A difusa nuvem dos meus queridos amigos de Direita é gente que, no geral, quer o Estado longe da economia, acha que despesas públicas de 50% do PIB são uma carga excessiva que a nossa economia produtiva tem dependurada ao pescoço, que o Estado investidor é quase sempre um irresponsável a brincar aos empresários, que a burocracia pública, entregue a si própria, cresce indefinidamente, que a fiscalidade é predatória e opressiva, que a despesa pública não pode ser superior à receita, que sem superavits orçamentais a dívida pública não pode nominalmente baixar, que o dirigismo é um entrave a eliminar... e um longo etc. Neste longo etc. cabe a redução de quase tudo ao mercado, à eficiência, às diferenças de capacidade produtiva e aquisitiva dos indivíduos e um certo darwinismo social que, no limite, a mim me desperta a instintiva desconfiança de quem acredita quase nada no progresso das pessoas, pouco no das instituições e bastante no científico e tecnológico.
Claro, o mix destas coisas e muitas outras varia consoante a doutrina exacta de que cada qual se reclama, quando se reclama de alguma, e mesmo assim há diferenças - no limite quase tantas quantas os indivíduos, felizmente.
Sou cliente deste aglomerado. E compro, a feitio, conservadorismos, liberalismos e libertarianismos sortidos, nos quais ocasionalmente, como quem deita um condimento exótico num prato conhecido, enxerto elementos de outras cozinhas, se achar que fica bem. Pragmático, é o que é, nem todos temos vocação de seguidores de textos sagrados e excessivo respeito pelos doutores das Igrejas.
É que são raras as grandes desgraças das nações e das sociedades que não sejam originadas num corpus doutrinário; e o que distingue os intelectuais dos cidadãos portadores de ignorância e senso é serem áulicos de teorias que explicam o mundo como julgam que ele é, afirmam como deveria ser, e enunciam os meios para lá chegar. Gente perigosa, portanto, ao mesmo tempo que indispensável.
Dou um exemplo: Este meu estimado blogger acha que, no país dele, se deveria aprender com a Austrália, que mitigou admiravelmente o problema de falta de rins e fígados para transplante, com o expediente de compensar monetariamente os dadores, que assim passaram à condição de vendedores. E na Austrália ainda é, parece, o Estado; Mark J. Perry não é de modas e recomenda a compra e venda directa, do produtor ao consumidor.
Prof. Mark, meu querido, pá: estás a abrir a porta a coisas do carago, que ofendem o que a tua Constituição protege, como o direito à dignidade humana, com a qual nascemos, que não nos pode ser retirada e da qual não podemos dispôr. E desculparás, mas um indivíduo que, por necessidade ou ambição, vende um rim, ou um bocado de fígado, ou outra víscera, é um escravo, ou da necessidade ou de uma avaliação deficiente do respeito que à sua condição deve.
Há mais coisas debaixo da roda do Sol do que o compra e vende; e quem isso não perceber instintivamente não está em condições de entender a explicação.
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