Terça-feira, 19 de Fevereiro de 2013

O velho neo-liberalismo

A propósito do Pingo Doce disse em tempos umas coisas sobre o Conselho Permanente de Concertação Social. Possivelmente o nome nem estaria correcto, seria Comissão Permanente de Concertação Social. Ou mudou entretanto - se há coisa que os burocratas adoram é mudar o nome dos organismos, sempre dão a impressão que estão a fazer alguma coisa.

 

Não disse quase nada de elogioso. Nem podia: a concertação social, tão querida da social-democracia, é entre nós um mecanismo vicioso pelo qual uns senhores que dizem representar os trabalhadores se põem de acordo, ou em desacordo, com uns senhores que dizem representar os patrões, de modo a que uns e outros (os senhores) tenham a notoriedade que de outro modo não teriam. Quando concluem um acordo (o que por estes dias amargos não tem sucedido) felicitam-se uns aos outros, os patrões pela sua tolerância, compreensão e modernidade (são quase quase suecos, dá gosto) e os sindicalistas por mais uma vitória duramente conquistada nas arruadas, manifs e greves. Claro que aos sindicalistas ninguém corta no vencimento por causa das greves; muito grevista recupera em horas extraordinárias o que perdeu nas ordinárias; quem corre realmente o risco de perder o emprego dificilmente faz greve; e quem dirige PMEs expostas à concorrência e sem ajudas do Estado não terá tempo para perder em reuniões intermináveis em Lisboa, a menos que lá viva. Mas isso, com toda a certeza, não é estatisticamente relevante e supõe da minha parte um esforço de adivinhação. Que na verdade há muito tempo não sou, nem quero ser, sócio de coisa alguma.

 

Na realidade, os sindicalistas não defendem os trabalhadores - defendem um tipo de sociedade que acham ser a melhor para os trabalhadores, a qual, por infeliz coincidência, não é a que temos. E os patrões dos patrões papagueiam o que imaginam ser o interesse dos seus "representados" mais esclarecidos, que os menos esclarecidos são de todo o modo uma malta refractária à modernidade destes areópagos da treta, pelo que lhes compete comer e calar.

 

Tudo isto custa, e custa muito, ao erário público: ninguém se concerta do seu próprio bolso. E a concertação ainda não é tudo: o organismo que nela superintende (CES) prossegue outros fins da maior relevância, já na emissão de pareceres, quer lhe sejam, quer não sejam, pedidos, sobre política económica e social, já em assuntos que tenham que ver com o ordenamento do território e desenvolvimento regional - um Mundo.

 

Quem preside a este mastodonte corporativo (corporativo mesmo, não a tradução deficiente do Inglês que a ignorância encontrou para uso da palavra) é Silva Peneda.

 

Pois este tradicional prócere do establishment resolveu sossegar as multidões atordoadas com a crise, oferecendo a sua lúcida e serena interpretação. E, com argúcia, disse coisas da maior profundidade mas insusceptíveis de gerar controvérsia. Explico: Silva Peneda passa por ser de direita; mas não diz nada que, por exemplo, Boaventura Sousa Santos, um conhecido paladino da esquerda okupa, não subscreva. É obra.

 

Não me atreveria a tentar condensar em meia dúzia de frases a riqueza de um discurso que impressiona pelo rigor e originalidade. Mas o próprio Peneda resume-o assim: "A época da experiência neo-liberal fracassou e a suposta auto-regulação do mercado é apenas uma teoria sem qualquer correspondência com a realidade, porque o mercado não é capaz por si só de se auto-regular e daí que a intervenção dos poderes e das políticas públicas seja decisiva".

 

É certo que, para não sairmos do nosso torrão: nunca as nossas dívidas, pública e externa, teriam atingido os níveis demenciais que atingiram sem a adesão ao Euro - a terceira chamada do FMI teria tido lugar muito antes; a distracção do investimento dos bens transaccionáveis para os não transaccionáveis resultou, além do mais, de numerosos incentivos públicos (a subsidiação dos juros dos empréstimos à habitação, por exemplo); o combate à crise e, mesmo antes dela, a criação de emprego e do crescimento, fez-se pela via do investimento público de retorno duvidoso; o nível de despesa pública manteve-se permanentemente em torno de metade do PIB; e conviveu-se resignada e permanentemente com défices.

 

Tudo, mas absolutamente tudo, resultou de escolhas públicas - a tal "intervenção" dos "poderes públicos". E olha, Peneda, terei estado porventura distraído mas não me lembro de em nenhum momento te ter ouvido alertar para a insustentabilidade do caminho que se estava a seguir. Por isso, se quiseres insistir na tese, sugiro uma reformulação, a bem da lógica: o neo-liberalismo resultou no desastre; por isso rejeito o neo-liberalismo que resultou no desastre; sou a favor do meu neo-liberalismo, porque o meu neo-liberalismo não resultaria no desastre; a diferença entre um neo-liberalismo e o outro só eu sei; e não divulgo, porque não sou de ditos.

publicado por José Meireles Graça às 14:55
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Quinta-feira, 14 de Fevereiro de 2013

O bufo

Para a maior parte dos eleitores o 25 de Abril só ainda não é o 28 de Maio porque ainda se fala muito dos Cravos - estão vivos muitos protagonistas e espectadores, e a gente velha não se cala com o antigamente.

 

O 25 de Novembro, então, já deve estar abaixo do nível do 5 de Outubro, que só não cai no olvido definitivamente porque o putativo Rei anda por aí, como andam em países retrógrados muitos que são reis verdadeiramente.

 

Quando os da minha geração, na qual há já grandes e crescentes clareiras, forem muito poucos e a cair da tripeça, a memória do 25 de Abril morará apenas no coração enfraquecido e na cabeça atarantada deles; e depois juntar-se-á ao 31 de Janeiro, à Maria da Fonte, ao 5 de Outubro, numa amálgama dos cacos da nossa História.

 

Para um democrata como eu, é bom que seja assim. Porque a comparação entre o que somos e o que fomos, o que éramos perante o resto do Mundo e no que nos tornámos, faz com que, por vezes, seja difícil conter uma explosão de cólera e exclamar: Volta Marcelo, estás perdoado!

 

Entendamo-nos: Marcelo era muitíssimo tolerante, com excepção de não deixar falar, e menos ainda escrever, quem discutisse ou contestasse o Poder; e apreciava fortemente a Liberdade, com a condição de o exercício dela não pôr em causa a ordem estabelecida ou ao abrigo dela se conhecer o que não conviesse à Situação.

 

Para quem com gosto e frequência se alivia das suas opiniões, como eu, estas limitações são intoleráveis. Mas tenho trabalho e não vivo mal. E cabe perguntar se quem não o tem e se encontra na miséria conserva um tão acrisolado amor à Democracia: é que os eleitos trouxeram algumas coisas óptimas, mas abstiveram-se cuidadosamente de esclarecer que para pagar as promessas eleitorais contraíram empréstimos como se não houvesse amanhã. Mas havia - é hoje.

 

É que Portugal, até 1974, crescia, e muito mais do que os seus futuros parceiros; e agora a única coisa que cresce é a dívida pública, muito, e as exportações, alguma coisa. Essa malfadada dívida era na altura de cerca de 15% do PIB, apesar de o País suportar uma guerra colonial em três frentes; e as reservas de ouro no Banco de Portugal, que pelos tratados para pouco servem, eram quase o dobro do que agora "temos".

 

Não podíamos falar. Mas nas caixas dos supermercados, aliás raros, não se encontravam licenciados; e mesmo que, então e agora, houvesse emigração, sempre o emigrante podia enviar as suas poupanças para uma banca segura e um país respeitador da propriedade e amigo da estabilidade.

 

O Estado encarregava-se de fazer a vida num inferno a quem activamente era inimigo do Poder de então. Mas, mesmo com os custos de um aparelho repressivo e uma guerra que não poderíamos ganhar, ficava-nos barato. E, desde que pagássemos o preço com silêncio e inacção, deixava-nos largamente em paz.

 

Agora não deixa: não se pode comprar uma camisa, ir a um restaurante, adquirir um livro, sem que quase um quarto do preço seja imposto; do que resta, basta ter rendimentos que na Europa são considerados de classe média para o Estado se apropriar de metade; os impostos sobre o vício ou o prazer são demenciais; nas empresas e na vida das pessoas há um fiscal à espreita, especialista em normas, regulamentos e proibições, brandindo coimas terroristas; e a cada novo orçamento, a cada nova legislatura, crescem as proibições, os interditos, as sanções.

 

Houve um tempo, que vivi, em que havia o censor - conheci aliás um espécime da categoria que, no pós vinte e cinco do quatro, se converteu à social-democracia; e houve um tempo em que havia o bufo - denunciava Fulano como sendo da "Oposição" e Fulano estava metido numa alhada.

 

Parece que os bufos recebiam uma pitança. Mas não era obrigatório ser bufo, e só fanáticos e escumalha se prestavam ao papel.

 

Agora, toda a gente é obrigada a ser bufo, sob pena de multa. Mas não se pode parar o Progresso: enquanto paga pode falar, ninguém lho proíbe - isso seria contra a Liberdade. 

publicado por José Meireles Graça às 00:03
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Terça-feira, 12 de Fevereiro de 2013

Empresta-me o seu presidente?

 

 

 (*)

 

Nunca ninguém se lembrou de semelhante coisa, mas, nestes tempos em que o nacionalismo não está em odor de santidade, não seria completamente despropositada a transferência de chefes de Estado de uns países para outros.

 

Imaginemos por exemplo que Bill Clinton se apresentava às nossas futuras eleições presidenciais. A lista de vantagens recíprocas seria extensa: talvez Sócrates, Costa, Durão Barroso, os outros putativos candidatos, com excepção de Garcia Pereira, se deixassem afugentar, pelo que nos poupariam o tédio da campanha e das suas enjoativas pessoas; o Chefe do Estado viveria em permanente estado de maravilhamento com o nosso País, que não cessaria de pasmar com as americanices - et pour cause - da extroversão clintoniana; a publicidade gratuita multiplicaria por dez mil a que o AICEP consegue a peso de ouro, com um concomitante crescimento das exportações; Bill teria uma abundante oferta de candidatas a Monicas Lewinski, sem o perigo de impugnações e quedas de popularidade, nem de a imprensa meter o nariz, nem de rupturas de abastecimento de charutos das melhores proveniências; e é de crer que a inevitável conversão ao fado e ao bacalhau desse um poderoso impulso à indústria do turismo cultural e gastronómico.

 

Mas, ai!, não vai suceder. O que teremos em vez disso é a barafunda das transferências dos senhores presidentes, de câmara e de junta de freguesia. Porque a lei (46/2005), que estabelece que aqueles eleitos não podem ser candidatos a um quarto mandato consecutivo, absteve-se de esclarecer se se aplica unicamente ao concelho ou freguesia onde desempenharam funções, ou a todos os concelhos e freguesias.

 

Uma ou outra interpretação se pode defender com bons argumentos, tanto jurídicos como políticos e práticos.

 

Do ponto de vista jurídico, porém, quem tem opinião e a manifesta tem normalmente um determinado candidato em vista, quer para o apoiar, quer para lhe vedar a corrida; e outro tanto sucede com quem usa argumentos políticos ou práticos, por maioria de razão.

 

Ora, a Lei é geral e abstracta, e é em princípio para valer agora e no futuro. Quem achar que o Dr. Meneses no Porto seria uma desgraça, o Dr. Seara em Lisboa um considerável progresso em relação a quem lá está, ou a carreira autárquica do Dr. Costa nas Caldas um exemplo que seria pena terminar; ou quem achar o contrário disto: deverá ter presente que as leis intuitu personae costumam dar mau resultado.

 

Acresce que a alteração do âmbito territorial de muitas freguesias vem introduzir uma complicação inesperada.

 

E para resolver tudo isto, se nada se fizer, serão chamados os juízes, não um colégio deles para resolver o assunto com força obrigatória geral, mas caso a caso, juiz a juiz, para a lista A em Sobrancelhas Franzidas de Baixo e a lista B em Olho Arregalado de Cima.

 

A Assembleia da República pode - só ela pode - impedir todo este carnaval eleiçoeiro; e as paixões inflamadas, e a falta de segurança jurídica, e o descrédito.

 

Pode. E deve.

 

__________

 

* Fotografia adaptada daqui

 

publicado por José Meireles Graça às 01:28
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Segunda-feira, 11 de Fevereiro de 2013

A força da fragilidade

O anúncio da resignação do Papa Bento XVI, levou-me até este texto, sobre a força da fragilidade...

"Não quero um Deus que se erga na justiça absoluta, no poder ilimitado, na perfeita inteligência. Seria um Deus que não sente a necessidade de se inclinar numa carícia, quando se eleva um gemido de dor. Pelo contrário, o meu Deus é Jesus: que conhece a pressão do medo, a dor da recusa, a paixão do abraço, o calafrio pela carícia dos cabelos embebidos em nardo da mulher pecadora e amorosa.

Um Deus que me concede o direito de ser débil, «cana rachada», frágil como um homem e não hirto como um herói. E não me condena se sou mecha fumegante, mas pega neste meu fio de fumo, presságio de fogo possível, trabalha-o e protege-o, até dele fazer irromper de novo a chama. Não acaba por quebrar a cana rachada que eu sou, mas enfaixa-a como se fosse um coração ferido. Deus da fragilidade."

(Ermes Ronchi, in Tu és Beleza)

 

 

publicado por Ana Rita Bessa às 17:01
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Domingo, 10 de Fevereiro de 2013

Pirro

Épá, numeros impressionantes. Este meu colega, se posso dizer assim, analisa a coisa: muitos zeros, nem cabem na calculadora da loja do Chinês, e um gráfico de meridiana clareza.

 

Espera: mas não foi sempre assim, receptores líquidos? E essa merda serviu exactamente para quê, ainda que mal pergunte?

 

Eu digo para que serviu e há-de servir, utilizando as percentagens que figuram no gráfico, adaptadas à realidade local: 6% para agências governamentais, com o intuito de analisar estudos e administrar os fundos; 11% para financiamento da concorrência desleal, dado que uns candidatos terão apoios, outros não, e outros ainda, mesmo que o merecessem, nem candidatos serão; 37% para desequilibrar ainda mais Lisboa em relação ao resto do País; 27% para corrigir parte dos malefícios dos 27% do programa anterior; 7% para fingir que Portugal tem uma palavra a dizer nos destinos da Europa e do Mundo; 2% para adquirir veículos rápidos para as autoridades circularem depressa e com segurança nas auto-estradas, controlando quem circula, com grande perigo, à mesma velocidade; e 10% para fins indeterminados, mas de grande interesse público, na opinião desinteressada de quem a tem.

 

Já eu acharia que não era pior abater este montante à dívida pública, sem sustentar agências governamentais, nem gabinetes de tráfico de influências, nem investimentos delirantes, nem empresários habilidosos, nem políticos que imaginam saber, com dinheiro público, ser os empresários que não seriam capazes de ser com crédito e dinheiro privado.

 

Exagero retórico meu? Claro que sim. É um mau resultado para o Governo, e podiam as coisas ser feitas de outra maneira? Claro que não.

 

Viva a Europa, e viva mais esta vitória.

publicado por José Meireles Graça às 18:08
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Quarta-feira, 6 de Fevereiro de 2013

A inovação da nomeação

Sabia, não sabia, denunciou, não denunciou, fez parte da quadrilha, não fez... é extraordinário. Mas quem, justos Céus, se lembrou de ir buscar para uma pasta que na melhor das hipóteses é irrelevante, e na pior daninha, um indivíduo de cuja honestidade se pode legitimamente duvidar?

 

O CDS não foi, de certeza: Nuno Melo - ele que foi tenaz na Comissão de Inquérito ao BPN - quando soube do nome, viu-se aflito para fingir concordância. Santos Pereira, pobre homem, diz que foi ele o responsável pela nomeação, que defende com veemência. Mas por que carga de água um estrangeirado como Álvaro haveria de conhecer um Franquelim qualquer de pouco mediática, até agora, carreira? Alguém sugeriu. E quem o fez, se conhecia o perfil, não ignorava a passagem pela ominosa SLN.

 

O próprio Franquelim diz que está de consciência tranquila, que é o que dizem os que o estão e os que o não estão.

 

A Oposição derrete-se de satisfação e fará render o peixe até à náusea ou ao próximo escândalo. A Situação, para não evidenciar fraqueza, defende o indefensável: não se escolhe para Secretário de Estado quem tenha um passado com sombras, mesmo que injustas. Enfim, dúvidas. E como estamos em Portugal, dúvidas que nunca serão esclarecidas.

 

Funesto caso: o Governo precisa de apoiantes e o País precisa deste Governo. Que faz o que pode para os desgostar e para o País descrer. 

publicado por José Meireles Graça às 21:43
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associações Perigosas

Por estes dias associei  uma série de "filmes" que nos têm sido servidos nos últimos tempos a um (bom) livro que estive a ler.

 

Os filmes: 

 

O QUE OS FINLANDESES PRECISAM DE SABER SOBRE PORTUGAL 


WHAT PORTUGUESE SHOULD KNOW ABOUT FINLAND

O QUE A ALEMANHA DEVE SABER SOBRE PORTUGAL

O QUE OS BRITÂNICOS DEVEM SABER SOBRE A ROMÉNIA (not a movie, really...)

E o livro (na versão inglesa), "If this is a man", Primo Levi:

"(...) For this reason it is everyone´s duty to reflect on what happened.(...) The ideas they proclamed [Hitler, Mussolini] were not always the same and were, in general, aberrant or silly or cruel. And yet they were acclaimed (...) by millions of followers. We must remember that these faithful followers, (...), were not born torturers, were not (but a few exceptions) monsters: they were ordinary man. (...)
A new fascim, with its trail of intolerance, of abuse, and of servitude, can be born outside our country and be imported into it, walking on tiptoe and calling itself by other names (...). At that point, wise counsel no longer serves, and one must find the strenght to resist. Even in this contingency, the memory of what happened in the heart of Europe, not very long ago, can serve as support and warning".


São associações livres, estas que fiz. Obviamente que mitigadas por enormes diferenças. Still, ...
publicado por Ana Rita Bessa às 11:07
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Terça-feira, 5 de Fevereiro de 2013

O caminho das pedras

Somos quase todos mentirosos. Mas temos desculpa: Os partidos raramente dizem ao que vêm; os senadores da influência raramente dizem ao que vêm; as centrais que se imagina representam os trabalhadores e as que se imagina representam os patrões parecem dizer ao que vêm; na Presidência da Republica raramente se diz ao que se vem, e também no Parlamento, nos jornais e até mesmo aqui na blogosfera.

 

Comecemos pelos partidos: O PCP é o campeão dos destituídos, dos perdedores, dos desempregados, dos fracos, numa palavra, dos de baixo, e ao serviço teórico deles denuncia abusos, prepotências, desmandos, ganâncias, patrões, capitalistas e, em geral, a patente falência dos sucessivos poderes que nos trouxeram a este passo.

 

O BE nunca foi, nem é, mais do que uma federação lunática de comunistas com falta de sentido prático e horror à disciplina do PCP, universitários amantes de causas e contestatários sortidos. Numa situação revolucionária seriam compagnons de route e, depois, se bem-sucedida para a esquerda, emigrantes, desaparecidos, ou ovelhas do rebanho.

 

O PS é o principal autor da "aposta" sôfrega na Europa do ami Mitterrand, do Euro, do seguidismo pateta de quanta modernidade alienígena brota das cabeças da casta apátrida de Bruxelas, e do intervencionismo estatal na economia. Este último numa versão latina em que o político sabe sem sombra de dúvida o que são e não são investimentos que interessam ao País, não apenas com dinheiro público para investimentos públicos, mas também com dinheiro público para investimentos privados, num caso e noutro tendo gasto liberalmente não apenas o que conseguiu extorquir ao contribuinte exangue mas também aos que ainda estão para nascer até não se sabe quantas gerações para a frente.

 

O PSD é o PS com mais mundo, mais amor a um módico de rigor nas contas, menos ingenuidade na gestão da economia e, dentro da complexidade dos baronatos e das teias de interesses, com uma corrente liberal que ora tem alguma, ora pouca ora nenhuma importância.

 

O CDS começou por ser o partido do qual se suspeitava fosse o antro onde se acolheram todos os saudosos do antigamente; e, passada essa fase, viveu sempre dividido entre a falta de popularidade das soluções em que realmente acredita e a necessidade de não desaparecer: o socialismo, desde há quase quarenta anos, vende; a liberdade económica, a competição e o nacionalismo, mesmo que aggiornato, não. E ser o MRPP da Direita seria talvez muito digno mas de utilidade prática discutível.

 

Vai daqui ninguém diz o que pensa:

 

O PCP tem a capacidade de fazer uma sociedade comunista, sabe como fazê-la e acredita que a nossa bonomia e o conhecimento de algumas violências mais notórias da implantação do regime noutras paragens permitiriam evitá-las. Tudo o que faz e diz é, mesmo quando circunstancialmente tem razão, instrumental quanto a este propósito. E por isso mente.

 

No BE há alguma gente ingénua ao ponto de acreditar naquilo que diz. Os mais lúcidos, porém, sabem que levar muito mais longe o esbulho fiscal dos "ricos" é matar de vez o pobre capitalismo indígena, juntamente com a esperança de algum investimento estrangeiro. E a receita delirante de impor condições aos credores, associada à completa falta de credibilidade dos seus dirigentes, não faria mais do que mergulhar o País num insondável buraco. Por isso o BE vai fazendo prova de vida, ecoando o PCP numa versão com camisa de marca e com dois botões desapertados. Finge que não é objectivamente um compagnon de route do PCP. Mente.

 

O PS parece ser um caso clínico, do foro psiquiátrico, na variedade comportamento maníaco-obsessivo: tem a cabeça esbotenada por ter com ela batido numa parede, mas, ao invés de consertar a cabeça, os seus próceres recomendam doses reforçadas de cabeçadas, indo as feridas sarar por efeito de habituação. Mas é claro que, a despeito das aparências, o PS tem uma ideia de solução, que consiste nisto: Portugal passa permanentemente a ter o mesmo grau de independência do Arkansas. Porém, ao contrário do Arkansas, não sofrerá consequências pelas derrapagens das contas públicas porque o orçamento federal fará transferências para cobrir os défices. Ora, o PS não apresenta a coisa assim. E por isso mente.

 

O PSD encetou a tarefa de reduzir a obesidade do Estado. E mesmo que tivesse arrastado os pés; ainda que deixasse para trás muito corte de gente que não berra na rua mas berra ao telefone e nos gabinetes; tendo levado a fiscalidade que se vê para níveis demenciais; e tendo levado a fiscalidade que não se vê, que é a das prepotências, abusos e extorsões da Administração Fiscal, para níveis criminosos: reduziu a despesa, antes dos juros, para níveis respeitáveis. Todavia, vem anunciando a retoma para anteontem, ontem, e para a semana. E sabe muitíssimo bem que não são seguros os anúncios, nem, quando ela vier, será suficiente, como aqui se explica. Mas isto não diz, e por isso mente.

 

O CDS também mente. Mesmo agora, quando o edifício do regime vive ligado a uma máquina, nem por isso deixou de viver em estado de necessidade: tem que fazer o que quer mas também o que não quer porque não é o principal responsável pelo Governo do dia. Mas não pode ser franco - perdoar-se-me-á a parcialidade de dizer que mente por necessidade, porque teme que abanar o edifício não trouxesse nenhum proveito ao País, e menos ainda a si próprio.

 

As centrais sindicais fingem antes de mais que não são uma correia de transmissão dos partidos. Claro que são, e quem precisar que se lhe o demonstre ou não vive em Portugal ou não está em condições de entender a explicação. E as centrais patronais são clubes de amigos que esperam ganhar notoriedade e relações úteis para a vantajosa mecânica dos subsídios, dos licenciamentos e do abrir de portas. Umas e outras colaboram alegremente no teatro social. Que só não digo que é uma farsa porque tanto os actores quanto os espectadores (estes mais) parece que acreditam na peça.

 

Na Presidência da Republica passam-se coisas que só se sabem quando se diz que se passaram; cada discurso do Presidente é um manancial de "mensagens", "recados", "avisos" e "preocupações", que cada qual interpreta do modo que lhe dá jeito. Isto é o menos, que nem a transparência é um valor necessariamente estimável em certas funções nem os discursos de circunstância merecem grande atenção. Mas Cavaco Silva diz sempre que sabe qual é o caminho. Eu acho que não sabe. E por isso mente.

 

Razões por que, no meio de tanta mentira, não é demasia esperar que cada qual encontre a sua verdade.

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publicado por José Meireles Graça às 19:18
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Sábado, 2 de Fevereiro de 2013

A imagem do vício

De regresso ao terrunho, num voo de três horas, vou de quando em vez aspirando a minha caneta electrónica. Chamo-lhe assim, e não cigarro electrónico, porque não acende uma luzinha a fingir a brasa do cigarro, tem um depósito onde está a mistura com nicotina (escolha minha, pode não ter) e parece uma caneta.

 

As aeromoças (agora, no geral, aerobalzaquianas) ignoram-me, como é normal. Excepto uma, já a viagem adiantada, que me aborda para dizer que tinha reparado no "fumo", ao passar, e que não é permitido fumar. Significo-lhe que não é "fumo", mas sim vapor de água. Para exemplificar, tiro uma baforada, que rapidamente se dissipa -  dentro dos aviões o ar é, parece-me, seco.

 

A cordata mas firme senhora insiste, esclarecendo que o pessoal tinha instruções da TAP Portugal para proibir o uso daqueles instrumentos.

 

Respondi que, salvo melhor opinião, a TAP não tem competência para proibir comportamentos que não sejam perigosos nem afectem ou incomodem terceiros, ao que a senhora retorquiu que poderia apresentar reclamação, existindo um impresso para o efeito.

 

Preenchi a papeleta, onde contei esta história. Conto com três reacções possíveis, por ordem decrescente de probabilidade: Não respondem; invocam uma disposição qualquer da UE, da IATA ou doutro organismo metediço; argumentam especiosamente a defender a bondade da "proibição".

 

Tentarei, quando tiver que voltar a usar a TAP, ser mais discreto. E creio que terei no futuro que preencher umas quantas papeletas. Escrever não é para mim grande sacrifício; aturar palermices sim.

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publicado por José Meireles Graça às 01:33
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