Parece que o Governo se prepara para subsidiar o contrabando de tabaco e do álcool, a curto prazo. O reforço dos meios policiais para combater o contrabando do tabaco e do álcool virá a seu tempo, quando se constatar que aqueles subsídios fizeram aumentar a produção, uma grande surpresa.
Fiéis à sua tradicional eficácia, as polícias apreenderão decerto quantidades record de maços de tabaco e garrafas de whisky; e a ASAE fará títulos na imprensa, e estrondo nas televisões, com pequenos restauradores apanhados em flagrante a venderem, os patifes, vinho sem rótulo por baixo do balcão.
A estes subsídios chamar-se-ão não impostos, credo!, mas taxas. Taxas porque, na cândida explicação do jornalista ou da ministra (não se percebe), as verbas irão directas para o Ministério da Saúde, aliviando assim os encargos do Orçamento do Estado.
Temos portanto uma nova taxa moderadora, incidente sobre as doenças que as pessoas virão a ter. A prova de que é esse o verdadeiro, e revolucionário, espírito da legislação, é que os alimentos com "excesso" de açúcar e sal, notoriamente deletérios para a saúde, irão também ser taxados.
Não vejo com bons olhos, em nome do senso, das barriga-de-freira e das anchovas de conserva, estes delírios. E não percebo como se preveem aumentos de receita derivados da taxação de comportamentos e hábitos que se querem reprimir. Das duas uma: ou o Estado acha que deve velar paternalmente pela saúde dos seus cidadãos, e deveria prever uma diminuição da receita, por acreditar que o aumento do preço provoca uma desejável desaceleração do consumo; ou, se prevê um aumento, o que quer fazer é aplicar uma multa a quem tem comportamentos que a tradição, os hábitos, os vícios, a cultura, não condenam, mas condenam uns iluminados que circunstancialmente detêm poder público.
Talvez os anti-tabagistas furiosos percebam agora o que logo ao princípio deveriam ter entendido: quando se abre a porta a que os poderes públicos entrem nas nossas vidas para nos regularem comportamentos que só a nós afectam, não se pode nunca calcular onde estão os limites. Porque amanhã, com os mesmos fundamentos, poder-se-ão taxar aqueles cidadãos que, no fim do dia de trabalho, não fazem exercício; os que, sendo gordos, se recusam a fazer dietas; e os que têm um amor imoderado por fumados, escabeches excessivamente avinagrados ou ossinhos de Assuã - não há limites para a imaginação de gente virtuosa.
Por mim, sensível que sou à necessidade de equilíbrio das contas públicas, ousaria sugerir um imposto extraordinário sobre a estupidez: o universo de contribuintes tem dimensão considerável, ainda que a receita previsível seja negativamente afectada pela circunstância de os governantes serem mal pagos.
Durão Barroso distinguiu-se, na União Europeia, por flutuar. Agora que quer regressar à casa paterna está a agitar as águas. E, é claro, caíram-lhe em cima com a comparação entre os números de agora e os de há cinquenta anos, como se o regime anterior, se não tivesse caído, ficasse parado nos níveis de 1974, não registando qualquer progresso de então para cá. Uma evidente falácia argumentativa, no ensino e no resto, mas que tem livre curso.
Invejo as pessoas que, sobre Educação, têm ideias claras. Porque eu, ruborescido, confesso que tenho demasiadas perguntas sem resposta satisfatória:
1. Por que razão os defensores exaltados da escola pública não advogam a liberdade de os pais escolherem o estabelecimento onde querem colocar os filhos, obrigando os mais expeditos (ou desonestos, ou preocupados, é como se queira) a falsificarem atestados de residência, ou indicarem encarregados de educação residentes nos sítios "certos"?
2. Por que razão, sempre que se comparam enunciados de exame antigos de Português (como aqui), ou Matemática, ou História, ou Geografia, em níveis iguais de escolaridade, com os correspondentes actuais, se percebe que os nossos (e os dos outros - a importação de modas e ideias faz com que cometamos os mesmos erros, apenas com algum atraso) ricos meninos, sabendo embora muitas coisas que dantes se não sabia, ficam a perder na comparação?
3. Por que razão há tanto, mas tanto, adolescente incapaz de traduzir ideias por escrito, ou de as compreender, e tanto licenciado que ou se refugia num palavreado hermético e pretensioso, nos melhores casos, ou tem uma relação conflituosa com a sintaxe, em particular concordâncias, e isto mesmo em áreas, como o Direito ou Jornalismo, em que o domínio da língua deveria ser uma condição sine qua non para a obtenção do grau?
4. Por que razão se acreditou que a multiplicação de cursos e universidades iria originar, num mercado pequeno como o nosso, uma hierarquização delas que tivesse tradução na conquista de empregos, desde logo na Função Pública, e na diferenciação de remunerações para licenciaturas obtidas em estabelecimentos diferentes? E que a proliferação de licenciados geraria a sua própria ocupação? Ou, se não eram esses os resultados pretendidos, quais eram?
Perguntas destas tenho um saco cheio. A resposta seguinte não é minha, e tem implícita uma outra pergunta, que formularia assim: queremos que toda a gente tenha no mínimo uma formação a nível do secundário completo ou admitimos que nem isso é acessível a uma parte da população estudantil?
"A escola democrática tem que ser exigente e inclusiva. Se for só inclusiva é um centro de ocupação dos tempos livres, se for só exigente é uma escola elitista. Se estivermos dispostos, através da exigência dos exames e da selecção social, a reduzirmos os actuais alunos do ensino secundário aos 13 116 que existiam em 1961, poderemos ser tão exigentes com esses quanto quisermos. Ser exigente, excluindo, é fácil".
Eu acho que não precisamos de estatísticas baseadas no número de aprovados neste e naquele grau, se as pudermos manipular baixando o nível de exigência; que as comparações feitas nesses termos são intelectualmente desonestas; que ser exigente não implica reduções brutais de educandos, mas implica alguma redução; e que o País precisa de técnicos, que não há, mas não de resmas de moços imaginando que os diplomas secundários que angariaram sem esforço lhes dão direito a terem formação superior assente em alicerces duvidosos e ela própria baseada nos mesmos facilitismos que lhes permitiram lá chegar.
E quanto ao elitismo? Se partirmos do princípio que as proporções de génios e inteligentes, idiotas e medíocres, trabalhadores e preguiçosos, são hoje as mesmas que sempre foram, então a massificação do ensino tem algo a seu favor: sempre a partir de uma base maior haverá melhores resultados do que de uma base pequena, por nesta os late bloomers ficarem pelo caminho. Mas nisto, como no mais, os recursos públicos têm que ser rateados. E, a ter que haver escolhas, que sejam as escolhas dos melhores, mesmo que depois estes venham muitas vezes a descobrir que, do ponto de vista do sucesso material, foram ultrapassados por alguns daqueles que já estavam a fundar as suas carreiras enquanto eles continuavam nas suas bibliotecas ou laboratórios - mundo complicado, este.
E aqui está como, não tendo respondido às perguntas que fiz, acabei por responder a algumas que não fiz.
Confesso que muito gostaria de saber a opinião de todas aquelas Senhoras das várias associações femininistas que a nossa esquerda fez brotar sobre o facto de Otelo viver às segundas, terças e quartas com uma senhora e às quintas, sextas e sábados com outra (suponho que descanse ao Domingo?).
Ainda o considerarão um herói?
Quem ler alguma da história do Estado Novo percebe que este, nascido de um golpe militar, só pôde consolidar-se porque Salazar contou de início com o apoio das chefias, assustadas com o descalabro financeiro da pátria falida, em particular Carmona, e com a desordem e o terror da 1ª República, e foi com o tempo criando a teia de dependências e cumplicidades que transformaram a instituição militar num dos pilares do regime.
A guerra colonial veio desfazer este suave arranjo. Não é que a situação fosse militarmente insustentável; não é que o país estivesse exangue com o esforço da guerra, como diz a lenda, não obstante os mais de 40% do Orçamento que a ela chegaram a ser afectos: é que um pequeno país não podia pedir indefinidamente aos seus juvenis, em levas sucessivas, que fossem para longe defender algo que muitos não entendiam como seu, e tudo sem fim à vista. Além do que os ventos de uma opinião pública mundial hostil ao colonialismo à antiga também aqui chegavam, ainda que filtrados. E mesmo que por baixo da mesa os governos do Ocidente nem sempre fossem tão hostis como gostavam de se apresentar; e mesmo que no contexto da Guerra Fria não se ignorasse que havia o perigo de a URSS ser o verdadeiro herdeiro das independências das antigas colónias: havia o cansaço de um regime decrépito, a falta de esperança e a sensação de cuspir contra os ventos da História.
Um problema de promoções e de estatutos foi o rastilho; uns poucos militares mais lidos ou ambiciosos foram o fermento; outros mais atrevidos, corajosos ou inconscientes, os agentes; o regime caíu, sem que quase ninguém, salvo os futuros retornados, o lamentasse; e os heróis do dia foram ler - para desempenharem o seu novo papel não podiam falar da pele posta a salvo, do pré e das carreiras, precisavam do manto salvífico de uma ideologia. De ideologias havia várias disponíveis, e todas eles tresleram, mas a que parecia a muitos reservar um papel exaltante era a comunista, numa das variantes que os ideólogos civis disponibilizavam. Daí para a frente, estabeleceu-se, na rua e nos quartéis, a luta entre soviéticos, ou cubanos, ou peruanos, ou albaneses, ou chineses, de um lado, e suecos, ou franceses, ou americanos, ou ingleses, do outro.
A facção militar pró-Ocidente ganhou e, em devido tempo, com a preciosa ajuda de Eanes, os militares regressaram aos quartéis, de onde saem esporadicamente quando, como agora, a Pátria se lembra de os tratar com os rigores que reserva, sob a férula da tróica, a outras categorias de cidadãos.
Os heróis, porém, não regressaram completamente ao anonimato dos quartéis - quem esteve tanto tempo debaixo das luzes suporta mal a insignificância. E como para a luta política se requer bastante mais do que competência nas artes do putsch; como a legitimidade revolucionária se esfumou no tempo; como na democracia as usual não há lugar para fardas nem proclamações pretorianas; como o 25 de Abril é mais um feriado para ir à praia, e menos uma data para exaltações em torno de valores que, por estarem adquiridos, não precisam de ser repetidos pela milésima vez: não está a maioria do Parlamento para aturar um grupo de ressentidos que, tendo ajudado in illo tempore a instalar uma democracia vulgar, querem agora promover uma democracia sui generis, que seria aquela em que a Oposição fala a duas vozes: a dela, que foi eleita, e a dos convidados que acham que não precisam de o ter sido.
Aqui está o exemplo da não notícia.
Uma coisa chamar-se Observatório sobre Crises e Alternativas deveria ser suficiente para se concluir sobre o que se pretende observar e o que se concluirá, independentemente de qualquer observação.
Num simples google sobre a coisa fica-se a saber que é coordenada por Manuel Carvalho da Silva e tem como membros Francisco Louça ou o inevitável observador de tanta coisa Boaventura Sousa Santos.
Fazer uma notícia dizendo que esteOobservatório observou coisa diferente da do Governo é a mesma coisa que dizer o Rui Gomes da Silva não observou qualquer penalti a favor do Porto.
Fazer disto uma notícia é ser instrumentalizado.
Tentar passar a notícia com um ar científico é fazer de nós todos burros.
A minha única esperânça - vã, concedo - é que não sejam os meus impostos que estejam a pagar esta observação.
«Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem do governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este governo rebentou com tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página”».
Suponho que o representante do Presidente da República ficou mudo e quedo, mas eu teria saído pela porta fora. Que se o país não é o dele, e por conseguinte conseguiu o lugar por golpe de Estado, ou num sorteio da farinha Amparo, então não tem nada que presidir a coisa alguma. Dos numerosos co-proprietários do País estavam presentes o ensaísta Lisboa e o celebrado Siza, que podiam perfeitamente desempenhar o papel: ambos têm respeitável idade e fariam óptimos discursos, o primeiro elaborando um pouco mais sobre a anestesia dos coleópteros, o segundo sobre a abundância das liberdades em Cuba ou na Coreia do Norte.
Do discurso da laureada não me sobrou uma excessiva vontade para lhe ler a obra: tem a parte do eu isto, eu aquilo e eu aqueloutro, após a lisonja aos colegas e antes dos insultos ao poder político do dia, no meio do que somos inteirados de que "o que me interessa no romance não é o género, mas a ausência de género. Não é poesia e pode ser poesia, não é reportagem e pode ser reportagem, não é viagem e pode ser viagem, não é teatro, cinema, música, arquitectura, agricultura, cosmogonia, correspondência, folhetim, banda desenhada, arquivo, e pode ser tudo isso. Um romance é a liberdade em extensão. Um território de experimentação com um fôlego considerável, que ninguém conseguiu ainda circunscrever além disto: prosa, criativa, de extensão longa, escrita para ser lida".
Prosa criativa, de extensão longa, escrita para ser lida? Pessoalmente, tenho alguma dificuldade em imaginar prosa, de mais a mais longa e criativa, que tenha sido escrita para não ser lida, salvo os relatórios da ONU sobre aquecimento global. A não ser a desta romancista, no que me diz respeito. Não por dizer tanto disparate sobre matérias que não alcança - nenhum autor está acima disso; mas por dizer tanta asneira sobre assuntos dos quais devia entender.
Estas contas, é claro, pecam por sumárias, além de incorrectas: falta falar, pelo menos, no subsídio de alimentação, no seguro contra acidentes de trabalho e no efeito dominó que o aumento do salário mínimo tem entre os salários que já estão acima; e 2.394,00€ a dividir por 231 (dias efectivos de trabalho, por ano, em média - 21x11) não dão 6,5€/dia mas sim 10,36€.
Mas este não é o ponto. O ponto é que há um microempresário que diz que, com o novo salário, terá que fechar as portas. Isto pode, no caso, ser verdade ou não. Mas, se não for neste caso, é-o em muitos outros, olá se é, e nem todos micro. E sobre quantos são, e quem são, ninguém sabe nada.
Nem precisa, pelos vistos. Qualquer empresário dos que o empreendedor Saraiva diz que representa dirá com gravidade e orgulho, se inquirido na matéria: na minha empresa não tenho colaboradores a ganhar o salário mínimo - todos estão acima disso, em muitos casos substancialmente acima. Do senhor Presidente da República para baixo todos os políticos, responsáveis disto e daquilo, economistas, professores, isto é, quem esteja direta ou indirectamente sentado à mesa do Orçamento ou do das empresas majestáticas protegidas da concorrência pela Lei, os usos, os reguladores e a agenda telefónica, dirá, inclinando a cabeça, o ar subitamente sério e profundo: Portugal não pode apostar no modelo dos salários baixos.
Isto dizem eles. E mesmo que alguns saibam que não existem modelos de salários altos, o que existe são economias fortes que os permitem, mas que não são automaticamente induzidas por aqueles; e mesmo que a generosa iniciativa do legislador, dispondo sobre o que não lhe pertence, vá criar fatalmente umas quantas falências e impedir uns quantos jovens de encontrarem o seu primeiro emprego (quantos? – ninguém sabe nem quer saber): sempre o abençoado novo salário mínimo, irrefragável conquista da Esquerda, verá a luz do dia, para evitar esse trunfo nas mãos dela na campanha eleitoral.
"Uma empresa que não pode gastar mais 13€/dia com os seus trabalhadores, não é uma empresa, é, perdoem-me a expressão, um saco de merda que lastra a economia e o país," diz com indignação o comunista. Salvo melhor opinião, o que lastra o país são os que recebem subsídio de desemprego ou nem isso - que a empresa que paga mal não custa ao erário público nada, antes para ele contribui; e os que, existindo tanta empresa mal gerida, não lhe aproveitam a falência para, comprando-a ao preço da uva mijona, a gerirem bem, como podia fazer tanto gestor desaproveitado e tanto sindicalista a fazer carreira na propaganda e na berrata.
A idade é um posto, e logo quanto maior a idade maior o ranking e maior o respeito. Costuma ser assim, e por mim não está mal que assim seja.
Quando a idade é realmente provecta, então, é costume não responder a casos de incontinência verbal, dando um silencioso desconto - é o que hoje muitos fazem com Mário Soares, incluindo os seus embaraçados correligionários.
Adriano Moreira, porém, está perfeitamente lúcido, e exprime-se nos antípodas do seu antigo adversário - onde um é chão e primário o outro sofisticado e jesuítico. Tanto que a mim, que o ouço há anos, já me aconteceu perguntar aos meus botões: mas ele está a dizer o quê, ao certo? E o que é que defende?
Mas não dizem, hoje, coisas muito diferentes, pelo menos na invectiva. Nesta entrevista, AM caracteriza assim o momento actual: Volvidas quatro décadas de democracia, Portugal está governado por um "neoliberalismo repressivo", focado no "ataque ao Estado social" e que justifica tudo com a "resposta simples" de que "não há dinheiro".
"Não há dinheiro" é realmente uma resposta simples, e pior do que isso um facto simples, mas para que passe a haver o que propõe o ilustre professor? Ora bem, sugere não "lançar os princípios pela janela". A gente a julgar que ia sugerir, como o PS, resolver o problema com a Europa rica, ou expropriar os ricos, como deseja o PCP, ou cortar nas gorduras do Estado, como reclamam muitos desencantados, mas não: em tendo princípios que se não atirem pela janela fora a situação financeira tende a aliviar. Pessoalmente, estaria interessado em conhecê-los, mas suponho que, como não os enuncia, são evidentes para quem os tenha, e ignotos para os outros - nos quais me incluo.
Portugal está hoje numa situação que "talvez não tenha precedente na vida europeia", e, para "animar a população portuguesa no sentido de recuperar um futuro com dignidade", é preciso dar-lhe "esperança", prossegue o ilustre catedrático, para grande perplexidade dos paisanos. A frase é, para dizer o mínimo, enigmática: a Grécia, que tem um passado ainda mais ilustre do que o nosso, está numa situação que não invejamos; e nós, no nosso passado europeu (?) tivemos, além de um parto difícil, a crise de 1383-85, a de 1580 e a de 1892, ou a I República, com a sua participação na Grande Guerra, et j'en passe.
Prossegue a entrevista, entrando com determinação numa salada de grelos:
"Por um lado, parece que temos alguma culpa no cartório - a democracia produziu "efectivamente um grande desenvolvimento" e "o modo de vida aproximou-se da Europa", porém a "espécie de engenharia imaginosa financeira" que se lhe seguiu resultou numa "evolução muito má (…) até chegar a esta crise global". Quando se esperava a denúncia dos autores destas maldades, o Professor admite que Portugal "sempre dependeu de apoio externo", e que essa dependência instalou "vícios" no país. Caído o Muro de Berlim e com ele a divisão entre o modelo ocidental e o comunista, restou o "neorriquismo e a tónica passou a ser gastar mais do que as disponibilidades", resumiu.
Ou seja, a Europa, desaparecido o inimigo comunista, começou a gastar à tripa forra: Gorbatchov, com aquelas frescuras da glasnost e da perestroika, acabou por criar aqui, no extremo oposto do continente, um grande problema; e, embora todos tenham gasto o que não tinham, uns países estão em crise e outros não. É subtil, a análise.
Finalmente - e, com Adriano Moreira, é raro - entra-se no domínio das soluções. Transcrevo integralmente esta parte da notícia, que é luminosa:
'É muito difícil dizer quem é o mais responsável. Eu acho que somos todos responsáveis', frisou, insistindo na importância de definir 'um conceito estratégico nacional', o que implica um 'consenso' alargado e que todas as diferenças se subordinem 'a um conjunto de objetivos e valores que unem a comunidade', em vez de contribuir para 'os desafectos, por exemplo, pondo os velhos contra os novos, pondo os reformados contra os activos'.
Para o académico, esse conceito deve privilegiar a relação de Portugal com o mar e defender 'uma situação de igualdade na comunidade das nações' e de 'dignidade nas relações entre os países'.
A aposta na educação e nas instituições é outra das propostas de Adriano Moreira. 'A investigação e o ensino são matéria de soberania, não são matéria de mercado', sustenta".
Trocando por miúdos: Quem defendeu o tratado de Maastricht, ou o de Lisboa, e quem não defendeu; quem gastou como se não houvesse amanhã, e quem denunciou o facto; quem tentou travar as "apostas" e quem as promoveu - são todos igualmente culpados; comunistas, socialistas e estes "neoliberais repressivos", quem assinou e quem não assinou o MoU, os pobres e os novos pobres, vão todos dar as mãos, levantando os olhos ao Altíssimo e cantando O Freunde, nicht diese Töne!, num arranjo de Fernando Tordo; os velhos guardam as suas reformas, os novos tê-las-ão em devido tempo, os emigrantes regressam, os cortes anulam-se, e vamos todos para o mar - de canoa.
Tenho amigos que acham este homem um génio.
A campanha eleitoral já ferve, Rangel fez dieta, Assis não, que excitação, já a 25 de Maio ficamos a saber quem vai para Estrasburgo nuns dias, e para Bruxelas noutros, fazer o pé-de-meia lá naquela coisa da Europa.
Eu não sou desses de fazer um tabu: votarei na lista do Governo, diz que é da direita. Não é que goste muito da lista (nem do Governo, já agora) mas socialistas não, palavra de honra, é malta que não percebeu o que fez ao País e continua disposta, na medida, que é pouca, em que os credores deixem, a fazer o mesmo.
E seja porque se acredita que esta coisa vai voltar ao antigamente pela mão de um émulo do edil Costa, o das mudanças de paradigma e apostas na competividade, formação e tretas sortidas, seja porque - vota comuna, pá - se deseja uma lição nestes fachos egoístas e corruptos, seja porque se acredita que os Pachecos, Manuelas, Bagões e os 73 do Manifesto (eram 74 mas um arrependeu-se) desta vida têm no alforge soluções muito diferentes para um problema muito igual, sempre o que se vai discutir é o nosso rincão.
Em alguns dos 28 países discute-se a Europa, para o efeito de saber, antes de mais, se convém estar dentro ou fora; e, estando dentro, estar dentro como.
Gente indecisa e pouco firme nos propósitos. Que nós não temos dúvidas: a nossa posição é dentro - e de mão estendida, variando apenas o grau de persuasão na pedinchice do qual uns e outros dizem ser capazes.
E ainda bem que é assim. Porque, se a eleição tivesse realmente alguma coisa a ver com assuntos europeus, ia ser o carago para escolher. Das nove afirmações seguintes três são do socialista Schulz, três do centro-direitista Juncker e três do liberal Verhofstadt:
- O Estado-Nação atingiu o seu limite.
- Devemos ousar dar um salto ainda mais radical: para uma nacionalidade europeia completa.
- Populismo, nacionalismo e eurocepticismo são incompatíveis com uma União Europeia forte e eficiente, capaz de enfrentar os desafios do futuro.
- É patético que a França e o Reino Unido não encarem a hipótese de fundir os respectivos assentos no Conselho de Segurança da ONU num único, em representação da UE.
- A criação do Euro beneficiou certamente as economias dos países aderentes e é por isso irreversível.
- Um mundo global requer um governo global.
- Não podemos permitir que o princípio de uma Europa a várias velocidades se enraíze.
- Uma União Europeia ambiciosa requer um orçamento ambicioso.
- Não deveremos pensar no imediato em instalar um governo mundial, ainda que isso deva ser o nosso objectivo final.
Pois é, não se consegue saber, sem pesquisa, quem disse o quê, porque eles dizem todos a mesma coisa, ainda que a terceira pérola pudesse ser nacional, por ter um aroma cavaquista - "desafios do futuro" é uma expressão que faz parte do dialecto de Belém.
Tratemos então da nossa casa, que da casa europeia já há quem trate. Mas não é nenhum dos três estarolas acima - é a gente que aparece no vídeo, no final deste post.
Exmos. Senhores:
Notei a V/ carta de 25 de Março, hoje recebida, que não agradeço e à qual passo a responder:
1. A que título se permitem VV. Exªs escrever para a minha morada sobre uma dívida de uma empresa que tem o seu próprio endereço? Lembro que, salvo no caso de dívidas ao Fisco ou à Segurança Social, os gerentes de firmas não são pessoalmente responsáveis por dívidas das empresas que dirigem.
2. Com que direito a EDP informa uma empresa terceira sobre dados que ela própria, aliás, não deveria ter?
3. Tendo a V/ empresa uma razão social que mais parece uma marca de esquentadores e aparelhos de calefacção, só por acaso o envelope foi aberto. Não teria sido pior, aliás, visto que a dívida, cuja existência era ignorada, foi já paga, por a diligente EDP a ter entretanto lembrado.
4. Não pretendo realmente resposta a esta carta, e pelo contrário de VV. Exªs desejo distância. Porém, se por um excesso de cuidado ou sobras de tempo se lembrarem de o fazer, sugiro que enderecem a resposta não ao cuidado do Sr. José Maria mas sim do Sr. Graça. Convencionalmente, a seguir a "Senhor" vem o nome de família e não o nome próprio, que se reserva costumeiramente para amigos.
Recebam VV. Exªs, de cumprimentos, quanto baste.
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