Na Mouraria há muitas moradas e uma delas pertence à D. Zulmira. Mais precisamente as águas furtadas do nº 16 do Largos dos Trigueiros. É onde vive há precisamente 59 anos, num bairro a que se habituou a chamar casa.
Ao princípio, quando chegou com o Sr. Pedro, o seu marido, vinha todos os dias cá abaixo à rua buscar água à fonte do largo. Fonte de água viva, assim a chamava, talvez porque refresca e renova todos os que ao longo destes quase 60 anos por aqui vê passar.
A fonte passou a fazer parte da sua rotina e da sua vida, mesmo que agora já não precise, nem possa, vir buscar a sua água. Mas ficou-lhe a sede…
“Depois de se conhecer a água, fica para sempre a sede” - ouviu uma vez a alguém e achou tão bonito e certeiro que o fez seu e repete sempre que lhe parece a calhar. Muitas vezes ouve-se a dizê-lo a si mesma, quando olha cá para baixo e vê caras conhecidas debruçadas sobre a fonte, sentadas no seu beiral, esticando conversas e o tempo. “Olá D. Zulmira, estava aí em cima? Que tal anda…?”, “Ai, com sede de conversar…”.
Na Mouraria há muitas moradas e o rés-do-chão do mesmo nº 16 é agora ocupado por uma artista que fotografa pessoas e compõe as paisagens do bairro.
Uma vez fotografou a D. Zulmira, que só pediu que a deixasse trazer o seu bem mais precioso – o colar de pedras que o marido lhe deu. A fotografia sorri agora na rua que vai até à Igreja de S. Cristóvão.
A D. Zulmira lembra-se de ter perguntado à rapariga artista: “A menina pode fazer uma mulher velha renascer?”. Mas isto foi antes de ter visto o retrato. Porque depois soube logo que sim, que a sua fotografia a fez renovada a si e à casa que é o bairro, que agora mora em sítios novos e que é mesmo verdade que na Mouraria há muitas moradas.
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