O Miguel Noronha estava atento, graças a Deus. Que eu não tinha dado por nada. Mas tenho sobre este assunto uma perspectiva diferente.
Os "milhares de regulamentos, taxas, autorizações e licenciamentos" servem, em primeiro lugar, para criar e manter empregos na administração pública. Em segundo lugar, servem para favorecer alguns negócios - certificados energéticos, sistemas de ventilação, aparelhos de ar condicionado, turbinas eólicas, literatura de cordel, etc. - em detrimento de outros e, de preferência, sem passar pela humilhação da livre concorrência. Os obstáculos que levantam, e os recursos que retiram às empresas, são o seu resultado mais directo.
Acredito noutro plano educativo. Seguindo as recomendações do dr. Pires de Lima, a filosofia e a habilidade política do dr. Nuno Crato, e o superior interesse pela excelência das nossas escolas, o ensino em Portugal não devia dispersar-se em matérias claramente fúteis (como a Matemática, o Português, a História, a Geografia, a Física, a Biologia, ou o Inglês). Tudo o que as nossas crianças precisam de estudar é Meio Ambiente, Expressão Artística, Cidadania, e (sem dúvida nenhuma) Empreendedorismo.
Há uns bons anos, Cavaco aconselhou os empresários portugueses a virarem-se para Espanha. E para sustentar o conselho chamou com sagacidade a atenção para a circunstância de a Espanha ter um mercado muito maior, com um muito maior poder de compra, e ficar mesmo aqui ao lado. Isto foi para muitos quase uma epifania, dado que até à revelação nunca se tinham apercebido daqueles factos. Não obstante, com a característica curteza de vistas do empresariado nacional, não houve uma corrida para Espanha. Pior, dos que já lá estavam, e dos poucos que para lá foram, boa parte começou recentemente a dar à sola: lá como cá o que neste momento está a progredir é o retrocesso.
Quando algum Chefe de Estado, ou Primeiro-Ministro, vai ao Brasil, faz parte da tradição querer incentivar muito, incentivar intensamente, incentivar convulsivamente, as trocas bilaterais e o investimento. As trocas e o investimento em questão revelam-se teimosamente impermeáveis a incentivos por via de discursos, mas nem por isso os políticos de consequência desistem de tentar puxar a carroça do empreendedorismo.
O empresariado é que não acompanha.
Sem dúvida para remediar esta congénita deficiência, o actual Governo conta com um Secretário de Estado do Empreendedorismo. A tarefa deste político é ciclópica: tem que vencer o atávico atraso e falta de formação do empresariado português, constituído na sua esmagadora maioria por broncos quase irrecuperáveis, e isto baseando-se em pouco mais do que a pregação do Evangelho da Gestão Fortemente Lúcida, dado que dinheiro para distribuir não há - o tempo de torrar arame do contribuinte nas Qimondas da vida já lá vai. Nem dinheiro nem gestores, visto que as fornadas de técnicos altamente qualificados que as Faculdades de Economia e Gestão despejam anualmente no mercado vão trabalhar para o Estado, a Banca, e, mais recentemente, o estrangeiro. Agora, empresas é que não fazem, possivelmente por não quererem ombrear com o empreendedor tradicional, com vergonha da companhia.
Não há, graças a Deus, dinheiro para distribuir, mas também não há para emprestar. E aqui revela-se em todo o seu esplendor a utilidade de um Secretário de Estado do Empreendedorismo: não é preciso haver dinheiro para emprestar, informa o próprio, em pessoa ele mesmo. Em sendo preciso financiamento, reforçam-se os capitais próprios e pronto. Fallait y penser, a coisa é luminosamente simples.
Quer dizer que se alguém quer investir - reforça os capitais próprios; tem encomendas com pagamentos a prazo mais longo do que o que pode obter junto de fornecedores, a somar a um ciclo de produção também longo - reforça os capitais próprios; quer inovar, expandir, procurar novos mercados - reforça os capitais próprios; o Estado não restitui o IVA nos prazos, na mesma altura em que há um incumprimento de um cliente - reforça os capitais próprios; arderam-lhe as instalações, e a companhia de seguros arrasta os pés, porque a Lei e a supervisão o permitem - reforça os capitais próprios; e sucedem-lhe os mil e um imponderáveis da vida das empresas, o tempo penoso do início, a infelicidade imprevisível à qual é possível sobreviver, a oportunidade inesperada que é preciso agarrar - reforça os capitais próprios.
Este Secretário de Estado é um grande estadista. Mas Sancho Pança - era maior.*
* Frase de fecho pilhada de um clássico português, quem não conhecer tem a minha autorização para googlar.
(Originalmente publicado no Senatus, em 15 de Fevereiro 2012)
No rescaldo do "Dia de São Valentim", deixo este registo de esperança a todas as bardajonas encalhadas da blogosfera, com votos de etc. etc..
(Originalmente publicado no Senatus, em 21 de Janeiro 2012)
De há uns anos a esta parte, e cada vez com mais intensidade, não há dia nenhum em que me livre de ouvir um bitaite sobre as pequenas e médias empresas. De um lado está a necessidade de "apostar" nas PMEs, porque é nas PMEs que está "o futuro" da economia, e porque é nas PMEs que está "a solução" para os níveis incomportáveis de desemprego, e porque cada um pode fazer a sua, desde que devidamente imbuido de algum "dinamismo" e "espírito empreendedor", e mais uma quantidade de convicções que não faltam a nenhum fórum de antena aberta com que, geralmente, me entretenho no trânsito.
A expansão desta consciência aumenta na proporção directa da contracção da procura. E por qualquer razão que ainda não agarrei, por ser necessário reduzir as importações e aumentar as exportações, num país sem indústria e sem comida, parece que estas PMEs devem "direcionar-se" para "a ciência", "a tecnologia" e "as comunicações" (excepção feita a um ou outro produto de pastelaria).
De tal ordem é o fenómeno que as "iniciativas" se multiplicaram, desde os cursos condensados em horário pós-laboral às licenciaturas, ministradas por uma fartura de académicos no assunto e patentes nos depoimentos de todos os jovens que apanham uma câmara de televisão a jeito. O Ministro da Economia, homem moderno e prudente, muniu-se do respectivo "Secretário de Estado do Empreendedorismo, Competitividade e Inovação", uma cara pouco conhecida dos portugueses mas que, por essa razão, aproveito a oportunidade para divulgar. De acordo com o Portal do Governo, existe. E chama-se Carlos Nuno Oliveira.
Há uns dias juntou-se uma gente, supostamente credenciada para o efeito, e chegou-se a um "acordo histórico". Entre outras decisões, negociadas com muitos mexericos que não são para aqui chamados, alterou-se a lei laboral. E a nova lei laboral torna as contratações menos pesadas, porque facilita os despedimentos, flexibiliza os horários de trabalho, e permite aos patrões e aos contratados mais uma série de liberdades que, no fundo, toda a gente tinha por oportunas. Menos o PCP e o Bloco, mas é para isso que eles cá estão.
Depois de ter visto uma série de reportagens a mostrar aos portugueses como era penosa a vida das PMEs, lideradas por gente que se desunhava para manter os seus negócios a funcionar, com uma quantidade de famílias a cargo, que eles conheciam e pelas quais se sentiam responsáveis, pensei que a história ficava por aqui e se passava para outro aspecto da nossa tragédia. Mas, como é frequente, enganei-me.
Agora, a fazer fé no que dizem os comentadores, os politólogos, os gestores e restantes "opinion makers", é preciso remover esses brutos e substitui-los por gente mais "pró-activa". Depois deste "acordo histórico", os empresários portugueses "já não têm desculpa", e "temos um défice de bons empresários", porque estes "fazem questão de ser chamados doutores", mas são "pouco preparados e pouco inovadores", e "não têm formação" para "enfrentar os desafios empresariais da gestão moderna e competitiva". E também ouvi por aí que "é preciso que fique bem claro que, se a economia portuguesa está como está, a culpa não é muitas vezes dos trabalhadores, mas dos erros e das falhas dos nossos empresários".
Estava capaz de jurar que vi ontem o dr. Pires de Lima dizer coisas destas na televisão, mas deve ser impressão minha. Que estes programas passam muito tarde e eu, com o sono, fico muito baralhada.
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