Faz tempo que, graças a Deus, não via notícias sobre Leal da Costa, o Savonarola que, no Governo, tomou sobre si a missão de nos defender de nós próprios a golpes de proibições e coimas.
A propósito de uma greve de médicos, o governante em questão declarou no Parlamento, em Junho de 2012, que "um grande grupo de portugueses não tem emprego e um grupo de privilegiados como os médicos não quer trabalhar, vão fazer greve e não têm razão para isso".
Depois daquela, já houve 19427 greves, governantes disseram coisas no Parlamento e fora dele cerca de dois milhões e oitocentas mil vezes, uns saíram e outros entraram (Leal permanece, com grande benefício para o País e dano para o seu portfolio de doentes), mas a Justiça seguiu a sua implacável marcha.
É que 60 (sessenta) médicos não levaram a bem a declaração de Leal e apresentaram queixa, com fundamento no nº 3 do art.º 128º do Código Deontológico dos senhores médicos, que reza assim:
"O médico não deve fazer afirmações ou declarações públicas contra colegas".
Fizeram muito bem estas cinco dúzias: que a redacção é admirável na sua granítica singeleza, e Leal, efectivamente, manifestou-se contra colegas.
Assim não o entendeu a relatora do processo (não pude apurar se é médica ou jurista) que, em Setembro passado, veio em menos de uma página propor o arquivamento.
Ana Matos Pires, a quem fico penhorado pela divulgação desta história, tem dúvidas sobre a bondade do articulado em questão, mas nem por isso apreciou a proposta, entre outras razões porque quem respondeu no processo foi o chefe de gabinete do Secretário de Estado, e não o próprio; e - mas isto já é processo de intenção meu - sendo um membro deste governo, por definição, celerado, e a greve algo que não se pode discutir, o arquivamento sem mais está irremediavelmente ferido de não sei quê.
Por mim, fiquei a meditar no que terá levado a que um assunto aparentemente tão simples tenha consumido mais de um ano para chegar a termo; e, como não estão tribunais envolvidos, admito que a relatora, ou outras pessoas no Conselho Disciplinar do Sul, tenham estado doentes, pelo que folgo em ver que recuperaram.
Quanto ao fundo da questão, a Ordem bem poderia, numa próxima revisão, eliminar aquela funesta redacção. Que o Tribunal Constitucional não tem por certo dúvidas sobre o direito à greve; mas não as terá também sobre o direito à liberdade de expressão e opinião.
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