Graças a Deus que a evolução tecnológica e a dos costumes enxeridos ainda não foram a pontos de permitir que se me veja a imagem enquanto laboriosamente redijo este post. É que hoje venho falar-vos, com licença, de merda. E não retoricamente, assim como quem acha que os sindicatos a puseram na ventoinha, ou se lembra do Euro ou do último discurso de Durão Barroso, mas merda propriamente dita. E daí que a minha tez naturalmente pálida se encontre por esta maré tingida de algum rubor, devido ao acanhamento.
Mas que não faço eu pela divulgação científica? E o caso é que a resistência que algumas bactérias, nomeadamente a clostridium difficile, adquiriram aos antibióticos, tem vindo a ser combatida eficazmente, parece, com transplantes de matéria fecal de indivíduos sãos.
Porém, a FDA, que é, creio, uma espécie de Infarmed, em mais sofisticado, nos EUA, meteu-se ao barulho e a milagrosa e imaginativa solução que alguns espíritos engenhosos encontraram para o problema encravou: A FDA não vê com bons olhos a variabilidade do produto, razão pela qual a certificação da merda e o estabelecimento dos adequados protocolos de transplante se afigura difícil. Vai daí, há médicos a desistir.
A história está contada aqui e, à boa maneira americana, já se lobriga no horizonte merda artificial devidamente etiquetada. Mas ainda estamos longe, e este hiato cria, de toda a evidência, uma oportunidade no âmbito do turismo de saúde, que é uma área de negócio que se tem vindo a expandir entre nós. Técnicos não faltam, instalações também não, e julgo desnecessário salientar a natural abundância de matéria-prima, em que a nossa terra é pródiga. Creio mesmo que não é excessivamente aventureiro supor que se a mecânica funciona no domínio intestinal com aquele difícil clostridium, talvez possa também funcionar com bactérias meníngicas, desde que para o efeito se utilize merda de origem cerebral. E desta há igualmente ricos depósitos - nem é preciso sair da blogosfera.
Fica o alerta.
Uma das reformas mais saudáveis e urgentes que podiam fazer-se em Portugal era a extinção de todas as juventudes partidárias, sem excepção. A tendência não é essa.
Pelo contrário, "os jovens" são referidos com desvelo. Como se em comum tivessem mais do que a inclinação histórica, biológica, e proverbial para "pensarem" asneiras definitivas. E dizerem-nas, com um arzinho tão néscio quanto triunfante. Paralelamente, ninguém ensina "os jovens" a duvidar, a discutir, a argumentar, a formar opiniões próprias, e a avaliar da pertinência do que lhes enfiam gelatinosamente no cérebro.
Vi miúdos com 10 anos ensaiados para recitar odes ao Império. Certinhos, engraçados, com os olhos piscos e a precisão de um realejo. Ouvi os aplausos no final do espectáculo. E o orgulho da plateia de pais, que não percebeu uma única palavra nem deu conta que os seus filhos também não. Vejo as notas luminosas desses miúdos em impressos fechados (suponho que o Quadro de Honra tenha sido abolido por motivos de "exclusão social").
Os "bons alunos" progridem neste modelo arrepiante, programados para "aprender" o que não têm idade para perceber. Espíritos subidos do Ministério da Educação decidem quem são os "grandes nomes da língua portuguesa", e à força de martelar as crianças com textos impenetráveis esperam desenvolver nelas o "gosto pela leitura". Nos dias de festa dá-se-lhes à manivela e as escolas sobem no ranking.
O Plano Nacional de Leitura existe para pôr ordem nas letras. Assente nos "valores fundamentais" da "liberdade", da "lusofonia", e da "portugalidade", estabelece uma lista de obras "literárias", ocupado em aprovar oficialmente os "grandes nomes" cuja "irreverência" seria censurada nos tempos da Ditadura, quando as leituras dos portugueses eram vigiadas. Isso agora acabou, porque os seus "responsáveis" discutem previamente (e em total liberdade, note-se) quais são os livros "adequados" à "formação" das crianças, o que deve ou não ser "incentivado", quais são as obras "de referência", e como é que os "educadores" devem "ajudar" os jovens a "desenvolver" o gosto pela leitura, fornecendo-lhes a indispensável "orientação".
Desconfio que deixar as crianças ler o que quiserem, alternando lixo com uma ou outra coisa bem escrita; permitir-lhes que escolham textos sobre os assuntos que lhes interessam; esperar que elas percebam sozinhas quem escreve melhor e quem lhes dá mais prazer - seria visto como uma leviandade sem nome. No limite, seria forçar os "educadores" portugueses a enfrentar o risco de que ninguém lesse as pasteladas acéfalas que eles próprios escrevem.
Por isso, no entender (ou interesse?) dos "responsáveis", e em matéria de pensamento, a liberdade é "fundamental" desde que devidamente "orientada". Compreende-se. De outra maneira, o seu papel passaria de deletério a nulo. E teriam de pegar neles e arranjar uma profissão.
Destes "estabelecimentos de ensino", os mais inclinados ao "pensamento" seguem para as juventudes partidárias onde se demoram a aprimorar a sua "formação" (os mais frágeis saem determinados a nunca mais pegar num único livro). Daí, com algum jeito para a intriga, para a bajulação, e para o domínio das banalidades orais, chegam à esfera pública e cometem entrevistas. As "questões fracturantes" são estridentes, mas não passam da superfície do sólido onde as suas "opiniões" grotescas se tornam mais visíveis. E o carácter (caso venham a lembrar-se dele) está irremediavelmente perdido no passado, diluído no peso das "responsabilidades" e no empenho de algum "orientador".
Não contesto o direito à greve: por razões históricas (foi um direito duramente conquistado lá onde foi conquistado - entre nós veio com a quartelada do 25 de Abril, dado que, tirando alguns episódios a que a historiografia de esquerda atribui a importância que não tiveram, o povo era sereno); por razões práticas - o preço de negar com repressão o exercício do direito é maior do que reconhecê-lo; e porque permite ajudar a resolver situações de abuso, que existem quando a vara esteja na mão do vilão, como muitas vezes está.
E portanto acho muito bem que os sindicatos dos professores decidam fazer greve - são lá coisas deles, e dos agitadores profissionais a la Mário Nogueira ou Pasionaria Avoila, e dos partidos de que são os braços para o mundo do trabalho.
E que os professores adiram, porque compram o discurso do PCP, ou do BE, ou do PS, que por este então está esquerdista mêmo mêmo, ou por oportunismo, ou por ingenuidade - também acho bem.
O que não acho bem é o diálogo. Porque o tempo do diálogo não é o tempo da greve - ela representa precisamente a falência dele.
E como desta vez há miúdos cuja serenidade e interesses fazem parte da equação; e como, quaisquer que sejam as ideias que tenhamos sobre o que sejam esses interesses futuros, não se admite que se os ofendam desde já; e como a luta não é entre interesses profissionais legítimos e autoritarismos patronais abusivos, mas entre o modo de ver as coisas que os derrotados nas eleições têm e a que têm os que as ganharam:
Apreciaria que a Crato não doessem as mãos. E que, no diálogo que toda a gente recomenda para todas as situações, usasse apenas uma frase:
A comunidade, que representamos, agradece o vosso recuo.
Por estes dias não tenho escrito nada, o que terá penalizado sobremaneira os meus leitores. Ainda que estes, num cuidado que me sensibiliza, se tenham em geral abstido de manifestar a sua carência, por certo no intuito de não me perturbar nos meus afazeres.
E afazeres tenho tido, com resultados magros perante o esforço, mas ainda assim bem reais: por exemplo, conquistei um cliente novo, na Bélgica, um homem que adquire equipamentos para aluguer e vai - espero - passar a alugar também dos meus.
E, para começo de conversa, comprou 36 vitrinas frigoríficas, das quais as primeiras 12, em dois tons de cinza do melhor gosto, lindas, saíram ontem, ao romper da alba, aconchegadas num TIR e numas gaiolas de madeira - a embalagem standard.
Mas as PMEs põem e o Estado dispõe: o viajante de há 200 anos tinha, ao atravessar desfiladeiros e montanhas, que se defender dos ladrões, armados de canhambulos; e o actual tem que se defender das brigadas da GNR, armadas de grossos tomos do Diário da República.
E paf, conforme melhor se vê pelo auto acima as tais gaiolas seriam de pinho, e pinho não pode ser, por causa, suponho, do nemátode. Isto é curioso: que Portugal importa uma quantidade prodigiosa de merda, que chega ao mercado sem abalos de maior; mas as autoridades preocupam-se com o que exportamos, não vá os destinatários, por burrice, correrem o risco de se lhes impingir pragas.
Sucede porém, ó agentes ceguetas da GNR, que não era pinho - a empresa não adquire pinho, apenas choupo e eucalipto.
Depois da produção de declarações escritas do fornecedor de madeiras, e-mails, inúmeros telefonemas e diligências, o problema resolveu-se e o camião-bomba seguiu caminho. Que o cliente, do lado de lá, já rosnava umas coisas pouco abonatórias sobre o novel fornecedor e as suas histórias à dormir debout.
Resolveu-se o problema é como quem diz. Que agora o assunto foi remetido à ASAE, e um destes dias vem por aí um auto e multas e ameaças - o ordinário daquela organização terrorista.
Santos, Santos, pá: mesmo descontando o exagero retórico, e acrescentando espaço para o disparate comicieiro, fica difícil levar-te a sério. Thatcher queria menos Estado. E não dizia querer um Estado menos grotesco porque não precisava. Mas tu precisas - e não sabes.
Se perguntasse às mulheres da minha família onde vivem os Hotentotes ou onde fica Kamchatka, haveria fortes probabilidades de a aspereza da resposta me deixar absorto.
Se porém fizesse a mesma pergunta a uma amostra dos meus amigos, por sinal uma boa récua de ignorantes, acredito que teria mais sorte - alguns saberiam pelo menos uma das respostas.
Isto tenho eu como certo, como tenho por seguro todo um recheado catálogo de preconceitos sobre mulheres, homens, alemães, segurança rodoviária e inúmeras categorias de pessoas, situações e assuntos.
Houve um tempo em que não era assim: o preconceito parecia-me sempre fundado na ignorância, pelo que era, bem... preconceituoso.
Porém, a vida ensinou-me que há preconceitos que se fundam na experiência: parece-me indesmentível, por exemplo, que o facto estatístico de as mulheres ao volante terem menos acidentes do que os homens resulta de se escamotearem do universo em análise os que elas provocam. E é assim em muitas coisas: escolhem-se uns dados e não outros, e chega-se ao resultado pretendido.
Mas se num concurso à escala nacional, sobre conhecimentos geográficos, com as mesmas regras para todos, os meninos ganharem sistematicamente às meninas (23 dos últimos 25 anos), e isto mesmo quando, lá como cá, elas vêm crescentemente evidenciando melhores resultados, teremos que concluir que entre homens e mulheres, afinal, há talvez mais diferenças do que as que saltam abençoadamente aos olhos.
E em a diferença traduzindo alguma superioridade masculina (a feminina não suscita reparos, a título de vingança por milénios de opressão, e compensação por em muitos lugares da terra essa mesma opressão ser ainda a regra) logo os maluquinhos do igualitarismo arreganham os dentes. O Professor Eric Clausen, que deve ser americano de gema, e por isso um litigante contumaz, levou o assunto a tribunal: tem que haver discriminação, senão os resultados são incompreensíveis.
A notícia não diz se o juiz era homem ou mulher. E, já agora, não sei a resposta à pergunta que este ano garantiu o título a um rapaz do Massachusetts. Se houver por aí alguma amiga que saiba, agradeço.
Se, no google maps, se procurar "rua Mário Soares", encontram-se resultados na Póvoa de Lanhoso, em Pias (Lousada), Vila Pouca de Aguiar e Vagos; se a procura for por "avenida", a colheita é Abrantes, Oeiras e Chaves. De praças ou pracetas, nada, e nada também para travessas.
Isto é estranho: que eu em 1975 já trabalhava e era atento, e se não estive na Fonte Luminosa estive nas Antas e tenho bem presente quem liderou o movimento de resistência anti-comunista. E mesmo que seja verdade, se for, que o PCP recuou na 24ª hora para evitar uma guerra civil; ainda que, se Soares não existisse, outro desempenhasse o papel; mesmo que a nossa localização geográfica, a importância da Igreja, a existência de numerosos pequenos proprietários e empresários, e uma já razoável classe média, tudo se conjugasse para inviabilizar uma revolução tão obsoleta como o partido e satélites que a impulsionavam, nem por isso Marocas deixará de ter o seu lugar na História - uma meia-página se a História for concisa, que é mais do que está reservado às outras personagens que nos povoam a memória da época.
Se Soares, cuja marca está tão presente no Portugal desde então, se vê escassamente representado na toponímia, isso é porque, depois do seu papel de herói civil no Verão Quente de 1975, nunca foi mais do que um chefe partidário como os outros, e como os outros votado à experimentada desconfiança e desprezo que os Portugueses reservam aos seus líderes. Ah!, tivesse ele morrido providencialmente, e o País inteiro estaria coberto com urbanizações e pontes e pavilhões multi-usos com o seu nome. E dir-se-ia hoje, com um encolher de ombros desalentado e soturno: se Soares fosse vivo, nada disto teria acontecido.
Sucede porém que, com diferenças de grau e de estilo em relação aos colegas da arena política, o Portugal que Soares quis e para o qual trabalhou, é o Portugal que temos: europeu do Sul nos costumes, atento, venerador e obrigado a internacionalismos vários, bem-pensante, com uma diplomacia ágil e competente na chupice de fundos, abrigado debaixo de uma Constituição surreal que garante os direitos económicos de todos desde que os nossos parceiros e os ricos paguem.
No Portugal de Soares, a chuva e o bom tempo vêm do Euro, da UE, do Estado patrão e do Estado investidor; e como, subitamente, o Euro se revelou um fato apertado a uns e solto a outros, curto ou comprido nas mangas, e de forma geral de mau corte, por ser a moeda de uma raça de trabalhadores disciplinados nos dias úteis, e borrachões de fim-de-semana; como a UE é um conjunto suspeito de instituições desacreditadas, recheadas de funcionários parasitas e metediços, afogados em privilégios e tretas; como o Estado patrão alargou o número de dependentes até ao infinito, para garantir votos para os eleitos do dia; e como, na pele de investidor, cobriu os montes de ventoinhas, as esquinas de abastecedores para carrinhos eléctricos, e as escolas maternais de computadores para ver as aventuras do Noddy - a bonanza durou o tempo que durou o crédito.
É aqui que estamos. O Governo que temos, desastradamente embora, quis pôr ordem na tourada. Pôr ordem na tourada quer dizer fazer marcha-atrás. E fazer marcha-atrás é o nosso caminho inelutável, o da UE e o do papel dos Estados - tudo aquilo em que Mário Soares acredita, e a que dedicou a vida.
É a esta luz que se deve interpretar o que se passou na Aula Magna: todos os que lá estiveram querem evitar o inevitável, embora nem todos pelas mesmas razões. E, se me é permitido, mil vezes o velho discurso republicano, jacobino e socialista do homem que, mais do que outro qualquer, é responsável pela abjecção a que o nosso País chegou, do que os arroubos líricos do Professor Sampaio da Nóvoa, que não tem a desculpa de ter uma obra a defender nem uma vida de fé que as consequências abalam todos os dias, mas é reincidente nestas lides.
O homem está xéxé, dizem-me próximos. Não está não, digo eu: tem o mesmo síndroma de Cunhal, que manteve a fé no céu terreno mesmo depois da queda do muro de Berlim.
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