincas e mincas dos ídolos do dia, dos árbitros, dos casos, dos comentadores, e dessa fauna pouco recomendável que são os dirigentes, confere: o público quer isso, e quanto mais vê mais quer porque mais se enfarinha. E quem não dá para esse peditório tem bom remédio, que canais no cabo para outros interesses é o que não falta.

 

Então, em que ficamos? Os donos das televisões saneiam sistematicamente estes estrangeiros fascistas, ao mesmo tempo que promovem chatos que ninguém já tem paciência para ouvir, incluindo comunistas, porquê?

 

Está bom de ver: em todas as áreas a televisão vende espectáculo, mas os senhores que a dirigem, sobretudo quando são jornalistas, tomam-se por ideólogos e têm portanto ideias políticas. O futebol, os concursos, as telenovelas não são de esquerda nem de direita, e portanto podem ser servidos em doses cavalares. Mas estes jornalistas são anti-europeus, se forem comunistas; europeístas, se pertencerem a qualquer das outras igrejas; mas educadores do povo sempre, e quase sempre serventuários do poder do dia. E como o regime nasceu e se afirmou como a antítese do que estava antes, e criou uma imensa mole de dependentes sob a forma de pensionistas e funcionários públicos, já duas gerações de profissionais foram educadas no pânico de que os considerem fascistas, para o que basta que não papagueiem nenhum dos discursos que os partidos do sistema aprovam, e não defendam a manutenção do que está. Que se lixem as audiências - ir atrás delas está muito bem desde que com isso não se perca o emprego nem se ofendam os pais da Constituição, que são os donos disto tudo.

 

Daí que só se e quando Wilders chegar ao poder e começar, como quer, a pôr um travão na imigração, o possamos ouvir - para o ridicularizar, nós que não temos imigrantes porque eles cavam daqui a toda a pressa.

publicado por José Meireles Graça às 17:07
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3 comentários:
De José Domingos a 22 de Fevereiro de 2017 às 18:56
Não percebo a admiração. O jornalixo cá do burgo mais os canais de telelixo, só dão e escrevem, quando é para dizer mal.
Nas universidades marxistas portuguesas, a regra primeira dos caloiros é aprender que tudo o que é de direita é mau, é fassista, é nazi and so on.
Os comissários políticos nas redacções e os tovarish do sindicato não permitem liberdades, só as deles.
Quer dizer, os jornalixos são meros moços de recados, habituados a fretes, claro que haverá muitos de direita, mas como também têm contas a pagar..........
De cristof a 23 de Fevereiro de 2017 às 00:11
O conselho que costumo oferecer aos meus correspondentes é que não acusem os outros se se deixarem convencer; culpem-se só si próprios.
Os pastorinhos dos amanhãs que cantam e os tudologos de coisa nenhuma só continuam a destruir as audiencias e prestigio do jornalismo: Desconfio que uma das razões das quebras de leitores poderá ser esta.
De Terry Malloy a 23 de Fevereiro de 2017 às 23:58
O jornalismo cairá, por cá, como vai caindo por lá - em desuso. Por recurso às TIC e à informação difusa/partilhada/disruptiva.

Por lá já deu um presidente, por cá demorará ainda uns anos, cortesia do atraso atávico e de uma geração de consumidores analógicos que ainda está para durar.

Mas o sinal mais impressivo do que você diz sobre as "duas gerações de jornalistas" e o pânico foi algo de que já ninguém se lembra hoje e que terá atirado pela borda fora as esperanças de que a comunicação social portuguesa se regenerasse por dentro da sua corrupção ideológica:

- Mário Crespo e Manuela Moura Guedes.

E a segunda até era mulher do director da estação.

Se nem estes estão a salvo, como posso eu fazer jornalismo independente?

Ficou a lição dada por mais uma ou duas gerações.

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