Quarta-feira, 30 de Maio de 2012

A empregada

Sempre tive, depois de casar, o privilégio de ter empregada doméstica - digo-o sem orgulho nem acanhamento. A última está connosco há mais de 15 anos, foi o seu primeiro emprego, como se vê até agora único.


Fez o 9º ano, sempre ao serviço, arrendou um T3 numa boa casa em banda, com a ajuda de um subsídio de renda, tirou carta de condução e casou. O marido, excelente moço, ganhava bem a pilotar por conta de outrem máquinas de construção civil. Aos 25 anos de idade o subsídio acabou e adquiriram a casa, mediante o competente empréstimo.


Votou sempre à esquerda. Como não? Foram os Governos dela que lhe permitiram ter o grau escolar que de outro modo não teria; arrendar a casa que lhe seria, sem subsídio, inacessível, e finalmente comprá-la com um empréstimo a um prazo e juro que, sem Euro, seria inatingível; chegar todos os dias ao trabalho num automóvel que não é um utilitário, e que é um dos dois da família; ter uma assistência na doença que excedeu sempre em muito o que para aquela assistência descontou, por ter uma saúde frágil, que implicou já duas operações; e educar as duas filhas entretanto nascidas com hábitos e práticas que excedem em muito o passadio vulgar para uma família da classe média de há apenas uma geração.


Esta ascensão social e este progresso do bem-estar são desejáveis? Claro, e só um  ultramontano ou um egoísta empedernido pretenderá o contrário.


Porém: a empresa do marido deixou de lhe poder pagar o que pagava, e este emigrou para o Luxemburgo; dos dois automóveis um foi já vendido; e o estatuto que conquistaram poderá talvez renascer, mas lá longe, a custo de grandes sacrifícios, e segregando as meninas do País e da escola que conhecem.


Se tivesse talento literário faria o que fazem os Portugueses que julgam ter essa qualidade: escrevia um romance. E neste apareceria uma personagem com um percurso semelhante ao da minha empregada, destino a efabular.


A personagem, vítima da vigarice infame de lhe terem comprado o voto com miragens insustentáveis, sendo que quem contraiu o empréstimo para o efeito não é quem agora tem que o pagar, faria dizer talvez aos críticos literários que o romance era verista.


Ou curto de imaginação e miserabilista. Talvez mesmo, se o talento não fosse suficiente para disfarçar o parti-pris político, me chamassem - economicista.

publicado por José Meireles Graça às 21:50
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O autarca sensível

 

 

 

Nesta altura do ano rebentam as flores dos jacarandás. A cidade fica muito bonita, cheia de manchas azuis que estão primeiro penduradas nas árvores, decorando as fachadas, recortadas nas ruas, entretendo o trânsito. Depois estão no alcatrão, nos relvados, nas calçadas, nas varandas, nos telhados, e no tecido de memórias azuis que tenho no meu cérebro, em cima de um móvel de canto onde guardo os anos felizes que passei na Câmara Municipal de Lisboa.

 

As casas de banho novas do Parque Eduardo VII estavam quase acabadas. Só faltava decidir sobre a pintura final. Chamada a dar o meu palpite, desloquei-me à obra e pedi ao empreiteiro que fizesse um teste com três cores diferentes, numa parte da parede exterior do conjunto. Passados uns dias, após a secagem das amostras, voltei à obra para uma reunião com "os responsáveis". A fim de tomar a decisão, apresentaram-se o arquitecto (o projecto não era meu), o construtor, uma série de vereadores, e o próprio presidente da Câmara, que não quis faltar uma vez que estava "pessoalmente muito empenhado" no processo e queria assegurar-se que tudo estaria pronto para inaugurar na Feira do Livro, dali a uma semana ou duas.

 

Foram os últimos a chegar, e vinham do lado de cima. Ouviam com atenção a aula de história que o presidente desenvolvia, gesticulando, parando para apontar, provocando gargalhadas espontâneas e acenos de cabeça. Pareciam um grupo de crianças, as gravatas a esvoaçar, os casacos desapertados como os bibes no recreio. "De maneira que isto, por aqui fora, era tudo putas", foi a parte que ouvi quando já estavam a poucos metros.

 

De seguida, deram-se as apresentações. Trocaram-se apertos de mão e os vereadores trocaram olhares cúmplices e divertidos. De pé, todos dispostos em bateria, semicerraram os olhos e fizeram silêncio por uns segundos, contemplando os rectângulos de tinta colorida, concentrados a apreciar. Da boca socialista do presidente que, apesar de calado, nunca tinha chegado a fechá-la, saiu uma decisão. "Vermelho está fora de questão. Epá, para vermelho já me basta as gajas uma vez por mês".

 

Aturdida com a sensibilidade do poeta, com o coração enaltecido por sentir os destinos da cidade entregues a este homem enorme, distraí-me das razões que levaram à exclusão da outra cor. Mas foi assim que em Lisboa, ao fundo do Parque Eduardo VII, para servir a Feira do Livro e os aflitos do ano inteiro, nasceu um edifício de casas de banho da cor das flores dos jacarandás.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 02:46
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Domingo, 13 de Maio de 2012

Pela aragem não se vê quem vai na carruagem

His ‘stimulus’ was a permanent tax cut. To critics, this was fiscal lunacy — the so-called ‘punk tax cutting’ agenda. Borg, on the other hand, thought lunacy meant repeating the economics of the 1970s and expecting a different result.

 

 

Algures n'Uma Campanha Alegre, Eça verbera as toilettes dos Senhores Deputados, e considera normais os coletes desabotoados, já que também teriam as consciências - desabotoadas. É qualquer coisa assim, agora não tenho vagar para conferir.


As convenções de vestuário em uso naquele tempo eram diferentes das de hoje, e o Parlamento também: não havia Senhoras Deputadas, e havia criados de quarto para cuidar dos atavios dos senhores. No resto, as semelhanças são tantas que aprende-se talvez mais com as Farpas do que com as secções de cusquices do Expresso e outros jornais.

                                       


Eça, se regressado do Além para ir ver uma sessão do Parlamento, ficaria decerto varado com a falta de Gramática e, aparentemente, sabão e navalhas de barba, e creio mesmo que o fato de treino e a t-shirt de alguns Pais Conscritos o deixariam pávido, cuidando tratar- se de pijamas.


Não obstante, a simplicidade e a comodidade do traje contemporâneo merecer-lhe-iam aprovação; ainda que dissesse para os seus botões que a evolução da moda não é bem uma atribuição do Parlamento, e que dos deputados da Nação se espera a reforma do Estado e das Leis, não a promoção da estética rap. Enfim.


Isto pensava eu, e por o pensar invoquei um morto ilustre e atribuí-lhe as minhas opiniões, a ver se elas ganhavam alguma gravitas.


Mas não sei já para que lado me volte: Vem um tipo de brinquinho e rabo-de-cavalo e desata a fazer reformas liberais (das verdadeiras, não aquela mistura de impostos muitos e emagrecimento do Estado nicles) e a coisa funciona.


Ó senhores deputados: Bora lá buscar um quipázinho de missanga; e, senhoras deputadas, têm alguma coisa contra saias de cigana?


Poizé: a ver se isto melhora.

publicado por José Meireles Graça às 20:05
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Quinta-feira, 10 de Maio de 2012

Crónica de um desastre anunciado

Seguro defende eleição de um 'presidente da Europa'


Com o aprofundar da crise do Euro, cresce a pressão para que a solução venha do estado federal que imponha a disciplina dos países do Norte com contas sãs, na versão federalista de Direita, ou o estado federal que apenas eurobondize a dívida, na versão federalista da Esquerda. O simpático e patético Seguro não se limita a querer que os ricos paguem a crise - constata que há "Estados que mandam mais do que outros", pelo que espera confiantemente que, logo que comecem a assumir as dívidas, fiquem mais iguaizinhos - não é mal visto, realmente.

Tudo isto quer dizer que o mesmo fato delirante vestido a corpos diferentes ameaça esgarçar de vez. Alguns dos grandes, enormes estadistas que engendraram esta estranha peça de vestuário one-size-fits-all não ignoravam isto; e o terem levado a iniciativa a bom porto foi uma engenharia de contrabando quase-continental para impôr aos povos europeus a federalização que eles não escolheram, à boleia de uma calculista irreversibilidade.


Temos assim, com crescente nitidez, dois campos, a saber:


I


O dos que acham que big is beautiful - no séc. XXI é preciso falar a uma só voz, para que essa voz seja ouvida pela América, pelos BRICs, pela ONU e tutti quanti; a história da Europa, que é uma de guerras, perseguições e rivalidades, passará doravante a ser, como a dos E.U.A., de unidade de propósitos, paz entre os estados federados e representação externa comum; a economia, essa, terá o rigor e a eficiência do Norte, com a alegria, a imaginação e as estâncias de férias do Sul; e o Euro será sólido como uma rocha, tal como o dólar o é, não obstante a falência da Califórnia e a dívida estratosférica. E


II


O dos que entendem que: a competição entre estados, modelos de sociedade, fiscalidades, modos de organizar a representação política e o resto da coisa pública, é a melhor garantia de progresso e da detecção de erros de políticas sociais e outras; está por provar que os grandes países sejam mais eficientes, mais "justos", mais felizes do que os pequenos; as superpotências falam a uma só voz, mas a defesa dos seus interesses implica que periodicamente alguns dos seus cidadãos regressem a casa em sacos de plástico preto; as guerras do passado foram por conquista de terra, domínio, esbulho, religião e ideologia. A história não acabou e elas não se tornaram impossíveis, mas não se vêem no horizonte guerras intestinas na Europa - vêem-se porém no resto do Mundo; os pequenos estados gerem as suas dependências - se diluídos em grandes não gerem coisa alguma; a riqueza não funciona pelo princípio de vasos comunicantes - há estados e regiões pobres e estados e regiões ricas dentro das federações e dos países unificados. E, finalmente, que há, nos estados europeus antigos, culturas, tradições, línguas e sentimentos de pertença - as instâncias centrais europeias, como quaisquer outras burocracias, tendem fatalmente a tentar anular tudo isso, a benefício da unicidade e da camada de apparatchicks de Bruxelas e dos seus delegados nos 26 Terreiros do Paço.

Depois, o nacionalismo, que foi, e ainda é, o fundamento ou o adjuvante de muitas guerras; e que funcionou como cimento e legitimação de regimes detestáveis - não está em odor de santidade. E é também objecto de desvalorização com ideias fantasiosas: diz-se ser uma construção do romantismo, confundindo-se o ideal de fazer coincidir geograficamente as Nações com os Estados (que é uma ideia do séc. XIX) com o sentimento de pertença, que é a base do nacionalismo e uma pulsão antiga e natural. Este sentimento faz com que, ainda que tenhamos, e temos, muitas, boas, antigas e modernas, razões para detestar o nosso País, não deixamos de ser estrangeiros em qualquer outro lado.

Em resumo: O Euro foi um erro caro - e a maior parte do preço estará ainda em revertê-lo. As élites querem corrigir o erro com outro maior, ignorando tradições, nacionalidades, idiossincrasias, fugindo para a frente para fazer um Mundo Novo.

Já vimos disto com outras vestes. É como diz uma amiga minha: as reformas são para políticos aborrecidos. As grandes engenharias de pátrias e revoluções, digo eu, são para políticos visionários - daqueles que engendram grandes desastres.

publicado por José Meireles Graça às 00:13
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Quarta-feira, 9 de Maio de 2012

Os apertos de mão

 

 

 

Entre os comportamentos que considero verdadeiramente desprezíveis encontram-se os apertos de mãos firmes e cordiais.

 

Um aperto de mão firme e cordial parece saído de um curso intensivo de "Criatividade, Empreendedorismo e Inovação". Estes cursos não servem para nada, e esta é uma das razões: toda a vida houve quem soubesse dar apertos de mão firmes e cordiais. São os chamados vigaristas.

 

Um aperto de mão firme e cordial inspira confiança, o que é um péssimo sinal. Vê-se logo que, mais tarde ou mais cedo, nos vão querer vender qualquer coisa. E quando essa coisa se estragar, eles nunca mais nos vão atender o telemóvel.

 

Quem sabe destes assuntos é o dr. Mário Soares, que anda nisto há muitos anos, tornando-se por isso um profissional de referência obrigatória. Um aperto de mão firme e cordial tem como objectivo afirmar conceitos sagrados, como honra, lealdade e compromisso. Mas não vive no pântano dos valores ultrapassados pela história, porque sabe que estes conceitos correspondem a normas de comportamento obsoletas e está preparado para agir em conformidade.

 

Para evitar sarilhos, é importante desenvolver um aperto de mão frouxo e afectado. Se possível, húmido. Assim não se promete nada, e aumentam-se as probabilidades de afastar a outra pessoa para todo o sempre. Que é o objectivo final de qualquer aperto de mão.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 15:14
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Domingo, 6 de Maio de 2012

O fait-divers

Sai uma irrelevância colorida dita de direita para entrar uma irrelevância cinzenta dita de esquerda. Um não fez o que prometeu; o outro não fará o que promete. A "Europa" ganhou - ganha sempre, porque a democracia falou, foi tudo muito civilizado e a mudança foi tão positiva como o teria sido a manutenção. Os mercados ficarão amanhã optimistas, e daqui a uns dias pessimistas, ou pessimistas desde já.

 

Com Sarcozy, Merkel seria mais "rigorosa"; com Hollande será mais "sensível".

 

A rotativa do BCE, como o próprio nome indica, roda; os Franceses têm os olhos do Mundo postos neles, entre hoje e amanhã, o que é natural para quem dele se julga o centro; as instâncias europeias hoje remoem, depois deglutem, e em seguida hão-de digerir.

 

Em resumo, mais uma vitória - até à derrota final da Europa do Euro, da dívida e da falta de crescimento.

publicado por José Meireles Graça às 21:28
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A educação da deseducação

Recebi por e-mail, de um autor identificado que é Professor no IST, o seguinte texto:


O que o estudante típico usualmente não percebe é o aforismo "não há nada mais prático do que a teoria". Sobretudo o estudante que toma contacto com as matemáticas. Perdido no meio do raciocínio matemático, reage usualmente mal. Por isso faz com frequência a pergunta sacramental ao mestre - "Para que é que isto serve?".


Quer o estudante dizer que não entende tanta 'complicação' quando afinal o que interessa são 'coisas práticas'. O mestre pouco avisado responde evasivamente que as complicações são o que são porque a matemática é o que é. Resposta mal dada. A resposta correcta é:

Não há nada mais prático do que a teoria. 

Sobretudo a teoria matemática, a qual subjaz a todas as ciências aplicadas, precisamente porque a matemática e a sua companheira, a Física, são os melhores explicadores do mundo material.

Porquê a desconfortável 'complicação' matemática? Porque é na demonstração matemática, onde se evidenciam as complicações, que ao engenho e raciocínios do homem é exigido o esforço maior. É na inutilidade aparente de uma demonstração matemática que se procura enquadrar um problema com toda a sua generalidade. E quanto maior for a generalidade, geralmente maior é a complexidade do engenho e dos raciocínios a empregar. 

Ora uma receita geral, por definição, enquadra qualquer receita particular. E são receitas particulares aquelas com que o estudante das ciências aplicadas terá de se confrontar ao longo da sua vida profissional.

Por conseguinte,  quanto mais tempo o estudante tiver gasto na sua juventude à volta das 'inutilidades matemáticas', mais facilmente resolverá problemas práticos na sua futura profissão. Por aqui se poderá pois concluir que na aprendizagem das criancinhas a matemática deve estar em lugar cimeiro.

A matemática não tem que ser necessariamente cool, tal como acontece na vida do homem comum obrigado a lidar mais com sofrimentos e menos com prazeres.


Fim de transcrição.


A mim me parece que o raciocínio matemático é um entre outros; e que o fruto dos raciocínios, para ser comunicado, precisa muitas vezes de linguagem não-matemática, donde a importância das línguas.


Poria portanto as línguas (a Pátria e a veicular dos nossos dias) a par da Matemática. E como raciocinar bem e comunicar bem não chega - é preciso ainda ter alguma coisa para dizer - a isto acrescentaria umas boas bases de História, sem a qual não entendemos o presente, a Geografia, sem a qual não entendemos a História, a Física, a Química e as Ciências da Natureza, sem as quais não entendemos o Mundo físico, e a Filosofia, para percebermos porque razão não percebemos nada.

 

Nuno Crato é matemático e estudioso das ciências da educação, seja lá isso o que for, pelo que é legítimo esperar que tenha sobre matérias curriculares ideias, hum ... matemáticas.

 

Pode bem ser que da sua passagem pelo Ministério fique, no meio das salgalhadas corporativas, da pedagogia modernaça, do facilitismo igualitário e dos interesses ocultos da máquina alucinada que comanda - algum bem.

 

publicado por José Meireles Graça às 19:08
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Sexta-feira, 4 de Maio de 2012

A miragem teimosa

Aprecio o equilíbrio orçamental (e até o superavit, quando seja necessário, como é, reduzir a dívida pública), não sou adepto da desvalorização artificial da moeda (como não sou, aliás, da valorização artificial) e reconheço os males da inflação.


Não ignoro que a indústria exportadora tem dado sucessivas lições ao país oficial e economês de como sobreviver, e até prosperar, com o Euro, um Estado gordo e incapaz de se reformar, uma fiscalidade predatória e penalizadora dos criadores de riqueza, uma opinião pública educada nos princípios da economia vudu, outrossim cainesianismo tuga, e uma opinião publicada geralmente sobranceira, quando não hostil, em relação aos empresários que temos, se não estiverem albardados de diplomas e tretas, e que fazem o seu caminho com algum sucesso sem precisar do Estado que trazem dependurado ao pescoço. Uf.


Fui contra a adesão ao SME, primeiro, e o Euro, depois. Acho mesmo que essa adesão foi o maior erro perpetrado contra a Economia depois do 25 de Abril, mais grávido ainda de consequências negativas do que as nacionalizações e os outros delírios do PREC. Porque o Euro retirou a válvula de segurança contra tolices de política económica que a moeda própria é, e fez-nos bater na parede com um nível de dívida pública e privada sem precedentes. Tivéssemos o cansado e desvalorizado Escudo, em vez de estarmos protegidos por uma moeda alemã (Euro foi o nome que o Marco tomou) e os emprestadores teriam fechado a torneira muito mais cedo.


Meridiano bom senso, a mim modestamente me parece o meu discurso - o óbvio é muitas vezes o mais difícil de ver.


Mas há mais: o Euro foi uma opção política deliberada para tornar a Europa federal inevitável - não é preciso ter uma visão conspiratória do mundo para o supôr. E ainda que a maior parte dos meus concidadãos estivesse, ou esteja, disposta a trocar a pertença a uma casa arruinada por um clube de ricos (cada vez menos ricos, aliás) é uma evidente ilusão imaginar que esses ricos estariam dispostos a sustentar os consócios caloteiros.


Não vamos, é claro, sair do Euro. Será antes o Euro a sair de nós ou, pior, a, por milagre, sobreviver. E, se for o caso, deixaremos em herança à geração seguinte um patrão exigente, irascível, autoritário e distante. Já sucedeu antes, há muito tempo, quando a Europa estava semeada de tribos celtas. Agora não, que as tribos diferenciaram-se, as línguas separaram-se, as fidelidades ganharam fronteiras definidas e o sentimento de pertença ganhou raízes dentro delas. Não atiraremos a canga ao ar talvez - outros o farão por nós.


E a que vem este arrazoado? Ora, foi despoletado por isto. Comme quoi, com tanta análise divergente, pressupostos diferentes, e propósitos tão distantes, se pode chegar à mesma conclusão - deve ser verdade que o Euro une.

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publicado por José Meireles Graça às 23:00
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O banco cego, surdo e palrador

A gente lê uma notícia destas e sente um frio na espinha: a mesma instituição que custa os olhos da cara ao contribuinte para nunca acertar previsões, e que falhou rotundamente na supervisão, acha que há “evidência casuística” de dificuldades das empresas no acesso ao crédito - uma formulação pretensiosa para recobrir o que entra pelos olhos dentro de qualquer imbecil que não ande a dormir. Também garantiu que o Banco de Portugal “não é surdo e regista as queixas das empresas”.


Olha, ó fonte do Banco de Portugal: Cega sabemos que a tua entidade patronal é; criminosa também - autoriza com naturalidade taxas de agiotagem aplicadas a quem está em estado de necessidade, exactamente como faz a Máfia; e duvidamos que não seja dura de ouvido, por não ter ouvido nada do que se disse anos a fio da gestão do BPN e das moscambilhas da CGD e do BCP, entre outros. A tal evidência casuística, por sua vez, já está meio apodrecida, por ter mais meses de vida que os necessários para uma elefanta dar à luz.


Mas para registar queixas não precisamos de centenas de funcionários com estatuto de excepção, governados por um incontinente verbal pago a peso de ouro - basta um PC ligado à Internet e um gravador de chamadas.


Quantas mais empresas terão que fechar, e trabalhadores irem para o Dubai ou o Luxemburgo, até que estas luminárias percebam o que andam a fazer?

publicado por José Meireles Graça às 01:08
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Quarta-feira, 2 de Maio de 2012

O Pingo Amargo

As centrais sindicais fazem parte do mobiliário da vida social, e têm assento no Conselho Permanente de Concertação Social, para manter um estado de coisas. Uma parte dos sindicalistas representa aquilo que o PCP acha que são os interesses dos trabalhadores, isto é, uma sociedade comunista adaptada às circunstâncias locais, outra parte aquilo que o PS acha que são os interesses dos trabalhadores, isto é, uma sociedade nórdica imaginária adaptada às circunstâncias locais, e, finalmente, uma outra ainda acredita representar os trabalhadores propriamente ditos, enquanto na realidade lhe cabe o papel de compagnon de route das duas primeiras.

Supõe-se que o Governo defenda uma certa ideia de interesse nacional, na concretização do qual vai negociando com os sindicatos e os "representantes" dos patrões, de modo a atenuar e, preferentemente, anular tensões sociais.

Tem funcionado bem. É porém carote (são os contribuintes que pagam o Conselho, e indirectamente as mordomias de muito sindicalista) e implica uma quantidade considerável de língua-de-pau: A CGTP nunca está satisfeita, nem poderá estar, por ser obrigada a dizer que quer aperfeiçoar o sistema que na realidade visa destruir; a UGT vive em perpétuo estado de fingimento por, concordando no essencial com o que o Governo do dia quer, ser obrigada a mostrar serviço; as associações patronais, que com frequência ainda são menos representativas que os sindicatos, tentam limitar os estragos das cedências dos governos; e estes colocam a barra mais alto, de modo a simular cedência, a fim de evitar "convulsões sociais".

A geringonça por estes dias anda emperrada: O Governo não pode fazer concessões para comprar paz, Troika oblige; a CGTP discorda das exigências que o protectorado implica, e hesita entre achar que a situação está madura para a Revolução, e achar que ainda não; a UGT quer, mas não quer, cumprir as exigências, tal como o PS, e espera que a "Europa" de uma forma ou de outra descalce a bota; as associações patronais quereriam mais cortes na despesa, menos impostos e mais liberalização, mas não tantas falências nem tanto desemprego - a coisa assusta.

O ambiente radicaliza-se. E é aqui que entra o Pingo Doce, o 1º de Maio e o golpe do saldo a 50% de desconto.

Se fosse apenas marketing marqueteiro, seria difícil de entender: i) o Pingo Doce não tem falta de notoriedade; ii) A clientela pode entrar em estado frenético com a enormidade do desconto, mas não vai no futuro deixar de comparar preços, e a fidelidade só se manterá se a cadeia não tentar recuperar depois o que perdeu agora; iii) A iniciativa não arredará concorrentes do caminho; iv) Salvo algum consumo oportunista (Glenfiddich Reserve 12 years a metade do preço - hum, a fome é negra), o grosso foi de bens de primeira necessidade, cuja venda se vai ressentir durante algum tempo.

Não, contas bem feitas isto não é marketing, golpe de génio comercial ou o catano: é política.

E é por o ser que a direita e a esquerda blogosférica salivam: uns porque acham que o empresário, quando falha, é incompetente e criminoso e, quando tem sucesso, é explorador e ladrão, e nada do que faça pode realmente beneficiar o trabalhador; os outros porque apreciam ter sido feita a prova de que o trabalhador mediano troca com facilidade feriados, passeatas a pé, bandeiras, amanhãs que cantam e ilusões por três carrinhos de compras a saldo, cheios até às bordas. Nada que não se soubesse, mas que ficou demonstrado de forma um tanto crua e por conseguinte imperdoável por parte da esquerda, que não aprecia que lhe desfaçam as ilusões.

A mim me parece que o Sr. Alexandre Soares dos Santos tem tanto direito a fazer política como outro cidadão qualquer. E que, dada a sua merecida notoriedade pública, não lhe faltam púlpitos. Mas se a porta do sucesso é estreita, muito estreita, e isso justifica a admiração por quem por ela conseguiu passar, o génio e as qualidades que exornam quem o conseguiu não dá garantias de nenhuma forma de lucidez na gestão da coisa pública. Tal, e simetricamente, como o sucesso na carreira política, até mesmo de estadistas, nunca deu nem dá nenhuma garantia de igual performance na carreira empresarial. É por isto aliás, entre outras razões, que o Estado empresário costuma ser um empresário falido.

Já bastam as listas de intelectuais e artistas a quererem influenciar eleitores com a imaginária autoridade que lhes dão as suas carreiras; os sindicatos a quererem fazer passar de contrabando sociedades alternativas, à boleia de reivindicações laborais: era o que mais nos faltava se, para fazer vingar pontos de vista políticos, os empresários desatassem a utilizar as suas empresas para fins que são alheios às próprias empresas.

O Pingo Doce tem todo o direito de tomar as decisões que entenda para a prossecução dos seus fins; mas não tem o direito de ser um player político, senão na exacta medida em que o seu sucesso, em Portugal e sobretudo no exterior, é um exemplo de que o capitalismo funciona.

publicado por José Meireles Graça às 18:11
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