Houve há dias uma conferência em Lisboa, sob a modesta epígrafe "Portugal no Mundo", estrelada com personalidades que não se coibiram de dizer coisas a benefício da ilustração das elites mundiais, incluindo Mr. Barroso, o qual no entanto tinha ademais o prosaico propósito de tratar da futura candidatura a Presidente da República.
É discutível se o Mundo estaria com grande atenção; e mesmo àquela parte do Mundo, à qual pertencemos, que está em crise, talvez tenha escapado o altíssimo nível das intervenções e o acerto de algumas previsões e diagnósticos.
Mário Soares, por exemplo, avisou sem rebuço que "se não se colocarem os mercados no lugar, se pode caminhar para uma terceira guerra mundial". Isto porque "são os mercados que governam e os governos não têm margem, porque não querem ter".
Isto é de gelar o sangue: Mário Soares não estará a referir-se apenas àqueles governos que substituíram os socialistas, caso em que bastaria que os eleitorados caíssem em si para tudo se compor, evitando-se a hecatombe da III Guerra Mundial. Não: inclui certamente aqueles que, como o Sr. Hollande, têm impecáveis credenciais democráticas mas esqueceram os ensinamentos da velha guarda socialista, da qual ele próprio e o Sr. Gonzalez, que estava ali mesmo ao lado, fazem parte.
O Sr. Gonzalez, aliás, salientou a pouca margem que os governos têm, referindo que "quem manda é Wall Street e a City”. Que se desenganem os ingénuos que imaginam que os desequilíbrios começaram com o Euro, e aqueles que se queixam amargamente da Chanceler, e do BCE, e da evolução demográfica, e da deriva despesista, e do catano: "A crise começou nos EUA", diz Mário Soares. "Fomos vítimas da bolha especulativa”, afirmou o socialista espanhol.
Ora cá está: A Senhora Merkel nunca foi um Diabo muito convincente - pode desempenhar um papel abominável mas por trás tem os mercados, a City e Wall Street.
Se formos ver a questão de perto, e sem preconceitos, como estes dois lúcidos estadistas, o verdadeiro culpado é a América. Por sorte, para amenizar, está ao leme por aqueles lados um socialista. Mas ai! - também não é da Velha Guarda.
Resignemo-nos: a III Guerra vem a caminho.
E estamos nisto: Se o TC declarar a inconstitucionalidade das normas nas quais o Presidente tem dúvidas, cai-nos o céu em cima da cabeça; se não, toda a esquerda lembrará a suspeitíssima nomeação política dos Senhores Conselheiros, que explicará a decisão "favorável" ao Governo.
Entretanto, há tempo para pareceres sábios sobre o TC e a Constituição. Tropeçando neles, leio com atenção - tenho gostos estranhos em matéria de leituras.
Consideremos neste artigo o passo que diz: "... não é para isso que o Tribunal Constitucional serve. Pelo contrário, para além de servir para nos lembrar que temos uma Constituição, que somos filhos do constitucionalismo, serve também para nos recordar que no nosso sistema de checks and balances ..."
Para mim, este é o nó do problema: checks and balances. Uma Constituição, se serve para alguma coisa além da necessidade óbvia de regular o jogo político e a organização do Estado, é para defender o cidadão - dos abusos de outros cidadãos, e isso garante-se principalmente com o princípio da igualdade perante a Lei e o monopólio da violência por parte do Estado; e dos abusos do próprio Estado, e isso garante-se principalmente com a independência dos tribunais, o princípio da legalidade e uma longa lista de direitos, liberdades e garantias.
Mas a nossa prolixa Constituição foi, na lista dos direitos, longe de mais, porque quis garantir direitos económicos muito para além do da propriedade privada. E como boa parte deles só se pode exercer retirando recursos a uns para oferecer a outros, criou dois problemas: um o do crescimento das agências encarregadas da colecta, da distribuição e da fiscalização, em si mesmas improdutivas e consumidoras de recursos; e outro o da criação da crença difusa de que o mecanismo da criação de riqueza não é afectado pelas necessidades crescentes da colecta de impostos.
Esta mecânica infernal não podia acabar bem. E porque a patente contradição entre necessidades e recursos para as satisfazer recomendava uma impossível marcha-atrás no exercício dos direitos: enveredou-se, com o pano de fundo do crédito barato e abundante que o Euro propiciou, pelo caminho de gastar agora e ver depois - o que a longa lista de investimentos públicos patetas, na esperança louca de pôr o Estado a dinamizar a economia, contribuiu para agravar.
Dissesse a Constituição que a despesa pública não pode ultrapassar xis por cento do PIB; ou que os impostos sobre o rendimento não podem ir além de ípsilon; ou colocasse obstáculos à contracção de empréstimos e assunção de outros encargos para futuro: e teríamos um bom conjunto de balances que o TC haveria que ter em conta.
Mas é claro que não pode o Tribunal ver na Constituição o que lá não está; e, se lá estivesse, não precisaria provavelmente de ver - não tínhamos chegado aqui.
Razões por que, por ínvios caminhos, acabo por dar aos pesos e contrapesos tanta ou mais importância que a que lhes atribui o autor do texto referido acima. Mas temo que não estejamos exactamente a falar dos mesmos.
Senhora Presidente. Porque a República Indiana é um país independente, com as suas instituições, os seus cidadãos, os seus problemas. E sobre eles, os problemas, eu, se fosse Indiano, faria o que bem entendesse. Mas nem Vossa Excelência, nem nenhum dos meus ilustres colegas, é Indiano.
Sendo cidadão português não estou inibido de dizer o que bem me pareça sobre o que se passa na Índia ou em qualquer outro lugar. Mas a Assembleia a que Vossa Excelência preside representa - melhor, num certo sentido é - o Povo Português. E este não tem que dar conselhos pesporrentos a nações amigas, pronunciar-se sobre incidentes que nada, nem directa nem indirectamente, têm que ver com Portugal, ou tecer considerações sobre os ordenamentos jurídicos de países terceiros.
Depois, o decoro das instituições recomendaria que não se fizessem proclamações pomposas, como é o caso quando o Parlamento se põe em bicos de pés para se atribuir uma relevância que não tem, afirmando sem receio do ridículo "o seu compromisso no combate a todas as formas de violência contra as mulheres", no fraseado da infeliz proposta do BE. Como se o que diz o Parlamento português pudesse ou devesse ter outro eco na Índia que não o da indiferença; e como se a violência no Mundo diminuísse porque uns revolucionários de bairro, empreendedores e mal-vestidos, redigiram umas tretas entre um café e um cigarro.
Se o Parlamento quer combater a violência, terá alguma coisa para fazer entre nós. E se for esse o propósito da moção - defender as mulheres Portuguesas - então junta a injúria à estupidez, por utilizar a trágica história de uma vítima Indiana, ou de centenas de vítimas Indianas, como pretexto para fins que nada têm que ver nem com elas, nem com a Índia, nem com o respeito que é devido à vida interna dos Estados.
Isto eu diria, se fosse Deputado. Felizmente, não sou.
É difícil esquecer a maternal Ana Jorge - que saudades do tempo em que ela me ensinava com serena autoridade a lavar as mãos por causa da última gripe mediática.
Aquela mãezinha da Nação estará porventura numa sinecura qualquer a dispensar conselhos a quem não se possa eximir a ouvi-los. E poderia pensar-se que o ferrabrás que lhe herdou o lugar, ocupado a ver se cura a gangrena do SNS, não teria tempo para dedicar à nossa vidinha de cidadãos traquinas. Mas tem, e já nos inteirou severamente que está atento a comportamentos desviantes.
São políticos, enfim, a gente dá um desconto. Mas já é mais difícil ter a mesma tolerância em relação a funcionários: este manga-de-alpaca da saúde, por exemplo, acha-se no direito de nos ensinar a comer.
Olha, Chiquinho, pá, vamos fazer um trato: Eu continuo-te a pagar o vencimento e abstenho-me de tecer considerações sobre o teu penteado, para o que tenho que fazer um notável esforço de contenção; e tu vais produzir trabalho útil, guardando os conselhos para o teu agregado familiar.
Tenho para mim que o grau de doutor em ciências económicas deveria automaticamente inibir o infeliz académico do desempenho de quaisquer funções públicas com competências legislativas naquelas aéreas, salvo exame prévio de normalidade cognitiva.
É fácil, com alguns exemplos, perceber o porquê deste parti-pris: boa parte das decisões que a cada novo orçamento se tomam, assim como as avulsas que se vão tomando ao longo do ano, destina-se a corrigir os efeitos perversos das anteriores; os economistas que forem europeístas admitem agora pacificamente que o Euro nunca deveria ter entrado em vigor sem uma muito maior dose de integração, nomeadamente sem veleidades independentistas em matéria orçamental e financeira; e o grau de incapacidade para fazer a mais leve previsão razoável só ombreia com a suficiência com que se fazem novas previsões igualmente fantasistas.
Mas isto é uma constatação; e cabe perguntar que mecanismo perverso é esse que faz com que a economia seja tão difícil de entender para a maior parte dos especialistas nela, a tal ponto que não há desastre verificado, e com frequência facilmente previsível, que não tenha tido o alto patrocínio de gurus da ciência económica.
Como princípio de explicação, creio que a exigência mesma da carreira académica, com a sua interminável bibliografia, a sua incessante procura de casos pregressos para demonstrar uma causalidade, constatar uma correlação, afinar uma tese que se intui: casa mal com uma realidade em permanente mutação, sobre a qual se pretende agir sem haver nem o tempo nem os meios para sequer a entender. Acresce que os agentes económicos são pessoas; e só não recomendo psicólogos para tomarem decisões sobre economia por ter fortes suspeitas de que esta variedade de teóricos está mais vocacionada para consolar cidadãos a quem faleceu um ente querido.
Depois, o principal mecanismo da criação de riqueza, se tem na sua base o conhecimento científico que depois a tecnologia aplica, passa pelas empresas e, dentro destas, sobretudo pelas pequenas. Ora, a realidade das empresas é de tal natureza que não dispensa o saber de experiência feito - a formação em gestão habilita sobretudo na emissão de opiniões sobre a gestão dos outros, como se evidencia com o facto infeliz de as centenas de gestores que as universidades despejam no mercado se absterem cuidadosamente, no geral, de fazer empresas.
Seria todavia precipitado dizer que deveria haver empresários ao leme das decisões políticas: o conhecimento deles vale para a empresa, quando muito para o ramo, e a receita do sucesso de hoje não é necessariamente a mesma do sucesso de amanhã; o País não é uma empresa, o grau de complexidade das decisões é infinitamente maior - ter meia dúzia de perspectivas correctas e ideias acertadas é curto.
Resta o senso comum que, contraditoriamente, nada tem de comum no seio dos economistas que nos governam. Se não, como explicar isto que um advogado escreve?
Disclaimer: há por aí alguns economistas que elegi para a minha equipa de consultores e que leio com atenção. Não são típicos. É caso para dizer que nos melhores panos nem sempre cai a nódoa.
Se eu mandasse, proibia música em locais públicos. Não gosto quase nunca das musiquetas da moda e, quando haja música que me agrade, não vejo por que razão outras pessoas têm que a ouvir.
Se eu mandasse, acabava com o foguetório que não fosse de artifício: o barulho de explosões, sem mais, só pode agradar a terroristas, só se justifica para rebentar penedos, treino de fogo e guerras, e tem como resultado assustar as crianças, provocar incêndios, espantar os animais e incomodar os doentes.
Se eu mandasse, não homologava SUVs: não são mais confortáveis nem mais rápidos do que limusinas de preço equivalente, gastam mais e dão uma falsa sensação de segurança.
Se eu mandasse, programas como o Preço Certo ou séries inanes com gargalhadas enlatadas estariam reservadas para o público americano.
Isto é só uma amostra: a minha lista de proibições ocuparia, se feita com meditação e esmero, tantas páginas, e tantos artigos, quanto as da Constituição. E posso asseverar que cada um dos interditos se justificaria com ponderosas razões de interesse público.
O nosso País está porém livre deste terrível flagelo: não mando. E deveria estar ao abrigo das listas de ódios e rejeições dos meus concidadãos, porque cada um tem a sua: qualquer leitora deste blogue, por exemplo, se mandasse, proibiria os seus familiares homens de deixarem a tampa da sanita em cima, depois do uso, sob a cominação de pesadas sanções.
Sucede porém que alguns chegam ao Governo. E como o caminho para lá chegar é difícil e implica agradar a quantidades enormes de pessoas muito diferentes entre si, seria de esperar que os governantes se abstivessem de regular a vida colectiva, no plano dos comportamentos, em obediência às suas manias.
Não sucede assim: já suspeitava que o ayatollah Leal da Costa não prosseguiria na sua cruzada anti-tabagista se não tivesse a cobertura do mago dos impostos (um indivíduo cheio de prestígio por causa da obra deletéria que perpetrou na DGCI - mas isso são outros quinhentos). Agora confirma-se: Paulo Macedo também dá para este peditório. E como o argumento da saúde de terceiros já não cola - os direitos de terceiros já estão mais do que assegurados - os dois clérigos agora estão preocupados com o que os fumadores custam ao SNS.
Este argumento não vale nada - mesmo que não houvesse estudos a demonstrar a sua falsidade, sempre seria uma porta que não deveria ser aberta: Paulo Macedo tem todo o aspecto de quem abusa de carnes gordas, queremos controlar-lhe a dieta; e Leal, com aquele ar tresloucado, é bem capaz de ter vícios ocultos com efeitos potencialmente daninhos nos seus equilíbrios vitais - queremos uma rigorosa investigação.
Todos a meter o nariz na vida de todos, a bem de todos.
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