Como hoje eu não sabia por onde andava o juiz Carlos Alexandre, decidi escutar um entrevistador do INE a participar no célebre Inquérito ao Emprego, que tem revelado mínimos históricos no desemprego e máximos históricos no emprego. Consegui gravar esta entrevista.
- Bom dia, minha senhora, o meu nome é xxxxxxxx xxxxxxxx, sou entrevistador do INE e estou a participar no inquérito ao emprego. Tenho umas perguntas para lhe fazer, que a senhora é obrigada a responder.
- Faça favor, senhor entrevistador.
- O que é que a senhora faz? Qual é a sua situação profissional?
- Eu não faço nada, senhor entrevistador, estou desempregada.
- Não faz nada? Então em sua casa quem é que cozinha? E lava a loiça? E muda a roupa das camas?
- Isso sou eu, senhor entrevistador.
- E é paga por isso?
- Nada, senhor entrevistador.
- Então a senhora não está desempregada, está empregada sem remuneração.
- Ai que bom, senhor entrevistador, finalmente arranjei emprego. O António Costa, pesem embora as acusações de sebastianismo dos seus adversários políticos fora e dentro do partido, e alguma suspeição de que consegue obter tratamentos de favor da comunicação social, que é muito menos diligente a investigar grandes negociatas dele do que pequenos pecadilhos dos outros, é mesmo um gajo porreirinho. Veja lá que durante o governo do outro malvado eu estava desempregada e agora, mesmo sem dar por isso, já tenho emprego!
Juntaram-se as melhores cabeças de Portugal para resolver o problema do deficit, e resolveram-no.
Quem são elas? Toda a gente sabe. O professor Francisco Anacleto Louçã, conselheiro de estado no reinado do professor Marcelo e bloquista eterno, os investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra coordenado pelo conhecido sociólogo rapper Boaventura "de" Sousa Santos e que deu à Pátria figuras como a eurodeputada Marisa Matias, o deputado José Manuel Pureza ou a ministra Maria Manuel Leitão Marques, para não falar do histórico sindicalista Manuel Carvalho da Silva, coordenador do Observatório de Crises e Alternativas, em cujo âmbito as Oficinas sobre Políticas Alternativas desenvolveram nos anos de bruma da troika a solução política salvífica agora divulgada, e mais alguns ajudantes de escritor dos quais me permito salientar um tal de Manuel Pires para esclarecer que não sou eu. Sem esquecer o prefaciador, o presidente da Assembleia da República Eduardo Ferro Rodrigues.
E como é que o resolveram? Fácil. Tivesse-se retirado a troika do caminho e o desemprego ter-se-ia reduzido automaticamente, e "Nós damos um exemplo no livro: se um em cada cinco dos desempregados e um em cada dois dos que saíram de Portugal durante a 'troika' estivessem a trabalhar cá, o défice português seria zero, porque se pagariam menos cinco mil milhões de euros de subsídio de desemprego e o aumento da receita da segurança social – por causa das pessoas que estariam a trabalhar – seria de 1.300 a 2.700 milhões de euros. Não teríamos défice simplesmente". Como diz o outro, só não vê quem não quer ver.
Encontrada a solução, e entendido que a solução se refere ao passado mas pode facilmente ser transposta para o futuro pela aplicação do princípio que menos austeridade resulta em mais emprego, e está de facto a ser usada para fazer crescer o investimento, o emprego e a economia com os resultados conhecidos através da devolução dos rendimentos aos portugueses, ainda pode haver mentes mesquinhas e economicistas que duvidem do princípio. Que desconfiam que, se a troika não tivesse vindo com o programa de austeridade, o desemprego teria na mesma aumentado em consequência da insustentabilidade dos desequilíbrios económicos e financeiros que a antecederam, e não da tentativa de os eliminar com o programa de assistência. Que desconfiam que o mal-estar do doente se deve, não à quimioterapia, mas aos cigarros que fumou até lhe ter sido diagnosticada a doença. Dúvidas mesquinhas de pessoas mesquinhas.
Tanto mais que a solução enunciada é realmente inovadora e formidável. Conseguir, reduzindo o desemprego em apenas um quinto, cortar cinco mil milhões de euros no subsídio de desemprego que custa menos de dois mil milhões para todos os cinco quintos é obra, já não do domínio da ciência económica, mas do domínio da alquimia, como dizia por aí um companheiro do Gremlin Literário. Ou, talvez, e para ser mais rigoroso, já que estamos a falar de cientistas sociais e não de vendedores da banha da cobra e eu sou mais dado às matemáticas que às ciências dos materiais, é a aplicação dos números imaginários à Economia para a libertar das grilhetas dos números reais.
O Instituto Nacional de Estatística divulgou os números do emprego e do desemprego no 1º trimestre de 2016, assim como a análise detalhada destes números.
A taxa de desemprego aumentou 0,2% durante o trimestre, de 12,2% para 12,4%, tendo o número de desempregados aumentado para 640,2 mil, mais 6,3 mil do que no trimestre anterior.
O chefe dos malucos correu à televisão a explicar que o aumento do desemprego é uma boa notícia, porque significa que há mais pessoas à procura de emprego, um sinal evidente de confiança das pessoas sem emprego na vitalidade da economia inclusiva do tempo novo. O manicómio ficou feliz e celebrou mais uma vibrante vitória da retórica socialista.
Cá fora, significa que, em três meses, se perderam mais 48,2 mil empregos do que foram criados, mais coisa, menos coisa, como se em 31 de Dezembro toda a população activa do concelho de Faro estivesse empregada, e em 31 de Março já estivesse toda desempregada. Ou que o número de pessoas a tempo parcial, ou subemprego de trabalhadores a tempo parcial, aumentou 4,3 mil durante o trimestre.
São só números, não se lhes deve dar importância que perturbe o relato hegemónico da suprema felicidade socialista.
O Prof. António Borges terá dito hoje o seguinte:
"O responsável recorda que em 2009, quando o Governo de José Sócrates determinou um aumento do salário mínimo de 426 euros para 450 euros, Manuela Ferreira Leite, então líder do PSD, “teve o cuidado de dizer que as subidas dramáticas no salário mínimo que se fizeram nessa altura iam gerar muito desemprego mais tarde. Avisou e avisou bem e isso custou-lhe muito caro em termos de popularidade.”
Infelizmente, não parece que o contrário seja verdade, isto é: que uma diminuição do salário mínimo possa gerar muito emprego.
Veja-se aliás a correlação entre a queda dos salários reais (na casa dos 6%) e o aumento da taxa de desemprego (a rondar os 17%).
Por isso, esta outra declaração do mesmo Prof. - "O ideal até era que os salários descessem como aconteceu noutros países como solução imediata para resolver o problema do desemprego” é, no mínimo, argumentável, no máximo, escandalosa e, pessoalmente, chocante.
"O presidente do BPI defendeu que essa é uma pergunta que deve ser feita às grandes empresas, aquelas que, segundo o próprio, têm capacidade para 'absorver pessoas' e de as 'utilizar de forma útil'. Para Fernando Ulrich, 'com voluntarismo', é possível criar emprego no País."
Um paisano lê isto e fica pasmado: Como?! O Presidente do BPI nunca foi consultado "por nenhum responsável" sobre a forma de criar empregos? Como é possível?
Realmente as associações empresariais, os sindicatos, os governos que temos tido, e o actual não é nisto diferente, são completamente refractários ao aproveitamento de muito contributo positivo do que de melhor temos por aí em gestão, criação de valor, espírito empresarial e assim. É verdade que Ulrich nunca se deu à maçada de concorrer a nenhuma eleição, para aplicar directamente as suas luzes, mas também nunca quis. Nem seria aliás necessário: em os eleitos fazendo o que Ulrich diz, o céu despejava sobre esta atribulada terra assinaláveis benefícios, ao menos em matéria de emprego.
É certo que Ulrich, se o contribuinte não lhe tivesse posto a mão por baixo via troika, estaria possivelmente a perorar num jornal, sem o prestígio que lhe dá o ser um dispensador de empréstimos e criador de emprego, e com a pecha de ter levado um banco à falência ou à integração noutro mais sólido, o que não é exactamente a melhor das recomendações. Mas isso são detalhes, o mérito objectivo das sugestões de Ulrich fala por si. Só no BPI, imagine-se, admitia aí uns 500 desempregados, desde que (supõe-se) comprassem um fato e aprendessem a digitar um teclado, levar papéis de um lado para o outro e dizer inanidades.
E isto só no BPI. Porque se se acrescentasse a SONAE, a Portugal Telecom, a EDP e a Jerónimo Martins, ai!, a taxa de desemprego vinha por aí abaixo. E com grandes benefícios para o consumidor, que uma só funcionária duma caixa no Continente a pegar no cartão, passá-lo na máquina, e fazer deslizar os produtos, é realmente pouco: três seria a conta que Deus fez.
Bom, a coisa está-se a compôr, afinal há soluções. Agora, o que é preciso é falar com os outros leviatãs do empresariado e tratar da logística. Com sorte, a taxa de desemprego ainda pode baixar em mais de 1%.
Algumas dúvidas porém me assaltam: se somos nós que continuamos a pagar aos desempregados, o que é que ganhamos com a manobra? Se estas empresas não estão a admitir pessoal, porque hão-de os desempregados que já não são mas que continuam a ser acreditar que terão lugar daqui a dois anos? E se a ideia é boa, porque não para as PMEs, já que são elas, e não as grandes, as responsáveis pela maior parte do emprego?
Ulrich, Ulrich, és um grande ratão. Vou-te dizer em Francês, que eu não gosto de expressões popularuchas: pour nous, tu viens en petite voiture.
Blogs
Adeptos da Concorrência Imperfeita
Com jornalismo assim, quem precisa de censura?
DêDêTê (Desconfia dele também...)
Momentos económicos... e não só
O MacGuffin (aka Contra a Corrente)
Os Três Dês do Acordo Ortográfico
Leituras
Ambrose Evans-Pritchard (The Telegraph)
Rodrigo Gurgel (até 4 Fev. 2015)
Jornais