Se votasse no Porto, tinha escolhido Rui Moreira. Não que a personagem me inspire grande simpatia: foi membro da Comissão de Honra da candidatura de Mário Soares e comentador da bola. Ora, a companhia política do ex-Presidente não é exactamente uma boa recomendação; e, tendo o dia apenas 24 horas, e destas metade consumida a dormir, comer e flanar, quem gastar demasiado tempo a inteirar-se das trincas e mincas do futebol - condição necessária para estar à altura de discutir com outros selvagens as transferências, arbitragens, declarações de dirigentes, foras-de-jogo e restante parafernália da irrelevância - não o tem disponível para assuntos sérios. É que o saber ocupa lugar, ao contrário do dito popular, e se pela manhã se leem os jornais desportivos não sobra o tempo para ler, ou fazer, coisa que preste.
Mas enfim, Rio tacitamente, e o meu partido expressamente, recomendavam o homem. E eu, que acredito na mediação, salvo quando tenho razões sérias para desconfiar, tenho respeito por Rio, se for verdade o que se diz: a Câmara do Porto paga a tempo e horas, não tem passivo incomportável, não andou (salvo as corridinhas de automóveis na Avenida da Boavista, uma fraqueza que está dentro dos limites do perdoável) a patrocinar a "Cultura" e uma miríade de empreendedores de pacotilha, trapaceiros e carreiristas sortidos, nem se distinguiu por grandes investimentos "estruturantes", para satisfazer a megalomania da gestão municipal, o ego dos senhores edis e a carteira de protegidos e apaniguados.
E isto não é nada pouco. A malta anda tão atordoada que uma notícia destas ("programa para pagar dívidas duplicou endividamento das câmaras") comove menos do que apurar se Hugo Almeida vai ou não substituir Hélder Postiga na Selecção. E no entanto estamos a falar de gestão danosa, e os criminosos têm nome, que o jornalista não pôde ou não quis apurar.
"Tal evidencia que os órgãos e eleitos locais da generalidade dos (108) municípios aderentes não adoptaram, ao contrário do que seria expectável, medidas adequadas e suficientes para promover a contenção e o controlo da despesa e do endividamento municipal, visando a recuperação da sua situação financeira e o cumprimento dos objectivos subjacentes à adesão ao PPTH (Programa Pagar a Tempo e Horas) e ao PREDE (Programa de Regularização Extraordinária de Dívidas ao Estado)", salienta a Inspeção-geral de Finanças.
Não adoptaram?! E o recurso aos Programas "não resultou, ao contrário do que seria expectável, numa diminuição duradoura e sustentável do nível da dívida, mas antes numa duplicação do endividamento total num valor muito significativo em 582 milhões de euros"?
Eu sei: estes eleitos não se apropriaram dos recursos, antes serviram abnegadamente as populações; o endividamento ficou, mas ficaram também os benefícios; o derramar de dinheiro na economia é altamente benéfico, via consumo, para o crescimento; nos concelhos deprimidos, há que fixar as populações; e há mais dezassete boas razões (consultar, para a enumeração, o recém-eleito edil Costa, ou o Rei Momo da Madeira, propagandistas do gaste hoje e pague qualquer dia) para investir a crédito.
Entretanto, andamos a discutir o corte nas pensões de sobrevivência (100 milhões); e a discussão faz-se em todos os lugares, incluindo a RTP, que nos custa 200 milhões ao ano.
É já hoje possível adivinhar que a dívida pública não será paga; ou, se for, por não haver outro remédio, não chegarão todos os pavilhões gimnodesportivos, todos os canais públicos e todas as pensões.
A população, claro, protestará. E entre os que protestam encontraremos, como já agora vamos vendo, todos os Costas do País, e todos os Costinhas que os elegeram.
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