Sábado, 22 de Abril de 2017

Sobre a arte de bem montar uma farsa

2017-04-22 Francisco George.jpg

Morreu uma adolescente de 17 anos num hospital do Serviço Nacional de Saúde por ter sido contagiada com sarampo, doença para a qual não estava imunizada por não ter sido vacinada, no decorrer de um internamento por uma doença menos grave e não letal, a mononucleose.

O SNS é regularmente apontado pelos seus responsáveis como um dos melhores do mundo com base em estatísticas e comparações várias e, relativamente ao sarampo, é mesmo classificado pelo próprio Director-Geral de Saúde, um dinossauro da burocracia que já enterrou mais ministros do que a viúva negra maridos, talvez por ao longo das últimas décadas ter conseguido com sucesso ser ele o porta-voz das boas notícias no domínio da saúde, por exemplo, o espectacular dispositivo de resposta à gripe A, e delegar nos ministros as más notícias, por exemplo a fortuna gasta em milhões de vacinas para a gripe A que foram adquiridas mas nunca ministradas, como motivo de inveja lá fora.

O DGS foi, prontamente como lhe é tradicional, o primeiro a reagir, apontando as baterias à falta de vacinação, e tendo mesmo sugerido, depois deixou cair à medida que se apercebeu que tanto a tutela como o poder político não estavam para aí virados, a obrigatoriedade da vacinação.

E estava dado o mote, a culpa não era da falta de condições para proteger os doentes contra o contágio por outras doenças nos estabelecimentos do SNS, mas da recusa de vacinação, tanto dos doentes que contagiam os outros, como dos que se deixam contagiar. Esta linha de argumentação é brilhante e está destinada ao sucesso garantido, até porque basta dar o pequeno salto de associar a falta de vacinação à recusa de vacinação, e esta a crenças próprias de seitas religiosas ou atitudes naturalistas de hippies retardados, para iniciar uma guerra ao obscurantismo pelo iluminismo, e qual de nós não adere entusiasticamente a uma guerra em que se sente elevado pela superioridade civilizacional e moral, que no entanto a Zita Seabra explicou cristalinamente que justifica as maiores barbaridades, que tão bem sabe? E assim se iniciou mais uma cruzada contra o obscurantismo da falta de vacinação.

Montada a pira de lenha no pelourinho para o julgamento na praça pública pelo burocrata-mor, foi imediatamente regada com gasolina por médicos mediáticos, e quem aparece primeiro ganha pontos no campeonato do mediatismo, como o pediatra Mário Cordeiro com tiradas a dar títulos como "O movimento antivacinas é idiota e é uma afronta aos mortos" ou "Pais que não vacinam filhos são negligentes e deviam ser responsabilizados". Já havia um embrião de sentança, os pais destas crianças com sarampo são idiotas e deviam ser criminalizados. E os burocratas e os médicos ilibados, digo eu que é uma consequência lógica da anterior.

Mas, mesmo nos tribunais da opinião pública que tendem a ser muito mais expeditos a dissipar as dúvidas e a chegar a sentenças definitivas do que os tribunais de justiça, chegam a ouvir-se testemunhas, e chegou a vez aos jornalistas. A jornalista do Expresso não teve dúvidas em denunciar que "Mãe da rapariga de 17 anos é antivacinas..." mas, pior ainda, "...e adepta da homeopatia", informação que lhe tinha sido passada por fonte médica. Estava dissipada qualquer dúvida sobre a pertença destes pais às forças do obscurantismo. Que andamos todos a combater, digo eu. A notícia foi posteriormente actualizada com informação prestada por familiares dos pais que explicaram que a jovem não tinha sido vacinada contra o sarampo na altura prevista por indicação médica, por ter feito um choque anafilático grave em reacção a outra vacina, mas o título da notícia, que é a única coisa que interessa, não foi alterado num milímetro, e ficou para a posteridade que "Mãe da jovem que morreu com sarampo é antivacinas". Podia-se, pois, passar à execução da pena e pegar fogo à pira e aos pais.

E foi o que aconteceu. No pelourinho das redes sociais, no julgamento dos pais que recusam vacinar os filhos pelos cidadãos que defendem a vacinação, aqueles pais foram condenados ao ridículo do obscurantismo desalmado que lhes fez matar a própria filha. Assunto arrumado.

A alegação de que não tinham vacinado a menina por indicação médica depois do choque anafilático não foi considerada relevante pelos membros do júri, que somos todos nós. Provavelmente foi uma desculpa esfarrapada para fugirem às responsabilidades. E apareceram logo médicos a esclarecer que, mesmo com o choque anafilático anterior, os pais poderiam à mesma ter vacinado a menina, nem que a internassem num hospital para lhe dar a vacina e controlar os efeitos da reacção alérgica num ambiente medicamente controlado. Aliás, a desculpa era desinteressante por transferir a responsabilidade dos pais para a pediatra da menina, e nem o DGS nem os médicos mediáticos gostarem muito de apontar o dedo a outros médicos quando o podem apontar a pais obscurantistas.

E a quem saiu a sorte grande neste julgamento mediático?

Ao Ministério da Saúde, que, com todos ocupados a discutir o obscurantismo dos pais, ninguém questionou seriamente sobre como é possível um doente ser internado num hospital com uma doença benigna e sair de lá para o cemitério com uma doença mortal que apanhou por contágio no hospital onde era suposto ter sido tratado da doença que levou e protegido de contágios de outras doenças. Mas esta é uma daquelas perguntas a que não interessa procurar resposta, para não estragar o ambiente de descrispação em que, graças a Deus, ou ao presidente e ao primeiro-ministro, vivemos.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 14:05
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67 comentários:
De Anónimo a 29 de Abril de 2017 às 15:35
Como diz Ricardo Araújo Pereira, no seu tom de sátira, "É fácil argumentar com médicos, mas é bastante mais difícil discutir com pessoas que fazem de médicos. As pessoas que fazem de médicos, em geral, sabem muito mais de medicina"...eu até acho que essas pessoas seriam as pessoas mais indicadas para tratarem as complicações do sarampo e todas as outras doenças que nos levam ao hospital. Até porque descobria-se que a maioria são inventadas. Ao hospital nós só devíamos ir buscar a justificação de faltas, o atestado ou à consulta para a baixa
De Luis Cutileiro a 30 de Abril de 2017 às 18:21
vão todos os meses a fátima. ficam imunes a tudo.
De Oh man a 1 de Maio de 2017 às 21:15
Resta ainda explicar como é que 12 profissionais de saúde vieram a contrair o sarampo, perfazendo a maioria dos casos de pessoas afectadas.
Afinal a vacina na servia para nada?

http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-04-26-25-casos-de-sarampo-confirmados-em-Portugal
De Sonia Mark a 14 de Julho de 2017 às 21:54
Amigos do bom dia. Estou aqui para compartilhar meu testemunho sobre como um curandeiro especializado chamado DR Clifford me cura do HIV. Ótimo homem que tem raiz e ervas para todo tipo de doença mortal. Vi seu e-mail em você-tubo por um paciente que ele curou De Herpes Quando eu entrar em contato com ele.para preparar a medicação à base de plantas para minha cura para o HIV e também enviá-lo para mim nos EUA via DHL, que me cure. Você também pode chegar até ele, seu endereço de E-MAIL drcliffordsolutioncenter62@gmail.com ou Ligue Ele neste número +2348105049840 Senhor, eu realmente estou grato pela ajuda que eu sempre recomendarei para o meu amigo!
De Manuel Vilarinho Pires a 14 de Julho de 2017 às 22:49
Senhora dona Sonia Mark, por favor vá publicar os seus comentários de banha da cobra noutro sítio, onde serão, certamente, bem vindos.
Cumprimentos
De Avalanche De Vendas é Confiável a 4 de Novembro de 2020 às 10:56
Isso e muito complicado é ruim ate de falar alguma coisa
De Fábrica de Moedas a 9 de Novembro de 2020 às 02:44
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mais um adolescente de 17 anos, muito triste mas e realmente ele não tomou vacina quando criança ai e perigoso.

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