Para falarmos só da última meia dúzia de semanas, o processo de Jardim Gonçalves “prescreveu”, Paulo Portas “foi ouvido” no processo dos submarinos, e as relíquias de Miró já se encontram entrouxadas em três zelosas providências cautelares - cumprindo a “promessa” da senhora Procuradora-Geral.
À história destes processos, para quem tem interesse e paciência, falta “enquadramento” e rodriguinhos jurídicos que, por motivos de asseio, me dispenso de mencionar. Um facto luminoso fica à mostra: o nosso sistema de justiça escolhe os processos que avançam, os que se arrastam, e os que prescrevem. E Joana Marques Vidal tem, sobre esta escolha, uma palavra decisiva.
Os juízes, se perguntados, naturalmente não se poderiam pronunciar sobre os processos. Se pudessem, abririam os braços, num gesto de impotência, e diriam que trabalharam que se mataram, os serviços foram eficientíssimos, mas há um excesso de garantias, das quais certos advogados usam e abusam. De toda a maneira, este excesso de garantias tem origem no legislador e o legislador, na realidade, não é mais do que os políticos, uma classe de cidadãos desprezável e desprezível. Ah, que se fossem eles a legislar, bem vistas as coisas, nem advogados eram precisos.
O Conselho Superior da Magistratura, que pode falar e fala, Deus nos acuda e lhes perdoe, insinua que o Banco de Portugal é que tem a culpa e instaurou um inquérito. Mas o inquérito "é à situação e não ao juiz que decidiu que o caso estava prescrito", donde podemos desde já concluir que a situação tenderá a ficar imperturbável, que é o que as situações costumam fazer.
O Banco de Portugal, claro, não tem culpa de nada, não obstante o próprio advogado de um dos engenheiros troca-tintas de finanças que se livrou do aperto achar que aquela prestigiada instituição revelou "falta de capacidade". Não encontrei declarações do Governador Costa, mas se este se vier a pronunciar é provável que declare que o organismo que dirige se comportou em obediência às atribuições que a legislação europeia e a nacional lhe conferem, segundo as melhores regras da arte e sem esquecer os limites que uma actuação prudencial impõe. Irá, porém, instaurar um inquérito, se o assunto não morrer dentro de uma semana.
Também não sei se a Associação Sindical dos Juízes se pronunciou, mas se um juiz sindicalista (um híbrido grotesco: o sindicalista retira gravitas ao juiz, que retira eficácia ao sindicalista, e os dois retiram auctoritas à magistratura) vier a dizer alguma coisa, não será surpresa: os juízes têm uma gritante falta de meios, a legislação está muito mal feita, vai-se a ver e no tribunal as instalações estão muito degradadas e além do mais estão mal pagos, situação que urge resolver.
O PCP e as frescas moças do BE declararão que, se não fossem estes ladrões, não haveria necessidade de cortes; já o PS confessar-se-á escandalizado, mas confia na Justiça; e a parte da população que ainda liga a notícias alheias ao futebol rosnará com ódio: puta de corja!
A Ministra da Justiça dirá que as recentes alterações às leis processuais ou não sei quê ainda não tiveram tempo de produzir os seus benéficos efeitos.
O caixão da Democracia fica com mais uns pregos, que já mal se notam: há ingénuos que imaginam que os casos de polícia que envolvem figuras gradas do regime que passam entre os pingos da chuva são apenas isto - casos de polícia arquivados por falta de provas, prescrições ou incidentes processuais.
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