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A aldrabice que mansamente nos impuseram anteontem, na forma de um programa de "perguntas", deu pretexto ao sr. Primeiro-Ministro para falar do que lhe apeteceu fingindo que enfrentava "o povo". Passos Coelho estava radiante. No seu fatinho de domingo, cabelo apartado ao lado, dirigiu-se às pessoas pelo primeiro nome e não se inibiu de perguntar a uma senhora desempregada se era "mãe solteira". Fiquei com a impressão que Pedro se tornou primeiro-ministro por insistência (ou chantagem?) da avó dele, e um pouco contrariado. Por sua vontade, Pedro seria apresentador de televisão e passaria as manhãs a entreter os acamados, num programa diário transmitido a partir de Trás-os-Montes.
Há um par de semanas o sr. Vice-Primeiro-Ministro serviu-se do mesmo apetrecho para "esclarecer" o país sobre os resultados do último encontro com a tróica. Nestas coisas convém deixar tudo muito bem explicado, e por isso contrataram uma loira indecifrável e um moço dócil para estabelecer o necessário contraste. Paulo Portas apresentou-se bem disposto e sorridente como se tivesse boas notícias para nos dar. Respondeu aos jornalistas como se fossem (ele lá sabe) uma turma de crianças. Confortável e mundano, tratou a "dignidade humana" com familiaridade e garantiu que ninguém soubesse o que vem no orçamento.
Estou convencida que não tive um único cliente que se abstivesse de me dizer: "Eu também sou um bocadinho arquitecto". As pessoas gostam de mostrar os seus talentos, às vezes imaginados, e contam com isso para obter a admiração e o respeito dos outros. Ainda que a natureza dos talentos não venha a propósito e a plateia, obrigada a assistir, não esteja interessada em conhecê-los.
É imoral reduzir os ordenados dos funcionários públicos e não eliminar organismos do aparelho administrativo. É demagógico, errado, e politicamente desonesto, apresentar medidas de "contenção estrutural" e não tocar no mapa dos municípios. É manhoso defender a "reabilitação urbanística" mas manter os licenciamentos na dependência de várias entidades incompatíveis; e o "enquadramento" e o "traçado" como conceitos jurídicos (a decidir por burocratas). É uma vigarice chamar "eficiência energética" a uma legislação que obriga os consumidores a gastar mais energia. É um insulto chamar "requalificação" ao purgatório dos desempregados do Estado. É irresponsável manter a Educação numa bandalheira mas considerar que o entretenimento do povo (como festas, cantorias, teatrinhos, "instalações", fungagás, piquenicões, concertinas e foguetórios) é uma função do Estado Social. É inconcebível cortar na saúde e subsidiar, a níveis dementes, as empresas de transportes. É miserável cortar os víveres aos velhos mas manter a RTP.
No entanto, a RTP não pode fechar. Uma direcção de informação domesticada, meia dúzia de "jornalistas" dispostos a representar um papel humilhante, e 200 milhões de euros por ano, não são dispensáveis quando se trata de exibir os comportamentos narcisistas dos governantes em funções.
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* Imagem: The Spectator, 27 July 2013
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