Quinta-feira, 28 de Março de 2019

Marcelo e Cavaco, ou a porcelana moldada e a pedra esculpida

Quando na última remodelação do governo António Costa, e por causa da promoção a ministra da secretária de Estado e filha do ministro José Vieira da Silva, Mariana Vieira da Silva, se tornou evidente que a endogamia que é a marca do primeiro-ministro desde sempre só tem tendência para se agravar com a ascensão a posições com mais poder e a aproximação do fim da legislatura, o presidente Marcelo correu a branqueá-la, afirmando que a nomeação de pessoas das mesmas famílias no seio do governo se devia a razões de mérito.

Não foi a primeira vez, nem será a última, que se terá precipitado ao colocar a mão por baixo do primeiro-ministro amparando-o em trapalhadas, asneiras ou sacanices puras e duras sem antecipar que esse apoio lhe poderia vir a trazer a ele custos políticos. Mas a falta de vergonha e descaramento dos socialistas do costismo, talvez encorajados pelo branqueamento normalmente assegurado pelo mais alto magistrado da nação, transformaram em poucos dias o que pode ter parecido uma excentricidade, um sintoma de uma constipação passageira, num bacanal de nomeações de irmãos, filhos, mulheres e amigos uns dos outros, uma pandemia com todas as condições para se tornar mortífera.

Não para ele.

Quando se apercebeu que o branqueamento da endogamia no governo socialista António Costa lhe podia custar caro a ele, o presidente Macelo fez exactamente aquilo que se pode, com um já bom grau de confiança, esperar dele como nulidade política mais do que comprovada: salvar o coiro. Acobardou-se e escondeu-se por trás da sombra do presidente Cavaco, explicando que "...se limitou a aceitar a designação feita pelo Presidente Cavaco Silva, que foi a de nomear quatro membros do Governo com relações familiares, todos com assento no Conselho de Ministros ... partindo do princípio de que o Presidente Cavaco Silva, ao nomear aqueles governantes, tinha ponderado a qualidade das carreiras e o mérito para o exercício das funções".

2019-03-27 Aníbal e Maria.jpg

Escolheu mal o alvo. Ao contrário dele, o presidente Cavaco Silva não cresceu a fazer travessuras à avó nem partidas ao dono do jornal que lhe deu emprego desde jovem, cresceu, como explica nas suas memórias, e debaixo da responsabilidade de ser o primeiro da família em cuja educação os pais investiram as poupanças em vez de as investirem na compra de propriedades agrícolas como era hábito no mundo onde cresceu, a passar as férias grandes a trabalhar no campo no único ano em que chumbou. Ao contrário dele, que foi moldado em porcelana, foi esculpido na pedra. E não se costuma ficar, e não se ficou.

E respondeu, respeitando a fórmula tradicional "entendo que não devo fazer qualquer comentário porque já foi dito tudo ou quase tudo e eu não acrescentaria nada de novo", para disparar comentários letais a tudo o que já tinha sido dito como "...Nos últimos dias aprendi bastante sobre as relações familiares entre membros do Governo e confesso que era bastante ignorante em relação a quase tudo aquilo que foi revelado..." e "... não me recordo de ter conhecimento completo - já foi há muitos anos - entre relações familiares dentro do Governo, mas, por aquilo que li, não há comparação possível em relação ao Governo a que dei posse em 2015. E, segundo li também na comunicação social, parece que não há comparação em nenhum outro país democrático desenvolvido", e ainda que o presidente da república, nomeando embora os membros do governo, não pode interferir nas escolhas do primeiro-ministro para não correr o risco de vir a ser responsabilizado por qualquer coisa que corra mal na governação a pretexto de não ter deixado o primeiro-ministro escolher livremente os seus ministros. E aproveitou para esclarecer que, "por curiosidade fui verificar a composição dos meus três governos durante os dez anos em que fui primeiro-ministro e não detectei lá nenhuma ligação familiar". Poderia ter acrescentado que entre todas as pessoas que fizeram parte desses três governos, entre ministros e ajudantes de ministro, houve uma única que tratava por "tu", a colega de trabalho no Banco de Portugal e comadre Manuela Ferreira Leite. Não teve governos de família e amigos.

Traduzindo, esclareceu que quando indigitou o primeiro-ministro tinha esgotado todas as possibilidades legais de o evitar sem abrir uma crise política insustentável, que não fugiu a deixar claro na altura que não estava de acordo com a fórmula governativa montada pelo primeiro-ministro com o objectivo único de se salvar de uma morte política certa por ter perdido as eleições depois de prometer ao partido que as ganharia por muitos, que a escolha dos membros do governo é da responsabilidade do primeiro-ministro, e que ao dar-lhes posse não tinha feito, nem podia fazer, qualquer juízo de valor sobre a sua competência. E que no momento da tomada de posse não tinha qualquer informação factual que lhe permitisse antecipar o bacanal em que se transformou nos últimos meses, e descaradamente a partir da última remodelação, o jogo de nomeações de familiares e amigos e familiares de amigos como chefes de gabinete ou assessores para os gabinetes governamentais.

E escavacou o biombo atrás do qual se tinha escondido o presidente Marcelo, no argumento da nomeação porque não tinha legitimidade para intervir nas escolhas do primeiro-ministro, e no do mérito porque não lhes tinha avaliado mérito para lhes dar posse.

Pode ter dado ao presidente Marcelo uma lição útil, a de, nas troca-tintas e chico-espertices que vive a fazer e de que vive politicamente, se meter com quem tenha a estatura dele e evitar os de estatura maior. Que brinque com figurinhas de porcelana mas evite as estátuas de pedra, que se caem em cima das figurinhas as deixam em cacos.

É duvidoso que o presidente Marcelo tenha apreendido a lição.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:57
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Quinta-feira, 23 de Fevereiro de 2017

A correlação entre conveniência do segredo e a tendência para a trafulhice

Até a CIA desclassifica os seus documentos ao fim de algumas décadas, e os documentos da CIA referem-se a façanhas como assassinar políticos e pessoas normais, promover golpes de estado para derrubar governos democraticamente eleitos, inventar ficções para pretextar a proclamação de guerras que fazem milhares de vítimas, financiar grupos terroristas para fustigarem os inimigos estratégicos dos EUA, até para protegerem a discrição dos engates dos presidentes, uma galeria de horrores, coisas cada qual mais indigna que a outra cometidas em nome, nem sempre com sustentação real, do interesse nacional.  Ao fim de algumas décadas, não tão poucas que ponham em causa a eficácia das operações desclassificadas, não tantas que os participantes não corram o risco de virem a ser sujeitos ao vexame público por ainda estarem vivos, estão cá fora. Coisas de democracias maduras, em que se conciliam a necessidade de eficácia da acção do Estado que, por vezes, depende do segredo, com a de transparência do Estado perante os cidadãos, para saberem como são governados pelos seus representamtes, que necessita de publicidade.

Não em Portugal.

2017-02-23 Carlos César - Cavaco.jpg

Em Portugal, a publicação de um livro de memórias por um ex-presidente em que revela conversas privadas com um ex-primeiro-ministro, como se as conversas entre orgãos de soberania fossem um assunto privado e, portanto, isento de escrutínio público, e o jeito que não dá a isenção do escrutínio público? é um escândalo, uma delação intriguista, e é preciso perceber o significado de delação para quem ainda viveu, nem que tenha sido a infância e a juventude, num regime político que recorria à delação para manter um monopólio da representação que, como os monopólios económicos, promove o bem-estar dos monopolistas à custa do bem-estar do país, ou os interesses privados à custa do interesse público. E o apelo ao segredo é tanto mais intenso quanto os participantes nas conversas têm intervenções que prefeririam manter em segredo a ver reveladas. É até clássica uma definição de ética que consiste mais ou menos em fazer, mesmo em privado, o mesmo que se faria se o que se faz fosse tornado público. Quanto menos éticos, mais os participantes se sentem ofendidos com as revelações de conversas privadas entre orgãos de soberania, públicos, mas que gostariam de ser isentos do escrutínio público, e mais facilmente acusam o divulgador de falha ética.

Como dizem os minhotos, eu eu tenho sido aqui menos minhoto do que sou geneticamente e por coração, o caralhinho que os foda!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 23:22
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Terça-feira, 19 de Julho de 2016

Pergunta de algibeira

Qual dos conselheiros de estado denunciou a falta de patriotismo do Cavaco Silva por ter apoiado as sanções?

Reposta de algibeira.

Não se sabe, mas tem de ser alguém que, simultaneamente cumpra duas condições: seja asno e não tenha percebido nada do que o Cavaco Silva disse na reunião; tenha um ódio do caraças ao Cavaco Silva. O que não é extraordinariamente selectivo no Conselho de Estado.

Aceitam-se apostas.

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:30
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Segunda-feira, 27 de Junho de 2016

Relembrando Cavaco: quem te avisa teu amigo é

"Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que, nos programas eleitorais com que se apresentaram ao povo português, defendem a revogação do Tratado de Lisboa, do Tratado Orçamental, da União Bancária e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, assim como o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do Euro, para além da dissolução da NATO, organização de que Portugal é membro fundador.", disse o presidente Cavaco Silva na Comunicação ao País do dia 22 de Outubro de 2015 em que indigitou como primeiro-ministro o vencedor das eleições de 4 de Outubro Pedro Passos Coelho.

Foram, nos mais de 20 anos de desempenho de funções institucionais ao mais alto nível, como ministro das finanças dos governos da AD, depois como primeiro-ministro de governos de maioria absoluta e com mais de metade dos votos do PSD e, finalmente, como presidente da república, cargos que sempre desempenhou sem ter procurado construir "afectos", nomeadamente com os políticos, jornalistas e comentadores que pensam que fazem a opinião pública, as palavras mais odiadas por todos eles. Até o Pacheco Pereira, zombie que politicamente regressou da clandestinidade anti-fascista ao mundo dos vivos pela mão do cavaquismo, ficou danado e decretou que tudo o que corresse mal a partir daí seria consequência deste discurso. E correu, está a correr, e há-de correr ainda pior.

E odiaram-no porque estava carregado de razão.

As posições antieuropeistas do PCP são demasiado conhecidas e demasiado coerentes com toda a história de luta política do partido para as repetir aqui. O projecto europeu surgiu para travar a expansão do comunismo através da democracia e da prosperidade, e eles sabem disso, e nós sabemos que eles sabem.

Já o BE, apesar das origens na esquerda mais radical inspirada em modelos de sociedade como os da China maoista ou da Albânia enverhoxhista, quando não do Camboja khmer, que para se distinguirem do revisionismo soviético elevaram a extremos a barbárie baseada no fanatismo ideológico, vestiu como o Podemos, ou o Pacheco Pereira, a pele de "social-democrata", e tem sempre afirmado que todas as posições de defesa de confronto com as instituições europeias as toma em nome de uma Europa melhor e mais democrática. Ou, por outras palavras, enquanto a UE nos pagar para termos a ilusão de sermos mais ricos do que realmente somos, o BE é europeísta. Mas Convenção do BE decorreu debaixo de uma forte euforia, provocada pela conjugação do referendo do Brexit, que o BE tem esperança de constituir um passo determinante para a desagregação da UE, e das encuestas espanholas, que colocavam a coligação do Podemos, da Izqueirda Unida e do método de Hondt, em segundo lugar nas eleições à frente do PSOE, fazendo dela o maior partido de uma possível coligação da esquerda, com a possibilidade teórica de o Pablo Iglésias vir a ser indigitado como primeiro-ministro de um governo de maioria de esquerda. E a euforia deu-lhes o sentido de urgência e de invencibilidade necessários para mostrar o jogo.

E o que tinham nas cartas?

  • Vaias aos que caíram em luta ao serviço da mesma guerra que o BE trava, a de conseguir que a UE financie ad-eternum políticos demagógicos que, em vez de adoptarem nos estados-membro que governam políticas que promovem o crescimento económico e a prosperidade dos seus povos, os arruinam em guerras à economia e deixam à UE a responsabilidade de os voltarem a pôr de pé. Quem crê, acredita que quem não consegue concretizar o que a sua Fé lhe promete o faz por traição, e não por ser fantasioso, e o BE trata os mártires da sua causa como perdedores, e mesmo traidores.
  • Aplausos entusiásticos aos que pensavam que estavam prestes a conquistar a Espanha, os ideólogos do regime bolivariano da Venezuela, que ambicionam abrir na Espanha mais um laboratório para testar mais uma vez com o povo espanhol as suas políticas na esperança que, ao contrário do que é  mais do que evidente nos resultados das experiências venezuelana ou grega, para não ir buscar os resultados miseráveis de todos os comunismos nos últimos cem anos, desta vez resultem.
  • Referendar a saída de Portugal do euro.
  • Referendar a saída de Portugal da Europa.

No fundo, o que defendem é mesmo a saída de Portugal de circulação, o que é amplamente provado pelos aplausos que dispensaram aos demolidores da CGTP ou da Fenprof.

Infelizmente, para eles, porque quem mostra as cartas sem poder assegurar as vazas que reclama é obrigado a jogar o resto da mão com as cartas à mostra e a sujeitar-se a não conseguir cumprir o que exigiu, e faz figura de parvo, a euforia foi prematura. A Europa parece ter, tanto em países periféricos como Portugal, como no próprio centro das grandes decisões europeias da actualidade, a Alemanha, estadistas capazes de gerirem o Brexit sem deixar de respeitar os múltiplos interesses comuns da UE, e dos cidadãos comunitários, e do Reino Unido, e dos seus cidadãos. A implosão é um sonho de sempre de alguns, mas parece muito longe de se poder concretizar. E os resultados das eleições espanholas, não apenas não deram ao Unidos Podemos mais votos que ao PSOE, como anularam com uma redução de votos a vantagem de mandatos que o método de Hondt poderia ter dado à coligação de extrema-esquerda, como consolidaram a vitória de Dezembro do PP sem enfraquecer o PSOE, ou seja, reforçaram o bipartidarismo. A ejaculação foi precoce, mesmo que a semente tivesse lá todo o DNA que eles têm para transmitir.

Além de, e uma vez não são vezes, mas há limites que são para não deixar ultrapassar, o presidente Marcelo, pela segunda vez, ter largado a sua posição de afecto permanente com a maioria que apoia o governo, e se se ter sentido obrigado a esclarecer pela segunda vez (a primeira tinha sido a propósito da nobreza solidária do trabalho voluntário) os bloquistas que a afectividade tem limites, e as decisões de convocar referendos são da exclusiva responsabilidade do presidente, que não tem obrigação de lhes aceitar sugestões, e não do parlamento nem do governo, onde o presidente não coloca qualquer obstáculo às sugestões que eles façam e sejam aceites.

Posto isto, quem nos defende do ímpeto furioso e antieuropeísta do PCP e do BE oportunamente denunciado pelo presidente Cavaco? Os palermas da ilustração. Estamos em boas mãos.

 

 

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 19:49
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Quinta-feira, 3 de Outubro de 2013

Por favor, não digam o que pensam

As três pessoas que leem com assiduidade e interesse os meus escritos sabem que não morro de amores por Cavaco: nem ideológicos (ele é estatista); nem sobre economia (ele entende que se três prémios Nobel estudarem a realidade portuguesa a fundo chegarão à mesma conclusão, que é a dele, e por conseguinte à mesma terapêutica, sobre a natureza dos nossos problemas); nem sobre a UE, o BCE e o Euro. Na realidade, estou mesmo convencido que, excepto pelo amor ao caldo verde, se o tem, em poucos assuntos poderíamos estar de acordo. E vou mesmo a ponto de dizer que, nele, a dicção, os discursos e as gravatas - detesto tudo.

 

Sucede porém que Cavaco resolveu, no estrangeiro, dizer, em Português, uma aldrabice - e eu acho que fez muito bem.

 

Um político - mais, um estadista - que seja sempre coerente, e que diga sempre a verdade, é um perigo. O exemplo clássico é o da autoridade com competência para desvalorizar a moeda, em países independentes, vai fazê-lo, e que é inquirida sobre se tem essa intenção - deve mentir com tantos dentes quantos tem na boca. E Deus nos livre se todos os ministros dos Negócios Estrangeiros desatassem a dizer o que realmente pensam sobre os países que visitam ou os estadistas que conhecem.

 

Aliás, mesmo que os eleitos não digam, porque não são suicidas, o que pensam sobre os eleitores, mas isso não afecte a nossa liberdade de os cobrir de vexames, ninguém esperaria que nós, que não passamos de privatus, desatássemos, nos velórios, a dizer o que nos vai na alma sobre os falecidos: o seu marido era efectivamente um filho da puta, minha Senhora! - afirmação realista e justa em muitos casos, mas realmente insusceptível de cair bem nos ouvidos da viúva.

 

Nós, que conhecemos Cavaco bem, como aliás os outros políticos da praça, sabemos distinguir e traduzir: uma coisa é o que se diz numa mensagem de Ano Novo, que pouca gente entre nós ouve, e nenhuma no estrangeiro; e outra o que se diz no estrangeiro, onde as paredes têm ouvidos.

 

Cavaco fez bem. E não carece deste lembrete, embora seja eventualmente útil para outros. Ele, isso, deve saber. Não saberá como se descalça a bota, mas ao menos não quer agravar a coisa - já é muito.

publicado por José Meireles Graça às 21:14
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Sexta-feira, 19 de Julho de 2013

O alfaiate cego

Antes que os partidos cheguem a acordo, como desejo, que o Presidente veja restaurada a sua popularidade, como seria útil, e que o PS se divida ou não, a bem da clareza, digo que as circunstâncias vão alterando aquilo que em cada momento um cidadão sensato e pragmático estima desejável, e que por isso o que ontem era a melhor escolha deixou de o ser.

 

Porque, na realidade, Cavaco fez um grande desserviço à Nação quando se pôs em bicos de pés, rejeitando a solução de um problema que os envolvidos haviam pelos seus próprios meios engendrado, e condicionando as escolhas dos responsáveis políticos, agora e, petulantemente, no futuro.

 

Passos, vendo rejeitada a solução e o elenco que apresentara, devia ter calmamente dito: O senhor Presidente não governa, quem governa sou eu. Se insiste em impôr-me a sua opinião sobre como devo proceder no exercício do meu mandato, não pode exigir-me que, em vez de fazer aquilo em que acredito, faça, sob minha responsabilidade, aquilo em que o senhor acredita, pelo que terá que ter a maçada de resolver a situação como lhe aprouver, mas sem mim.

 

Cavaco nunca, como governante, foi além da vulgata do europeísmo, porque acompanhada da cornucópia dos milhões da solidariedade da CEE, e só deixou obra feita porque no momento histórico em que assumiu funções as condições estavam maduras para a evidente necessidade de desmantelar a economia socialista e modernizar a sociedade - coisas que, por incapacidade e falta de coragem e convicção, deixou aliás a meio. Como Presidente, colaborou no governo socrático muito para além da solidariedade institucional, refugiando-se em "avisos" que por ingenuidade imagina lhe garantirão uma imagem histórica positiva. E, de forma geral, nunca, nem por palavras nem por actos, deu a impressão de estarmos perante um estadista, mas apenas um político manhoso que se faz passar por não-político, um orador menos que medíocre que tacha a oratória de "verborreia", e um economista que acredita piamente que ele e um grupo de colegas, por estarem todos albardados das mesmas qualificações académicas, ficaram ungidos da sabedoria que permite a solução de todos os problemas.

 

Cavaco, confrontado com a renuncia de Passos, provavelmente recuaria. Ou talvez não, e iria buscar ao armário do PSD a amiga Manuela, ou Rui Rio, ou outro qualquer - o PSD tem governantes potenciais para abastecer cerca de metade dos países representados na ONU.

 

Nunca saberemos. Mas que o PSD, o CDS e o PS tenham sido forçados a fazer, sob a égide de um fiscal presidencial, umas negociações grotescas fora do lugar delas, que é o Parlamento, sob pena de, se não colaborarem no humilhante exercício, se arriscarem a ser severamente penalizados nas urnas, fica como exemplo de como uma Presidência entende o exercício da Democracia.

 

Desejo o sucesso das negociações, sim. E não duvido que, se ele tiver lugar, Cavaco será aplaudido de pé não apenas pelas numerosas pessoas que sempre nele viram o que lá não está, mas também por muitas outras.

 

Por uma vez, abençoo a Constituição: não permite a reeleição.

publicado por José Meireles Graça às 12:45
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Quinta-feira, 11 de Julho de 2013

Variações sobre um tema de Aníbal - opus 666 em dó menor

Quem tiver vivido a presidência de Jorge Sampaio lembrar-se-á vagamente que era um tipo que falava bem Inglês, recomendava serenidade a todos os propósitos, mesmo quando não havia razão para nervos, e declarava torrencialmente coisas que, quando se percebiam, eram ou banalidades da esquerda soft ou irrelevâncias. Ainda hoje, se inquirido, Jorge conserva a capacidade de falar muito e não dizer nada, que Deus o conserve por muitos anos e bons. Um homem de Estado para leitores do Courier International e Tino de Rans, em suma.

 

Mas Sampaio deixou marca quando declarou para a posteridade que havia vida para além do défice, e mais ainda quando demitiu um governo com maioria parlamentar, oficialmente por ser liderado pelo ex-secretário de Estado dos Teatros, na realidade por as sondagens mostrarem que o PS tinha maioria. E deixou marca sobretudo porque criou um precedente, que tinha pernas para se constituir num costume constitucional: sempre que o Presidente for de uma maioria diferente da que apoia o Governo, e logo que a opinião pública simpatize com o cavalo ganhador da mesma seita que o Presidente, este demite.

 

Não há mal nenhum em ter costumes constitucionais: o regime e as pessoas adaptam-se e, se a coisa for por demais inconveniente, há as revisões periódicas da Constituição.

 

Isto julgava eu, porque a inversa seria que sempre que o Presidente fosse da mesma cor que a maioria, o Governo iria, mesmo que aos tropeços, até ao fim do mandato. Mas Cavaco veio baralhar os dados, com a criação de rajada de novas figuras: i) Os governos podem estar em plenitude de funções, mas a prazo - assim como quem diz um bocadinho grávidos da sua própria demissão; ii) Se os governos forem de coligação, o líder do mesmo partido que o Presidente tem de ser da simpatia deste, e não apenas dos militantes e dos eleitores comuns que o elegeram; iii) Pelo(s) lídere(s) do(s) partido(s) minoritário(s) coligado(s) o Presidente não pode nutrir um ódio profundo, senão fica autorizado implicitamente a fazer-lhe(s) a cama; iv) O interesse nacional não é matéria de opinião, pelo que os partidos coligados têm de ter a mesma opinião entre si, que tem de coincidir com a do Presidente; v) O Governo não pode encontrar os seus apoios apenas no Parlamento, tem também que ter encontros num hotel com a Oposição, sob a égide de um velho de barbas brancas da confiança do Presidente; vi) Se tudo falhar, o Presidente está autorizado a escrever um artigo com a fábula tradicional da boa e da má moeda, incluindo um anexo em que liste os numerosos momentos em que fez avisos de que as coisas, em não correndo bem, poderiam correr mal.

 

Mas estas inovações não terão a menor hipótese de vir a adquirir a dignidade de costumes constitucionais. De asneirol, a Constituição já tem avonde.

publicado por José Meireles Graça às 17:42
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Terror no domicílio

 

 

"ACORDA, palhaço!!! Não sei quê, e tal TÁZADORMIR??? OLHAÍÍÍÍ, não sei que mais, ACORDA!!!!!!"

 

Acordou. Tropeçou na tairoca, espetou o queixo na aresta da cómoda, segurou-se ao naperon e puxou por ele com toda a força na esperança desesperada de se agarrar. Fez desequilibrar o candeeiro de louça e todas as peças que estavam em cima do pano, incluindo um frasco de Heno de Pravia, duas pastorinhas de Sèvres, um molho de chaves, e uma esferográfica que lhe acertou em cheio na retina. Deitou a mão ao cortinado e veio o varão disparado por aí abaixo, aterrando de topo na tampa do baú que, abrindo-se em pedaços, atirou com um madeirão ao suporte do dossel. Quando Nunes Liberace acudiu ao estrondo estava tudo escaqueirado. Maria chorava baixinho, agachada a um canto, com um cristal do lustre pendurado na franja e uma perna presa no abat-jour. E a camisa de dormir enredada à volta do pescoço.

 

Eram exactamente 20:30, e aconteceu em frente às câmaras de todas as estações de televisão.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 01:02
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Sábado, 27 de Abril de 2013

Hoje não há conquilhas

Nunca elegemos um liberal ou um conservador para Presidente da Republica. Aliás, que me lembre, nunca houve um candidato assumidamente liberal ou conservador e, se tivesse havido, teria sido copiosamente derrotado.

 

Ramalho Eanes foi eleito porque parecia, e possivelmente era, a melhor defesa contra a deriva comunista.

 

Mário Soares foi eleito porque ainda havia a memória fresca do seu panache de herói da resistência civil e se apresentava como o amigo de Mitterrand e da Europa rica, para a qual estendíamos olhos cúpidos.

 

Sampaio foi eleito por ter conseguido apresentar-se como o herdeiro natural de Soares, que foi popular por ter sido hábil e festivo num tempo em que a festa ainda era possível, e porque o então candidato Cavaco ainda tinha o peso da erosão recente de dez anos de PM.

 

E chegamos onde estamos, com a eleição de Cavaco em 2006. A Wikipédia diz dele que foi o "primeiro presidente da área ideológica da direita", afirmação que faz sorrir.

 

Cavaco sempre teve uma inabalável fé nos poderes demiúrgicos do Estado como principal agente económico e limitou-se a cortar o cabelo, quando no Governo, aos restos consideráveis da economia comunista, via privatizações, e a modernizar o País noutras áreas, como competia a um membro da CEE, por exemplo permitindo canais privados de televisão. De resto, colaborou entusiasticamente na amarração do País à Europa e ao Euro, manteve um respeitável sector público, criou um sistema de remunerações e carreiras dos funcionários públicos que veio a causar não pequenos problemas no futuro, e nunca hesitou em atrapalhar a vida das pequenas empresas, cuja realidade, aliás, completamente ignorou.

 

Pareceu muito e foi certamente alguma coisa. Mas nada, absolutamente nada, o qualifica como de direita, em qualquer das suas múltiplas declinações, excepto talvez em questões de costumes.

 

Isto significa que uma parte dos eleitores que levaram Cavaco a Belém, mesmo sem contar com as idiossincrasias da personagem, que despertam anticorpos, escolheu um mal menor.

 

Fui um desses. E hoje por hoje, quando um PS delirante, sem fazer mea-culpa por ser o partido da bancarrota; sem parar para pensar que só pode querer o derrube extemporâneo do Governo quem queira aumentar o preço do resgate - quer à viva força ocupar os lugares pouco invejáveis de um Governo aflito:

 

Concluo que não deitei o meu voto fora. Cavaco disse não, que não há eleições. Fez bem. Esperai por 2015, récua de socialistazinhos de uma figa. Se lá chegarmos.

publicado por José Meireles Graça às 14:26
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Segunda-feira, 8 de Outubro de 2012

O especialista

 

 

O doente tem uma doença gravíssima, mas sobre a natureza do mal as opiniões médicas dividem-se e o corpo não está a reagir bem aos tratamentos, na opinião de alguns por serem apenas sintomáticos: as chagas progridem, há agora escaras, nos membros inferiores um princípio de gangrena, na cabeça uma fractura exposta que se recusa a cicatrizar.

 

Diz o chefe da junta médica que a radiação produzirá ainda bastantes estragos, antes de a doença ser vencida e a recuperação se começar a notar.

 

Uma sumidade veio à cabeceira e, feitos os exames da praxe, declarou com voz cava: as escaras dão muito mau dormir, essas feridas estão a supurar, confirmo que o doente o está efectivamente, e com gravidade; ficam os meus ilustres colegas prevenidos, não se me venha dizer que não avisei.

 

Feita a declaração, retirou-se com dignidade, deixando os facultativos a entreolharem-se, cabisbaixos.

 

O Senhor Professor é um clínico muitíssimo distinto, nem era preciso mais esta concludente prova.

 

publicado por José Meireles Graça às 21:34
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