Quarta-feira, 8 de Janeiro de 2014

Quem espera desespera

Esta notícia já deu origem a um inquérito, o inquérito dará origem a um relatório, o relatório dará origem a outra notícia, com muito menor relevo se, como de costume, não houver castigos, e em devido tempo serão tomadas "medidas". Medidas é o que os responsáveis tomam, tradicionalmente, para corrigir os erros de medidas anteriores, ao que se seguem efeitos perversos que, naturalmente, requerem novas medidas.

 

A senhora em questão poderá talvez morrer por causa de não lhe terem marcado a consulta, e a colonoscopia, em tempo útil. Mas não será para já, que entretanto andam a tratá-la para diminuir o tamanho do tumor para dimensões operáveis. E se entretanto houver notícias sumarentas, escandaleiras, greves, desastres naturais, o carago, será esquecida - as notícias de vítimas do aparelho de Estado, seja na saúde, nos impostos, na recolha do lixo ou nos licenciamentos de tudo o que mexa, têm começo para cumprirem o seu papel de encher papel; mas raramente lhes conhecemos o fim.

 

Fosse eu um defensor do Serviço Nacional de Saúde e, com as cordoveias do pescoço inchadas de indignação, gritaria: ai que a austeridade está a assassinar as pessoas! E reclamaria o regresso ao Poder, já não digo do paizinho do SNS, que julgo ainda exercer advocacia em Coimbra, mas dos beneméritos colegas partidários dele, coautores, aliás em quase universal companhia, do monstro.

 

Monstro, sim. Porque um serviço que, à força de ser gratuito mesmo para os que o podem pagar, não pode desembocar senão em dívidas; à força de ser gigantesco, burocrático e gerido pelo Estado, não pode senão desembocar em ineficiência; e à força de depender de financiamento do Estado, não pode senão desembocar, agora que o crédito acabou, em cortes.

 

Uma parte dos cortes é a mesma que as mesmas unidades de saúde fariam se fossem privadas: fazer mais com menos, que o capital tem que ser remunerado e tem que haver reservas para investir. Mas o Estado nem cortes sabe fazer, nem aliás verdadeiramente existe - o que existe são os responsáveis, grandes e pequenos, que agem em nome dele. E estes não vão à falência, nem os serviços que dirigem - por isso é que são tão maus.

 

Mas enfim, o eleitor pobre diria, se me conhecesse: o que este gajo quer é fazer negócio à conta da Saúde, o que eu quero é igualdade; e o médio: o quê, já pago impostos que chegue, e ainda por cima progressivos, era o que mais faltava se agora  tivesse que encostar a barriga ao balcão para ter acesso ao que a Constituição garante; e o rico: não tenho nada a ver com essa merda, eu trato-me na clínica de Pamplona.

 

Isto diriam os eleitores. Os credores, esses, dizem: paga o que deves, com juros. E não podemos, infelizmente, responder: agora não, que temos uma colonoscopia marcada.

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publicado por José Meireles Graça às 19:43
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