Quinta-feira, 26 de Janeiro de 2017

Quatro diferenças, além do mais

Um meu colega empresário, do ramo das padarias, disse algumas coisas sentidas e apropriadas sobre o salário mínimo e a legislação do trabalho.

 

Um nosso colega, do ramo da opinião, cascou-lhe:

 

"Note-se que 25% da massa salarial implica uma percentagem absurda de trabalhadores (perdão, "colaboradores") com salários abaixo de 557 euros (perdão, em "regime de transição"). De tal forma alta que o sócio-gerente da Padaria Portuguesa preferiu dizer a percentagem da massa salarial do que responder à pergunta que lhe foi feita, contando, com razão, com a desatenção da jornalista. Não me espanta que quem baseie o seu negócio nos salários baixos considere que a grande prioridade dos portugueses não é o aumento do salário mínimo (que só interessa aos políticos, claro), mas a liberalização dos despedimentos, o fim dos limites legais ao horário de trabalho e uma redução considerável do pagamento de horas extra, não penalizando as empresas que contratam menos trabalhadores do que aqueles que necessitam para funcionar. Um País desigual é isto: cada um vive na sua bolha e, quando fala para a televisão, julga que quem o está a ouvir partilha as suas prioridades".

 

Nuno Carvalho vende pão e Daniel Oliveira opiniões em letra de forma, ou faladas em frente às câmaras, ambos dependendo, para viver, da procura que tem o produto que fabricam.

 

Se Nuno pudesse sobreviver sem empregar ninguém não seria decerto a fazer pão, que isso implica maquinaria, compra de matéria-prima, manutenção de stocks, arrendamento ou compra de estabelecimentos, distribuição, publicidade e o catano - ou seja, capital, empregados, organização e gestão. Não que não pudesse conseguir alguma farinha emprestada para a transformar artesanalmente no que fosse possível num dia, para vender no seguinte depois de comer uma, decerto saborosa, bucha; e até podia empregar no esforço a mulher, se fosse casado, e os tenros filhinhos, se os tivesse. Mas esse pão sairia a um preço que o tornaria invendável; a mulher calçar-lhe-ia uns patins, por crueldade doméstica; e a Segurança Social apreenderia os meninos famélicos para os colocar num lar.

 

Nuno, na realidade, como empresário, não tem outra escolha senão contratar empregados, coisa que Daniel não precisa de fazer, e é esta a primeira diferença entre os dois - um não tem empregados porque não precisa, mas o outro é forçado a tê-los.

 

O artigo que Daniel fabrica é único - só ele escreve como escreve, e é dos poucos que debita convincentemente teses que numerosos leitores/pagadores querem ardentemente comprar para se abastecerem de opiniões. Pessoalmente acho a escrita apenas passável e as opiniões uma abominação, mas eu não sou um cliente deste produto popular nos meios da esquerda acéfala - há quem seja.

 

E esta é a segunda diferença - o artigo de Daniel está muito menos exposto à concorrência: um pão é um pão e há inúmeros padeiros a fazê-lo com pequenas diferenças, pelo que é preciso um esforço constante para que o consumidor não vá à porta ao lado. E o esforço não consiste apenas em tomar muitos cafés pela noite fora até que a inspiração apareça, é preciso uma atenção permanente a todos os infinitos factores que fazem com que umas empresas singrem e outras não - mesmo o sucesso, quando se atinge, não implica que se mantenha.

 

Daniel não tem como companheiro o espectro do falhanço e da falência. Se os meios de comunicação social para os quais trabalha falirem, ou o despedirem, Daniel queixar-se-á não de si mas deles, e com a própria queixa fabricará material que alguém há-de querer comprar. E é esta a terceira diferença.

 

A Nuno não ocorreria decerto invocar os poderes do Estado para fiscalizar a justiça do que Daniel mete ao bolso como ganho do produto que vende, desde logo porque os jornais, ou as revistas, ou os canais de televisão, não lhe pertencem, e por isso não vê razões para que ele, ou o Estado por causa da opinião dele, se intrometa em contratos livremente celebrados entre terceiros.

 

E esta é a quarta diferença. Daniel quer ser generoso com o que não lhe pertence, nem criou, nem seria provavelmente capaz de criar, nem sequer sabe se existe, porque é uma pessoa muito boa. Boa como nos versos de Alberto Caeiro: E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos/ E sorriu com agrado, julgando que eu sentia/ O ódio que ele sentia, e a compaixão/ Que ele dizia que sentia. Já Nuno, se for pessoa caridosa, fará as suas liberalidades, discreta ou publicamente, com o que lhe pertence, depois de pagos os impostos que a empresa suportou, os seus como trabalhador, e os devidos sobre o que ela tenha distribuído do que sobrou.

 

Resta que Daniel não percebeu o que o empresário, no seu discurso algo confuso, disse, (este esclareceu que NÃO tinha trabalhadores com o salário mínimo mas passaria a ter com este aumento) nem curou de perceber: é patrão verdadeiro, isto é, não é recebido em S. Bento, não tem um cadeirão na Concertação Social nem diz coisas profundas ao mesmo tempo que finge que faz sentido sentar-se à mesma mesa com quem o quer destruir? Então é para abater.

 

Os tais 25% que escandalizaram Daniel não servem para fundamentar nenhuma conclusão. Esta percentagem é, no sector, alta ou baixa? E esta empresa deve muito ou pouco dinheiro, fez ou não fez investimentos, distribui ou não distribui lucros, paga ou não paga salários e prémios altos à administração, tem ou não tem resultados, pode ou não pode suportar os aumentos? Sobre tudo isto Daniel não diz nada porque acha que as empresas todas podem pagar e, se não puderem, devem desaparecer. Patrões só interessam os que podem pagar e mesmo estes apenas desde que aumentem sempre acima dos ganhos de produtividade, ou das margens, ou da inflação, ou do diabo, porque é justo.

 

Há patrões destes. São, além dos que trabalham em sectores protegidos da concorrência, os que, se forem padeiros, automatizam processos de tal modo que os salários não pesem no custo de produção, e portanto o que pensam e dizem os daniéis deste mundo não conte para nada.

 

Mas disto Daniel não sabe. Nem do resto. Nem de nada, salvo sobre as características do produto que vende, porque tem saída, e até o Governo consome.

publicado por José Meireles Graça às 12:19
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Sábado, 11 de Abril de 2015

Pré-campanha

O PSD está, desde os tempos de Cavaco (e até de antes, com a aprovação da Constituição) comprometido com a gestão desastrosa do País. Cavaco só passou por ser um estadista moderno por ter dado um mínimo de sanidade à gestão orçamental, enterrado uma boa parte do PREC, arejado a comunicação social com a abertura de canais de TV e surfado os milhões da CEE. Para alguns, isto foi muito. E talvez tivesse sido se fosse apenas uma fase de um percurso.

 

Mas não foi: esgotado, O PSD parou o ímpeto reformista; e apenas ganhou a pacífica reputação de ser de direita por contraste com um PS sempre escravizado pelo casamento impossível que Soares lhe imprimiu no código genético entre a primazia do papel do Estado na economia e as liberdades. No essencial, que é este papel, entre o PSD e o PS há uma diferença de grau, não de essência - são ambos estatistas. Por isso aliás é que o Centrão que ambos amanharam tem o tamanho que tem - umas vezes a maioria que vive, directa ou indirectamente, dependurada no Estado, acha que quem lhe pode garantir a esmola, e talvez aumentá-la, é o herói dos socialistas; outras vezes o herói do PSD; e de vez em quando o eleitorado farta-se dos escândalos, ou simplesmente das caras, e muda de cavalo porque sim.

 

Passos é um pouco diferente: a parte do PSD que podia estar no PS tem-lhe um ódio de morte porque tentou, e em parte conseguiu, aplicar um programa que não resultou de uma negociação entre os baronatos do partido, e fazer um governo que dispensava a opinião dos próceres. Estes - os Pachecos, as Manuelas, todos os que no fundo achavam que Sócrates pecou pelo exagero, a desonestidade e o estilo, mas não pela essência - logo que puderem far-lhe-ão a cama, porque estão mortos por voltar ao antigamente. Não a Sócrates, claro, mas aí um Cavaco aggiornato, menos funcionário público de carreira, mais simpático, idealmente com um sorriso que não seja um esgar e declarações de improviso onde não transpareçam as suas desesperadas limitações. Rui Rio podia ser o Desejado, mas esse é mais um problema dos laranjinhas e eu, confesso, enjoo com facilidade os citrinos.

 

Não que no meu clube haja motivos para grandes orgulhos: não foi apenas Passos que desperdiçou a oportunidade, de que dispôs por espaço de alguns seis meses, de reformar o Estado, quer dizer, extinguir serviços, revogar legislação intrusiva, despedir massivamente, equilibrar o orçamento pelo lado da despesa, com o país aturdido pela tróica. Foi também o CDS, em tempos o partido dos contribuintes, que lhes deu abundantes motivos para ser considerado o partido dos masoquistas. Para o perceber, basta uma resposta sincera a uma pergunta simples: os cidadãos e as empresas estão hoje mais ou menos expostos, não apenas à carga fiscal, mas sobretudo aos abusos de uma Administração Fiscal predadora, arrogante e inimputável?

 

Estivéssemos já em campanha eleitoral, e seria a altura de esclarecer que a abstenção não deve ser o caminho; que a escolha nas legislativas não é entre Sila e Caríbdis, é entre o medíocre e o péssimo: e que o governo actual, se renovado, reformará mais alguma coisa, a passo de caracol, enquanto o PS regressado fará regressar com ele o descalabro.

 

De reformas anda Passos a falar. E, para atrair investimento externo, de que Portugal precisa "como de pão para a boca", diz: "Temos de criar melhores incentivos, melhores condições para que eles vejam em Portugal uma boa oportunidade para investir".

 

Não podia estar mais de acordo, excepto pelo facto de esta frase redonda poder ser igualmente proferida pelo candidato Costa, isto é, ser uma declaração de princípio que significa nada. Em concreto, no mesmo dia, Passos falou de medidas.

 

E disse o quê? Que vão acabar os pagamentos por conta? As tributações autónomas abusivas? A entrega ao Estado, a título de IVA, de importâncias que não foram cobradas? A carga sempre crescente de obrigações declarativas para ocupar parasitas em Lisboa, no INE, no Banco de Portugal, no raio que os parta? A instabilidade da floresta legislativa? Os abusos de bancos, alguns configurando verdadeiro crime de agiotagem, com a protecção amável da agência de internacionalistas que finge que os supervisiona? Os prazos absurdos e imprevisíveis das decisões dos tribunais e da Administração, uns e outra inimputáveis? E que vai rever a legislação demencial em matéria fiscal, de ambiente, de higiene e segurança no trabalho?

 

Não. No essencial, o investidor que coloca o seu capital nos bancos passa a ser, se o capital tiver alguma dimensão, sujeito de direitos; se não tiver, sujeito a assaltos, sob a forma de taxas e alcavalas.

 

Se porém o investir, passa a sujeito de obrigações, Mas, promete-se, sem a TSU. Ou seja, no fim fica tudo como dantes, mas com muito barulho e manifestações.

 

Pode até acontecer que venham uns quantos estrangeiros investir. Se a parte dos incentivos significar, como costuma, que o Estado lhes oferece os investimentos ou lhes dá privilégios que os turras empreendedores não têm; ou se não tiverem juízo, e acreditarem nas balelas com que os políticos dinâmicos, em viagens de prospecção, lhes atordoam os ouvidos.

publicado por José Meireles Graça às 02:04
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