Uma das reformas mais saudáveis e urgentes que podiam fazer-se em Portugal era a extinção de todas as juventudes partidárias, sem excepção. A tendência não é essa.
Pelo contrário, "os jovens" são referidos com desvelo. Como se em comum tivessem mais do que a inclinação histórica, biológica, e proverbial para "pensarem" asneiras definitivas. E dizerem-nas, com um arzinho tão néscio quanto triunfante. Paralelamente, ninguém ensina "os jovens" a duvidar, a discutir, a argumentar, a formar opiniões próprias, e a avaliar da pertinência do que lhes enfiam gelatinosamente no cérebro.
Vi miúdos com 10 anos ensaiados para recitar odes ao Império. Certinhos, engraçados, com os olhos piscos e a precisão de um realejo. Ouvi os aplausos no final do espectáculo. E o orgulho da plateia de pais, que não percebeu uma única palavra nem deu conta que os seus filhos também não. Vejo as notas luminosas desses miúdos em impressos fechados (suponho que o Quadro de Honra tenha sido abolido por motivos de "exclusão social").
Os "bons alunos" progridem neste modelo arrepiante, programados para "aprender" o que não têm idade para perceber. Espíritos subidos do Ministério da Educação decidem quem são os "grandes nomes da língua portuguesa", e à força de martelar as crianças com textos impenetráveis esperam desenvolver nelas o "gosto pela leitura". Nos dias de festa dá-se-lhes à manivela e as escolas sobem no ranking.
O Plano Nacional de Leitura existe para pôr ordem nas letras. Assente nos "valores fundamentais" da "liberdade", da "lusofonia", e da "portugalidade", estabelece uma lista de obras "literárias", ocupado em aprovar oficialmente os "grandes nomes" cuja "irreverência" seria censurada nos tempos da Ditadura, quando as leituras dos portugueses eram vigiadas. Isso agora acabou, porque os seus "responsáveis" discutem previamente (e em total liberdade, note-se) quais são os livros "adequados" à "formação" das crianças, o que deve ou não ser "incentivado", quais são as obras "de referência", e como é que os "educadores" devem "ajudar" os jovens a "desenvolver" o gosto pela leitura, fornecendo-lhes a indispensável "orientação".
Desconfio que deixar as crianças ler o que quiserem, alternando lixo com uma ou outra coisa bem escrita; permitir-lhes que escolham textos sobre os assuntos que lhes interessam; esperar que elas percebam sozinhas quem escreve melhor e quem lhes dá mais prazer - seria visto como uma leviandade sem nome. No limite, seria forçar os "educadores" portugueses a enfrentar o risco de que ninguém lesse as pasteladas acéfalas que eles próprios escrevem.
Por isso, no entender (ou interesse?) dos "responsáveis", e em matéria de pensamento, a liberdade é "fundamental" desde que devidamente "orientada". Compreende-se. De outra maneira, o seu papel passaria de deletério a nulo. E teriam de pegar neles e arranjar uma profissão.
Destes "estabelecimentos de ensino", os mais inclinados ao "pensamento" seguem para as juventudes partidárias onde se demoram a aprimorar a sua "formação" (os mais frágeis saem determinados a nunca mais pegar num único livro). Daí, com algum jeito para a intriga, para a bajulação, e para o domínio das banalidades orais, chegam à esfera pública e cometem entrevistas. As "questões fracturantes" são estridentes, mas não passam da superfície do sólido onde as suas "opiniões" grotescas se tornam mais visíveis. E o carácter (caso venham a lembrar-se dele) está irremediavelmente perdido no passado, diluído no peso das "responsabilidades" e no empenho de algum "orientador".
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