Sábado, 30 de Março de 2013
A solução para a ingovernabilidade da Itália foi hoje apresentada: uma não-solução. Monti continua no lugar, uma vez que Bersani, do Partido Democrático, não conseguiu apoio para formar governo depois de consultar as forças parlamentares.
Berlusconi estava disponível para dar apoio mas o PD não o quis, pois tal significava uma verdadeira aliança com o diabo, incompreensível para o eleitorado democrático. Grillo manteve a sua negação a qualquer “fiducia” afirmando apenas que estava disposto a formar governo se o apoiassem.
Assim, o presidente Napolitano, a dois meses de terminar o mandato e impossibilitado estatutariamente de marcar novas eleições, escolheu manter Monti e nomear um conselho de sábios, dois grupos de personalidades relevantes da economia, cultura e política, que irão definir as reformas urgentes que Monti, o parlamento e o senado deverão implementar nos próximos, curtos, meses.
As eleições poderão ser em Junho ou mesmo Outubro mas com a subida de Berlusconi e de Grillo nas sondagens, a situação para o PD é tudo menos favorável. Ou o PD deixa cair Bersani e nomeia Matteo Renzi como candidato a primeiro ministro, ou vencerá de novo Berlusconi ou a novidade Grillo.
A possibilidade de se nomear novo governo técnico parece afastada de vez e a vontade de entregar a governação à política é clara. A experiência montiana foi muito negativa e é muito mal avaliada consensualmente.
Quinta-feira, 28 de Março de 2013
A máxima “mantém os teus amigos perto e os inimigos ainda mais” no caso de Sócrates na televisão pública em horário nobre para debitar a sua “narrativa” salvífica da própria imagem e preparar um regresso (negado mas evidente) é um tremendo tiro no pé de um governo PSD já muito fragilizado. Como é possível que um governo que controla conteúdos e dirige de perto a televisão pública não tenha tido poder para evitar que a série de entrevistas passasse sequer da fase de concepção?
Dar tempo de antena a um perigoso narcisista sem quaisquer escrúpulos em arrastar toda uma nação na sua vaidade e fome de poder é um risco que Portugal não devia agora correr.
O estado de espírito de desesperança, desilusão e perda de perspectivas da população é suficientemente grave para permitir pensar que um qualquer salvador de pátria demagógico, pode assumir o papel sebastianista e vir a conseguir democraticamente o poder para depois fazer aquilo que apenas se pode imaginar.
Mais uma vez, o disparate acontece debaixo do guarda-chuva de Relvas. Não dá uma certa este senhor e tal como Sócrates, tem mostrado o grau zero do interesse nacional enquanto as mais altas (?) instâncias assistem impávidas.
Pobre Portugal, em que mãos de te encontras. Mas afinal, quem manda de facto?
Modalidade "Bispos": Literário, Gremlin 1 - Malomil 0;
Modalidade "Grilos": Literário, Gremlin 1 - Malomil 0.
Estou em condições de informar o estimado público que o júri, na tranquilidade da minha total isenção, considera que o Gremlin Literário, em matéria de Bispos e de Grilos, é melhor que o Malomil.
O resultado teve em conta uma cuidadosa ponderação da nota técnica e da nota artística. Em ambas as provas o Gremlin Literário apresentou melhor capacidade atlética, superior penteado, e mais ritmo. Trata-se da minha opinião pessoal, que naturalmente respeito.
É com a voz embargada e o silêncio da comoção que aqui deixo os parabéns ao vencedor.
Bucareste, tantos do tal.
Quarta-feira, 27 de Março de 2013
Quando, novinho ainda, tive que ir trabalhar por ter desaparecido quem me sustentava a vida de estudante medíocre e alegre, vivi por alguns anos num modesto quarto arrendado. Comia num tasco com pratos certos para cada dia da semana, passadio às vezes melhorado por a dona seleccionar discretamente para mim os melhores bocados - já lá está, a Zéfinha, que descanse em paz.
Aos fins-de-semana, porém, não havia cá proletariado: boa vida, garrafa de whisky na discoteca da moda, juventude dourada de oito em oito dias.
Esta prática exercia sobre a tesouraria alguma tensão. E uma ruptura ocasional foi colmatada com um empréstimo oportuno, solvido tempestivamente. Mas à primeira ruptura sucedeu uma segunda, resolvida do mesmo modo. Ao fim de algum tempo os empréstimos pagavam outros entretanto vencidos, e uma pool de pessoas amigas sustentava com naturalidade o circuito, certas de que em tempo oportuno seriam infalivelmente reembolsadas, assim como, um ou dois meses volvidos, encostariam novamente a barriga ao balcão.
A história, que terá durado uns quatro ou cinco anos, acabou bem: ninguém foi pago a destempo, ninguém deixou de receber, o carrossel finou-se com naturalidade por melhoria das condições de vida. E, enquanto durou, dei por mim a constatar que afinal não fazia nada de diferente do que faria se não tivesse havido uma primeira derrapagem: apenas andava algum tempo adiantado sobre a data da minha morte.
Nenhum dos beneméritos cobrou juros, e nisso - quase só nisso - o exemplo não se aproveita para transpor para o momentoso assunto dos défices das contas do Estado. Porque, na verdade, quem aceita com naturalidade que ter défices faz parte da ordem natural das coisas não vive por isso melhor, apenas esteve adiantado no consumo em algum momento. O chato é que, na vida dos países, há juros, grandessíssima maçada. E a melhoria de vida, que nos países se chama crescimento, tem que cobrir a dívida mais os juros.
Eu sei: a despesa pública não é igual ao que chamei consumo, tem uma componente de investimento. Mas, das duas uma: ou o investimento cabe dentro da receita e mesmo que corra mal não abana o barco; ou não cabe, e então, se correr mal, a burra está nas couves. É onde ela está, agora, e não apenas por causa do CCB, ou dos estádios do Euro, ou das PPPs e as mil outras fantasias de políticos empreendedores, interesseiros e corruptos, mas também porque, Deus lhes perdoe que eu não posso, acharam normal endividar o País até mesmo para consumir.
Quer dizer que, para sair do buraco, não nos basta mudar de vida, cortando nos fins-de-semana - isso bastaria, e nem seria preciso, se andássemos adiantados, como o meu pregresso eu, um ou dois meses. Mas nós andamos adiantados mais de 14 mezinhos, and counting. E suspeito que não há corte que chegue - mesmo que a dieta do tasco passasse a ser um molete e um copo de água.
É preciso crescer. A gente dos reflexos condicionados, que é quase toda, rosna, quando do meu lado do espectro político, o seu desprezo pelos crescimentistas, por a maioria das receitas que por aí andam serem iguais à desastrada que nos trouxe aqui. Para que me não digam que pareço uma daquelas velhinhas que dá bengaladas assim que vê uma mulher a fumar, abstenho-me de apontar outro caminho. Mas faz-me impressão que tenhamos sempre que, automaticamente, nos abrigarmos debaixo de um de dois guarda-chuvas: ou defender que, por pertencermos à UE, temos direito, para resolver o problema dos défices crónicos e da correlativa dívida pública crescente, a financiamentos para uma nova rodada de políticas públicas que - desta é que vai ser - nos garantirão o crescimento depois de amanhã; ou aceitamos como indiscutíveis todas as prescrições do BCE, do Eurogrupo, ou até, nos casos de seguidismo mais acéfalo, da Chanceler Merkel quando ela, a benefício do seu eleitorado, se dá ao trabalho de se pronunciar publicamente.
Entre nós, os vícios da chulice europeísta e da hipertrofia do Estado estão tão entranhados que o desmame ou se faz com alguma violência ou não se faz. E talvez valha a pena tentar alijar ao mar boa parte do nosso lastro, mesmo que em algum momento futuro se descubra que nem assim o barco flutua.
Mas o hábito do respeito (quem o tem) pelas imaginárias competências da eficiência germânica é traiçoeiro, como se verá:
Sucede que o facto de a banca cipriota ter sido arrastada pela dívida grega e outros investimentos imprudentes e estar insolvente; de os depósitos acima de 100.000 Euros terem origem ilícita (há por aí umas percentagens sábias, entre 40% e 90% do total dos depósitos); do sector bancário ser muito maior do que o PIB (entre 5 e oito vezes maior, dependendo de quem fala); e de a economia local, sem o assalto às contas e mesmo com ele, dificilmente reembolsar os apoios a receber: nada justifica o golpe vibrado na confiança no sistema bancário dos países aflitos.
Os tais fundos de origem duvidosa, como os que a tiverem legítima, rumarão a outras paragens - é possível que os fundos sejam santificados se estacionarem em bancos loiros de países frios. E, já agora, por toda a Europa do Sul a mensagem correu célere: tens pouco põe debaixo do colchão, tens muito vê lá se abres os olhos.
E cá está: a malta castigadora dos caloteiros aplaude o castigo. Então o contribuinte europeu ia ser chamado a subscrever o resgate quando foram os cipriotas, e só eles, que se meteram na alhada, e ainda por cima para salvar depósitos de mafiosos russos e gregos? O Eurogrupo decidiu, e decidiu muito bem, fica o aviso para banqueiros imprudentes, cidadãos ingénuos e trapaceiros sortidos.
A confiança, essa, levou um golpe mortal. Para quem pensa o que eu penso sobre a UE, talvez pudesse nisso encontrar alguma satisfação, se não houvesse mais vítimas do que uma mão cheia de plutocratas russos que foram assaltados.
Mas há. Os Cipriotas, desde logo. Todos os aflitos. E nós, por conseguinte.
João Miranda, aqui:
"Saída do euro
De entre os defensores da saída do euro só levo a sério aqueles que se derem ao trabalho de explicar o que acontecerá:
- aos salários reais
- ao preço de bens importados como gasolina, computadores e automóveis
- ao valor real dos depósitos bancários
- às várias dívidas que actualmente estão denominadas em euros
-aos bancos e a outras empresas dependentes da dívida
Dos que não se derem ao trabalho de explicar, concluo que ou não estão a sério quando defendem a saída do euro, ou estão a sério mas não fazem a mínima ideia de quais são as consequências." * Fim de citação.
Muito bem. Mas, poder-se-ia também pedir a explicação inversa:
- Como se justifica à população o nível de empobrecimento, degradação da qualidade de vida e miséria geral e até que ponto, essa está disposta a suportar, uma austeridade sem fim à vista, com o seguro agravamento estrutural das assimetrias na zona euro?
Enfim, para início de conversa a questão de João Miranda é interessante. Faltam contudo cálculos comparativos dos custos das duas decisões: sair ou ficar. Muito gostaria de ver uma previsão de desenvolvimento nacional a 20 anos nos dois cenários. Mas... Os economistas, esses cientistas da subjectividade político económica nem se entendem nem se atrevem a especular sobre o que poderá acontecer nesse prazo. É pena e entretanto, sofremos por uma escolha que não foi nossa, embora a tenhamos permitido e sido coniventes.
Sábado, 23 de Março de 2013
Sem entrar em detalhes, vejo a invasão do Iraque como um erro trágico de Bush que deixou ao mundo duas consequências lamentáveis.
A primeira foi talvez o auxílio mais forte para o processo de substituição de ditaduras militares por estados caóticos, sem ordem à vista. As diversas "primaveras" árabes que se seguiram têm muito a agradecer a Bush. E a chamada "civilização ocidental" ficou a dever-lhe uma boa parte da impossibilidade de ter com aquela gente qualquer tipo de entendimento. Mal por mal, é possível negociar com um tirano. Ainda que estúpido, malvado e ambicioso. Há um fio de racionalidade, que usado com competência e precaução pode ancorar uma conversa. Já perante o Islão político, que esta guerra ajudou a fortalecer, o "Ocidente" só pode tentar defender-se. Ainda estou para descobrir qual foi a vantagem resultante desta decisão para o bem estar dos povos envolvidos. As perdas são entregues em horário nobre, expressas em mortos e mutilados, filmadas todos os dias em lugares que os pivôs não conseguem pronunciar.
A segunda consequência foi o rombo que esta guerra provocou (e ainda provoca) no tesouro americano. Estivessem os Estados Unidos noutra situação financeira e a crise na "Europa" não seria a mesma. Podia ter arestas menos vivas, um sofrimento mais anestesiado. Sobretudo, podia ter alguma esperança.
Passados 10 anos dou com este post. O autor encarrega-se de lembrar a data escrevendo (chamemos-lhe assim) uma lista das pessoas que, em Portugal, apoiaram a invasão do Iraque. Sem apresentar uma única ideia sobre o assunto, o texto é muito claro a chamar-lhes, um por um, nada menos do que "nazis".
Saiba ele o que são "nazis". Eu sei um par de coisas.
Sei que um insulto não é um comentário. Sei que um texto "de opinião" deve conter, pelo menos, uma. E sei que me interessa tanto estar por perto destas práticas como me interessa, por exemplo, trocar impressões com uma faca de ponta e mola.
Convivo bem com a liberdade de opinião, assim as haja. Defendo, inclusivamente, a liberdade e o direito ao insulto gratuito. Não abro mão da liberdade para escolher as minhas companhias.
Agradeço, com reconhecida franqueza, ao João Monge de Gouveia por ter-me convidado a fazer parte do Senatus. Agradeço-lhe a confiança que mostrou ter naquilo que escrevo. E as palavras simpáticas que, em várias ocasiões, me disse. Agradeço-lhe, por fim, o favor de retirar o meu nome da barra lateral.
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Imagem: Caspar David Friedrich, "Monk by the Sea"
Sexta-feira, 22 de Março de 2013
No início de Fevereiro, contei como fui impedido de fumar uma caneta. A história teve seguimento. No dia 18 de Março, recebi da TAP, por email, a seguinte informação:
"Exmo. Senhor José Graça,
Fazemos referência ao comentário de bordo que preencheu por ocasião da sua viagem entre Lisboa e Praga no voo TP532 do dia 14 de Abril, a cujo conteúdo dedicámos a nossa melhor atenção.
Agradecemos o facto de nos ter comunicado as suas observações e apresentamos o nosso pedido de desculpas pelos possíveis transtornos que tal situação lhe possa ter causado, pois a opinião dos nossos Clientes é fundamental para a aferição da qualidade de serviço que pretendemos disponibilizar, a todos os níveis.
Apesar de os cigarros electrónicos não serem proibidos por lei, o seu uso a bordo pode causar problemas e o seu consumo não é permitido a bordo dos aviões da TAP. No entanto, podem ser transportados na bagagem de mão. Para mais informações poderá consultar o site da TAP, www.flytap.pt, através do link: http://www.flytap.com/Portugal/pt/planear-reservar/preparar-viagem/bagagem/bagagem-proibida.
Mais informamos que na TAP Portugal é proibida a utilização do cigarro electrónico por razões de segurança. É um dispositivo que poderá induzir em erro outros passageiros e levar à utilização indevida do consumo de tabaco. Como alternativa, existem pastilhas de nicotina que poderão ser solicitadas à tripulação.
Uma vez que um dos nossos mais importantes objectivos consiste em satisfazer, ou mesmo antecipar, as expectativas dos nossos Passageiros, solicitamos-lhe que não hesite em contactar-nos noutras situações.
Esperando que um próximo voo com a TAP Portugal venha a ser totalmente satisfatório, aproveitamos esta ocasião para lhe apresentar os nossos melhores cumprimentos.
Tânia Chuvas*"
Primeiro respondi:
"Exma. Senhora Tânia Chuvas*,
Acuso a recepção do e-mail de V. Exª de 18 de Março corrente.
Diz V. Exª que "Apesar de os cigarros electrónicos não serem proibidos por lei, o seu uso a bordo pode causar problemas e o seu consumo não é permitido a bordo dos aviões da TAP". Esta afirmação é extraordinária: mudei para os "cigarros electrónicos" a sugestão de um passageiro frequente de várias companhias aéreas que, por causa da proibição do fumo nos aviões e a conselho do pessoal de bordo da KLM, recorreu a esse expediente. Passageiro, aliás, que viajou recentemente na TAP, de Copenhague para Lisboa, "fumando" alegremente sem ser incomodado.
A asneira, infelizmente, também não é proibida por lei, pelo que ocorre lamentar que a TAP não corrija o descuido do legislador, proibindo-se a si mesma de abundar nos dislates. Como abaixo se verá:
Diz V. Exª que "na TAP Portugal é proibida a utilização do cigarro electrónico por razões de segurança. É um dispositivo que poderá induzir em erro outros passageiros e levar à utilização indevida do consumo de tabaco. Como alternativa, existem pastilhas de nicotina que poderão ser solicitadas à tripulação". O cigarro em questão liberta apenas vapor de água, que se dissipa imediatamente em razão da extrema secura do ar ambiente; não se parece com um cigarro, antes com uma esferográfica, pelo que o único comportamento que pode induzir nos outros passageiros é um desejo irreprimível de escrever artigos de jornal, novelas, ou listagens de proibições da TAP, estas nos voos mais longos.
Sobram duas perguntas: De onde vem a legitimidade da TAP para proibir comportamentos que não ofendem nem a lei nem o senso? E donde provém a autoridade para declarar com naturalidade que os clientes (melhor: contribuintes) da TAP são uma colecção de crianças inimputáveis que, se a TAP não velar por elas, imediatamente desatam a macaquear o vizinho do lado?
Finalmente, V. Exª assina com nome, mas invoca normas da TAP que alguém aprovou. Seria possível informar-me dos respectivos nomes? Não é para satisfazer uma curiosidade indevida; é para lhes manifestar a minha opinião, preto no branco, sobre as respectivas capacidades cognitivas e comerciais.
José Meireles Graça"
A seguir fui jantar.
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* Rebaptizada por mim
Quinta-feira, 21 de Março de 2013
As "redes sociais" estão em alvoroço. Uma parte grita porque a RTP "abandonou" o "serviço público" para gastar o dinheiro dos contribuintes com um novo "conteúdo" semanal, protagonizado por Sócrates. Outra parte grita com a primeira, porque Sócrates foi "diabolizado" em detrimento de outros bandidos. Outra ainda espuma de ódio satisfeito porque "agora é que vai ser", para "equilibrar" a saliência de Marcelo e de Marques Mendes. Esta rapaziada encontra ainda uma segunda fonte de prazer; daqui para a frente, já não teremos só "Relvas a mandar na RTP".
Quando ninguém esperava, surgiu a correspondente "petição" que desta vez se chama "Recusamos a presença de José Sócrates como comentador da RTP" (parece que já vai assinada com abundância). Nos últimos dois anos, a "cidadania" alojou-se com doçura no coração dos portugueses.
Neste cenário, discute-se o adorado problema da "liberdade de expressão" e do "pluralismo" no "espaço público". E investiga-se, com pertinácia, se Sócrates vai ou não ser "remunerado" pelos "serviços" que se prepara para "prestar à RTP".
Aparentemente, não vai ser "remunerado". O que deixa à vista toda a explicação para a manobra. Porque torna claro que a "participação" no programa é totalmente do interesse de Sócrates.
Resta perguntar como é que Sócrates obtém o melhor palco que se pode dar a um político para iniciar o seu processo de reabilitação. E a resposta não é difícil: isto só pode acontecer com a conivência de quem manda na RTP.
Esclarecidos que ficamos sobre o entendimento de Sócrates com Miguel Relvas, fica por saber o que é que o PS dará ao PSD por troca deste servicinho, sem o qual o PS tão depressa não deixaria de se arrastar por uns valores embaraçantes do queijo eleitoral.
Seja como for, não é da nossa conta. Tudo o que os portugueses têm a fazer é esperar pelas eleições e continuar a escolher entre Dupond e Dupont.
Nós, os que estamos sentados à cabeceira de Portugal, conhecemos bem o doente e julgamos saber interpretar os sintomas. Infelizmente, fazemos interpretações diferentes, donde decorrem diagnósticos também diferentes, e correlativamente as terapêuticas.
Sejamos claros: diagnósticos há seis (o do CDS, o do PSD, o do PS, o dos dois restantes partidos parlamentares, o do MRPP e o de Fernanda Câncio); terapêuticas igualmente seis, mas não exactamente as mesmas (os mesmos menos a Fernanda mais os anti-Euro); e prognósticos apenas um, que é o de que isto vai acabar mal.
Toda esta gente tem posições sobre a liberdade de expressão, e divide-se em dois, e apenas dois, grupos: a favor e contra. Sem ter isto presente, e sem entender este pano de fundo, não se consegue perceber nada. E, não percebendo nada, cometem-se erros de avaliação. Muitas pessoas da minha criação, e outras de famílias diferentes, espolinham-se hoje de indignação por causa de a "nossa" RTP ter contratado Sócrates para comentador político: que isto é abrir-lhe uma autoestrada para começar a campanha para herdar Belém; que é um palco para lavar um passado político que foi insuficientemente castigado, e um passado pessoal que apenas lhe deveria permitir entrevistas no parlatório do Tourel; que é uma jogada de Relvas para lançar a sizania no campo socialista, encravando Seguro, atrapalhando as contas de Costa, e de modo geral criando um clima favorável ao Governo, visto que os vitupérios de Sócrates, vindos de que vêm, funcionam como elogios para a maioria.
Será alguma coisa destas, uma mistura, ou ainda outra combinação qualquer: de teorias da conspiração vamos ter para cima de duas dúzias.
Sucede porém que, do ponto de vista dos interesses da RTP, o convite é uma boa jogada: Sócrates foi um dos melhores tribunos da plebe que a democracia engendrou; é um prodigioso vendedor de banha-de-cobra; seria perigoso se ainda não tivesse sido testado; e, por isto e se a lógica não for uma batata, o programa terá grandes audiências.
Não é isso que se espera de um canal bem gerido, que tenha grandes audiências? E não podemos razoavelmente pensar que é também com iniciativas destas que os prejuízos que suportamos ano após ano podem ter algum alívio, mesmo que sem privatização seja ilusório pensar que a barca algum dia terá lucro?
Depois, ou se têm princípios ou não. Fossem as polícias, o Ministério Público e os tribunais mais eficientes e Sócrates estaria provavelmente na cadeia - é a minha convicção. Mas seja por falta de tradição, de meios ou porque o caminho está recheado de truques, minas e alçapões que o Poder Legislativo lá colocou, Sócrates não está acusado de nada. Ora, um cidadão que não está acusado de nada tem todo o direito de ser convidado para um programa de comentário político, assim como os responsáveis pelo programa devem ter a liberdade de convidar quem entendam.
Quem não gosta não vê. Eu, tal como, estou certo, os meus amigos, não gosto e verei. E espero ter ocasião de, da minha ignota tribuna, lhe desmontar as atoardas. Que é coisa muito diferente de lhe querer fechar a matraca.
Quarta-feira, 20 de Março de 2013
Sucedeu em Padim da Graça, concelho de Braga. Alzira, empresária da mesma freguesia, pede uma indemnização de 6.000 euros ao cantautor Miguel Costa, seu vizinho, por uma obra cujo conteúdo poético aborda o tema do "grilo da Zirinha", incluida no seu mais recente CD.
Diz a queixosa que a canção fez dela "alvo de chacota popular", porque insinua que teve com o autor "um caso amoroso". Acrescenta que até as crianças da freguesia cantam "o grilo da Zirinha" (presumo que ao passar por ela). E que já nem consegue ouvir os primeiros acordes, porque fica sempre "uma pilha de nervos".
"Cacei o grilo" é, na verdade, o título da canção* que o artista interpreta ao vivo nas festas e "eventos" para que é contratado. O que torna evidente que Miguel Costa está a ganhar dinheiro à custa do "grilo da Zirinha", e justifica o pedido de indemnização.
Durante a primeira audiência do julgamento, deu-se um sobressalto. Quando, por ordem do juiz, se ouviu "o grilo da Zirinha" no sistema estereofónico do Tribunal de Braga, a empresária Alzira sentiu-se "nervosa" e desmaiou, tendo sido reanimada por uma equipa do INEM.
Durante a segunda sessão, o colectivo reflectiu sobre o conteúdo de uma dissertação, oferecida por uma especialista, professora e sobrinha da queixosa, subordinada ao tema: "Conotações sexuais da palavra 'grilo' - Subsídios para o inventariado da terminologia popular nas diferentes designações associadas à balgina". A oradora mostrou-se convicta de que o poema revelava uma intenção clara, por parte do arguido, de sugerir que mantivera "uma relação sexual" com a tia.
Pessoalmente, identifico hesitações no depoimento desta académica. Uma "relação sexual" não é o mesmo que um "caso amoroso", e penso que a empresária Alzira vai ter que se decidir. Ou bem que fica "uma pilha de nervos" por considerar-se pressionada por Miguel a admitir com ele um "caso amoroso" cujos antecedentes, nos dias de hoje, não justificam; ou desmaia porque sente apoucadas as suas aspirações românticas, quando o cantautor reduz à sugestão de uma mera "relação sexual" tudo aquilo que viveram em conjunto. As duas versões são incompatíveis.
Aparentemente, o Tribunal de Braga também não se considerou esclarecido. E por isso confrontou a testemunha com textos de outros grandes nomes das letras portuguesas, como Gil Vicente ou Quim Barreiros, este último na substância do seu poema épico "A garagem da vizinha". O depoimento manteve-se inalterado.
O arguido negou qualquer intenção de ofender a empresária, a quem se referiu laconicamente como uma pessoa com quem tem "uma relação", se bem que "de grande amizade pessoal". Contudo, chamou a atenção para a existência de "mais do que uma Alzira na Freguesia", e informou tratar-se tudo de "uma questão de rima".
No poema, Miguel Costa apresenta Alzira como "uma amiga" a quem um dia pediu que lhe deixasse "tocar no grilo". "Zirinha não pôs isso em questão", pelo que o poeta, sentindo-se encorajado, começou "a apalpar". No refrão, Miguel repete com alegria: "cacei o grilo na toquinha, cacei o grilo da Zirinha".
Fui-me informar. Segundo o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa:
grilo1 [grílu]. s. m. (Do lat. grillus). 1. Zool. Insecto ortóptero (gryllus), representado na fauna portuguesa por várias espécies, saltador, cujo macho produz com os élitros um ruído estridente. 2. s. m. (com maiúsc.) Rel. Frade da Ordem dos Agostinhos Descalços. O primeiro convento dos Agostinhos Descalços foi construído em Lisboa, no sítio do Grilo (freguesia do Beato), pelo que os frades ficaram conhecidos como os Grilos. A Igreja dos Grilos no Porto é em estilo barroco. 3. Pop. Espécie de jogo popular. 4. Fam. Pénis de criança. 5. Gír. Relógio de algibeira.
grilo2 [grílu]. adj. m. (Do lat. grillus). Diz-se do frade que pertence à Ordem dos Agostinhos Descalços. Frade grilo.
Desconheço a sentença que o Tribunal de Braga, possivelmente, ainda não proferiu. No entanto, e dado que tenho muita experiência em casos semelhantes, estou em condições de decidir que as custas do processo correrão por conta de Alzira pelas razões que passo a apresentar:
1.) Fica demonstrado que a palavra "grilo" não está oficialmente identificada com qualquer porção do organismo das empresárias. Um "grilo" pode ser um insecto, um frade, um jogo popular, um pénis de criança, ou um relógio de algibeira. Uma balgina não pode ser nenhum dos items referidos anteriormente;
2.) Na sequência do ponto 1.), considera o Tribunal de Braga que a queixosa Alzira tratou de bloquear o aparelho judicial do país, que tão difíceis tempos atravessa, com questões maliciosas ancoradas em porcarias que carecem de fundamento.
O arguido Miguel Costa será sujeito a uma repreensão, por abuso de talento. Considera o Tribunal de Braga que as liberdades poéticas concedidas aos cidadãos têm limites, e que esses limites devem circunscrever-se á compreensão das vizinhas, bem como de todo o tecido empresarial português. Não devem as obras artísticas conter vocábulos de significação dúbia, passíveis de interpretação ambiciosa por parte dos outros membros da comunidade.
Aconselha-se Miguel Costa a manter o grilo sob apertada supervisão, abstendo-se de construir sobre ele futuras composições. Sugerem-se cantos que tenham por base animais de interpretação mais serena, como "fanecas", "ratas", ou "passarinhas", que até à presente data não apresentaram problemas ao sistema jurídico da nação.
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* A peça "Cacei o grilo" pode ser ouvida neste link, durante uma actuação de Miguel Costa (contracenando com Marta, de quem falaremos noutra ocasião) no "Festejo do 25º aniversário do Autocarro das 6 da Rádio Voz do Neiva". Sublinha-se a euforia da plateia.