Quinta-feira, 21 de Dezembro de 2017

Vai nanar, Leninha

Anteontem recebi um telefonema a informar que Leninha tinha acordado.

 

Dormi mal, excitado pela perspectiva de passar a ter um cartão de cidadão que diga, na profundidade dos códigos de acesso, que vivo em minha casa e não no quintal da casa ao lado, como lamentavelmente sucedia.

 

Esperei uma eternidade mas valeu a pena: ontem desloquei-me à repartição, esperei quase nada, e saí são e salvo com o cartãozinho, impassível na sua verdade burocrática.

 

Estou doravante habilitado a que os CTT continuem a extraviar cartas mas sem o pretexto de a morada não ser no número 119 mas no 118.

 

Hossana. Aleluia. Bom Natal e Feliz Ano Novo.

 

Agora vai nanar, Leninha.

publicado por José Meireles Graça às 14:26
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Quarta-feira, 6 de Dezembro de 2017

Chega de sono

Desejei à senhora ministra um sono descansado, mas constato com desgosto que Maria Manuel Leitão Marques me tomou ao pé da letra quando apenas pretendi ser simpático.

 

De 13 de Novembro até agora já teria havido tempo, supunha, para consertar a porcaria do sistema informático. E como, ao contrário do prometido, não recebi nenhuma chamada telefónica, lá fui ontem mais uma vez ao Registo Civil do costume a ver se o sistema aceitava a correcção de morada (correcção, entenda-se, de um erro dos serviços, pela qual já paguei a taxa que me foi exigida, e deslocação necessária em obediência ao ofício que a intima, sob pena de caducidade da alteração em 5 de Janeiro próximo).

 

Tive sorte porque só tinha nove pessoas à minha frente, e mais sorte ainda porque duas faltaram. A delicada senhora que me atendeu repetiu os passos já bem conhecidos de inserir o cartão na maquineta e digitar os códigos obscuros que figuram num dos ofícios que lhe levei; e como a coisa não funcionasse levantou-se e foi repetir a operação na banca de um colega. Nicles.

 

Regressou desalentada, informando que estavam fartos de reclamar mas a situação continuava igual, e que por isso é que não me telefonaram; que o sistema deixava muito a desejar porque com frequência dava mensagens de erro mas não ligavam, iam ver pela porta do cavalo e afinal as alterações estavam feitas; e que no meu caso, como no de outros, a mensagem era a de que havia um problema na internet, pelo que não havia outro remédio senão continuar a esperar, embora a coisa estivesse a ficar preocupante porque a alteração caducava a 5 de Janeiro.

 

Já não conto as horas que perdi, nem os incómodos, nem as despesas. Mas ando desde Setembro para renovar um cartão que não precisava de renovação alguma senão por uma caducidade oportunista e abusiva, e sem o qual, no Estado Socialista, não se consegue viver, a menos que se seja sem-abrigo. E apesar de pagar o que me exigem, e fazer o que me mandam, continuo a patinar.

 

Razões por que te sugiro, Nelinha, que faças uma de três coisas:

 

  1. Acorda;
  2. Demite-te;
  3. Suicida-te.
publicado por José Meireles Graça às 21:24
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Segunda-feira, 13 de Novembro de 2017

O sono de Nelinha

No sábado fui a uma festa e encontrei outro convidado que me perguntou se os problemazinhos com o cartão de cidadão já estavam resolvidos.

 

É meu leitor, coitado, portanto pessoa de gostos duvidosos, mas nem por isso deixei de o informar que depois da minha cunha à ministra Nelinha tinha esperado e nada.

 

Assim foi, e a razão haverá de ter sido porque não pus nenhum link para o blogue do marido e portanto este momentoso assunto não lhe terá chegado aos ouvidos atentos às necessidades do cidadão.

 

Meter uma cunha é o remédio tradicional para problemas com a administração pública portuguesa. Mas é preciso saber a quem. Pelo que, depois de cogitar, resolvi falar a uma funcionária da empresa onde trabalho que sabia ser amiga de um carteiro, que por sua vez é colega do da minha área de residência.

 

A cartinha que não estava em lado nenhum apareceu em dois dias. E fui com ela, orgulhoso, regularizar a minha situação.

 

Foi o caneco: tive que ir estacionar aos quintos dos infernos e estava uma maralha na repartição, pelo que depois de tirar a minha senhazinha vim cá para fora espairecer. E como me desse conta de que havia muitíssimo espaço para aparcamento em frente à repartição mas estava lá a polícia municipal a enxotar os atrevidos que queriam estacionar, resolvi fotografar a zona com o intuito de fazer uma exposição à câmara local a significar-lhe a conveniência de pôr em surdina, naquele sítio, a sua sanha anti-automóvel.

 

Por um excesso de delicadeza informei um agente do que ia fazer, e que se não quisesse ficar na fotografia só tinha de se afastar uns metros.

 

O que fui dizer? O moço, exaltado, informou-me que se o tentasse fotografar apreenderia o telefone; que eu nunca deveria ter ouvido falar do direito à imagem; e que os contornos de tal direito deveriam ser, mas como se via não eram, ensinados nas universidades.

 

Esta última parte deixou-me incomodado, por admitir que o agente da autoridade estivesse a a assacar-me a condição de professor universitário, possivelmente por influência de ideias erróneas segundo as quais os professores em questão têm necessariamente óculos e um aspecto distinto.

 

Apressei-me a informar o jovem de que não era apenas o ensino universitário que sofria de graves carências, o secundário, como ele próprio ilustrava, não estava melhor; que para me apreender o telemóvel lhe faltava a competência; e que, não o conhecendo de lado nenhum, o tratamento de “você” não me parecia o mais indicado.

 

Relatei o incidente com mais detalhe, por e-mail dirigido no passado dia 6 ao comandante da força. E aguardo pacientemente que este me responda.

 

E então, o cartãozinho? Lá fui atendido, simpaticamente como de costume, e informado de que agora só tinha que esperar uma nova carta, com a morada corrigida, e com ela comparecer no Registo, acompanhada da anterior onde constavam os códigos, e o cartão.

 

Esta última carta veio hoje. E informa-me que posso “proceder à confirmação da nova morada” até ao dia 05.01.2018. E não fica por aqui a atenção: também fiquei inteirado de que nem sequer preciso de ir à repartição, podendo eu próprio promover a alteração via internet desde que seja o feliz proprietário de um “leitor de cartões compatível com o Cartão de Cidadão”.

 

Tenho um micro-ondas, uma manta eléctrica e numerosos outros electrodomésticos que testemunham o meu amor à modernidade, mas realmente leitor de cartões não. E, pior, só poria a hipótese de adquirir um se tivesse a funcionalidade de dar choques eléctricos a quem superintende neste labirinto obsceno.

 

Razão pela qual lá fui, a seguir ao almoço, ao registo civil, lá tirei a senhazinha e lá esperei.

 

Chegada a minha vez,  correu tudo muito bem mas o computador não dava o serviço por pronto. E a funcionária, desalentada, perguntou para os lados onde estava o Tó.

 

Fiquei inicialmente aflito, temeroso de que fosse de minha responsabilidade saber onde o Tó estaria. Mas não: consultado aquele ser mítico, que não  cheguei a ver, veio o veredicto: para estes novos cartões com validade de dez anos o sistema não estava a responder. Teria de lá voltar.

 

Quando? Ai isso não era possível saber, a situação já tinha sido denunciada mas sem resposta nem solução.

 

Mansamente, fui dizendo que já ali tinha estado uma quantidade de vezes; que o meu tempo, sem ser precioso, não é tão completamente inútil que o possa gastar a frequentar repartições; e que me comprometia a lá ir novamente, desde que me marcassem dia e hora, mas não para mais uma deslocação vã.

 

A senhora tomou nota do meu número de telemóvel, para passar a um colega que tem a espinhosa missão de informar os cidadãos de quando os serviços estarão em condições de corrigir os erros que não deveriam ter cometido.

 

Tenho fortes suspeitas de que tanto receberei uma chamada do prestigiado Instituto dos Registos e Notariado como uma resposta do senhor comandante da polícia municipal, acima referido.

 

Ou talvez não. E a Nelinha, entretanto?

 

Ora, estou certo, e francamente desejo, que durma descansada. Merece-o: é voz corrente, e pacificamente aceite, que é um dos melhores ministros deste governo.

 

Pelo menos, é o que diz a comunicação social isenta, que é quase toda. Portanto, deve ser verdade.

publicado por José Meireles Graça às 21:09
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Quinta-feira, 26 de Outubro de 2017

Nelinha

Nosso Senhor, que me marcou, algum defeito me achou.

 

Em 2012 tornei-me um cidadão de parte inteira por ter passado a ser portador, ao cabo de um processo conturbado, do cartão que atesta aquela condição.

 

O cartão caducou. E em Setembro último, ao intentar renová-lo, tropecei em inesperados obstáculos, que aqui relatei.

 

Acabei por os ultrapassar no dia 26 daquele mês, a troco de mais de uma hora e 15 euros. E fiquei à espera da abençoada carta que me habilitaria a ir à repartição, pagar o estacionamento, e esperar o tempo que os monitores de televisão mandassem para trocar o velho plástico caducado pelo novo que atesta o meu renascimento para as alegrias da cidadania.

 

A carta nunca mais veio e confesso, confundido de vergonha, que esqueci o assunto. Porém, foi-me pedido há dias que assinasse um recibo para receber uma indemnização de uma companhia de seguros.

 

As companhias de seguros exigem que se lhes entregue um recibo que diz que recebemos, uns dias antes de efectivamente pagarem - portanto um documento falso. Mas esta prática é pacificamente aceite por toda a gente, incluindo advogados e a entidade de supervisão, pelo que o segurado precavido alinha na aldrabice porque não tem outro remédio.

 

Mas, ó horror, no mesmo dia fui inteirado de que a assinatura não valia porque o cartão estava caducado. Portanto, de indemnização nicles, para já.

 

É bom de ver que fui asinha à internet para desenlaçar a meada no site do Instituto dos Registos e do Notariado. Mas perdi-me na salganhada internético-oficial e optei por ligar para o número que constava no certificado do pedido.

 

De lá veio o palavreado das opções (marque o número um se quer isto, o número dois se quer aquilo, e assim por diante; após o que, feita a escolha, há uma nova lista de números para optar), seguido de música e da generosa sugestão de que, como o tempo de espera previsto era superior a cinco minutos, o melhor seria talvez ligar mais tarde.

 

Enfim, lá consegui. E a simpaticíssima funcionária que me atendeu, Isabel Xavier de seu nome, explicou ao "senhor José Maria" que o novo cartão tinha sido emitido três dias depois do pedido, portanto há muito, e que a abençoada carta ou estava extraviada ou tinha sido devolvida. Porém, de momento não podia verificar, pelo que me ligaria para o telemóvel mais tarde. Enviar-me um e-mail não podia, para levantar o cartão era precisa a cartinha pelo correio.

 

Não ligou. E no dia seguinte repeti de manhã os passos nos quais já estava a ficar perito, atendendo-me um Sr. Aquiles que, inteirado do historial, foi de parecer que o melhor era fazer uma segunda via do pedido. Signifiquei ao funcionário uma parte dos meus sentimentos a respeito da opinião dele, que retorquiu ao "meu amigo" qualquer coisa. Esclarecido pelos meus bons ofícios de que não era amigo dele, separamo-nos, creio que sem ter criado laços de amizade.

 

Mas segui-lhe o conselho. E, de tarde, desloquei-me à repartição onde já seria um velho conhecido do porteiro, se o houvesse, tirei a senha com a ajuda de uma jovem, por sinal atraente, que estava ao corrente de que era preciso pescar o papel um pouco acima de onde ele deveria estar na maquineta, e ao cabo do tempo de fumar um cigarro, se se pudesse fumar, fui atendido.

 

O funcionário deu-se ao trabalho de verificar se a cartinha, por artes do diabo, estaria lá - não estava -, sugeriu que talvez nos CTT estivesse, explicou o complicado trajecto das cartas que são devolvidas (aparentemente estas andam de maço para cabaço antes de chegarem ao sítio onde ninguém as encontra) e foi rapidíssimo. Antes porém que preenchesse a papeleta, chamei-lhe a atenção para o facto, de que me havia apercebido na conversa com a sua colega lisboeta Isabel, de o meu número de porta estar registado como sendo o 119 quando é o 118.

 

Fez-se luz: se calhar era isso que explicava o descaminho. Olhei-o, dubitativo, esclarecendo que a rua (aliás uma travessa) só tem três casas, o número 119 não existe e vivo ali há mais de quarenta anos; mas que, de toda a maneira, com o novo pedido, pela diferença de um algarismo é que a preciosa cartinha não se extraviaria.

 

O homem, um tanto contrafeito, confidenciou-me que isso não ia poder ser. E porquê? Ora, porque para alterar a morada era preciso o cartão novo. Trémulo, disse que tinha ali o cartão velho, onde a morada estava bem, se é que estava, porque ela não figura no cartão, só na parte secreta lá duns alçapões. Mas nada feito.

 

Pelos vistos, sem o cartão novo não posso receber o novo cartão.

 

Estamos nisto, pelo que creio que é altura de meter uma cunha.

 

Quem superintende nesta área dos cartões, dos serviços públicos, da internet e do simplex, é a ministra Maria Manuel Leitão Marques, que não conheço pessoalmente. Porém, dá-se a feliz circunstância de ser casada com um colega da blogosfera, Vital Moreira, que também não conheço pessoalmente, mas ao qual já me aconteceu fazer referências favoráveis, por, pertencendo à ala direita do PS, lhe acontecer desalinhar do asneirol típico do partido. Tanto, aliás, que não é descabido pensar que fosse a esperança média de vida aí de uns cento e vinte anos, e não apenas oitenta, Vital, que foi deputado à Constituinte pelo PCP, ainda acabava na direita.

 

Tenho portanto uma ligação ao ilustre casal. E isso me autoriza alguma familiaridade:

 

Nelinha, o teu lugar existe para ajudar, com anestesia, a tornar o cidadão completamente dependente do Estado, e criar as condições para um dia, quando a democracia acabar, a ditadura ter uma panóplia de instrumentos ao dispor que fariam a Stasi corar de inveja.

 

Com anestesia. O que quer dizer que não é boa política tornar desde já a vida dos cidadãos num inferno.

 

Vê lá se dás um jeitinho, Nelinha.

publicado por José Meireles Graça às 20:22
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Quarta-feira, 13 de Setembro de 2017

Cartão do não-cidadão

Sempre sob o título "Admirável mundo novo" escrevi em 2012 uma série de posts respeitantes à saga da obtenção do cartão de cidadão, o retrocesso civilizacional que representa, os perigos que comporta e o desprezo que deveriam merecer os governantes que o inventaram e o mantêm.

 

O maldito cartão caducou, e hoje fui renová-lo. Como decorreu tal operação é o que se conta no e-mail que enviei há minutos, na sequência da forma como correu a operação, ao endereço que encontrei, com dificuldade, no site respectivo, e que abaixo transcrevo.

 

Exmos. Senhores:

 

Apercebi-me ontem de que o meu cartão de cidadão (nº xxxxxxxx) estava caducado desde 28 de Agosto. O cartão em causa, que como sabem está recheado de informações que só têm utilidade para um Estado intrusivo, abusador e a caminho de totalitário, não tem data de emissão. A sensação que tinha era a de que desde apenas há uns três anos era portador daquele infeliz documento. Consultados os meus registos, porém, tinha-o "requerido" em 2012. Passados os 60 o tempo acelera, realidade que se houver por aí algum funcionário que tenha poucos cabelos, e brancos, poderá atestar.

 

Sabia que o legislador, que é como se designa em legalês o político que com engenho inventa maneiras de extorquir recursos ao cidadão que imprudentemente o elege, havia fixado um prazo curto de vigência, com o evidente propósito, no caso de cidadãos da minha idade, de criar uma receita periódica que não possa ser considerada "imposto". Manobra que nada tem de original ou surpreendente, coisa semelhante se passou com as cartas de condução.

 

Mesmo porém que a minha idade explique o esquecimento, decerto grave a olhos de burocratas, não resisto, um tanto a despropósito mas com o intuito de sossegar alguma alma mais sensível, a esclarecer que o resto da minha saúde, incluindo aspectos o mais íntimos, se encontra em perfeitas condições.

 

Dirigi-me assim hoje à repartição onde há anos o havia obtido, por volta das 15 horas, com o intuito de renovar o cartãozinho, sem cuja existência dentro do prazo de validade não posso conduzir nem, a bem dizer, dar um passo fora da porta sem correr o risco de um polícia mais zeloso, ou mais apreciador de filmes de acção americanos, utilizar os poderes que uma litania de ministros da administração interna mentecaptos lhe concedeu e me deter sob a alegação de ter dúvidas de eu ser quem sou.

 

Navegando na multidão encontrei a máquina que emite os bilhetes que ordenam e distribuem os "utentes" pelos balcões, cujo monitor informava que estava suspensa a emissão de senhas, visto que não seriam possíveis mais atendimentos até ao fim do expediente (16H00, salvo erro).

 

Como porém circunvagasse os olhos pelo estabelecimento, decorado em cores alegres e com televisores a piscar por todo o lado, dei com um aviso a informar que era possível via internet ou telefonicamente marcar uma hora de atendimento, para evitar filas.

 

Foi o que logo fiz, para o nº 211 950 500. E uma simpática senhora, que se apresentou mas cujo nome não retive, começou por perguntar donde eu falava. Inteirada que era de Guimarães, aproveitou para reclamar de um café que lhe serviram nestas paragens, num copo de plástico.

 

Embirro com cafés servidos em copos de plástico e por isso, para além de inquirir se tinha, como devia, reclamado, formulei votos - sinceros - de que da próxima vez lhe servissem um café decente. Quanto à substância do meu telefonema tinha a informar que a data possível mais próxima era 4 de Outubro.

 

Disse mansamente que precisava de conduzir e portanto pedi me indicasse um serviço alternativo. Foi o que prestimosamente fez, sugerindo o Registo Civil, sito à rua da Ramada.

 

Nado e criado na cidade, nunca tal nome ouvira. Regressei ao automóvel, aparcado não muito longe num dos espaços que agora se encontram com facilidade por serem pagos a preços mafiosos, e introduzi o nome da rua no GPS, para descobrir com gosto que estava apenas a 2,5 minutos.

 

Iniciada a marcha, o milagroso aparelho conduziu-me, depois de um brevíssimo circuito para apreciar uma zona não particularmente atraente (e que de resto conhecia desde o tempo, em miúdo, em que não havia ainda sido destruída pela autarquia e os arquitectos locais) ao mesmo sítio de onde saíra, a pé, pouco antes.

 

Emiti para os meus botões algumas imprecações que, por respeito aos costumes, poupo a VV. Ex.ªs. E tenho orgulho em informar que, fora isso e um ligeiro tremor no olho esquerdo, quem quer que me encarasse veria um cidadão cordato, respeitador da autoridade em geral, do actual governo em particular, e dentro deste sobretudo a senhora secretária de Estado da reforma administrativa, com a qual teria o maior gosto em trocar umas impressões, com vista ao aprimoramento do seu múnus.

 

Seria o momento de colocar uma apreciável quantidade de questões a VV. Ex.ªs; e, dada a minha condição de empresário e gestor, algumas sugestões para acabar de vez com este problema, sem todavia passar por castigos corporais que o nosso adiantado estado civilizacional ultrapassou, de mais a mais para réus cujos crimes são apenas a preguiça e a estupidez.

 

Não querendo porém maçar, pergunto: há alguma maneira de resolver o meu problema em tempo útil?

 

Ficando a aguardar notícias, apresento os meus cumprimentos.

 

José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça.

publicado por José Meireles Graça às 21:47
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Sexta-feira, 31 de Julho de 2015

1984

Sempre suspeitei que o cartão de cidadão, com a possibilidade de armazenar dados, e os seus três ou quatro pins que é preciso memorizar, era uma pedra na tumba das liberdades; e que seria apenas uma questão de tempo até que um dos controleiros que pululam no governo e fora dele - a falta de respeito pela liberdade é, na esquerda, um dado adquirido em nome da igualdade e, na direita, quando ocorre, em nome da segurança, da eficiência, da ignorância ou da inconsciência - começasse a tirar partido do mundo de possibilidades que a informática oferece.

 

Aí está. E em vez de se ver a iniciativa por aquilo que é, um perigoso passo para amanhã se começarem a tratar dados e com base neles se imiscuírem Savonarolas da saúde pública, como o Secretário Leal, na relação médico-doente, ensinando uns a prescrever e outros a adoptar os comportamentos que as autoridades acham recomendável, censura-se os médicos porque - ó escândalo! - apenas metade "tem Cartão do Cidadão ou da sua Ordem".

 

Um imbecil que preside a um organismo que responde ao nome de Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) declarou que "um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS) sem Cartão do Cidadão é uma vergonha", em "sessão de esclarecimento".

 

Vergonha é haver funcionários que se permitem "esclarecer" os cidadãos que os sustentam com os seus impostos sobre o que é melhor para eles; e que não hesitam em considerar que os médicos deveriam sentir "vergonha" por não terem a merda do cartãozinho que o burocrata acha importante.

 

Já hoje as autoridades fiscais acham que o cidadão tem que ter um endereço de e-mail e uma conta bancária, o primeiro para comunicarem directamente as suas importantes opiniões e decisões, a segunda para devolverem o que não deveriam ter cobrado e, eventualmente, juntar à pilhagem dos próprios bancos a do Estado. E é claro que todos temos que ter uma ligação à Internet, e tirar cursos de formação, se tivermos menos de 65 anos, para navegar no mar de declarações que os nossos extremosos patrões nos exigem, para nosso benefício.

 

O regime fascista exigia que não nos metêssemos na política ou que, se o fizéssemos, tivéssemos a elementar prudência de o fazer do lado dele. Afora isso, deixava-nos em paz. Possivelmente, porque não tinha meios informáticos.

publicado por José Meireles Graça às 23:01
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Sábado, 17 de Novembro de 2012

Admirável mundo novo - T1 Epílogo

Podia, forçando um pouco a nota, dizer umas larachas sobre o facto de a geração mais bem preparada de sempre não saber escrever (como, aliás, a que a antecedeu), aproveitando para uma resenha histórica sobre a eliminação do Grego, primeiro, e do Latim, depois, bem como sobre a desvalorização das Humanidades nos planos de estudo. Com a mão na massa, não seria descabida uma referência à pedagogia da sala de aula como lugar de aprazível divertimento, na qual o professor "interage" com o aluno, que "aprende a aprender" e vê o professor como "um irmão mais velho". Não vou por aí.

 

Podia bordar umas tretas sobre a bolorenta repartição pública da Velha Senhora, que conheci bem, os seus vícios, as suas práticas, a sua pequena corrupção, e compará-la com os écrans, as maquinetas, o design, a organização e a modernidade show-off da nova. Não vou por aí.

 

Podia salientar a evidente vantagem da internet, dos e-mails, da facilidade de acesso a níveis superiores de hierarquia, e contrastar isso com a crescente invasão da vida privada dos cidadãos e a ubiquidade do Estado. Vou por aí:

 

Decorre neste momento uma campanha de "sensibilização" dos cidadãos para a obrigação de emissão de factura no acto de compra de bens ou serviços, traduzida num e-mail em que um Director-Geral se dirige a cada um dos cidadãos, inteirando-o de alterações legislativas e procedimentais, ao que parece para o efeito da "criação de um incentivo fiscal aos consumidores finais que solicitem a menção do seu NIF (Número de identificação fiscal) nas faturas, em determinados setores de atividade".

 

Parece que esta interessante inovação se destina a que o cidadão ande com a carteira atulhada, colija um meio kilo de papel, examine, declare e faça contas. Depois, o Estado cruza e fiscaliza toda a gente, com a pesporrência e irresponsabilidade dos seus agentes, sob a protecção de uma legislação iníqua que obriga a pagar primeiro e discutir depois, permitindo porém, bondosamente, o acesso a tribunais que não funcionam, desde que se paguem custas terroristas.

 

A carta, os termos da carta e o processo na qual se insere são, com desculpa do chavão, kafkianos: o cidadão não é fiscal do Estado; não deveria ser necessário ser técnico de contas para pagar impostos; e uma carta na qual um funcionário se dirige aos cidadãos com ameaças veladas é um abuso.

 

É nesta tendência que se insere, perante a passividade, senão a aprovação, dos cidadãos, a fantasia do maldito PIN. É preciso memorizá-lo. Nas inacreditáveis palavras que a funcionária me dirigiu, "Não convém V. Exa. andar com o cartão e a carta pin juntos, bastará decorar o pin de morada, que lhe poderá ser solicitado por um agente de autoridade, para comprovar a morada com a carta de condução".

 

Reina o silêncio sobre estes assuntos - andamos aflitos com a troika, a austeridade, a emigração forçada e o resto. A burocracia, porém, não dorme - é da natureza das burocracias não dormirem, como é crescerem em peso e importância. E, lentamente, vai colocando as pedras do edifício em que a nossa liberdade fica enclausurada, não menos por muitos de nós apreciarem gaiolas, por as imaginarem seguras, confortáveis e justas.

 

Curioso mundo, este: o capitalismo selvagem, em que cada qual é livre de enriquecer ou morrer de fome, encontra-se na China comunista; e o Admirável Mundo Novo vai ganhando forma entre nós. 

publicado por José Meireles Graça às 20:19
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Sexta-feira, 16 de Novembro de 2012

Admirável mundo novo - T1 Ep.3

Ex.ma Senhora Dra. xxxxxxx xxxxxxxx:

 

Permita-me confessar-lhe que nunca me aconteceu em nenhum serviço público ver um pedido formulado por escrito às 18H27 ser respondido pela mesma via às 18H34 do mesmo dia. Por isso lhe envio os meus agradecimentos, e lhe testemunho a minha admiração.

 

Hoje de manhã, imagino que por interferência desses Serviços, recebi o seguinte e-mail do Balcão xxxxxx de xxxxxxxxx:

 

Exmo. Senhor

 

Após várias tentativas telefónicas para o n.º xxxxxxxxx, sem sucesso, venho por este meio informar V/Exa., que a sua carta pin para proceder ao levantamento do seu CC, encontra-se nesta Unidade Orgânica, o qual deverá dirigir-se à mesma para o levantamento.

 

Com os melhores cumprimentos

 

A Oficial

xxxxxx xxxxx

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Na sequência desta informação, dirigi-me novamente à Repartição local, e tive o gosto de a mesma funcionária que com paciência ontem me atendeu me ter reconhecido (é raro: tenho um aspecto passe-partout, se me perdoa o desabafo), me ter chamado e ter já disponível a já tão familiar carta do alfinete, bem como o Cartão de Cidadão.

 

Que alegria, minha Senhora! Que eu gosto muito de cartões de crédito, e de pontos, e de cidadão, e assim - dá-se o caso de, não obstante o meu aspecto conservador, ser uma pessoa extremamente moderna.

 

Mas quando ia, alvoroçado, deitar as mãos ao cartão tão sofrido, ai! - não podia ser: tinha que me explicar para que servia não apenas o PIN, mas também o PIN da morada, o da autenticação e o da assinatura digital, além do código de cancelamento. Fiquei, não tenho vergonha de dizer, atordoado; e ia ouvir concentrado a aula de formação profissional em cidadania, mas a dor de cabeça de ontem manifestou-se com tal intensidade que tudo se me varreu da atenção, e por conseguinte da memória. Apenas me recordo de ouvir a funcionária dizer que tinha que memorizar um deles, para quando uma autoridade me pedisse o cartão, e que não devia guardar o papel na carteira, mas sim em casa.

 

E agora estou aqui, depois de um Brufen 600 e um Bromalex 3mg, aflito: com o meu antigo BI, realmente, bastava mostrá-lo, e sabe Deus a quantidade de funcionários, não apenas públicos, que tinham dúvidas sobre ser eu quem dizia ser, apenas sossegando depois da exibição do tranquilizador cartão.

 

Agora, se um polícia me pode levar preso porque não me lembro de um número, encaro a hipótese de, desrespeitando o conselho que recebi, guardar o papel junto do cartão. Mas será isto legal, isto é, não haverá desobediência? E se houver extravio, porque um papel é mais fácil de perder do que um cartão? Não seria melhor a Administração criar um novo cartão, exclusivamente para os números?

 

São estas dúvidas excruciantes que deixo à consideração de V. Ex.ª, certo de que, com a eficiência e a bondade que já abundantemente demonstrou, encarará favoravelmente a hipótese de me esclarecer.

 

Respeitosamente,

 

José xxxxx xxxxxxxx xx Meireles Graça.

publicado por José Meireles Graça às 18:12
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Admirável mundo novo - T1 Ep.2

Exmo. Senhor

 

Informo V. Exa. que o cartão de cidadão, está no Balcão xxxxxx de xxxxxxxxx, desde 30/08/2012.

A carta pin, para poder levantar o cartão foi devolvida para lá em 07/09/2012.

 

Com os melhores cumprimentos,

 

xxxxxxx xxxxxxxx

publicado por José Meireles Graça às 18:04
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Admirável mundo novo - T1 Ep.1

Ex.mos Senhores:

 

Tendo requerido a emissão do cartão de cidadão em 27 de Agosto último, conforme comprovativo em anexo, por o meu B.I. nº xxxxxxx, emitido em xx/xx/2002 por Lisboa, ir caducar no próximo dia 28, e não tendo recebido nem o cartão nem notícias sobre o processo, dirigi-me hoje ao Balcão xxxx de xxxxxxxxx.

 

A simpática funcionária que me atendeu informou o "Sr. José" (era eu: os funcionários com menos de 40 anos acham geralmente que esta é a fórmula de trato adequada) que: i) deveria requerer uma 2ª via da "carta pin" (documento que nada tem que ver com alfinetes, ao contrário do que se poderia supôr), o que foi imediatamente feito; ii) o cartão estava provavelmente naqueles serviços, mas teria que o levantar pessoalmente, acompanhado da famosa carta de paradeiro incerto. E iii) se não recebesse carta nenhuma dentro de 2 ou 3 semanas deveria passar por lá - a carta costuma ser devolvida a Lisboa, se não entregue, que a devolve a xxxxxxxx, que … perdi-me entretanto na peugada do raciocínio, por me ter começado a doer a cabeça. Em resumo, talvez tivesse que requerer novo cartão.

 

De cada vez que vou à Vossa moderna repartição tenho que gastar combustível, tempo, moedas para aparcamento e, sobretudo, paciência.

 

Estando a minha morada correctamente indicada no pedido inicial, bem como o meu nº de telemóvel, não haveria forma de obter o cartão em apreço sem que uma coisa aparentemente tão simples se transforme num calvário? Por exemplo, se realmente a carta, no caso de não ser entregue no destino, vai ter aos Vossos serviços, não seria possível alguém me telefonar, para me dirigir onde fosse?

 

É o que me permito vir perguntar a VV. Ex.ªs.

 

José xxxxx xxxxxxx xx Meireles Graça. 

publicado por José Meireles Graça às 17:48
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