Sexta-feira, 19 de Julho de 2013

O alfaiate cego

Antes que os partidos cheguem a acordo, como desejo, que o Presidente veja restaurada a sua popularidade, como seria útil, e que o PS se divida ou não, a bem da clareza, digo que as circunstâncias vão alterando aquilo que em cada momento um cidadão sensato e pragmático estima desejável, e que por isso o que ontem era a melhor escolha deixou de o ser.

 

Porque, na realidade, Cavaco fez um grande desserviço à Nação quando se pôs em bicos de pés, rejeitando a solução de um problema que os envolvidos haviam pelos seus próprios meios engendrado, e condicionando as escolhas dos responsáveis políticos, agora e, petulantemente, no futuro.

 

Passos, vendo rejeitada a solução e o elenco que apresentara, devia ter calmamente dito: O senhor Presidente não governa, quem governa sou eu. Se insiste em impôr-me a sua opinião sobre como devo proceder no exercício do meu mandato, não pode exigir-me que, em vez de fazer aquilo em que acredito, faça, sob minha responsabilidade, aquilo em que o senhor acredita, pelo que terá que ter a maçada de resolver a situação como lhe aprouver, mas sem mim.

 

Cavaco nunca, como governante, foi além da vulgata do europeísmo, porque acompanhada da cornucópia dos milhões da solidariedade da CEE, e só deixou obra feita porque no momento histórico em que assumiu funções as condições estavam maduras para a evidente necessidade de desmantelar a economia socialista e modernizar a sociedade - coisas que, por incapacidade e falta de coragem e convicção, deixou aliás a meio. Como Presidente, colaborou no governo socrático muito para além da solidariedade institucional, refugiando-se em "avisos" que por ingenuidade imagina lhe garantirão uma imagem histórica positiva. E, de forma geral, nunca, nem por palavras nem por actos, deu a impressão de estarmos perante um estadista, mas apenas um político manhoso que se faz passar por não-político, um orador menos que medíocre que tacha a oratória de "verborreia", e um economista que acredita piamente que ele e um grupo de colegas, por estarem todos albardados das mesmas qualificações académicas, ficaram ungidos da sabedoria que permite a solução de todos os problemas.

 

Cavaco, confrontado com a renuncia de Passos, provavelmente recuaria. Ou talvez não, e iria buscar ao armário do PSD a amiga Manuela, ou Rui Rio, ou outro qualquer - o PSD tem governantes potenciais para abastecer cerca de metade dos países representados na ONU.

 

Nunca saberemos. Mas que o PSD, o CDS e o PS tenham sido forçados a fazer, sob a égide de um fiscal presidencial, umas negociações grotescas fora do lugar delas, que é o Parlamento, sob pena de, se não colaborarem no humilhante exercício, se arriscarem a ser severamente penalizados nas urnas, fica como exemplo de como uma Presidência entende o exercício da Democracia.

 

Desejo o sucesso das negociações, sim. E não duvido que, se ele tiver lugar, Cavaco será aplaudido de pé não apenas pelas numerosas pessoas que sempre nele viram o que lá não está, mas também por muitas outras.

 

Por uma vez, abençoo a Constituição: não permite a reeleição.

publicado por José Meireles Graça às 12:45
link do post | comentar
Quinta-feira, 4 de Julho de 2013

O casamento vitoriano

A história que se está fazendo conta-se aqui, com fundamentos sólidos nos factos que são do domínio público.

 

Enquanto Portas não falar, ou não verterem mais informações, é o que há a dizer.

 

Numa alegria histérica estão os comunistas e os primos; os socialistas, muitos, veem tachos e negócios no horizonte e, alguns, os mais lúcidos, franzem os sobrolhos de ansiedade e preocupação porque não é altura - as castanhas ainda estão ao lume, diabo de governo incompetente que não deixou as coisas prontas para o business as usual; até mesmo no CDS a oposição interna arreganha os dentes, Portas sempre foi um eucalipto e há muita planta que gostaria de crescer para o Sol.

 

Já a laranjada, essa, está num irritantezinho alvoroço, a boa obra pretérita do guru Gaspar num bolso, o superior interesse nacional no outro, a incompreensão pelos estados de alma daquele partidozeco a que deram boleia para o Governo nos bestuntos, e a incontinência verbal nas entrevistas e nos textos.

 

Convém lembrar: A saída do número dois não comoveu a bolsa, ou os mercados, ou a tróica. E o próprio fez pública uma carta em que reconhece a parte má do seu trabalho, num exercício de lucidez que nem sempre o assistiu enquanto governante. Já a saída do número três fez chover raios e coriscos. E isto devia fazer parar para pensar: ser sócio-gerente de uma empresa, ainda que com quota minoritária, não é a mesma coisa que ser um funcionário - Passos que aprenda esta lição de Direito Comercial.

 

Depois, do que seja o interesse nacional há tantas opiniões quantos os partidos, mais outras muitas que andam para aí avulsas. Mas, a menos que se seja comunista, ignorante, ingénuo, socialista, ou intelectual, é difícil negar que as eleições, agora, sob a sombra da tróica, mergulhariam o País numa horrenda barafunda.

 

O meu interesse nacional é que se entendam. E que, não podendo amar-se, e mesmo que vivam em quartos separados, guardem entre si e mostrem a terceiros aquele mínimo de respeito que garantia a sobrevivência de muito casamento vitoriano.

publicado por José Meireles Graça às 11:43
link do post | comentar
Domingo, 7 de Abril de 2013

O incidente antes do próximo

Encaremos os factos: anteontem a Esquerda, toda ela, teve uma vitória; e a Direita, toda ela, ficou num canto, ensimesmada, a lamber a ferida e a coçar a cabeça.

 

Não é surpresa: a Esquerda governa o País há quase quarenta anos, mesmo quando não está no Governo; e nas raras oportunidades que tem havido para reverter o rumo das coisas, sempre o espírito de compromisso, os princípios submetidos às razões táticas, o apego aos lugares com os quais o Centrão colonizou o aparelho de Estado e respectivo sector empresarial, e o medo "democrático" às reacções da clientela do Orçamento, que é hoje a maioria da população e do eleitorado, se conjugaram para anular qualquer veleidade de reforma, que aliás nunca foi senão timidamente defendida e, menos ainda, posta em prática.

 

Foi assim que a Constituição, cujo preâmbulo apontava o caminho do "socialismo" e continha efectivamente um programa de governo que deixava aberta a porta para lá chegar, foi aprovada, de má-fé, por dois partidos: pelo PCP e apêndices, que a    achavam útil não obstante conter elementos de democracia burguesa e cretinismo parlamentar; e pelo PSD, que a achava um progresso em relação à revolução da rua e fingia acreditar que a social-democracia era o que a Constituição defendia. A prolixidade, o tudo para todos que a Constituição é, como se os direitos económicos de uns não fossem as obrigações económicas de outros, foi o contributo do PS, uma associação de beneméritos com propensão para a generosidade a crédito.

 

O partido que ficou de fora da aprovação, o CDS, não tinha, como ainda hoje não tem, peso específico para influenciar significativamente o curso das coisas. Mas cabe referir que, se o PSD tivesse votado contra, as revisões que se foram sucedendo teriam podido ter outra profundidade, por ser mais nítida a clivagem esquerda/direita e mais equilibrado e espectro partidário.

 

Depois veio a "Europa". Então como hoje, o Centrão apostou todas as fichas na "solidariedade" europeia. E, mais tarde, comprometeu o País numa desastrada adesão ao Euro, um clamoroso erro de toda uma geração, que só ainda não é visto pacificamente como tal por os responsáveis que detêm as alavancas do Poder e da Opinião ainda serem basicamente os mesmos.

 

Chegámos aqui, na terceira edição da bancarrota que o regime democrático foi capaz de engendrar. E, mais uma vez, a curta oportunidade que houve de reformar seriamente o Estado, nos primeiros seis meses do Governo, foi desperdiçada por falta de lucidez (o prestigiado Gaspar é um estrangeirado que não conhece, nem entende, o País, e tem todos os tiques do apparatchik incompetente e europeu que efectivamente é), de coragem (os boys do PS e PSD só podem ser liquidados, e os poderes fácticos que minam a competitividade da economia portuguesa só podem ser afrontados, por quem esteja disposto a fazer hara-kiri) e erros de avaliação de forças: engolir acefalamente quanta prescrição idiota fazem os credores é, além de cobarde, não compreender que ajudá-los a receberem o que lhes é devido NÃO implica andar permanentemente de gatas.

 

No momento em que isto escrevo, está toda a gente em suspenso, no confronto atordoado das respectivas impotências. E arrisco que nada de dramático vai acontecer: uma remodelação talvez, uns cortes na despesa que deviam ter sido feitos há muito, uns aumentos de impostos para os "ricos", mais um esforço na "luta contra a evasão fiscal", mais uma renegociaçãozinha que a tróica fingirá ter grande dificuldade em engolir, et le tour sera joué.

 

Até ao próximo incidente. 

publicado por José Meireles Graça às 18:34
link do post | comentar
Sábado, 6 de Abril de 2013

Ia escrever um post mas Maria João Marques antecipou-se e disse tudo:

Entendamo-nos: tirando um corte de despesa sectorial aqui e ali mais ou menos bem sucedido que havia sido imposto pelo memorando incial acordado com a troika, este governo dito de direita não reformou o estado, não se recentrou nos seus serviços fundamentais (onde falha) abandonando outros (onde não é necessário), não privatizou o que havia para privatizar, não tomou qualquer medida que permitisse uma redução estrutural de despesa pública. Os cortes temporários que tentou – reduzindo os ordenados dos funcionários públicos – foram boicotados pelo tribunal constitucional. Não vejo bem que outro caminho possa ter o governo se não a demissão. A seguir que venha o zero confesso; não vai reformar o estado, não vai reduzir despesa, não vai privatizar; ficamos, portanto, na mesma e sempre deixamos de ter um governo que dá mau nome aos liberais.


aqui

publicado por João Pereira da Silva às 19:58
link do post | comentar

Pesquisar neste blog

 

Autores

Últimos comentários

https://www.aromaeasy.com/product-category/bulk-es...
E depois queixam-se do Chega...Não acreditam no qu...
Boa tarde, pode-me dizer qual é o seguro que tem??...
Gostei do seu artigo
Até onde eu sei essa doença não e mortal ainda mai...

Arquivos

Janeiro 2020

Setembro 2019

Agosto 2019

Julho 2019

Junho 2019

Maio 2019

Abril 2019

Março 2019

Fevereiro 2019

Janeiro 2019

Dezembro 2018

Novembro 2018

Outubro 2018

Setembro 2018

Agosto 2018

Julho 2018

Junho 2018

Maio 2018

Abril 2018

Março 2018

Fevereiro 2018

Janeiro 2018

Dezembro 2017

Novembro 2017

Outubro 2017

Setembro 2017

Agosto 2017

Julho 2017

Junho 2017

Maio 2017

Abril 2017

Março 2017

Fevereiro 2017

Janeiro 2017

Dezembro 2016

Novembro 2016

Outubro 2016

Setembro 2016

Agosto 2016

Julho 2016

Junho 2016

Maio 2016

Abril 2016

Março 2016

Fevereiro 2016

Janeiro 2016

Dezembro 2015

Novembro 2015

Outubro 2015

Setembro 2015

Agosto 2015

Julho 2015

Junho 2015

Maio 2015

Abril 2015

Março 2015

Fevereiro 2015

Janeiro 2015

Dezembro 2014

Novembro 2014

Outubro 2014

Setembro 2014

Agosto 2014

Julho 2014

Junho 2014

Maio 2014

Abril 2014

Março 2014

Fevereiro 2014

Janeiro 2014

Dezembro 2013

Novembro 2013

Outubro 2013

Setembro 2013

Agosto 2013

Julho 2013

Junho 2013

Maio 2013

Abril 2013

Março 2013

Fevereiro 2013

Janeiro 2013

Dezembro 2012

Novembro 2012

Outubro 2012

Setembro 2012

Agosto 2012

Julho 2012

Junho 2012

Maio 2012

Abril 2012

Links

Tags

25 de abril

5dias

adse

ambiente

angola

antónio costa

arquitectura

austeridade

banca

banco de portugal

banif

be

bes

bloco de esquerda

blogs

brexit

carlos costa

cartão de cidadão

catarina martins

causas

cavaco silva

cds

censura

cgd

cgtp

comentadores

cortes

crise

cultura

daniel oliveira

deficit

desigualdade

dívida

educação

eleições europeias

ensino

esquerda

estado social

ética

euro

europa

férias

fernando leal da costa

fiscalidade

francisco louçã

gnr

grécia

greve

impostos

irs

itália

jornalismo

josé sócrates

justiça

lisboa

manifestação

marcelo

marcelo rebelo de sousa

mariana mortágua

mário centeno

mário nogueira

mário soares

mba

obama

oe 2017

orçamento

pacheco pereira

partido socialista

passos coelho

paulo portas

pcp

pedro passos coelho

populismo

portugal

ps

psd

público

quadratura do círculo

raquel varela

renzi

rtp

rui rio

salário mínimo

sampaio da nóvoa

saúde

sns

socialismo

socialista

sócrates

syriza

tabaco

tap

tribunal constitucional

trump

ue

união europeia

vasco pulido valente

venezuela

vital moreira

vítor gaspar

todas as tags

blogs SAPO

subscrever feeds