O Mário Soares que morreu há dias não me era uma personagem simpática. O meu Mário Soares, que tinha aplaudido num comício no estádio das Antas, o equivalente nortenho do da fonte luminosa, veio com o tempo a gastar o capital de simpatia que a minha juventude dedicou fugazmente ao partido Socialista, primeiro, e depois quase só ao próprio.
Por alturas da adesão à CEE já o seu europeísmo feroz me causava urticária; ainda sorri interiormente com a guerra que moveu a Cavaco, um político daninho que desperdiçou a oportunidade - o primeiro a fazê-lo - de reformar seriamente o Estado que dez anos de esquerdismo haviam transformado no principal obstáculo ao desenvolvimento do país; e mesmo antes de lhe conhecer o lado obscuro e ainda por explicar das negociatas de Macau e outros lugares já via nele o socialista típico, capaz de fazer tudo e o seu contrário para comprar votos com o expediente de imprimir dinheiro, podendo, e de pedir emprestado quando tal prática deixou de ser possível.
Como disse, por exemplo, aqui, Mário Soares "declinou na sua importância com a adesão à CEE, já tinha cumprido a maior parte do seu papel quando chegou a Presidente da República, e morreu no fim do seu segundo mandato. Os episódios das candidaturas falhadas a presidente do Parlamento Europeu (cuja concorrente insultou) e de novo à Presidência da República, aos 80 anos, fazem parte da decadência".
Resta porém que num momento crucial da nossa história esteve à altura; e não é nada certo que se não fosse ele teria sido outro qualquer. Outro qualquer, por exemplo Sá Carneiro, não teria conseguido federar todas as aversões ao Partido Comunista, por lhe faltar a aura de esquerda e de combatente anti-salazarista; e outro qualquer socialista, por exemplo Salgado Zenha, não teria a lucidez, nem a determinação, nem a vontade, nem a lata, de ao mesmo tempo defender o socialismo, as nacionalizações, a Constituição e toda a parafernália da revolução, então cara a uma parte significativa do eleitorado, enquanto curava de granjear o apoio da Igreja Católica, dos seus amigos da Internacional Socialista, dos Estados Unidos e do povo do Norte, que abominava os vermelhos.
Ganhou. E por ter ganho posso, e pude sempre, tranquilamente aliviar-me destas opiniões e doutras que me dê na veneta, na certeza de que não corro quaisquer riscos.
Talvez venha a ser preciso, se Rui Ramos tiver razão, um Mário Soares, de direita, para o século XXI. Por mim, estaria disposto a perdoar-lhe a ambição sem freio, a vaidade sem limite, o descaso dos amigos que se lhe atravessem no caminho, o amor dos charutos, das viagens, da boa vida, até mesmo a venalidade, se a ela ceder, desde que nas ruínas da UE, no naufrágio do Euro, e no oceano da dívida, preserve a liberdade.
Existirá esse homem? Porque a circunstância talvez venha.
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