Estas linhas destinam-se a uma espécie em vias de extinção, a fazer fé na generalidade dos jornalistas e comentadores de quase todos os jornais e canais de televisão, incluindo os que foram dirigentes e até presidentes do partido mas deixaram de o ser por, entre outros motivos, nunca teram conseguido ganhar eleições legislativas, os militantes, dirigentes e eleitores do PSD. Se já não houver nenhum entre os leitores, há pelo menos este que as escreve.
Está em plena execução uma campanha mediática com exactamente o mesmo objectivo, remover a liderança de um partido incómoda para os autores da campanha, o mesmo alvo, os militantes, dirigentes e eleitores desse partido, o mesmo argumentário, sugerir fragilidades e isolamento dessa liderança para sustentar a ideia que ela não é suficientemente forte para ganhar eleições apesar de as ter ganho sempre até aí, os mesmo actores, jornalistas e comentadores notáveis de diversos partidos e has-been e adversários internos do mesmo partido, todos unidos no incómodo que o sucesso do dirigente a remover lhes proporciona, e os mesmos meios, uma série conhecida de jornais e canais de televisão que dão palco aos actores, que a que foi montada, e resultou, para derrubar o anterior líder do PS António José Seguro e o fazer substituir pelo actual, o António Costa. E o mesmo autor, o mesmo António Costa que, na altura, tinha deixado o Seguro fazer sozinho a travessia do deserto de uma legislatura na oposição e construir uma alternativa credível ao governo e estava na altura de colher os frutos antes que ele mesmo os colhesse, e agora perdeu as eleições e preferiria disputar as próximas contra um adversário a quem as consiga ganhar, e até tem uma proposta bem definida nesse sentido. O objectivo da campanha, os leitores já identificaram, é a remoção e substituição do Pedro Passos Coelho como presidente do PSD.
A campanha contra o Seguro resultou, apesar de ele ter ganho todas as três eleições a que o PS concorreu enquanto foi liderado por ele, duas delas de âmbito nacional, as autárquicas de 2013 e as europeias de 2014, e o PS, infectado pelo receio de que ele ser incapaz vir a ganhar as legislativas de 2015, substituiu-o em eleições directas pelo Costa, que depois as veio mesmo a perder.
A campanha actual, lançada pela equipa do Costa ainda antes das eleições legislativas ao identificar como seu adversário preferido no PSD o Rui Rio, para além da participação natural de agentes da política, do jornalismo e do comentariado dos adversários políticos, envolve inimigos políticos na definição de Winston Churchill, os do próprio partido, inúmeros figurões do PSD incluindo a maioria dos antigos presidentes do partido ainda vivos, começando pelo Pinto Balsemão com a sua máquina de propaganda declaradamente criada para vender presidentes como se fossem sabonetes, se bem que nunca o tenha conseguido vender a ele como presidente, o doutor Rebelo de Sousa, que tem usado todo o magistério de influência que as actuais funções colocam à sua disposição para louvar e defender o primeiro ministro e criticar e menorizar o líder da oposição, a Manuela Ferreira Leite e a sua facção, incluindo o Pacheco Pereira, o mais esforçado detrator do Passo, e o Rio, o mais interessado na substituição dele por si próprio, e até o Marques Mendes no seu programa semanal de divulgação de mexericos da política. Dos ex-presidentes vivos, só se têm matido de fora da campanha o Cavaco Silva, que ganhou três eleições legislativas, o Durão Barroso, que ganhou umas, os únicos ex-presidentes do PSD vivos que, tal como o Passos por duas vezes, ganharam eleições legislativas, e o Santana Lopes e o Luís Filipe Menezes, que nunca ganharam nenhumas, tal como todos os que participam na campanha.
Mas a campanha tem o handicap do dejá vu que filtra os que caem nela segundo o princípio da ciência das campanhas na primeira caem todos, na segunda só cai quem quer.
Mesmo assim, e apesar de o Passos ser, lado a lado com o Sá Carneiro e o Cavaco, o único presidente do PSD que conseguiu ganhar segundas eleições legislativas depois de ter governado, e em condições de submissão a um programa de assistência financeira externa incomparavelmente mais duras do que aquelas em que eles tinham governado, a campanha actual tem conseguido inocular alguma dúvida entre militantes, dirigentes e eleitores do PSD, para além, obviamente, dos que participam nela de alma e coração por pretenderem devorar o cadáver se ela resultar, sobre a sua capacidade de ganhar eleições legislativas. E por três razões:
Todas estas razões são importantes e têm indícios a sugeri-las, pelo que todas merecem ser analisadas para perceber até que ponto são mesmo fundamentadas, ou meros enganos que a campanha inocula habilmente nas suas vítimas.
As sondagens
Depois de nas eleições de Outubro de 2015 a coligação PàF ter derrotado claramente o PS, com 38,5% dos votos contra 32,3%, neste primeiro ano de governação socialista o PS tem conseguido recuperar nas sondagens essa desvantagem e ultrapassar, não apenas o PSD, mas até o PSD e o CDS somados, obtendo actualmente uma média próxima de 40% das intenções de voto declaradas contra cerca de 30% do PSD e 7% do CDS.
Esta recuperação de intenções de voto parece sugerir que o governo está a governar de modo popular, e bem, e o PSD está a fazer oposição de modo impopular, e mal, e suscita dúvidas com algum sentido em dirigentes, militantes e eleitores do PSD, que não os que participam na campanha, sobre a capacidade da actual liderança do partido dar a volta a uma desvantagem que já é significativamente expressiva. E tanto mais quanto a ambição do PSD é voltar a governar e, para isso, com a mudança de paradigma operada nesta legislatura em que a esquerda radical passou a estar disposta a apoiar governos do PS e o PS a acolher as exigências que esse apoio lhe custa, tem que conseguir uma maioria absoluta de deputados nas eleições legislativas, pelo menos em conjunto com o CDS com quem consegue tradicionalmente entender-se para formar governo.
Uma análise um pouco mais ponderada revela que a desvantagem actual do PSD (e do CDS) face ao PS não é muito, ou mesmo nada, diferente da desvantagem que teve ao longo de toda a legislatura anterior desde que o programa da troika entrou a doer no bolso dos portugueses, sendo natural que muitos atribuissem as dificuldades por que estavam a passar, não ao governo que tinha mergulhado o país na crise, mas ao que estava a tentar tirá-lo da crise, e que não impediu a vitória da PàF nas eleições de Outubro de 2015.
Uma análise um pouco mais atenta revela que as sondagens em Portugal tendem a convergir para o resultado das eleições apenas nas últimas semanas antes da sua realização, o que parece atestar o rigor e a seriedade das empresas que as realizam, mas a ter resultados muito diferentes até poucas semanas antes das eleições. O que sugere que a predisposição para responder a sondagens não se distribui sempre de modo uniforme por todo o espectro político, parecendo que às sondagens distantes das eleições os eleitores da direita tendem a recusar responder mais que os de esquerda, o que faz os resultados terem um peso exagerado da esquerda face à realidade, e à medida que as eleições se aproximam tendem a aceitar responder, proporcionando resultados bastante fiáveis nas últimas sondagens que precedem as eleições. Ou seja, sugere a existência real de uma maioria silenciosa, até para efeitos de resposta a sondagens.
Revela ainda que, mesmo sem permitir aferir as consequências que poderia vir a ter nas eleições seguintes, até porque ele foi afastado antes de elas ocorrerem, uma campanha de descredibilização como a que foi lançada sobre o Seguro resulta numa violenta queda nas intenções de voto declaradas nas sondagens, como se pode verificar imediatamente a partir do desafio à sua liderança que o Costa formalizou no dia seguinte às eleições europeias de 2014, assinalado pela seta mais à esquerda na figura. Ou seja, demove pelo menos os eleitores dispostos a responder nas sondagens.
Lição? Deduzir dos resultados das sondagens actuais que o PS se prepara para obter uma vitória eleitoral em 2019 e que a actual liderança do PSD é incapaz de o levar à vitória eleitoral é uma previsão de grande risco não sustentada pelos factos verificados em eleições passadas.
A inabilidade política
O Passos distinguiu-se em toda a legislatura anterior por fazer o que pensava que era preciso fazer para resolver o gravíssimo problema financeiro, económico e social que tinha que ser resolvido em Portugal, mesmo que isso lhe viesse a custar o apoio de grupos de interesses importantes na sociedade portuguesa e a simpatia dos eleitores e, consequentemente, a reeleição, modo de estar na política que resumiu cristalinamente na frase
A frase evidencia uma coragem política rara e o traço de carácter mais nobre que se pode ter na política: colocar os interesses de Portugal e dos portugueses à frente do seu interesse pessoal como político que pretende continuar a ser eleito, e do do partido. Muitos políticos disseram coisas nobres como esta, mas raros foram capazes de ser tão coerentes com este princípio como ele foi. Até porque a coragem política nem sempre é apreciada na política. Na série Yes, minister, quando um dos assessores comentava com o ministro que uma decisão sua mostrava grande coragem política, o ministro tratava logo de a mudar para não correr riscos. Era mesmo o melhor argumento que eles tinham para o fazer mudar de ideias a propósito de qualquer iniciativa dele de que eles não gostassem. O Sá Carneiro definiu a sua posição sobre este tema, correr riscos para lutar pelas suas convicções, com outra frase cristalina,
Apesar de ter corrido o risco de governar com ética, o Passos Coelho acabou mesmo por ganhar as eleições. Não conseguiu obter maioria absoluta, e por isso foi derrubado no parlamento. A vitória não foi suficiente para o novo paradigma inaugurado pelo governo actual, de que não se consegue governar com maiorias relativas. Mas não deixou de ser uma vitória impossível, a primeira de um primeiro-ministro português ou europeu que teve que governar sujeito a um programa de assistência tão violento, e impondo tanto dano e sofrimento aos portugueses como o da troika. A ética e o risco compensaram.
Mesmo assim, podem-lhe ser apontados alguns excessos de honestidade política que alguns consideraram ingénuos e pensam que lhe podem ter feito perder votos e, desse modo, impedido de obter a maioria absoluta que necessitava para vir a assegurar a sobrevivência do segundo governo. E um dos exemplos que lhes parecem mais gritantes desta inabilidade política foi o anúncio pela Maria Luís Albuquerque em 16 de Abril de 2015, a menos de seis meses das eleições de Outubro, da necessidade de cortar mais 600 milhões de euros anuais na despesa da Segurança Social para assegurar a sua sustentabilidade. O anúncio foi um dos temas mais usados pelos socialistas e por toda a esquerda durante a campanha eleitoral, e ainda hoje continua a ser.
É verdade que se pode dizer a quem aponta ao Passos falhas como esta que não se pode ambicionar ter um candidato que consiga ganhar as eleições por ter um sentido de ética e de risco ímpares, e ao mesmo tempo desejar que fosse um bocadinho demagógico para as ganhar por mais. Isso não existe.
Mas, mais do que isso, vale a pena tentar perceber se, como parece evidente, este anúncio terá mesmo afectado negativamente o resultado das eleições? Sendo impossível de determinar sem perguntar a cada eleitor se deixou de votar na PàF por causa dele, pode-se, no entanto, testar a hipótese olhando para os resultados das sondagens, e para o modo como foram afectados pelo anúncio, que está marcado na figura pela seta da direita. E o que se pode verificar é que o anúncio não alterou em nada, nem os níveis de resultados, nem as suas tendências, que se mantiveram estáveis até ao início de Setembro antes de convergirem para valores próximos do resultado real das eleições. O anúncio provocou grande alarido mediático e a condenação unânime dos do costume, mas não há evidência de ter feito perder votos.
Lição? A honestidade não é tão penalizadora na política como se costuma pensar.
A passividade a fazer oposição
Alguns militantes, dirigentes e eleitores do PSD têm manifestado alguma inquietação relativamente ao modo aparentemente demasiado passivo como o PSD liderado pelo Passos tem feito oposição ao PS.
Parece-lhes pouco, nomeadamente, o PSD não desmentir todas e cada uma das mentiras e enganos dos governantes, dos deputados socialistas e dos outros partidos da esquerda, e dos militantes e porta-vozes desses partidos, para não falar de todos os jornalistas e comentadores que participam na sua disseminação, para louvar e justificar as medidas do governo e desculpabilizar os seus insucessos atrás de responsabilidades do governo anterior, não propor permanentemente alternativas para as propostas políticas do governo e da maioria que o apoia, até não mandar para a puta que os pariu os governantes e deputados socialistas que dedicam as suas intervenções no parlamento a fazer piadolas e insultar os dirigentes dos partidos da oposição, a que o Passos normalmente reage levantando-se e saindo da sala em vez de confrontar directamente os seus autores como fez em tempos, por exemplo, o deputado comunista Bernardino Soares, num episódio semelhante com um governante socialista. Parece-lhes pouco, no fundo, o PSD não se deixar orquestrar pela batura do governo e da maioria parlamentar que o sustenta na definição da sua agenda política, e não procurar ganhar no espaço mediático todas as discussões que lhe são propostas e todas as sondagens.
Acontece que, ao contrário do que podia parecer previsível no início da legislatura, até porque a maioria parlamentar exige o apoio permanente do BE e do PCP, partidos com interesses antagónicos, até mais do que posições divergentes, a coligação de apoio ao governo socialista tem-se mantido muito coesa, mesmo quando encena fracturas em domínios especialmente impopulares para os eleitorados de um ou outro dos partidos minoritários em que eles contrariam o governo no parlamento, e basta um deles não o apoiar para o fazer perder uma votação, esperando que a oposição de direita a viabilize, e basta a abstenção de um dos partidos da oposição para a viabilizar, para não haver disrupção na governação. Deste modo conseguem fazer parecer aos seus eleitorados que as medidas populares se devem à sua influência na governação, e as impopulares aos socialistas que eles tentaram sem sucesso demover e à direita que apoiou os socialistas. Para eles é um bom negócio. Para o Costa, que salvou politicamente a pele in extremis quando se preparava para ser esfolado por ter perdido as eleições que tinha prometido ao partido ganhar, e ficou com os negócios públicos à mão de semear para distribuir pelos seus melhores amigos pessoais e políticos, ainda melhor.
Pelo que, a não ser que os partidos de esquerda o decidam e cumpram a decisão, o governo não será derrubado e a legislatura durará os quatro anos até 2019.
Ora, tal como uma maratona não é uma sequência de 421 sprints de 100 metros e um de 95, mas uma corrida contínua que é ganha por quem chega à frente ao fim dos 42.195 metros, uma legislatura de 4 anos não é uma sucessão de vitórias diárias em debates no parlamento e na opinião pública e mensais em sondagens, mas um processo longo e continuado em que o vencedor só é apurado nas eleições legislativas para a legislatura seguinte, no caso actual em 2019.
Mesmo assim, os militantes, dirigentes e eleitores do PSD mais apreensivos têm-se deixado invadir pela dúvida se a falta de resposta imediata e permanente do partido às provocações e humilhações regulares dos socialistas e dos outros será apenas estratégica, ou se indiciará uma falta de combatividade que, a arrastar-se até ao fim da legislatura, lhe poderá ser fatal nas eleições. Deixavam. Na última semana tiveram direito a três decisões inequívocas sobre a capacidade de afirmação política do Passos como político na oposição:
Estas decisões levantaram um coro de indignação universal que juntou em uníssono todos, de esquerdistas radicais a dirigentes de associações empresariais, de banqueiros a jornalistas, de dirigentes costistas ao presidente da república, de economistas anti-austeritários à aristocracia ressabiada do PSD, de sondagens a centrais sindicais, todos a apelarem ao Passos para dar mais uma vez colinho no parlamento ao Costa em vez de o obrigar a negociar com os partidos que o apoiam o apoio que precisa para concretizar a promessa que fez e não estava em condições de fazer, ou a sugerir-lhe uma candidatura suicida, porque seria facilmente derrotável como candidatura oportunista para ocupar o lugar a prazo até voltar a concorrer a primeiro-ministro nas próximas eleições legislativas, à CML. Todos a apelarem-lhe à coerência para respeitar os seus princípios, que eles detestam, a quebrar o seu isolamento político, que eles sonham promover, e a salvar a credibilidade do PSD, que eles tentam demolir.
Todos? Todos menos os militantes, dirigentes e eleitores do PSD, para quem estes anúncios, e o repúdio generalizado que resulta do receio que eles suscitaram nos adversários e inimigos do partido, foram o sinal que precisavam para acordarem, perceberem que têm mesmo liderança para levar o PSD à vitória que necessita para voltar a governar, e voltarem a galvanizar-se em torno desse objectivo. Ou seja, todos, menos todos os que realmente interessam, que são os que vão estar até ao dia das eleições a lutar pela vitória necessária para afastar esta gente manhosa e ressabiada do poder.
Por uma excelente razão, aliás, ou mesmo duas: esta gente está de má-fé e pretende enfraquecer o PSD, ao contrário do que lhe acena nas sugestões que lhe faz, e tem experiência, não em ganhar eleições legislativas, mas em perdê-las, e é nisso que tem capacidade de lhe dar lições.
Lição? A melhor coisa para eles, para os portugueses e para Portugal, que o PSD e o Passos Coelho podem fazer com os apelos e conselhos desta gente que não vota nem nunca votará neles é agradecê-los e fazer exactamente o contrário do que lhes sugerem.
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