Esta fotografia é histórica, mesmo que não pareça. Foi tirada na partida para as 24 Horas de le Mans de 1969, uma corrida de automóveis, e repito corrida, em que o objectivo dos pilotos é correrem o mais que podem para chegarem antes dos outros. Pouco mais de um minuto depois de ela ser tirada, já havia carros a correr a mais de 300 quilómetros por hora na recta das Hunaudières.
À partida desta corrida, o espectacular método de partida que passou para a história como partida tipo le Mans, os carros estavam alinhados em diagonal para arrancarem num dos lados da pista, e os pilotos do outro, e quando era dado o sinal de partida os pilotos encaminhavam-se para os carros, instalavam-se neles e arrancavam, tudo o mais depressa que conseguiam. E, como seria de esperar, atravessavam a pista a correr e instalavam-se o mais rapidamente que podiam para arrancarem mais cedo. Mas o jovem de 24 anos marcado na fotografia, de seu nome Jacky Ickx, a correr as suas primeiras 24 horas de le Mans, atravessou a pista a caminhar em vez de correr como os outros. Quando chegou ao carro demorou o tempo que foi preciso para se instalar bem e com o cinto de segurança solidamente apertado, e foi o último a arrancar.
Porquê?
Para protestar individualmente contra este método de partida, que decincentivava os pilotos de se instalarem com toda a segurança no carro e de apertarem cuidadosamente o cinto de segurança antes de arrancarem, só o fazendo mais tarde quando conseguissem desocupar as mãos da condução. Aliás, nesta mesma primeira volta morreu o piloto John Woolfe por, por não ter o cinto apertado, ter sido projectado do seu carro que se despistou. Mais tarde, quando lhe pediram explicações da sua partida bizarra, o Jacky Ickx explicou que as 24 horas de le Mans eram uma corrida de automóveis, e não de pilotos, e que numa corrida tão longa não tinha nenhum sentido correr riscos para ganhar uns segundos ou fracções de segundo na partida.
Quem acabou por ganhar a corrida no dia seguinte?
O Jacky Ickx. Não ganhava as 24 horas de le Mans quem chegasse primeiro ao carro, mas quem andasse uma distância maior em 24 horas, e as 24 horas de corrida foram suficientes para recuperar o atraso na partida. Foi a chegada mais cerrada da história das 24 horas de Le Mans até aí, e ganhou com apenas cerca de um segundo de avanço. Se, além de caminhar e de se instalar cuidadosamente no carro com toda a segurança, tivesse perdido mais tempo para se pentear ao espelho, até podia ter perdido. Mas ganhou.
E teve uma vitória dupla. O protesto dele e a morte do John Woolfe na primeira volta foram suficientes para abolir para sempre a espectacular mas perigosa partida tipo le Mans.
E o que é que nós temos a ver com isso?
Anda meio mundo aflito, e outro eufórico, por determinado partido ainda não ter apresentado o seu candidato a determinada Câmara Municipal para as eleições que terão lugar daqui a nove ou dez meses. A euforia dos eufóricos, aliás, deve-se mais à aflição dos aflitos do que a motivos ponderosos para ver no facto um prenúncio de vitória dos partidos deles, um dos quais foi o primeiro a apresentar o seu candidato, sobre o que ainda não apresentou candidato, porque são eles que lhes estimulam, e estão a ter algum sucesso no estímulo em que os outros se estão a deixar enrolar, essa aflição.
Mas convém não perder de vista uma coisa. O objectivo de estar na política é ganhar eleições, não é ser o primeiro que apresenta os seus candidatos nem o que ganha mais sondagens. E o estímulo dos eufóricos aos aflitos para que tenham dúvidas sobre a capacidade da sua liderança para ganhar eleições e ponderem mudar de liderança não é um gesto de filantropia, ajudá-los a encontrar o caminho para ganharem eleições, é um gesto de misantropia, convencê-los a cometerem erros para as perder.
Se cairem nessa, o António Costa merece estar onde está e eles merecem-no a governá-los. Se não cairem, correm facilmente com ele nas eleições.
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