As três pessoas que leem com assiduidade e interesse os meus escritos sabem que não morro de amores por Cavaco: nem ideológicos (ele é estatista); nem sobre economia (ele entende que se três prémios Nobel estudarem a realidade portuguesa a fundo chegarão à mesma conclusão, que é a dele, e por conseguinte à mesma terapêutica, sobre a natureza dos nossos problemas); nem sobre a UE, o BCE e o Euro. Na realidade, estou mesmo convencido que, excepto pelo amor ao caldo verde, se o tem, em poucos assuntos poderíamos estar de acordo. E vou mesmo a ponto de dizer que, nele, a dicção, os discursos e as gravatas - detesto tudo.
Sucede porém que Cavaco resolveu, no estrangeiro, dizer, em Português, uma aldrabice - e eu acho que fez muito bem.
Um político - mais, um estadista - que seja sempre coerente, e que diga sempre a verdade, é um perigo. O exemplo clássico é o da autoridade com competência para desvalorizar a moeda, em países independentes, vai fazê-lo, e que é inquirida sobre se tem essa intenção - deve mentir com tantos dentes quantos tem na boca. E Deus nos livre se todos os ministros dos Negócios Estrangeiros desatassem a dizer o que realmente pensam sobre os países que visitam ou os estadistas que conhecem.
Aliás, mesmo que os eleitos não digam, porque não são suicidas, o que pensam sobre os eleitores, mas isso não afecte a nossa liberdade de os cobrir de vexames, ninguém esperaria que nós, que não passamos de privatus, desatássemos, nos velórios, a dizer o que nos vai na alma sobre os falecidos: o seu marido era efectivamente um filho da puta, minha Senhora! - afirmação realista e justa em muitos casos, mas realmente insusceptível de cair bem nos ouvidos da viúva.
Nós, que conhecemos Cavaco bem, como aliás os outros políticos da praça, sabemos distinguir e traduzir: uma coisa é o que se diz numa mensagem de Ano Novo, que pouca gente entre nós ouve, e nenhuma no estrangeiro; e outra o que se diz no estrangeiro, onde as paredes têm ouvidos.
Cavaco fez bem. E não carece deste lembrete, embora seja eventualmente útil para outros. Ele, isso, deve saber. Não saberá como se descalça a bota, mas ao menos não quer agravar a coisa - já é muito.
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