Sexta-feira, 6 de Julho de 2018

As guerras das tarifas

O estilo errático dos anúncios, essencialmente através de tweets, do presidente Donald Trump não aconselha prognósticos antes do fim dos jogos, porque o que ele diz hoje não é parecido nem coerente com o que disse ontem, e certamente que amanhã dirá outra coisa diferente destas duas e eventualmente contraditória.

Os detratores do presidente americano atribuem esta variabilidade a falta de juízo, mas os apoiantes mais entusiastas acreditam que é pura estratégia negocial, e até é plausível que o seja, porque com quem não diz coisa com coisa ninguém gosta de discutir e as pessoas normais querem é distância, o que facilita os processos negociais por falta de comparência da outra parte, e pelo meio de um processo negocial pode ter havido tweets tão delirantes que qualquer proposta final que pareça minimamente razoável lhes pode parecer uma conquista inesperada da sensatez sobre a loucura, e aceitável, mesmo que não seja a desejada ou a ideal. E assim, simulando loucura, pode-se ganhar uma negociação.

Um dos domínios onde a sucessão de posições aparentemente erráticas tem sido evidente é no comércio internacional. Entre anúncios de ameaças de tarifas sobre os inimigos comerciais dos EUA, que incluem sempre a Europa e o Canada, as proposta de erradicação total das tarifas, as recusas em subscrever acordos que incluem compromissos de as reduzir, anúncios de novas ameaças de tarifas, e anúncios de intenção de afinal não as introduzir, nenhum dia é igual ao anterior e a única constante é a inconstância.

Um dos campos de batalha mais importantes é o da indústria automóvel, uma das que são comulativamente grandes e sexy. Saindo dos anúncios e das especulações sobre intenções que todos os dias há dados novos para ilustrar, e ficando pelos factos, a UE impõe uma taxa de 10% sobre a importação de automóveis americanos e os EUA impõem uma taxa de 2,5% sobre a importação de automóveis europeus, e uma taxa mais elevada sobre os pesados que não vale a pena discutir aqui. Outro facto, que não tenho quantificado mas que é tão evidente que não vale a pena googlar para quantificar, é que os americanos importam muito mais automóveis europeus, principalmente alemães, do que os europeus automóveis americanos. E outro ainda para baralhar as contas, mas que pode não valer a pena trazer à discussão, dois grandes produtores de automóveis na Europa, a Opel e a Ford, são americanos, e a fábrica que exporta mais automóveis dos EUA é europeia, da BMW.

Primeira constatação, a taxa é assimétrica, e a UE penaliza mais a importação de automóveis americanos que os EUA a de automóveis europeus, o que justifica inegavelmente algum desagrado do governo americano.

Segunda, que é provável que a desproporção nos volumes de importações cruzadas seja tão elevada que, apesar de a taxa ser de apenas um quarto da simétrica, é provável que o governo americano arrecade mais taxas pela importação de automóveis europeus do que os governos europeus pela de automóveis americanos.

Terceira, que as tarifas alfandegárias não são um imposto imposto aos exportadores para o país que o impõe, são um imposto pago pelos consumidores desse país que compram produtos importados, um acréscimo aos impostos ao consumo pagos por eles. Quando nos dizem que as exportações americanas vão pagar uma tarifa alfandegária estão-nos a dizer na realidade que os consumidores europeus vão pagar mais caro por essas importações, não que os exportadores americanos a vão pagar, e vice-versa. O que significa que a imposição de tarifas às importações, comulativamente com agradar aos produtores locais de bens concorrentes com os bens importados taxados que podem ser favorecidos pelo aumento dos preços de venda deles aumentando as suas quotas de mercado, também desagrada aos consumidores que vêem os preços dos produtos que preferem consumir aumentar por causa de um novo imposto.

Quarta, e decorre da anterior, a imposição de tarifas alfandegárias traz a uma sociedade ganhos, e até pode criar empregos, principalmente se não houver retaliação, mas também pode destruir empregos se houver, com um balanço final indeterminado, também lhe traz perdas, até políticas, por ser paga pelos consumidores do país que as impõe. Se eu tiver o sonho de possuir um BMW e tiver dinheiro para o comprar mas de repente, por o preço do BMW ter aumentado, me vir forçado a optar por um Chevrolet, posso ficar chateado com o governo que me estragou o sonho com o seu aumento de impostos.

A quinta, digo-a no fim.

Neste mundo de notícias todos os dias diferentes das do dia anterior e que não indiciam o que dirão as do dia seguinte torna-se quase impossível acompanhar para discutir informadamente o enredo do filme, mas podem-se analizar e discutir fotogramas. E o fotograma de hoje diz o quê? Diz "Bruxelas admite baixar tarifas às importações de eutomóveis para agradar a Trump", ou "Recuo de Trump impulsiona bolsas e BCE ajuda euro", adaptando a mesma notícia às preferências dos trumpistas por uma vitória negocial do Trump ou dos europeistas por um recuo do Trump.

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Traduzido em miúdos, que a UE vai reduzir a tarifa alfandegária de 10% sobre as importações de automóveis americanos, provavelmente para um valor idêntico ao aplicado às importações de automóveis europeus nos EUA, e que o governo americano vai desistir da intenção anunciada de aumentar as tarifas alfandegárias sobre os automóveis europeus para 20%. Ou mesmo que as vão anular, o que irá conduzir mais ou menos ao mesmo.

O que se segue não é aconselhável aos que olham para a política internacional como um combate de wrestling entre o Donald Trump e a Angela Merkel, nomeadamente aos que, por parecerem andar a tomar esteróides que lhes dão força, ou anfetaminas que lhes dão a sensação de força, distribuem murros metafóricos no ar traduzidos em insultos e ameaças enquanto assistem ao combate.

Deixar cair a taxa alfandegária actual de 10% sobre a importação de automóveis americanos em troca de o governo americano não lançar uma de 20% sobre os automóveis europeus parece uma medida inteligente, e até cínica, da UE. É que não é a taxa de 10%, e o consequente aumento de 10% no preço de venda, que desencoraja os consumidores europeus de comprarem automóveis americanos, mas o facto de acharem que eles não prestam, de modo que a eliminação desta taxa não vai certamente desencadear uma invasão de importações americanas que prejudique a indústria europeia. Não é a tarifa alfandegária que a protege, mas a diferença na qualidade percebida pelos consumidores europeus que justifica que os automóveis europeus, e principalmente os alemães, e principalmente os alemães de fabricantes europeus como a Mercedes, a BMW, a Audi, a VW ou a Porsche, sustentem um preço premium comparativamente com os americanos.

Já a taxa de 20% sobre os automóveis europeus importados nos EUA aumentaria o seu preço de venda de modo a afectar certamente as exportações da indústria automóvel europeia, mesmo que os consumidores americanos estejam dispostos, como estão, a pagar preços premium pelos automóveis europeus por considerarem que são melhores que os oferecidos pela indústria local.

O acordo registado no fotograma de hoje é pois favorável à indústria automóvel europeia que estava na iminência de ser prejudicada no mercado americano sem a penalizar no mercado europeu. Não é desfavorável à indústria americana comparativamente com a situação actual, se bem que possa ser aparentemente menos favorável que a imposição de tarifas mais elevadas às importações de automóveis europeus no mercado americano, mas também não a vai favorecer significativamente no mercado europeu, por não ser a tarifa de 10% que desincentiva os europeus de comprar automóveis americanos mas a sua falta de qualidade percebida comparativamente com a produção europeia. Dá aos adeptos do status quo europeu alguma estabilidade. E dá aos adeptos do Donald Trump um título de jornal vitorioso onde a UE cede para agradar a Trump. Em suma, todos ganham.

Todos menos os americanos de Detroit que tanto precisam dos american jobs que lhes foram prometidos pelo Donald Trump, não estou a falar dos que a conjuntura lhes oferece tal como os oferece aos portugueses governados pelo socialista António Costa, e pelos quais o Donald Trump parece estar a lutar com as suas guerras das tarifas, mas que não chegarão, sem tarifas ou com elas. É que não é com tarifas alfandegárias ou acordos comerciais que se resolve o desequilíbrio da balança comercial entre os EUA e a UE, mas com produtos bons e competitivos. E andar a discutir tarifas não é o caminho para a indústria americana os melhorar, é, pelo contrário, um bom pretexto para evitar reconhecer o problema e deixar tudo ficar na mesma à espera que a política o resolva.  O que está nos antípodas da american way, em que é tradicional ser a sociedade, e não a política, a tomar o seu destino nas mãos.

E esta foi a quinta constatação.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 00:31
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Sábado, 30 de Junho de 2018

Vamos falar de bola

Eu hoje vou-vos revelar um segredo que peço que tratem discretamente, nomeadamente evitando divulgá-lo nas redes sociais.

Por junto, fui para aí uma dúzia de vezes ver futebol no estádio. Mais ou menos meia-dúzia quando era miúdo, a maioria deles com o vizinho do lado dos meus pais que era sócio do Benfica e nos levava, uma vezes a mim outras ao meu irmão, à Catedral da Luz, uma vez com o marido de uma colega da minha mãe que era sócio do Sporting ao Estádio de Alvalade, e uma vez com o meu pai ver um Portugal-Suécia no belíssimo Estádio Nacional que, se bem me lembro, Portugal perdeu por 2-4. E outra meia-dúzia ver jogos da Selecção Nacional quando a minha filha chegou à idade de se interessar por futebol. O que significa que não vale a pena perguntarem-me o que é um lateral ou se é mais ofensivo jogar em 4-3-3 ou em 2-5-3, que eu não consigo mais do que inventar uma resposta pela pinta da pergunta, porque não sei de ciência certa. Por favor, tratem esta informação discretamente.

Mas hoje vou falar de bola.

 

Qual deles é o melhor?

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Mas tenho um activo que impressiona as gerações mais jovens, que o confundem com uma competência: vi jogar em campo o Eusébio e vi jogar em campo o Cristiano Ronaldo.

E por isso já aconteceu perguntarem-me a opinião sobre qual dos dois joga melhor. Pergunta a que eu, para não decepcionar o jovem que se ilude com a minha ciência desportiva e deposita em mim a esperança de o ajudar a resolver este importante dilema, não fujo a responder e respondo assim.

O Cristiano Ronaldo tem uma capacidade atlética como o Eusébio nunca teve. Mas também é verdade que se o Eusébio tivesse hoje a idade que o Cristiano Ronaldo tem também teria provavelmente uma capacidade atlética como nunca teve quando tinha essa idade.

O Cristiano Ronaldo trabalha que nem um cão e tem uma força de vontade extraordinária quando está determinado a ganhar, e está normalmente, exactamente como o Eusébio trabalhava que nem um cão e tinha uma força de vontade extraordinária quando estava determinado a ganhar, e estava normalmente. E quando, depois e apesar de deixar tudo o que tinha no campo, perdia, chorava como uma criança injustiçada, porque tinha sido mesmo injustiçado.

O Cristiano Ronaldo tem um talento extraordinário, e o Eusébio também tinha. E posso exemplificar os dois. Reparei pela primeira vez na existência do Cristiano Ronaldo nos dois jogos finais do Euro 2004, que vi completos por estar de férias, e lembro-me de me ter impressionado com as fintas e movimentos endiabrados que fazia, e de ter comentado essa impressão junto de amigos com quem me cruzava habitualmente nas férias, que vinham do Porto e diminuiram o talento do rapaz dizendo que fazia uns rodriguinhos mas não concretizava. Eles podiam saber de triangulações e jogadas em profundidade, podiam até assinar a Sport-TV, mas a história deu-me razão e tirou-a à tirada infeliz deles, que eu desconfio que se devia ao facto de o Cristiano Ronaldo ser do Sporting, como eu era e eles sabiam, e não do Porto, como eles eram todos, e até tinham tomado o Scolari de ponta por ter substituído o Baía pelo Ricardo, opção que se acabou por revelar genial nos quartos de final com a Inglaterra numa noite em que o torneio de Bridge no Centro de Bridge de Lisboa foi cancelado para se ver a bola. E num dessa meia-dúzia de jogos que vi em criança vi o Eusébio marcar um golo de canto directo contra o Porto, e ainda hoje me lembro da trajectória improvável que fez a bola curvar, ao cair sobre a pequena-área na frente da baliza, do arco comum de projecção horizontal recta que tinha seguido desde o pontapé até chegar à frente da baliza, para uma curva acentuada que a fez entrar inesperadamente. Uma trajectória substancialmente diferente na natureza da curvatura do livre que o Cristiano Ronaldo marcou contra a Espanha neste mundial, em que a bola iniciou a trajectória numa direcção que a levaria ao lado da baliza mas toda a trajectória foi uma curva suave que a levou para dentro da baliza. No canto, a bola só curvou, acentuada e repentinamente, quando chegou à frente da baliza. Eu não faço cálculos de aerodinâmica há muitas décadas, e não tomem isto por ciência certa, mas especulo que a bola pode ter sido atirada com um efeito muito poderoso mas que não a fez curvar enquanto teve velocidade, e quando reduziu a velocidade ao cair na pequena área o efeito pode-se ter tornado preponderante para a fazer curvar. Seja porque motivo tenha sido, foi um golo do caraças.

Mas não me lembro de o Eusébio ter falhado um penalti, e já vi o Cristiano Ronaldo falhar um ao vivo no Estádio da Luz e outro em directo neste Mundial contra o Irão, e muito menos de ter dado alguma cotovelada na cara de um adversário, e no entanto era regularmente massacrado com violência pelos adversários. Como se não fosse bem um humano a reger-se pelas regras dos humanos, como se para ganhar lhe bastasse jogar à bola como sabia. Como se fosse um gentleman.

E ver tipos que não são capazes de fazer uma conta de subtrair a calcular, com a cabeça ou com os pés, trajectórias exóticas que nem a Ciência Física consegue deduzir nem nenhum Físico consegue simular em computador, como ver miúdos que cresceram em favelas onde a lei que impera é a da selva a crescerem para se tornarem gentlemen sportsmen é capaz de ser aquilo a que se chama a magia do futebol.

 

O Salvador Sobral deu uma entrevista.

O Salvador Sobral deu uma entrevista a uma televisão espanhola. E o que disse ele?

- Eu sou o Ronaldo da música mas pago impostos.

Grande lata! Um palerma malcriado, esquerdopata e drogado a ousar comparar-se com o Cristiano Ronaldo? E isto é uma selecção muito filtrada para não ultrapassar as fronteiras da civilidade dos comentários que vi nas redes sociais. Eu próprio não fiquei indiferente à parvoíce das afirmações dele, embora dando um desconto ao relato da comparação, que admiti ser uma adaptação de um diálogo que imaginei antes assim:

- Tu és o Ronaldo da música? - Sou, mas pago impostos.

E deixei no meu Facebook um comentário demolidor, não da megalomania que atribuí a um mero exercício de ironia para responder a uma pergunta parva, mas à crítica implícita do cantor aos problemas fiscais do Cristiano Ronaldo, escrevendo "Estas palermices ficam bem a uma estrela de variedades que nasceu em berço de ouro e que, além de ter uma irmã gira e talentosa, é conhecido por dizer piadolas palermas com uma descontração desconcertante. Mas o Cristiano Ronaldo que cresceu com os dentes tortos e uma coragem inimaginável da mãe já deve ter pago numa vida só mais impostos do que toda a linhagem somada dos Condes, Viscondes, Barões e Senhores de Sobral que deu ao menino o berço de oiro onde nasceu e os dentes certinhos, incluindo os banqueiros.".

O Salvador Sobral tem de facto algum historial de afirmações um bocado palermas que parecem exercícios catalogáveis na categoria que noutros tempos se designava como politicamente incorrecta, hoje em dia os conservadores assumem que politicamente incorrectos são eles e que tudo o que tenha inspiração socialista ou liberal (no sentido que os anglo-saxónicos dão ao termo) é apenas politicamente correcto, termo que passou aliás a ser usado como um insulto ainda mais injurioso que comuna para os despachar sintetica e expeditamente em qualquer discussão, ou noutros tempos ainda mais recuados mas que eu sou suficientemente velho para recordar, para escandalizar os burgueses.

Tal como o soissante-huitard Daniel Cohn-Bandit fazia um exercício de puro mau-gosto quando em 1975 sugeria no seu livro "Le Grand Bazar" jogos sexuais entre crianças e de crianças com adultos no jardim de infância onde trabalhava, de que mais tarde se veio a arrepender quando as palermices escritas para escandalizar os burgueses que as tomassem por descrições de práticas reais em vez de meras provocações para os assustar passaram a ser interpretadas como a confissão de antigos crimes de pedofilia num contexto em que a pedofilia ascendeu na hierarquia dos crimes aos níveis mais odiosos, o Salvador Sobral também tem tido diversas tiradas de puro mau-gosto, como quando disse num concerto de apoio e angariação de fundos para as vítimas de Pedrogão Grande "Eu sinto que posso fazer qualquer coisa que vocês batem palmas. Vou mandar um peido a ver o que acontece", que aliás parece uma apreciação bem fundamentada da sua experiência de passagem rápida do anonimato ao estrelato e um lamento à falta de sentido crítico e de exigência que o novo estatuto parece despertar no seu próprio público, ou "A coca ajuda-me muito" noutra entrevista a outro programa de televisão espanhola. Não passam de palermices politicamente incorrectas, coisa de que não vem grande mal ao mundo por o cantor não fazer o que faz para nos pastorear mas simplesmente para nos entreter, mas que lhe asseguram um ódio de estimação entre as pessoas que ofende com estas provocações.

Já a parte da resposta que insinua que as práticas fiscais do Cristiano Ronaldo que originaram o processo que o fisco espanhol lhe instaurou que acabou num acordo em que ele se comprometeu a pagar "voluntariamente" quase 20 milhões de Euros e o Estado espanhol a não o condenar a uma pena de prisão efectiva, são censuráveis, por contraponto com as dele, que são limpas, pode conter uma certa dose de injustiça, tendo em atenção que o futebolista é certamente um dos maiores contribuintes individuais para o fisco espanhol, pagando anualmente do seu bolso muitos milhões de Euros de impostos que o governo espanhol depois redistribui entre os outros espanhóis das formas que entende e que a lei prescreve, e que a prática em questão, não reconhecer como usufruidos em Espanha e não declarar em Espanha rendimentos de actividades que ele exerce noutros países, por exemplo a utilização da sua imagem em publicidade comercial que passa em Portugal, tem algum sentido, e que o acordo "voluntário" se deveu mais à força bruta do fisco e à sua capacidade para o condenar a uma pena de prisão do que ao reconhecimento pelo futebolista da ilicitude das suas práticas fiscais. Podendo tratar-se de um abuso do fisco espanhol sobre um contribuinte para lhe extorquir ainda mais dinheiro, de a business proposition he wasn't allowed to refuse no sentido corleonico da expressão, mais valia ao cantor ter-se abstido de criticar o futebolista.

E portanto o Salvador Sobral diz palermices, é megalómano e concorda com os abusos do fisco sobre os contribuintes.

Isto seria uma grande verdade se ele tivesse dito na entrevista o que se disse que ele disse. Só que ele não disse nada do que se disse que ele disse. À pergunta "- Tu eres el Cristiano Ronaldo de la musica?" ele respondeu "- Ui!", e à disparada logo de seguida "- Pero pagas impuestos?" ele respondeu "- Pago impuestos." (minuto 16:07).

De resto, uma entrevista de um miúdo modesto e inteligente num Espanhol correcto onde até cabem críticas à política cultural do governo socialista português e à distância entre as expectativas que suscita nos agentes culturais e o que depois está efectivamente disposto a distribuir por eles. E a interrogação sobre se a energia que exibe ultimamente se deverá, não à cocaína, mas à cortizona que tem tomado por causa da sua condição de saúde?

Mas para que interessam os factos quando os factos estragam uma boa história? Para nada. Então podemos manter o resumo original da entrevista.

- Eu sou o Ronaldo da música mas pago impostos.

 

O Marcelo teve um rendez-vous

Depois de desmaiar em Braga por causa de uma intoxicação alimentar que terá apanhado na Rússia o Marcelo, let's skip the "Professor Rebelo de Sousa", foi aos Estados Unidos da America falar com o Donald Trump.

Os seus níveis de energia talvez se devam também a algum medicamento que lhe deram para acordar do desmaio, porque mal chegou à Casa Branca deu ao Donald Trump um passou-bem que o ia arrancando do chão, talvez um golpe aprendido quando era praticante de Aikido, talvez aprendido no seu rendez-vous anterior como o presidente macho-alfa Vladimir Putin.

Mas a energia do passou-bem não se comparou com a da conversa, que foi registada para a eternidade pelas televisões logo a seguir a uma declaração do presidente Trump sobre a substuição de um dos juízes do Supremo Tribunal que a precedeu.

E entre o que eles disseram, o que quiseram dizer e o que pensaram, a conversa foi mais ou menos isto.

- Anyway I'd like to tell that we have a very long lasting friendship and partnership...

- Yes.

- ... it started the moment we recognized you...

- Thats right.

- ...we were the first neutral country to recognize United States of America independence...

[assentar com a cabeça]

- ...although we had as our oldest ally England...

- Hum, hum.

- ...so it was courageous at that time, and I don't know if you know it, but your founding fathers celebrated the independence with our wine, with Madeira wine, they made a toast...

- Good taste!

- ...with our Madeira wine, it's a long story...

[Ganda seca, este gajo pediu aos assessores a história da amizade entre Portugal e os EUA e não se vai calar enquanto não a desboninar toda e ainda vamos no século XVIII]

- ...Madeira island also gave to the world Cristiano Ronaldo, don't forget that Portugal has the greatest football player in the world...

- Oh... [Tirem-me daqui]

- ...Cristiano Ronaldo is now in Russia, by the way, my friend Putin sent a "Hi" to you...

[Tenho que ver se arranjo uma coisa qualquer para dizer a ver se ele fecha a matraca]

- ...Cristiano Ronaldo has balls the size of watermellons, you can see it in his statue, balls of Madeira, wooden balls...

- Right, thats right.

- ...so if you go to Russia before the championship ends Cristiano Ronaldo will still be there and you can send him my "Hi"...

[Já sei!]

- ...as Portugal will still be there and wanting to win...

- So tell me, how good is he as a player, are you impressed?

- I'm very much impressed, he's the best player in the world...

- So, will Cristiano ever run for president against you?

- O caralhinho é que ele me tira o lugar! Pensas que o filho de uma criada de servir alguma vez chega a presidente, seu chimpanzé de cabelo alaranjado? Portugal is not just the United States!

Seguiram-se perguntas da comunicação social sobre o tema que realmente lhes interessava naquela sessão, a substituição do juiz do Supremo Tribunal que se reformou, e o Marcelo ficou sossegadinho durante o resto da sessão. A pergunta tinha resultado.

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 14:02
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Quarta-feira, 1 de Fevereiro de 2017

Felizmente ainda há gente adulta na sala

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E o Donald Trump lá ganhou as eleições contra o voto unânime de todos os portugueses jornalistas, comentadores e pessoas politicamente correctas, e de todas as sondagens, mesmo as que eram encomendadas pela sua própria campanha, com a sua agenda populista que prometeu aos americanos make America great again através do proteccionismo que promete reorientar a procura para a produção nacional e criar american jobs, a expulsão de imigrantes que promete reverter o frequente an immigrant is taking my job, e a erradicação de imigrantes e refugiados oriundos de uma lista de países de onde se vai tornando tradição chegarem terroristas islâmicos para cometer atentados, que lhes promete make America safe again.

Essa e outras mais difíceis de perceber, e até de perceber como terão sido aprovadas pelo eleitorado supostamente conservador que o elegeu, como a ameaça de desinvestir na Nato, se bem que o desinvestimento tenha um prémio associado, a redução dos custos americanos para a financiar, o conformismo inédito na história americana com a Rússia, ainda por cima liderada por um facínora que assassina adversários políticos e jornalistas que o investigam e aos amigos e invade ostensivamente países para criar zonas tampão anti-Nato e anti-UE, e a sua substituição pela China como o principal inimigo dos EUA, e o desrespeito e mesmo insulto a heróis de guerra que suscitam nos EUA uma reverância que não tem comparação com a que suscitam na Europa e nem os políticos da geração do flower-power e dos draft-resisters alguma vez ousaram ofender publicamente, como o senador McCain.

Algumas das medidas desta agenda populista, como as políticas anti-imigração e anti-refugiados, não são nada surpreendentes e parecem decalcadas das medidas da agenda da direita populista europeia. Outras são partilhadas pelas agendas populistas da direita e da esquerda, como o proteccionismo ou a preferência pela desagregação da União Europeia. Algumas têm apenas afinidades com as da agenda do populismo de esquerda, como a neutralização da Nato. Na verdade, o populismo não tem lado, é apenas a invenção de explicações simplistas mas credíveis para fenómenos complexos para utilização na política evitando o seu confronto objectivo com os factos para manter intacta a sua credibilidade.

Como populista que é, orientou todo o discurso político para exacerbar emoções, e nesse domínio está a revelar-se completamente à altura das expectativas que criou. Nunca ninguém como ele suscitou tanto repúdio daquilo que se designa por pensamento politicamente correcto, que o vê agredir tudo aquilo que tem procurado impôr a outros e por isso vê nele nada menos que um novo Adolf Hitler, nem tanto entusiasmo que os que deitam o politicamente correcto pelos olhos e vêem nele um libertador da opressão a que os tem conseguido sujeitar crescentemente, e na América citizen é uma palavra neutra e eles nem sequer têm que aturar, como os portugueses, maluquinhos a lutar por substituir cidadão por cidadania no bilhete de identidade. É odiado pelo politicamente correcto, adulado pelos que odeiam o politicamente correcto, e essa batalha está ganha.

E, como populista que é, coloca todo o empenho naquilo que é simbólico, independentemente de depois se vir a revelar eficaz ou não para os objectivos que dão a cada símbolo a força que ele tem. Por isso, a urgência de, logo que tomou posse, desatar a publicar decretos assinados em cerimónia pública que põem em prática as suas promessas eleitorais mais emblemáticas, indicando aos eleitores que é diferente dos políticos que prometem mas não cumprem, como fez para a saída dos EUA do Tratado Trans-Pacífico ou a proibição de entrada nos EUA de nacionais de países exportadores de terroristas. E a utilização do Twitter para anunciar as suas intenções políticas imediatas mas ainda não decretadas, muitas vezes através de ameaças, normalmente relacionadas com o México, que parece ser considerada a grande ameaça ao objectivo prometido de fazer da América grande de novo, como as do recurso às tarifas alfandegárias para atingir as exportações mexicanas, se o México não lhe pagar o muro, ou as empresas americanas ou estrangeiras que têm fábricas de automóveis no México. E esta batalha pelo que é simbólico também parece estar a ser ganha, a fazer fé nos resultados das sondagens que se vão fazendo sobre a taxa de aprovação no eleitorado americano das medidas que tem tomado.

Outra coisa diferente é saber se estas medidas especificamente virão a ser eficazes para resolver os problemas que as justificam?

Proibir a entrada de sírios, de que alguns são terroristas mas outros não, e não proibir a de sauditas, de que também alguns são terroristas mas outros não, e parecem ser os principais instigadores e financiadores do terrorismo internacional na última década ou duas, vai ser eficaz para proteger os americanos do terrorismo? Não sendo perito no assunto, não sei responder, alguns peritos dizem que não, só o futuro o dirá. Mas, no plano emotivo, a medida está ganha, tanto pelos apoios como pelos repúdios que suscita.

Taxar as importações, mexicanas ou de outros países, sendo certo que prejudica seriamente as economias dos países que exportam para os EUA, o proteccionismo fará crescer a economia americana, e o emprego? Toda a história económica do mundo diz que não, mesmo que os populistas de direita e de esquerda prefiram reivindicar que a Economia não é uma ciência mas as suas mezinhas económicas são, e quem na Europa o defende mais são os saudosistas do socialismo que mostrou que não, mas no plano emotivo a medida está ganha, é o cumprimento de uma promessa eleitoral.

E mesmo que estas medidas e outras como elas afectem cidadãos e economias de outros países, elas são legítimas e soberanas, de modo que eles não podem fazer grande coisa para as influenciar, e se cumprem os objectivos que se propõem cumprir de fazer a América grande e segura de novo é problema dos americanos que o elegeram, e não dos outros países. 

Dito isto, o Donald Trump pode prejudicar seriamente os interesses da Europa? Pode, pode prejudicar a economa europeia com o proteccionismo que está a instalar, pode até, no limite, e em função do que vier a ser o seu desinvestimento na Nato, colocar em risco a sobrevivência da Europa face a uma Rússia imperialista, militarmente poderosa e sem qualquer tipo de respeito por mariquices como os direitos humanos ou o direito internacional.

E como está a reagir a Europa a esta ameaça? Manifestando-se contra o Donald Trump.

Manifestando-se contra as ameaças concretas do Donald Trump à economia europeia através da imposição de barreiras alfandegárias e à segurança europeia através da neutralização da Nato que foi essencial para garantir a sua sobrevivência depois da II Guerra, e à sua aposta declarada na desagregação da União Europeia? Não. Manifesta-se contra a ordinarice do Trump a falar de gajas nas conversas privadas de balneário com os amigos, contra a decisão soberana de os EUA determinarem de que países autorizam ou impedem a entrada de cidadãos, e contra a nomeação de juízes anti-aborto para o supremo tribunal. Ou seja, entra completamente no território de discussão para onde o populismo a atrai, limitando-se a discutir as questões simbólicas, que consolidam o populismo, em vez das substanciais, que o podem fragilizar.

Toda a Europa? Não. Felizmente ainda há na Europa quem reflicta, não no que gostaria que acontecesse se as circunstâncias não mudassem, mas no que pode fazer para enfrentar as circunstâncias quando elas mudam.

A Angela Merkel, percebendo bem onde está a ameaça da administração Trump à Europa e aos seus interesses, e respondendo até a ameaças explícitas de imposição de tarifas alfandegárias a empresas alemãs, como a BMW, por terem fábricas no México, e tendo a perfeita noção que uma guerra comercial prejudicará seriamente os interesses da indústria alemã que tem nos EUA o seu maior destino de exportações, independentemente de vir a beneficiar ou prejudicar os interesses americanos, em vez de lamentar ou criticar sem qualquer possibilidade de sucesso as intenções da nova administração americana, reagiu tão rápida e simbolicamente como ele tem actuado, estabelecendo um contacto com o primeiro-ministro Li Kegiang da China, o maior exportador mundial, declarado como o maior inimigo dos EUA pela equipa do Donald Trump, e o quarto maior destino de exportações alemãs, com o objectivo de se reunirem rapidamente numa visita dele à Alemanha para discutirem o aprofundamento das relações comerciais sino-europeias, criando deste modo uma alternativa que permita minorar as consequências para a indústria alemã, e para a indústria chinesa, de uma perda de mercado nos EUA.

Há uma Europa adulta que se adapta às ameaças externas em vez de as lamentar. Infelizmente não mora cá, onde a cultura vigente é usar as ameaças externas, não como o gatilho para as enfrentar, mas como a desculpa para os resultados desastrosos das asneiras que se fazem.

E a questão da segurança europeia? Não é fácil de resolver sem a Nato. O único país europeu realmente poderoso e capaz de declarar e vencer uma guerra quando é necessário é o Reino Unido, que está de brexit. Felizmente, o Reino Unido nunca se confundiu relativamente a quem são os seus amigos e inimigos militares, e nunca andou nem anda de namoro com a Rússia. A China também não namora a Rússia. Se Deus quiser, tudo se há-de resolver...

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 11:11
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Domingo, 22 de Janeiro de 2017

Recordações da Casa Amarela - uma banda desenhada multimídia

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O Donald Trump tomou posse como Presidente dos Estados Unidos da América e o Nicolau Santos anunciou o início da III Guerra. A coisa não ficou por menos.

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Como grande patriota e internacionalista proletário que é, foi-se logo alistar nas forças da resistência. No DRM perguntaram-lhe "E tu, o que é que sabes fazer?". E vai ele, "Sou comentador de economia. Já fui a Davos e revelei ao mundo a obra científica do Professor Baptista da Silva". E eles "Vais para as Brigadas Económicas, vais escrever contra o Trump no Expresso". E ele, dito e feito, logo no dia seguinte condenou a economia americana, que é regida pela Economia, ao contrário da portuguesa que é regida pela força de vontade dos socialistas e bloquistas, à inflação, à subida de juros e à perda de competitividade, por aumentar os salários dos trabalhadores americanos e, com eles, o consumo.

2017-01-22 Nicolau inflação.jpg

Vai daí, as mulheres de todo o mundo convocaram uma manifestação anti-Trump, tratando os homens desconhecidos por tu, mostrando-lhes o dedo do meio e sugerindo-lhes que não lhes chamem querida. Eu disse-lhes "Não lhe chamo querida, pode estar descansada. Mas se a conhecesse tenho a certeza que também não chamaria. Já agora, se não me conhece, não me trate por tu. Caralhinho com os dedos também para si".

2017-01-22 Não sejas Trump.jpg

A manifestação juntou milhões de mulheres em múltiplos lugares nos quatro cantos do globo. Na de Alfama formaram-se espontaneamente mesas de debate informais para desmontar os estereotipos do binário de género, assim como o axioma size matters, e foi assim.

Entretanto chegou o senhor enfermeiro com a maquineta dos electrochoques. Quem bem que sabem depois de um dia bem preenchido a guerrilhar contra o Trump!

publicado por Manuel Vilarinho Pires às 15:11
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Sexta-feira, 11 de Novembro de 2016

Good news from America

Todos os genuínos democratas sentiram, com a vitória de Trump, uma grande satisfação, que não teriam se tivesse sido eleita Hillary Clinton.

 

Os eleitores foram expostos a uma campanha suja, de um lado e outro, desbragada, feita de ataques pessoais, repescando histórias antigas de deslizes de linguagem e de comportamento do candidato, incluindo testemunhos genuínos ou fabricados de mulheres ofendidas na sua dignidade, a que têm e a que dizem ter, pela sua personalidade machista, e outras não tão antigas, e substancialmente mais graves, do comportamento de Hillary como secretária de Estado. Donald não hesitou em momento algum em mostrar-se como é, no seu penteado absurdo, no seu mau gosto exuberante, na sua linguagem chã, mas também na sua proximidade às preocupações, aos medos e aos conceitos e preconceitos das pessoas comuns, as que não estão no círculo de poder de Washington, dos think-tanks, da opinião publicada, das redes de TVs, dos campus das universidades e das ideias dominantes do bem-pensismo que anda no ar.

 

Esta gente toda levou uma lição: a autenticidade, quando se casa com as genuínas preocupações das pessoas, paga; e a língua de pau, a pose, e o circuito fechado das elites dirigentes e preopinantes, não. O voto do espectador da Casa dos Segredos e o do trabalhador com medo da criminalidade e da concorrência do imigrante que aceita trabalhar por menos dinheiro, ou o do secretamente xenófobo sem saber o que isso seja, até mesmo o do cidadão que tem que suportar a sua vizinhança negra ou hispânica porque não tem meios para se transplantar para uma zona mais segura; o de muitos dos que acham que há qualquer coisa de errado numa sociedade onde se salvaram bancos mas com raros suicídios ou desgraça dos muito ricos que continuaram a enriquecer à sombra de políticos com um discurso igualitarista, enquanto milhares foram viver para trailers porque perderam as suas casas - todos esses votos valem tanto como o do plutocrata, do progressista das causas fracturantes, do jornalista que se imagina opinion-maker, e do liberal teórico que se felicita pelos milhões de chineses que saíram da pobreza por causa da liberdade de comércio. E esta mole insegura do seu futuro, e do do seu país, estava à espera de alguém que lhe prometesse credivelmente uma América great again, depois de um Obama que sempre fez discursos tanto mais empolgantes quanto mais aquém ficava das suas promessas de mudança.

 

Hillary papagueou sempre o mantra do político vulgar contemporâneo na América e, onde haja circunstâncias parecidas, no resto do Ocidente, e que consiste na defesa: dos pobres através de agências governamentais encarregadas de lhes promover o bem-estar, a saúde e a dependência; do ambiente através da multiplicação de normas, regulamentos e interditos que favorecem as grandes empresas, e da subsidiação da comunidade científica que vai segregando teorias alarmistas para cujo desarme propõe soluções que lhes garantem a eles, cientistas, proeminência e empregos; da igualdade material entre as pessoas, a golpe de aumentos de impostos, entre os sexos, a golpe da generalização do sistema de quotas, e entre as raças, fingindo que não há um problema com os negros das partes de cidades onde a criminalidade reina; e também da igualdade entre os naturais, antigos imigrantes há duas ou três ou quatro gerações, e os imigrantes actuais, dos quais muitos já não querem integrar-se, querem é mudar a natureza, e as instituições, do país que os acolhe, assim como da equivalência entre as religiões, metendo no mesmo saco de respeitabilidade as numerosas igrejas e capelas do cristianismo, sobretudo nas variantes protestantes, e o islamismo, cuja ameaça ao modo de vida ocidental não se quer ver. Tudo isto com o pano de fundo das mais que justificadas suspeitas do conúbio e da promiscuidade com os muito ricos, quando não de pura e simples corrupção. Na campanha, Trump foi dando uma solução, mesmo que pouco e grosseiramente articulada, a estes problemas, Hillary oferecendo, de forma estudada e bem formulada, as mesmas não-soluções que distinguem os políticos tradicionais, lá e em certa Europa, e que os fazem e farão perder eleições.

 

O que está feito, feito está, e certamente o que não faltam já são análises sobre o que se passou, que cabem quase todas nas categorias dos que, por terem ficado chocados com a vitória e terem o coração à esquerda, preveem agora o Armagedão, ou dos que entendem que o sistema de contrapesos, e o desejo de pacificação, transformarão Donald num presidente as usual. Estes últimos dirão que deixará uma marca tanto de ridícula como a de Obama foi inspiradora, com a mesma ineficácia na transformação da sociedade americana, que segue o ritmo que ditam os ciclos económicos, na ordem interna, e as imprevisíveis evoluções do velho jogo dos interesses permanentes, na externa. Ou seja, um era preto, magro e de esquerda, e deixa saudades porque iria fazer grandes coisas em nome da felicidade terrena que o establishment não permitiu; e o outro é cor de laranja, gordo e de direita, e não deixará saudades porque, felizmente, não realizará os seus maléficos propósitos porque o establishment o vai impedir.

 

O que ele prometeu para os primeiros 100 dias está aqui. Esta lista de medidas não pode ser executada em 100 dias (nem sequer nos quatro anos do mandato), e pelo que me diz respeito o que se prevê para o sistema penal, a bravata de pôr o México a pagar o muro, a deportação de dois milhões (!) de ilegais, e a ingenuidade de imaginar que, tão adiantados que estamos na globalização, se podem rasgar tratados e acordos com facilidade e sem consequências, são coisas que, entre outras menores, me deixariam os cabelos em pé, se os tivesse.

 

Mas creio que este programa, mesmo que fique, como ficam todos, muito aquém do que promete, vai geralmente na direcção correcta, para uma nação que se defronta com os problemas que a América tem. E é decerto um alívio não descortinar nenhum lip service às causas fracturantes, às preocupações com o aquecimento global, ao igualitarismo à outrance e todas as outras manias com que se entretém a malta das bandeiras desfraldadas ao vento das manifestações.

 

Vai ser, então, um bom mandato? Acho que sim. E, se não for, também não perco o sono: se todos os que detêm magistraturas de influência, e cátedras de opinião, se enganaram no diagnóstico dos problemas, e portanto não anteciparam o resultado das eleições, tenho o acrescido direito, porque não tenho nada disso, de me enganar, e talvez até me fique bem - serei como os mais.

publicado por José Meireles Graça às 11:59
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