Vamos fazer um exercício de supônhamos.
Suponhamos que somos o primeiro-ministro de um governo socialista.
Suponhamos que no país há um banco privado que, por ter sido criado de raiz como um caso de almanaque, atingiu uma dimensão e um sucesso sem paralelo na história do país.
Suponhamos que, sendo socialistas, e porque acreditamos que a gestão pública cria mais valor que a gestão privada, ou que um banco público pode ser usado para financiar projectos de investimento alinhados com a estratégia económica do governo e portanto mais válidos para a economia e a sociedade, ou até que dispondo de um banco público podemos canalizar dinheiro para os nossos amigos, ambicionamos, se não nacionalizar esse banco privado, pelo menos entregar o seu controlo a gestores de confiança do nosso governo. E que os gestores actuais são até ligados a organizações muito longe do nosso governo, como a Opus Dei.
Suponhamos que o banco público tem, porque há muita liquidez no mercado, muita liquidez.
Então, poderiamos ser tentados a ordenar ao banco público para comprar uma posição de controlo accionista no banco privado.
Mas suponhamos que a gestão do banco privado tinha ao longo dos anos conseguido blindar os estatutos de modo blindar o seu próprio poder contra o dos accionistas e proprietários do banco através de uma provisão estatutária que limita os direitos de voto de um accionista individual a 10%, mesmo que tenha 20%, 50% ou até 80% do capital do banco.
Então, ordenar ao banco público a aquisição de grandes lotes de acções do banco privado não seria suficiente para firmar uma posição de controlo da sua gestão.
Suponhamos que em vez de o banco público comprar grandes lotes de acções do banco privado elas fossem adquiridas na mesma quantidade mas por diversos investidores independentes uns dos outros, cada um conseguindo obter 10% dos direitos de voto, sendo que nesse caso bastariam 5 investidores independentes para conseguir obter os 50% dos direitos de voto suficientes para destituir a administração em funções e a substituir por outra votada por eles, até uma administração ligada ao banco público e da nossa confiança se eles decidissem apresentar e aprovar uma lista de administradores ligados ao banco público e da nossa confiança.
Suponhamos que os investidores independentes não tinham meios para adquirir parcelas tão significativas do capital de um banco tão grande, nem grande motivação para cederem com o seu dinheiro, e assumindo os riscos da operação, o controlo do banco privado ao banco público, para além da natural, mas limitada, disponibilidade para servir o interesse público e os desejos do primeiro-ministro, proprocionando-lho.
Suponhamos que o banco público montava um conjunto de operações de concessão de crédito aos investidores para terem meios de adquirir os lotes de acções do banco privado, garantindo-lhes, ao não lhes exigir quaisquer garantias pessoais para além das acções compradas com o crédito concedido, que o seu património pessoal não seria prejudicado se a operação corresse mal.
Suponhamos que toda a operação era orquestrada por nós, lembram-se que neste supônhamos somos o primeiro-ministro? com o apoio e a coordenação activa do governador do banco central e toda a disponibilidade da administração do banco público para financiar a operação.
Então, todas as condições estão reunidas para concretizarmos a aquisição do controlo do banco privado através da nomeação de uma administração da nossa maior confiança.
Suponhamos que mais tarde as acções do banco cujo controlo de gestão foi adquirido neste processo desvalorizam para um centésimo do valor a que foram adquiridas.
Então os investidores, sem meios para reembolsar o crédito que lhes foi concedido, entregam as acções que o garantiam. E o banco público que montou a operação fica a arder com uma garantia que vale um centésimo do dinheiro que tinha emprestado para a concretizar.
Suponhamos que uns anos mais tarde um dos investidores a quem o banco público concedeu crédito sem garantias para adquirir um lote de acções do banco privado que, em conjunto com os de outros investidores, contribuiu para substituir a administração que estava no banco por outra alinhada connosco, com o governo de então, e depois de esse crédito se ter revelado ruinoso para o banco público por as garantias não serem nem perto de suficientes para compensar o seu não-reembolso, é chamado a uma comissão parlamentar de inquérito para apresentar as suas razões para não ter reembolsado o crédito que o banco público lhe concedeu.
Suponhamos que ele se limita a contar a verdade, ou seja, que apenas aceitou participar na operação a pedido do banco público e depois de obter do banco garantias que o seu património pessoal não seria colocado em risco se a operação corresse mal.
Suponhamos que ao contar a verdade não terá querido ou conseguido esconder a satisfação por de facto o seu património pessoal não ter sido afectado pela operação, rindo.
E chegamos ao ponto onde estamos, um país a espumar de raiva por um devedor não pagar uma dívida ao banco e ainda por cima se rir por não ter que a pagar.
E nós, o governo da altura, relembrêmo-lo, enquanto o país se indigna com o pequeno testa de ferro da operação de grande envergadura que montámos com sucesso por termos atingido o nosso objectivo de substituir a administração do banco privado por uma da nossa inteira confiança e, distraído a indignar-se com ele, não se lembra de olhar para a operação para se indignar com quem a montou e orquestrou, para nós, rimo-nos ainda mais. Saímos por cima.
Desde que a psicóloga (debati-me com alguma hesitação sobre o modo como a deveria qualificar entre alternativas como ex-deputada, ex-bloquista, ex-modelo fotográfico, ex-activista anti-troika, e pareceu-me que psicóloga seria uma escolha pacífica por permitir abreviar a qualificação, abreviatura que entretanto desperdicei com esta explicação) Joana Amaral Dias entregou à comunicação social o relatório da auditoria da Ernst & Young aos créditos em perda da CGD, ou NPLs para parecer pelo menos tão info-incluído como a euro-deputada Ana Gomes que também já lhes chama assim, que relata o que toda a gente sabia mas de que tinha vergonha de retirar as consequências devidas, tem havido uma enxurrada de notícias sobre as circunstâncias e o modo como esses créditos foram concedidos em condições de favorecimento incrível aos empresários que os receberam, tão incrível que alimenta títulos sensacionalistas como o do Correio da Manhã "Berardo saca 350 milhões de euros à Caixa sem aval".
As notícias sobre os créditos imprudentes concedidos pela CGD a diversos empresários no tempo do governo socialista anterior para adquirirem acções do BCP terão sempre títulos sensacionalistas, e percebe-se que este sensacionalismo até pode trazer um apoio inestimável aos jornais na sua luta pela sobrevivência numa economia em mudança onde não é certo que eles venham a ter lugar.
Mas o desejável sensacionalismo derivado das condições de favorecimento incríveis em que os créditos foram concedidos só será sustentável até as notícias incluirem o pequeno detalhe que explica tudo e as torna óbvias, o facto de esses empresários terem sido meros testas de ferro do governo socialista na operação de conquista do poder no BCP pelo Partido Socialista através do financiamento da aquisição de lotes de acções por múltiplos investidores aparentemente independentes uns dos outros para poderem individualmente exercer os direitos de voto integrais correspondentes às acções detidas por cada um deles sem a limitação de voto determinada nos estatutos do banco para um único investidor, ou um grupo de investidores associados entre si formando um sindicato de voto, que detivesse o mesmo número de acções que eles todos somados.
Sendo eles meros testas de ferro de uma operação montada pelo governo socialista com integral acompanhamento e apoio do senhor Governador do Banco de Portugal, o também socialista Vítor Constâncio, não teria sentido nenhum a CGD exigir-lhes a eles garantias dos créditos que lhes concedeu, porque o verdadeiro beneficiário final desses créditos foi o governo socialista que recorreu a eles para consumar a operação e a consumou com sucesso: José Sócrates, e ministros como António Costa, Fernando Teixeira dos Santos, Pedro Silva Pereira, Alberto Costa, Manuel Pinho, Jaime Silva, Mário Lino, José Vieira da Silva, Maria de Lurdes Rodrigues, Augusto Santos Silva, entre outros, apoiados por ajudantes de ministros como Eduardo Cabrita, Jorge Lacão, Maria Manuel Leitão Marques, José Magalhães, João Gomes Cravinho, João Tiago Silveira, Ascenso Simões, Paulo Campos, Ana Paula Vitorino, Pedro Marques, Fernando Medina, Manuel Pizarro e Manuel Heitor.
Se a CGD um dia quiser, como diz que quer, recuperar esses créditos são todos fáceis de notificar, bastando para tal o envio de uma cartinha para a Presidência do Conselho de Ministros, outra para a Assembleia da República, e outra para o Parlamento Europeu, e o reformado Vítor Constâncio não será impossível de encontrar se os serviços da CGD perguntarem ao Banco Central Europeu a morada para onde lhe envia o generoso cheque da pensão de aposentação que premeia uma longa carreira toda ela ao serviço da transparência e da estabilidade do sector financeiro português e europeu.
Há quem ache que não há qualquer razão para a existência de bancos privados desde que estes detêm, como de facto detêm, o poder de criar moeda, uma antiga prerrogativa do Estado.
Prerrogativa do Estado é como quem diz; que na realidade o que o Estado faz, e o que deixa de fazer, sempre foi o que o soberano quis. E o soberano quis com frequência desvalorizar a moeda metálica, falsificando-lhe a composição em metais nobres mas retendo o valor nominal, para financiar as suas guerras e os seus delírios de grandeza, na ilusão, tão velha como o mundo desde o tempo dos lídios, que a moeda é em si mesma a riqueza, em vez de simplesmente a representar. Esta degradação foi facilitada com o papel-moeda, que já nem dava sequer o trabalho de cunhar, e o fim do padrão-ouro em devido tempo, e atingiu, ao termo de uma evolução de séculos, o actual esplendor, primeiro com meros lançamentos de registos em papel e agora, em respeito à preservação das florestas, com transacções electrónicas.
Os bancos privados, quando nasceram, deram provas de saber como fazer frutificar os recursos postos à sua guarda, de tal forma que cedo começaram a emprestar ao soberano. E descobriram um pouco mais tarde que, já que o sistema repousava na confiança do depositante de que o seu dinheiro estava aplicado com critério, e que seria adequadamente remunerado e reembolsado, emprestar um múltiplo dos depósitos detidos era apenas uma extensão da confiança.
Com uma ou outra ocasional falência espoletada por uma corrida aos depósitos, o sistema podia funcionar. Mas não se o desastre de um banco se comunicasse aos outros - o famoso risco sistémico. E isso, infelizmente, sucedeu algumas vezes, a última há pouco, com a agravante de, desta vez, haver pouca gente que tendo beneficiado de anos a ganhar fortunas à boleia de prémios de desempenho tenha perdido o que especulativamente ganhou, e menos ainda gente a saltar pela janela.
Consequências de organizações too big to fail, e de equipas de gestão sob pressão para realizar mais-valias de qualquer maneira, a curto prazo, certas de que empochados os prémios milionários quem viesse atrás que fechasse a porta.
É nisto que estamos. E então como é, nacionalizamos os bancos todos?
Não há sociedades desenvolvidas sem bancos privados; os bancos públicos, onde existem, nunca deram qualquer sinal de se distinguirem pela qualidade da gestão, e pelo contrário são invariavelmente mais burocráticos, menos competitivos e mais sensíveis à influência do poder político do dia; e das crises dos bancos, que acompanham quando não provocam as crises cíclicas do capitalismo, sai-se para novos períodos de crescimento, enquanto em todos os países onde a banca é ou foi integralmente pública crises não houve - nem crescimento, criação de riqueza, liberdade económica ou sociedade de consumo. O que há, hélas, e mesmo assim com excepção de uma casta de dirigentes do Partido, é igualdade na miséria e violência do Estado para negar direitos básicos de cidadania.
A "nossa" Caixa Geral de Depósitos era, no tempo do Estado Novo, uma instituição sólida, e dispunha de consideráveis vantagens quer em clientes cativos (as autarquias, por exemplo, era lá que se financiavam) quer em depositantes (muitos funcionários públicos e serviços do Estado, igualmente por exemplo). A gestão não era, nem tinha de ser, competitiva, bastava-lhe ser rigorosa e comedida.
A CGD transformou-se porém, com o regime democrático, num bicho anómalo: mais dependente ainda do poder político que a banca privada, imaginou-se que podia ser com naturalidade uma estância para gestores de aviário oriundos do Centrão; e que com este enquadramento seria um banco como os outros, competindo com naturalidade num mercado em que a promiscuidade entre o Estado e a banca era de tal ordem que se poderia julgar que, pública ou privada, a banca era tudo farinha do mesmo saco. E é claro que, sendo um banco igual aos outros, permitiu-se que os seus gestores, em nome da necessidade de atrair os melhores, tivessem as regalias pornográficas que são a norma no sector, tudo sob a supervisão de um organismo pletórico e invisual, ele próprio uma gigantesca inutilidade e um depósito de parasitas pagos a peso de ouro.
Mas não era. Bastou que viesse um governo particularmente corrupto, e particularmente inconsciente no seu intervencionismo demente, para que a CGD viesse a ter necessidade de sucessivos aumentos de capital. E mesmo que a queda do BES dê a impressão de que os casos são iguais, não são: o BES pagou o preço de uma gestão arriscada e de um crescimento desmedido para a miséria de capital com que reiniciou a sua actividade aquando da privatização, e não sobreviveu a uma crise séria, nem à alteração pelo BCE dos critérios de necessidade de capital, nem a um governo menos susceptível à influência do seu poder de facto, falindo. Os seus accionistas perderam tudo, os seus gestores têm para anos de opróbrio e infindáveis sarilhos judiciais e o contribuinte perdeu, e continua a perder, o necessário para evitar o tal risco. Mas o BES acabou.
A Caixa não acabou. E como não acabou e como estava na realidade falida, enxertou-se-lhe uma administração sem o troca-tintismo de numerosos elementos de administrações pretéritas, aumentou-se-lhe mais uma vez o capital, pôs-se uma tampa sobre as loucuras, as aldrabices e as moscambilhas do passado, e declarou-se: Agora é que vai ser ̶ até ao próximo aumento de capital, bem entendido.
Ou talvez não. Que a nova administração resolveu encerrar agências, despedir pessoal (pagando-lhe, em nome da paz social, o que uma empresa privada falida não paga), aumentar os preços dos serviços que presta e dos que imagina prestar, e assaltando com descaramento as contas dos depositantes. Tudo com a bênção do governo (que há muito tornou impossível às empresas pagar em dinheiro, ao contribuinte não ter uma conta bancária e ao cidadão fazer transacções que o Estado desconheça), a cumplicidade dos outros bancos, que vão atrás quando não iam à frente, e o Banco de Portugal, que preside com mansuetude ao roubo organizado.
É de roubo que se trata, e talvez inevitável desde que o BCE inventou que a solução para a crise era tornar o crédito tão barato que nem o depositante é remunerado, nem a margem do banco consente financiamento à economia a não ser com garantias que administrações acéfalas exigem por não saberem avaliar o risco, nem a actividade bancária atrai investidores, nem o futuro da banca tradicional está assegurado, nem os bancos, que deviam ser pequenos, cessam de se conglomerar.
Desastre mais completo não há. E parece evidente que Portugal, que perdeu a sua independência há muito, é um mero receptor de decisões alheias, nesta área com maior nitidez ainda do que noutras.
Seja, o que tem de ser tem muita força. Conviria porém que a casta de gestores que o poder democrático engendrou à boleia do sector público da economia cessasse de sugar um país exangue para fingir que é depositária de competências especiais que lhe justificam as prebendas. Não é, como se prova pela litania de falências, intermináveis ajudas do Estado e promiscuidades sortidas.
O que Paulo Macedo está a fazer na Caixa é provavelmente o que, nas circunstâncias actuais e querendo preservar a sua propriedade pública, tem de ser feito. Mas não se entende que o mesmo cidadão que acha normal pagar o modesto estipêndio que atribui ao Presidente da República e aos membros do Governo encare com equanimidade pagar fortunas a quem desempenha, dentro do Estado, funções que nada têm de mais complexo. E não se diga que são necessárias competências especiais e que elas só se encontram no sector bancário. Porque, mesmo que fosse o caso (e não é, a banca de propriedade portuguesa praticamente desapareceu, não obstante os milhões que o Estado lhe emprestou, o que diz alguma coisa sobre as sumidades que a administraram) desempenhar funções de topo no serviço público deveria ser um privilégio - mais o de servir e menos o de servir-se.
Ao trabalhador cujo miserável ordenado é depositado em conta que a banca assalta para garantir resultados talvez tudo isto interesse pouco, salvo para o confirmar na ideia de os de cima serem uma quadrilha de ladrões.
São. E não é porque se nomeiam comissões que têm a especial incumbência de determinar a extensão do roubo que este deixa de o ser. Mais ainda se os próprios membros dessas comissões ganham, pelo esgotante trabalho de coçarem as costas aos administradores, ordenados obscenos que o ministério das Finanças lhes manda pagar, decerto porque o titular da pasta, como muitos dos anteriores, acha que virá a fazer parte do sistema de portas giratórias que é a norma perversa que a extensão do sector público, a promiscuidade com o Estado, e a corrupção dos costumes, engendraram.
Tem de ser assim? Não tem. O assunto foi há muito bem resolvido. E é uma medida da degradação do nosso regime democrático que a comparação com outros tempos resulte, neste aspecto, desfavorável. É que este diploma dizia, na alínea e) do seu art.º 1º:
"Que beneficiem de financiamentos feitos pelo Estado ou por ele garantidos, bem como as empresas de navegação consideradas de interesse nacional, quando o Estado para elas deva nomear, ou nomeie, delegados ou administradores - quer se revistam da forma de administração, direcção, comissão executiva, fiscalização, ou qualquer outra, não podem perceber remuneração superior à atribuída aos Ministros de Estado".
Os outros artigos e alíneas são igualmente edificantes, numa lei que se lê num ápice. De brinde, está redigida em português, hoje uma raridade. A seriedade também.
Hoje metemos mais 2.500.000.000€ na Caixa Geral dos Depósitos. É um número complicado de ler por extenso? Eu ajudo-vos. Todos os portugueses meteram, cada um, 250 € na CGD. Cá em casa não faltámos à chamada com os nossos 750 €. Temos que ser uns para os outros.
Para quê? Para termos um banco público que conceda crédito à economia, nomeadamente às pequenas e médias empresas [LOL].
Porquê? Porque os socialistas do governo chefiado pelo José Sócrates e de que fizeram parte a maior parte dos membros do governo actual, a começar pelo próprio António Costa, torraram o dinheiro do banco público a conceder crédito a fundo perdido a grandes projectos de investimento sem viabilidade que o governo socialista queria promover para mostrar a modernidade que tinha trazido para o país, ou a amigos dos governantes, ou mesmo a testas de ferro para comprarem lugares na administração de bancos privados para os amigos dos governantes.
A grandes capitalistas e latifundiários.
Como se dizia antigamente, e até se levaram canções ao Festival da Canção RTP de 1975 da canção a propósito do tema, que cairam em desuso, mais por os lobos terem passado a ser oficialmente considerados animais simpáticos e inócuos do que por o grande capital e os latifundiários terem deixado de arranjar processos vários de nos continuar a meter na boca do lobo a morder na nuca do povo.
O governo não é suportado por uma maioria parlamentar de esquerda, é suportado por uma lavandaria parlamentar de esquerda que o ajuda a esconder todas as trafulhices que faz, e as que fizeram os anteriores governos socialistas, e o assunto das promessas ao banqueiro Domingues, que toda a gente já está farta de perceber exactamente em que termos foram feitas, e por quem, e quem as conhecia, só será formalmente desvendado na próxima legislatura, quando a lavandaria voltar a ficar em minoria.
Nessa altura será bom que a nova maioria tenha aprendido a lição, e até o benchmark deixado pelos socialistas de aproveitar o acesso privilegiado que se tem aos dossiers quando se está no governo para fazer política partidária, mesmo sendo desnecessário e até desaconselhável recorrer ao bordel dos jornalistas do Público e de outros bordéis menos ilustres para lançar pós-verdades construídas a partir deles, se deixe de institucionalismos excessivos, e eu parto sempre do princípio que o institucionalismo é uma virtude associada à honestidade e a ser capaz de jogar pelas regras, mas para além da medida certa neutraliza por inacção as vantagens que podem advir dessa virtude, e investigue tudo o que há para investigar, e até às últimas consequências, incluindo as judiciais, sobre a CGD e não só, para nunca mais se ver de novo remetida a posições reactivas e defensivas sobre o modo como procurou resolver falcatruas sem solução possível cometidas pelos socialistas que a precederam, como os swaps ou a falência da CGD, e passar a identificar proactivamente os autores e responsáveis por elas e pelos prejuízos calculáveis, e por isso publicáveis, que causaram e causam.
Não por revanchismo contra estes bandalhos que ajavardam o parlamento, mas porque os portugueses merecem saber quem os arruinou, e como, e quando.
O governo meteu-se numa grande trapalhada.
Encheu-se de brio e decidiu escolher para liderar a CGD um gestor profissional. O homem já se tinha reformado, e bem, que os gestores profissionais da banca reformam-se cedo, e bem, mas mesmo assim levava caro para voltar a trabalhar, e não estava disposto a aceitar o lugar a não ser que o isentassem de apresentar ao Tribunal Constitucional a declaração de património e rendimentos que segue directamente para as páginas do Correio da Manhã. A intenção de manter o seu património e rendimentos ao abrigo da curiosidade alheia fica mal num gestor da CGD, e é ilegal, mas é completamente ética e legítima em qualquer outro cidadão, assim como a decisão de declinar o convite se não fosse satisfeita. Mas o governo, levado pelo brio, e inebriado pela missão de fazer Portugal porreiro de novo e livre da austeridade, decidiu fazer-lhe a vontade com um arranjinho legal para o isentar dessa exposição. Melhor ainda, delegou nos advogados do banqueiro a melhor redacção para a lei que publicou com essa finalidade. Quando a coisa foi tornada pública, ainda ensaiou um argumentário na linha de é preciso ir buscar os melhores e aliciá-los com condições concorrenciais com o mercado, mas acabou por perceber que com a medida corria mais risco de se tornar impopular do que estava disposto a correr, e abandonou o banqueiro e a sua intenção de manter o património e os rendimentos em privado à sua sorte. Começou a negar que tivesse tido intenção de isentar o banqueiro da declaração e passou mesmo a dizer publicamente que era claro que o banqueiro teria que os declarar. O banqueiro acabou por se demitir pouco depois de entrar em funções, causando um embaraço ao governo, não por ter enganado o país com a combinação secreta com o banqueiro, nem por ter depois enganado o banqueiro renegando a combinação secreta, mas por ter desde a primeira hora declarado o virar de página na CGD como uma bandeira política, e se ter passado um ano sem virar página nenhuma. Mas de cara lavada por, segundo o próprio, nunca ter acedido à pressão do banqueiro para alterar a lei à medida das suas aspirações pessoais.
Mas na melhor cara lavada cai a nódoa, e têm-se vindo a descobrir trocas de correspondência que provam que o governo tinha mesmo prometido ao banqueiro remover-lhe a obrigação de apresentar a declaração, que o decreto que a intentava remover tinha sido redigido em colaboração com os advogados do banqueiro, e que o governo tinha mentido ao país ao negar tudo isto. Nada de contraditório com o nível habitual de ética deste governo desde que se começou a formar, e nada de embaraçoso, que é tão embaraçoso para este governo ser apanhado a mentir e a traficar interesses públicos por privados como para o Donald Trump ser apanhado a fazer pleneamento fiscal: é, pelo contrário, motivo de orgulho por ter conseguido arranjar maneiras de enganar os outros.
Mas neste caso concreto havia um detalhe que, mesmo sem ser embaraçoso, podia trazer transtornos: além de, como o primeiro ministro e o secretário de estado, ter mentido a todo o país, o ministro também tinha mentido na comissão de inquérito no parlamento. Uns alegarão que é mais grave mentir ao país do que a uma comissão parlamentar. Mas, à luz da lei, é mais grave mentir ao parlamento do que ao país, porque enquanto mentir ao país só tem consequências políticas, o que significa que um bom equilibrista se consegue aguentar à bronca sendo mesmo apanhado a mentir, e é olhar para o Sócrates para ver a prova desta asserção, mentir a uma comissão parlamentar pode ter consequências penais. É motivo de orgulho, mas pode ser um incómodo.
Apanhado numa grande trapalhada, logo recebeu o apoio do doutor Rebelo de Sousa que, com um passado de jurisconsulto de prestígio, interrompeu o seu programa de comentário diário sobre a actualidade política para lhe oferecer as linhas mestras de uma boa estratégia de defesa: sem um papelinho assinado por governantes, não se pode provar que o governo assumiu o compromisso com o banqueiro. É uma linha de defesa genial, e tanto se aplica para livrar das garras da justiça governantes corruptos que não passaram recibo do prémio como violadores que não escreveram uma carta à vítima a confirmar a violação. O jurisconsulto ilustre teria dado um advogado de primeira linha se não se tivesse dedicado ao comentariado diário.
Mas, mesmo tendo a trincheira jurídica para se defender da acusação de mentira à comissão parlamentar já eregida, havia ainda que, que vivemos em democracia e a opinião pública acaba por ser regularmente vertida em votos, acalmar do povo o gran sussurro. Disso se ocupou a turma da propaganda do costume, desta vez liderada pelo recém nomeado director-adjunto de informação da RTP: a questão da mentira do ministro é um fait-divers, um assunto com que não se devia perder tempo que é precioso para discutir assuntos muito mais importantes para o país. Passa-se um pano sobre o assunto e não se fala mais nisso. Boa? Se não é boa é, pelo menos, o melhor quer se pode arranjar, e formou-se um coro a esconjurar a discussão com este argumento.
A drª Manuela Ferreira Leite, ex-presidente da Comissão Política Nacional do PSD, tal como o doutor Rebelo de Sousa, também juntou a sua voz a este movimento que apela ao branqueamento do caso das promessas ilegais feitas por governantes a um banqueiro, das declarações públicas dos governantes a anunciá-las, do acolhimento das sugestões dos advogados do banqueiro para redigir a lei para as legalizar, do recuo dos governantes quando perceberam que a medida afinal era impopular e lhes podia custar mais do que render, e do estado de negação absoluta em que entraram depois deste recuo desmentindo tudo, mesmo o que está documentado, para arrumar o assunto a tempo de salvar a pele dos aldrabões que começaram por albrabar o país cozinhando leis com o banqueiro, depois aldrabaram o banqueiro abandonando o compromisso, e agora aldrabam toda a gente negando tudo, a pretexto de não ser um assunto importante e haver outros mais importantes para discutir.
De facto há coisas mais importantes do que este caso específico, tão importantes que ele é apenas um mero caso específico de uma realidade geral. Há governantes que assumem em segredo compromissos ilegais com interesses privados. Há governantes que delegam nesses interesses privados a própria redacção das leis que legalizam a satisfação desses compromissos. Há governantes que enganam o país, e também enganam os privados com quem enganam o país assumindo compromissos secretos. Há governantes que negam, mesmo quando há provas a comprovar, as trafulhices que fizeram. Mas isto não tem nada de especial, é o dia-a-dia da política que em democracia se tende a resolver, se não de imediato, pelo menos com o tempo. Mas há ex-presidentes do maior partido da oposição, que no caso actual é o maior partido português medido pelos votos conseguidos nas eleições legislativas, a branquear estas pouca-vergonhas, fornecendo aos vigaristas sugestões para se defenderem formalmente contra a evidência dos factos, ou sugerindo que se deixe a vigarice ficar impune porque há coisas mais importantes para se discutir.
E o mundo está cheio de Trump e Le Pen à espreita de oportunidades como esta para dizer aos eleitores que o sistema está podre (como se estivesse mais do que uma fracção do grau de podridão a que pode ascender com eles) e estão todos feitos uns com os outros (o que não é sempre verdade mas, neste caso, e dadas estas posições, até parece que é).
Não, drª Manuela Ferreira Leite. Isto não é uma trica entre duas pessoas. Isto, incluindo os seus comentários a desvalorizá-lo, é uma ameaça à democracia.
O governo socialista aprovou em Junho uma executive order para alterar o estatuto do gestor público de modo a liberalizar os vencimentos dos novos gestores da CGD e a isentá-los de apresentarem, como a generalidade dos gestores públicos são obrigados, as declarações de património e rendimentos à entrada e à saída das suas funções públicas.
Apesar de serem por definição contra os salários ilimitados e o alívio de obrigações declarativas de quaisquer gestores, e mais ainda dos dos bancos, tanto o BE como o PCP eregiram uma muralha de aço para proteger este decreto-lei de quaisquer alterações que a direita reaccionária lhes tentou repetidamente impôr.
O assunto teve o desfecho que se conhece através do desenvolvimento que se vai conhecendo, a renúncia da maioria dos novos gestores depois de se terem visto confrontados com a impossibilidade desta isenção, os outros ficaram e a administração da CGD anda à procura de tachos para lhes oferecer de modo a evitar o pagamento das indemnizações que lhes são devidas, depois de ela lhes ter sido alegadamente, a tender para comprovadamente, prometida pelo secretário de estado das finanças, pelo ministro das finanças e pelo primeiro ministro, de a promessa passar a ter sido negada publicamente pelos governantes quando se transformou num lastro mediático para o governo, e de finalmente o parlamento os ter obrigado a entregar as declarações. Mais uma trapalhada demonstrativa da lendária capacidade negocial do primeiro-ministro para desbloquear processos de negociação recorrendo a propostas ilegais e impossíveis de concretizar.
E quem redigiu o decreto-lei que no parlamento socialistas, mas também bloquistas e comunistas, protegeram até ao limite das suas possibilidades contra as investidas da direita reaccionária? A sociedade de advogados Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados, que assessorava António Domingues ainda sem contrato assinado. O decreto-lei defendido pela esquerda é da autoria dos advogados do banqueiro. Todo o burro come palha, a questão é saber dar-lha...
Quando se quer arruinar um país, deve-se fundamentar a missão nas estratégias comprovadas. E o investimento estratégico anda nisto, e soma sucessos, há muitos anos. Sem ele, um governo não é genuinamente socialista. Com ele, o sucesso das políticas socialistas é garantido.
Investimento estratégico socratista no quinquénio 2005-2010:
Investimento estratégico costista a partir de 2019:
Convidada a comentar mais um episódio mediático da novela da Caixa Geral dos Depósitos, a ex-ministra das finanças Maria Luís Albuquerque do governo que resgatou Portugal, o estado social e os portugueses da falência e da miséria, afirmou que...
...e rematou com o sound byte...
Mas a história destes dias não se pode resumir neste sound byte, ainda que seja verdadeiro.
A barragem de revelações sobre supostas ocultações da situação real da CGD durante a legislatura anterior, umas vezes explicadas com o objectivo de "maquilhar uma situação que permitisse anunciar uma saída limpa", mesmo que a saída limpa tenha precedido de um ano a "ocultação" agora revelada, outras com o objectivo eleitoralista de "esconder problemas na CGD antes das eleições", ainda que a "ocultação" agora revelada tenha sido desocultada antes das eleições, outras ainda com a explicação mais sofisticada estatisticamente de a ocultação se limitar a "seguir padrão" [do governo anterior], revelações que suscitam reacções de reflexo condicionado mesmo nas pessoas, que são quase todas, que não percebem os mecanismos de regulação nem se os factos revelados constituem mesmo uma violação dos mesmos, tem obviamente como objectivo circunstancial criar uma barreira de ruído que faça desviar as atenções do público da trapalhada incomensurável que constituiu desde o início a gestão do dossier da CGD pelo governo actual, e que vai continuar a constituir porque, como é notório, o governo ainda não sabe como vai desorçamentar o dinheiro da injecção de capital que anunciou há um ano que era urgente e essencial para a sobrevivência do banco mas que ainda não fez.
Mas, além deste objectivo circunstancial, a campanha tem um objectivo estrutural mais importante.
Exactamente como fez durante a crise mediática dos swaps, que não foi desencadeada quando o governo socialista anterior ordenou a celebração de contratos de swap ruinosos a uma série de empresas públicas, não com o objectivo de cobrir os seus riscos de negócio, a real utilidade dos swaps, mas com o de desorçamentar despesa pública e simular uma execução orçamental que não correspondia à real, que se veio posteriormente a verificar ser várias vezes mais deficitária que a simulada, mas quando o governo que se lhe seguiu teve que gerir à posteriori os danos avultados dessa decisão, a máquina de propaganda socialista está agora em acção com o objectivo claro de centrar a discussão dos problemas da CGD nas questões processuais dos governos que os herdaram, para esconder o que, e quem, os originou, o envolvimento da CGD em negócios ruinosos para cumprir determinações da estratégia de política económica da tutela, na esmagadora maioria deles do mesmo governo socialista anterior.
A crise mediática dos swaps comprovou coisas notáveis e inesperadas, e de grande valor para o exercício do populismo demagógico. A opinião pública, desde que seja bem orientada, desinteressa-se facilmente do roubo em si, no caso da CGD os negócios ruinosos, e do ladrão, no caso da GCD o governo que os encomendou e a gestão que os concretizou, o lado criminal da questão. Desinteressa-se ainda mais da relação entre a circunstência de as empresas (de transportes no caso dos swaps, e a CGD no caso da CGD) serem públicas e por essa condição estarem à disposição da tutela para as forçar a entrar em negócios ruinosos, o lado político da questão. Mas deixa-se enrolar facilmente nos aspectos processuais da contabilização do roubo, no caso da CGD o registo das imparidades, e da tentativa de lhe dar solução, que lhe são servidos em cachão e de modo ininteligível pela comunicação social e o comentariado, que também tendem a não os perceber, pelo que a ininteligibilidade lhes deve ser perdoada, mas sempre com uma sugestão de interpretação que, não percebendo bem o problema, não têm como recusar: a culpa do roubo nunca é do ladrão, é sempre do polícia. O lado contabilístico da questão.
E é assim. Quanto mais atenção se dedicar a discutir quanto tempo esteve o relatório na secretaria de estado antes de ser despachado, e quanto tempo deveria ter demorado a ser despachado, ou sequer de devia ter sido despachado, e qual a importância do relatório para o problema da CGD, menos se dedica a reconhecer que o problema da CGD se resume a um punhado de maus negócios que lhe foram impostos por governos, a esmagadora maioria por governos socialistas, a esmagadora maioria pelo do José Sócrates, de que uma boa parte dos membros que entretanto não foram presos regressaram ao governo actual, e que os de maior dimensão e que cobrem a maior parte do buraco até são do domínio público.
É preciso confessar que o governo e a maioria anteriores têm a sua quota de reponsabilidade neste surto de demagogia por, numa postura institucionalista, se terem dedicado a trabalhar para tentar resolver os problemas que os socialistas lhes tinham deixado, e estes estavam longe de ser os mais graves, em vez de, como este governo e esta maioria fizeram mal entraram em funções, terem colocado um bando de facínoras a denunciar à opinião pública os casos antes de serem denunciados, como ainda estão agora, por terem tentado resolvê-los. Verdade se diga que pode não ser fácil arranjar facínoras do calibre de um João Galamba ou de uma Ana Gomes para o fazer. Mas podiam ter-se esforçado, e estes problemas teriam sido explicados e os seus autores devidamente identificados.
O populismo demagógico que governa e sustenta o governo aprendeu rapidamente a lição. Oxalá a oposição também a aprenda.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais