Quarta-feira, 28 de Maio de 2014

Nem "obrigado" me disseram

 

 

Começa por estragar a noite anterior. No meu caso foi grave porque estava a meio de um trabalho importante (para o meu orçamento), e a perspectiva de acordar às 6 da manhã opera com umas horas de antecedência. Com o alvará de nomeação num envelope e o raciocínio numa papa morna, apresentei-me às 7, como devia, no antigo liceu D. Filipa de Lencastre.

 

Na sala que me competia já se encontravam os outros membros da mesa e o primeiro problema apareceu logo a seguir. Tratava-se de amarrar duas esferográficas às respectivas cabines de voto, e o bocadinho de cordel que nos fora fornecido era claramente insuficiente. A minha primeira missão foi dirigir-me “aos serviços” para pedinchar mais uns centímetros. A missão falhou: não havia mais cordel. Foram essas esferográficas amarradas com habilidade (confesso), e a imagem áspera da miséria do país, aos farrapos que sobraram das eleições anteriores e que algum espírito prudente tinha tido a cautela de conservar pendurados do buraco. A geringonça não ficou com um aspecto resistente, mas calculei que aguentasse, sem sobressaltos, mais este exercício democrático. Nesse ponto tive razão.

 

Contados e recontados os boletins, integrei uma equipa de 3 elementos para forrar a parede exterior da sala com bonitos papelinhos, decorados com os nomes dos candidatos das 16 listas concorrentes. É preciso informar o eleitor, para que este não vote ao engano. Uma a uma, cada folha foi presa à parede de azulejos com tirinhas bem medidas de fita-cola, cortada com os dentes até ao primeiro vómito e, desse momento em diante, com uma tesourinha de canivete que eu trazia no bolso. Abençoada inclinação para os expedientes de rua que, não me fazendo notável pelo requinte das maneiras, já várias vezes me livraram de aflições.

 

Afixámos as listas, um boletim em tamanho industrial, e uma quantidade insuspeita de editais obrigatórios – todos eles essenciais ao bom sucesso do acto eleitoral. Os últimos já foram colados à pressa, em parte por culpa do tempo gasto a receber e encaixar duas informações: a primeira era que o bar da escola estava fechado, e assim iria permanecer todo o dia; a segunda era que os nossos honorários (ou lá como se diz isto em linguagem burocrática) tinham sido cortados para cerca de 2 terços do valor habitual. Cada um de nós iria receber apenas 50 euros. Graças a Deus as casas de banho mantiveram-se abertas; há certas realidades que actuam como diuréticos (não desfazendo).

 

Nisto eram 8 horas, ouviu-se uma sineta, e a mesa foi declarada aberta. Cada membro sentado, muito direitinho, na sua cadeira de pau, à excepção do presidente - cuja função é exercida de pé, no centro do friso, espreitando por cima da urna. Foi muito estimulante porquanto várias moscas entraram na sala e entretiveram-se a esvoaçar as suas vidas na nossa interessada presença. Nos raros intervalos de tédio que este espectáculo consentia, os escrutinadores aproveitaram para contar, um por um, os nomes inscritos nos cadernos eleitorais. É outra cerimónia prevista no protocolo, não fosse suceder que o total divergisse do número registado na papelada oficial e, ao final do dia, arranjássemos um sarilho.

 

Pelas 11 da manhã já tínhamos atendido para cima de alguns 20 eleitores. O secretário da mesa descobriu, no andar de cima, uma máquina automática que fornecia café a troco de umas moedas. Revezámo-nos naquele percurso melancólico, por largos corredores revestidos do mais sumptuoso mármore cor-de-rosa (acabamento polido), onde o som dos nossos passos ecoava sem acanhamento. Quando regressei, uma alma compassiva tinha deixado na sala uma garrafa de água (para cada membro) e uma caixa de biscoitos (para todos). Sem a ter visto, agradeci-lhe do fundo do coração.

 

Uma eleitora elegante chegou, votou, e saiu da cabine com um ar satisfeito agitando na mão o boletim aberto. Cada um olhou para onde pôde e o presidente, com a cabeça de lado e os dedos à frente dos olhos, informou a eleitora que ela tinha de dobrar o papelinho em quatro. Uma velhinha entrou apoiada em canadianas. Outro eleitor chegou enfiado numa roupa preta, numas botas de combate, num blusão militar, e num corpo franzino. De crânio rapado e barbas compridas, cumprimentou e despediu-se com voz aflautada. Corrigidos uns desvios, a velhinha acertou na cabine. Veio um casal com 3 crianças. Votou primeiro um, depois o outro, as crianças fizeram momices. Um gordo, muito gordo, de t-shirt e cabelo farfalhudo, mostrou uma fotografia magra, de gravata e cabelo farfalhudo. A velhinha já vinha a meio caminho de regresso. Outra eleitora apareceu adornada com jóias pesadas e botas modernas. Rodou tão ligeira em direcção à cabine que não parou a tempo: deu mais um quarto de volta, e saiu apontada a uma estante. Num pulinho, alterou a rota, votou, e avançou disparada com o boletim aberto. Os membros da mesa voltaram a olhar para onde conseguiram. O presidente voltou a cabeça de lado e escondeu a cara com os dedos, até a eleitora dominar a trajectória, segurar o movimento, e dobrar o boletim. A velhinha chegou junto da urna, pendurada nas canadianas. Entregou o voto muito dobradinho.

 

Fizeram-se apostas quanto ao número de votantes, o número de biscoitos, e o número de moscas. O dia avançava nesta azáfama. De vez em quando, os membros da mesa trocavam de lugar. Ou seja: deixavam uma cadeira de pau e sentavam-se noutra cadeira de pau. Houve quem, com os lombares a guinchar e o pescoço encortiçado, se levantasse para rodar os braços e acabasse estendido no soalho, por breves momentos, a rezar de alívio. Ia jurar que não fiz tal coisa, mas foi exactamente assim que vi entrar o delegado do PCP, do meu ponto de vista, virado de pernas para o ar. Trazia umas calças de bombazina, e um casaco de bombazina, cabelo branco e barbas brancas, expressão exausta e um saco de plástico. Deixou-se ficar, perdido ou discreto, encostado a uma parede. Virei uma cadeira, das que estavam empilhadas, e tive dificuldade em convencer o senhor a sentar-se. Puxou de uma sanduíche, ofereceu amavelmente, e comeu. Entreteve-se o resto da tarde com uma biografia de Lenine, numa encadernação velhíssima, de folhas muito amareladas. A dada altura, agarrou no telemóvel e telefonou ao pai. Desconfiei que não tivesse ouvido bem, mas confirmei com o meu colega e com um segundo telefonema, já depois de fechada a urna, quando informou o pai (nessa altura, ouviu-se claramente) que se encontrariam “lá”. E especificou: “no Vitória”.

 

A contagem dos votos não se resume, longe disso, à contagem dos votos. Desde que a sineta toca, às 7 da tarde, para avisar que acabou, é preciso encadear toda uma nova série de tarefas cuidadosas. Desde logo, são dados mais uns minutos para que as pessoas que já tenham entrado no edifício tenham tempo de chegar à respectiva secção – e votar. Só depois disso podemos (e devemos) fechar as portas. A uns dói a cabeça, a outros as costas, os joelhos, o estômago (de fome) ou outras porções do organismo. Pessoalmente, não me posso queixar: doía-me tudo. O que vale é que entre apostas, gentilezas, comentários, e ajudas, a verdade é que temos uma incumbência para levar até ao fim e durante aquele período de dever e de serviço, de humor e responsabilidade, de gosto e de suplício, nasce uma espécie de ligação cúmplice que torna a coisa suportável, quando não prazenteira. Depende bastante das pessoas que o acaso se encarrega de juntar.

 

Foi preciso contar os boletins que sobraram, e os nomes “abatidos” nos cadernos eleitorais. Abrir a urna, contar os votos, distribuir em montinhos, e contar outra vez. Confirmar, pelo menos duas vezes, se não há boletins no grupo errado. Se houver, temos de rever tudo outra vez. Chegada esta hora, o nosso desembaraço intelectual é comparável ao de uma amêijoa. Voltamos ao princípio, trocamos as tarefas, acertamos tudo até não haver dúvidas. Apontamos os resultados num quadro. A seguir, há muito impresso para preencher, actas, duplicados, novos editais para afixar, pacotes para embalar em papel pardo, cordel, rubricas e lacre. No fim, são 10 da noite. Passaram 15 horas.

 

Em modo mecânico, meto-me no carro e chego a casa para comer e assistir dormente, na televisão, aos resultados, aos palpites, e aos discursos dos chefes. Sem excepção, agradecem aos candidatos, aos partidos, aos directores de campanha e às juventudes partidárias, aos eleitores, a quem votou e a quem se absteve, aos portugueses e a Portugal. Nem um único se lembrou dos membros das mesas de voto. Nem “obrigado” me disseram.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 02:22
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Terça-feira, 27 de Maio de 2014

Radar fiscal

Confesso: escrevo todos os meus posts num portátil que pertence à firma onde trabalho. Mais: levo-o para casa todos os dias e frequento através dele a blogosfera e sites nem sempre recomendáveis. Vou mesmo mais longe: às vezes ouço música na internet, e direitos de autor ou impostos - nicles, salvo o que debita o fornecedor do acesso, que todavia é sempre a mesma importância, quer vá consultar a Constituição, para me inteirar dos meus direitos, legislação avulsa, para ficar ao corrente das minhas obrigações, ou jornais e revistas, para conhecer a vida dos famosos e as perspectivas da Selecção Nacional.

 

Sucede que o IVA do portátil foi suportado pela empresa, ao contrário do que sucede a outros cidadãos.

 

Isto é um escândalo: nenhuma actividade deve estar isenta de imposto e fiscalização, salvo o pastoreio de cabras e mesmo esse apenas enquanto não se venderem os cabritos ou se tiver a ideia peregrina, e revoltante para a ASAE, de fabricar queijos.

 

Fiquei hoje a saber que a fotografia dos radares não serve apenas, como ingenuamente supunha, para detectar excessos de velocidade (excessos legais, entenda-se - um engenheiro ignoto pôs uma placa, a olho, porque naquele dia lhe pareceu que a curva era perigosa, e a partir daí, quer chova quer faça sol, quer se conduza um Panda ou um Ferrari, fica estabelecido que a placa tem um valor bíblico).

 

Nada disso: agora o cidadão pacato vai à velocidade permitida, fumando o seu cigarro pensativo, e a brigada manda-o parar e imediatamente levanta o auto. Infracção: esqueceu-se de ir à inspecção periódica obrigatória e o computador do polícia, zás - se te esqueceres do dia de anos da consorte o Estado, para já, ignora o facto, mas circular sem um mecânico falhado declarar que está tudo bem isso é que não, o computador está atento. E está atento também ao selo do imposto de circulação, ou lá o que é, uma roubalheira que tem vindo sub-repticiamente a crescer - por um chaço com mais de dezasseis anos paguei hoje, sem exceder o prazo, para cima de 250 Euros.

 

O preço das desatenções é a doer, que multa por multa o legislador tem vindo a entender que o terrorismo fiscal incute nos espíritos um são temor da Lei e da autoridade e seus agentes.

 

É neste quadro que, à boleia do argumento pueril de que, se todos pagarmos o que está prescrito, todos pagaremos menos - o que é desmentido pela história e pela experiência - que vamos lentamente deixando criar um estado policial: já hoje é possível fechar uma pequena empresa ou estabelecimento se alguém com competência fiscalizadora se lembrar de embirrar com o proprietário, tal é a quantidade de normativos obscuros que é necessário respeitar; já hoje é possível à autoridade saber onde se esteve, e quando, e com quem, e quanto se gastou, e em quê; e atazanar um cidadão que não tenha recursos para ir a tribunal, ou que tenha mas estime ser esse um incómodo ainda maior do que suportar um abuso da Administração; e já hoje é não apenas possível mas frequente aceitar que o Estado se comporte como uma quadrilha mafiosa, não cumprindo prazos de reembolso e exigindo rotineiramente pagamentos em duplicado, para os incautos que não guardaram recibo, e uma carga de trabalhos, para os que guardaram.

 

If it moves, tax it. If it keeps moving, regulate it. And if it stops moving, subsidize it, disse o outro. Disse bem, e ainda se esqueceu do perigo de depositar tanto poder na mão de burocratas inimputáveis - mesmo que eleitos.

publicado por José Meireles Graça às 22:58
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Segunda-feira, 26 de Maio de 2014

Balbúrdia no Oeste

Tirando dos factos as lições que eles encerram, pode-se imaginar um caminho; caso contrário, não. Quais são então os factos, as lições e o caminho?

 

A abstenção é o maior partido, com 2/3 dos votos (um tanto menos, se nos lembrarmos dos emigrantes e da tradicional desactualização dos cadernos);

 

O PCP foi o partido tradicional que mais cresceu;

 

O Bloco mirrou;

 

O PS só poderá vir a formar um governo minoritário com apoio parlamentar do CDS e do PSD (ou do PSD, possivelmente com abstenção do outro); ou um governo maioritário com o PSD, para abandonar de vez qualquer esperança de reforma do Estado e de saneamento das contas públicas, quer seja liderado pelo patético Seguro quer pelo visionário Costa, uma espécie de Zorrinho do Plano Tecnológico e tretas modernaças sortidas, mas com mais subtileza, habilidade e estatura.

 

Marinho e Pinto é um balão. Pode encher mais e subir mais, mas começa a esvaziar logo que se perceba que tem combustível apenas para subir, como sucedeu ao PRD e ao partido dos reformados (do saudoso Prof. Sérgio) antes dele, bem como ao próprio BE, este último também por ser um sucedâneo urbano e parvinho do PCP.

 

A miríade de partidos restantes que abrilhanta as eleições vale o mesmo que os foguetes das festas populares, com a diferença de não poder originar incêndios.

 

Estes os factos. Agora as lições:

 

Os abstencionistas, em proporções impossíveis de calcular, disseram três coisas: i) A Europa é uma mama, o Parlamento Europeu uma abstracção, e os candidatos uns treteiros à procura de tachos dourados; ii) Ninguém prometeu convincentemente que a mama murcha ia inflar, logo alimentar com votos partidos fervorosamente europeístas foi chão que deu uvas; iii) O governo do dia deu austeridade, emigração e reformas de paleio e tinha que ser castigado por isso. Mas como só os comunistas ofereceram uma alternativa às políticas seguidas, mas despertam anticorpos num universo eleitoral cuja esmagadora maioria não é constituída por mujiques, operários raivosos e intelectuais subsídio-marxistas - não havia partidos nos quais votar.

 

Temos então que os comunistas não contam, porque a diferença deles não pode ser engolida; o PS não conta, porque, mesmo que ganhe, não pode fazer maioria com o PCP (está mais distante dele do que qualquer dos outros partidos) e a que poderia fazer com o PSD apenas prolonga o marasmo; a coligação dita de direita não conta porque o eleitorado desconfia que, com ela, terá pelo menos mais uma década penosa, e portanto não lhe dará a maioria absoluta.

 

Estão as condições reunidas para um novo partido, ou um velho renovado. Não para fazer um arranjo diferente das mesmas velhas coisas, mas para pegar no problema de um outro ângulo, que inclua abandonar o Euro e, se for necessário, a UE. E isso não em nome de uma autarcia cubana, como quer o PCP, ou de um PS dirigista, intervencionista e despesista, como quer, mesmo que diga não querer, o Prof. Ferreira do Amaral (a quem tiro, com respeito, o meu chapéu), mas em nome da reforma do Estado por fazer, do crescimento económico sem paternalismo nem dirigismos e da independência na medida do que as circunstâncias permitirem - mas não mais do que isso.

 

Vai suceder? Claro que não. O mais provável é, com a aterrorizada conivência da Europa, o governo pôr em banho-maria até mesmo o módico de reformas que tem querido fazer, alargar um furo ao cinto da austeridade, e trombetear optimismo. E não é impossível que o BCE e a nova Comissão Europeia sejam compreensivos, na exacta medida em que a Alemanha e satélites deixem.

 

Deixarão? Suponho que sim, moderadamente. Chegará? Suponho que não, e assim o que o futuro nos reserva é balbúrdia.

 

De qualquer forma, ele, o futuro, sucederá apenas de uma maneira, e há inúmeras de o prever. Donde, a probabilidade de errar é grande. Conto com isso.

publicado por José Meireles Graça às 23:49
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Quinta-feira, 22 de Maio de 2014

Psico-lérias

Há uns condutores masoquistas que se deslocam voluntariamente em automóveis velhos ou com manutenção defeituosa. Não é que lhes falte o dinheiro para adquirirem novos ou para fazerem reparações, é que têm um grande amor às antiguidades, uns; e não dispõem de vagar para ir à oficina, outros. E como são todos burros de nascença, e com tais omissões e descasos poderiam pôr em risco as próprias vidas, e as de terceiros, e este grave problema já estava solucionado lá fora, o Estado resolveu há anos copiar as soluções que nações notoriamente mais adiantadas e lúcidas haviam posto em prática.

 

Daí vieram, com grande aplauso, as inspecções periódicas. Podia ter sido criado mais um serviço público, igual a tantos outros e igualmente daninho, mas a coisa deve ter sido decidida por alguém com inclinações para o mercado, a eficiência, a competitividade e assim - não há nunca falta de imaginação para embrulhar ideias parvas em roupagem moderna - pelo que os centros de inspecção são privados.

 

Foi uma corrida: quem é que não quer um negócio com clientes cativos, margens garantidas e obstáculos à entrada? E hoje o país está felizmente coberto de pavilhões onde, uma vez por ano, o condutor vai rezar para que o inútil de serviço não note a avaria que sabe perfeitamente existir, e que não corrige porque, entre outras razões, os recursos lhe são sugados para alimentar um Estado insaciável que encara o cidadão, sobretudo, como contribuinte, se este tiver algo de seu, e o automóvel como uma vaca leiteira em qualquer caso.

 

Claro que essa benemérita associação de consumidores que dá pelo nome de DECO resolveu há anos levar um veículo com avarias ocultas à inspecção, e foram muitos os centros que as não detectaram; e claro que, com o tempo, os Centros evoluíram para departamentos do Fisco, como aqui candidamente se relata: há multas para quem deixar o amarelo das matrículas desmaiar.

 

Entrou nos usos e não se discute. Se todos os centros fechassem, por a inspecção deixar de ser obrigatória, teríamos manifestações em defesa dos postos de trabalho; gente indignada nas televisões e na opinião, a defender o que imaginam ser segurança rodoviária; e técnicos a brandirem estatísticas, demonstrando que, sem inspecção, uma percentagem significativa dos condutores, afectados de pulsões suicidárias, não cuidaria dos seus veículos.

 

Pois bem: uns quantos velhos, de longe em longe, circulam na autoestrada em contramão, e nas notícias entre sorrisos de comiseração; em geral andam muito devagar; e já não é o primeiro que se esquece do chapéu, ou de mudar de velocidade.

 

Isto não pode ser. E esta senhora vê aqui uma excelente oportunidade de emprego, para ela e as ilustres colegas. Para nos sossegar, adianta que o impacto de perder a carta de condução é, no caso dos idosos "mais uma perda das muitas que vão tendo, de forma natural, ao longo da vida".

 

Já estou daqui a ver o tipo de conforto que esta doutorada pode oferecer a uma mulher que tenha perdido o marido: ai sim? Mas olhe que ele estava num caco; ou a um senhor que tenha perdido o pai velhíssimo: olhe que ele já estava todo fodido.

 

Siga. E já agora, que está com a mão na massa (enfim, quase), conviria que não esquecesse que os novos também precisam de exames da sua especialidade: não têm eles notoriamente mais acidentes, e mais graves, do que os condutores de meia-idade? E as senhoras, na crise da menopausa, não verão as suas capacidades cognitivas um tanto perturbadas, com aqueles desarranjos hormonais todos? E os senhores de meia-idade, com frequência inclinados a suprirem, com a aquisição de potentes descapotáveis, o vigor físico que vai faltando?

 

Bem vistas as coisas, além do exame médico, acaba por ser necessário o exame psicológico, para ter carta de condução. E um e outro com pequenos prazos de validade, que hoje está-se na plena posse das faculdades mentais e físicas, e amanhã concorda-se com estes disparates.  

publicado por José Meireles Graça às 00:37
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Segunda-feira, 19 de Maio de 2014

Bico calado

Acho, preconceituosamente, que o Serviço Nacional de Saúde não é uma conquista do regime democrático, mas um seu equívoco: porque pôde melhorar o estado de saúde da população apenas enquanto o Estado pôde aumentar a sua dívida e a sua punção fiscal; porque não teve em conta nem a evolução demográfica, que consiste em nascerem cada vez menos bebés, e em haver cada vez mais velhos, por isso e pela evolução tecnológica, que faz com que se morra cada vez mais tarde, a preços porém crescentemente insuportáveis para manter as pessoas vivas; e porque, embalados pelos indicadores positivos, se pôde acreditar que, sem concorrência, nem falências, nem apetite pelo lucro, os serviços podiam ser realmente eficientes.

 

Agora, diz-se tranquilamente que há gente que morre porque faltou o medicamento, ou não aguentou a espera pela cirurgia, ou o medicamento mais eficiente é demasiado caro, ou, ou.

 

Entretanto, a ideia de que todos, quer possam quer não possam pagar, devem ter iguais condições de preço de tratamento, porque a destrinça entre uns e outros já foi feita em sede de progressividade dos impostos sobre o rendimento, criou raízes - tão sólidas que ninguém as discute fora da arena política porque não vale a pena, e dentro dela porque quem o fizer se suicida politicamente.

 

Dar tudo a todos através de serviços públicos é um objectivo socialista clássico. E, classicamente, falha mais tarde ou mais cedo quando acaba o dinheiro dos outros, porque já não confiam para emprestar, uns, nem têm recursos para, continuando a viver habitualmente, pagar mais impostos, outros.

 

Claro que quem pode foge e vai ao privado. Mas os que podem são muito menos do que os que poderiam se não tivessem entretanto sido esmagados por impostos; e o sector privado é portanto muito menos pujante do que seria noutras circunstâncias.

 

Nos regimes socialistas genuínos, a insignificante parcela da população que pertence à nomenclatura tem direito a tratamento de excepção. E é o que tendencialmente vai suceder entre nós, fazendo os muito ricos, para este efeito, aquele papel.

 

Faltam porém ainda alguns elementos: por exemplo, até agora ainda os profissionais podiam dizer, por motivações políticas ou outras, que o rei vai nu. Agora não: Os profissionais de saúde devem "guardar absoluto sigilo e reserva" sobre o que se passa nas instituições onde trabalham, e "absterem-se de emitir declarações públicas" sobre esses assuntos.

 

Queriam um serviço socialista com liberdades? Sorry, folks, isso não existe - a água não se mistura com o azeite. E se acham razoável a exigência de bico calado, pergunto: achariam o mesmo se os estabelecimentos fossem privados?

 

Ah. 

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publicado por José Meireles Graça às 17:27
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Saudades do BE

Andam por aí umas sondagens que fundam a previsão de que o Bloco de Esquerda se arrisca a desaparecer nas próximas legislativas, a benefício do PCP e do PS. Feia coisa: o regime democrático fica-o menos com o reforço do PCP; e a vitória do PS é, se for absoluta, a garantia de um segundo resgate, logo que as instâncias europeias não possam mais fechar os olhos à contabilidade pública criativa, para disfarçar as derrapagens; e, se for relativa, a garantia de um segundo resgate devido à barafunda dos governos fundados em coligações contra-natura, com o alto patrocínio do senhor Presidente da República.

 

O Bloco é uma associação recreativa fundada para acolher comunistas desgostosos com as aplicações concretas da doutrina e ávidos de a casar - como se fosse possível - com a democracia parlamentar; doentes infantis do comunismo que precisavam de um veículo para lhes conferir notoriedade; e sociais-democratas que detestam o PS amigo da banca, dos ricos e das negociatas.

 

A prazo, esta gente tinha que se zangar: um comunista é detentor de uma doutrina científica para regulação da sociedade; qualquer um entende que não pode haver, sobre a mesma realidade, duas verdades científicas diferentes; e assim os que caem fora do círculo que detém a liderança são inimigos de classe e apóstatas, se o Partido estiver no Poder, e dissidentes, se não estiver. De sociais-democratas nem falemos, que são pouco menos que traidores, aliás e de toda a evidência em trânsito para o PS.

 

Tenho pena: que a serenidade e boa-educação de João Semedo, enquanto debita aquelas piedades esquerdistas; o friso de caras bonitas com que o BE sempre abrilhantou as listas (a par de alguns camafeus, que a perfeição não é deste mundo); até mesmo a verve pseudo-democrata de Louis Le Rouge Fazenda, a contracenar com parlamentares burgueses; a constante pulsão para reformar a Europa e lhe dar lições, como se um bando ingénuo de ignotos radicais pudesse dar ao País a importância que este não tem - tudo me deixará saudades.

 

Há porém limites para o sentimentalismo: que frei Anacleto Louçã e a sua fundamental incompreensão dos mecanismos da economia, embrulhada em suficiência catedrática e brilho oratório de lantejoulas populistas - t'arrenego.

 

Mas enfim, extinto o Bloco, quem - quem? - se ocupará de coisas tão necessárias como a criminalização do piropo, na qual aliás, sem sucesso, foi pioneiro? É que podemos sorrir e achar que, desaparecidas em combate aquelas meninas azougadas do BE, tão queridas, ficamos livre desta e doutras tolices. Puro engano: a coisa, afinal, é europeia ou, no mínimo, de Bruxelas, uma cidade que cozinha superlativamente mexilhões e parvoíces. E, se é bruxelense, o PS virá, a seu tempo, tentar importar o disparate.

 

E a perspectiva de ver a planturosa Canavilhas ou, pior, a esfusiante Moreira, a defenderem penas de prisão para atrevidos - perdão, mas dá-me saudades do BE.

publicado por José Meireles Graça às 00:56
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Quinta-feira, 15 de Maio de 2014

Mortes escaldantes

A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde está a averiguar como a Direção-Geral da Saúde aplicou o plano para temperaturas extremas em 2013, quando o calor terá provocado mais 1.684 óbitos do que o esperado.

 

Lembro-me bem: aconteceu-me várias vezes, naquele ano fatídico, conviver com pessoas afogueadas, em circunstâncias que não justificavam acaloramentos, e de as ouvir dizer, com voz cava: morro de calor! - após o que, chamado o 112, se constatava o óbito.

 

Ignorava até agora este plano para temperaturas extremas, mas não duvidaria que, a existir, estivesse muitíssimo bem elaborado: deveria ter natureza interministerial, estrelado também com a participação da Ordem dos Médicos, da dos Enfermeiros, Serviço Nacional dos Bombeiros e institutos e observatórios vários das áreas meteorológica, sanitária e gerontológica. Tudo vertido num extenso e bem elaborado documento, atentamente discutido pelos intervenientes e destinado à leitura de profissionais, bem como outros cidadãos interessados e curiosos, logo que tivessem vagar.

 

Fui ver, na parte módulo calor 2013, e a primeira impressão não foi muito positiva: três funcionários apenas dão uma aulinha sobre a vulgata do aquecimento global, os efeitos do calor no bem-estar e na saúde e os cuidados que os cidadãos devem ter, em particular quanto à ingestão de líquidos (esta última parte sem qualquer referência ao vinho verde e à cerveja, uma omissão difícil de aceitar com equanimidade). Felizmente, a fig. 3 na página 6 revela a organização e articulação institucional para, no dizer inspirado dos autores, promover a "operacionalização" que "requer uma estrutura que rentabilize esforços, desenvolvendo e reforçando parcerias".

 

Operacionalizar e reforçar parcerias já é mais o género de coisa que deve dizer um relatório a sério. E como na tal figura são 13 os organismos envolvidos, fora a Coordenação Geral e a Co-Coordenação, e agora vai tudo ser averiguado, podemos este Verão estar certos que poderá haver um aumento de falecimentos por via de esgotamento fiscal e ataques de fúria assassina contra a estupidez contumaz, mas por calor não.

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publicado por José Meireles Graça às 21:45
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Segunda-feira, 12 de Maio de 2014

Doutorices

Sabemos que um arrumador de carros é modernamente, na realidade, um técnico de parqueamento automóvel; um agente técnico de engenharia foi há muito promovido a engenheiro técnico, e logo depois a engenheiro tout court, enquanto as especialidades se multiplicaram a tal ponto que o cidadão prevenido não ficaria excessivamente surpreendido se uma qualquer universidade lançasse os cursos de Engenharia Em Candeeiros Articulados, de Direito de Família no ramo Casamentos com Potencial para Acabar Mal, ou de História dos Carros de Combate dos Hititas; o grau de licenciatura, para cuja obtenção eram necessários normalmente cinco anos, contenta-se agora com três; e a antiga licenciatura transmutou-se em mestrado.

 

O doutoramento, por sua vez, corre graves riscos de vir a ser outorgado em concurso, em alternativa ao automóvel de marca Audi com que as autoridades aliciam os cidadãos para servirem de fiscais da Fazenda.

 

Fica toda a gente contente: as universidades vendem o diplomazinho; os moços, armados do papel, vão para o call-center, a caixa do supermercado, a emigração e a manifestação, frustrados e cheios de auto-compaixão, mas com grande amor-próprio; os pais, que esportularam as propinas, estadias, borracheiras nas praxes e queimas das fitas, rebentam de orgulho; os liberais confiam que o mercado, no meio de tanto licenciado, fará escolhas inteligentes; a esquerda em geral louva a democratização do “conhecimento”, que mede pela quantidade de graus que as escolas, e os professores, são induzidos a atribuir; e o Estado lava as mãos.

 

Para um país cuja doutorice foi tão justamente verberada, pode dizer-se que se deram passos de gigante: um destes dias, com a vulgarização do trato, importada da América, o título de deferência passará a ser "Senhor" ou "minha Senhora".

 

Seja. Mas em relação a profissões liberais clássicas, gente prudente e reaccionária, como eu, conta com as Ordens. Eu sei: são emanações corporativas e os obstáculos que colocam à entrada no exercício da profissão, em nome da qualidade da formação, destinam-se a proteger os que estão. E de deontologia não falemos, que quem circula nos associativismos de todo o tipo distingue-se com frequência pela especialidade nas artes da moscambilha e do tráfico de influências. Mas se o Estado não garante nada; se o mercado funciona mal, porque nem sempre é possível conhecer o historial do licenciado que temos diante de nós: vamo-nos agarrar a quem, para ver o selo de garantia?

 

E quanto a profissões que foram promovidas a liberais à boleia de licenciaturas, que originaram Ordens, como a de enfermeiro?

 

Eu julgava que um enfermeiro enfermeirava e, em casos mais complicados, seguia as ordens do médico. Se tem Ordem, segue ordens como? A Ordem não tardará, se o não fez ainda, em pôr-se em bicos de pés e reivindicar autonomia para o enfermeiro: ai o médico quer que lhe ponha sinapismos? Ele não sabe nada, vou-lhe mas é lancetar esta merda.

 

E não é que vamos ter enfermeiros de família?

 

Estou por tudo. E como a Justiça evidentemente não funciona, é urgente a criação da Ordem dos Oficiais de Diligências - se é que ainda não existe. 

publicado por José Meireles Graça às 23:36
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Sexta-feira, 9 de Maio de 2014

De Souto Moura para a humanidade

 

 

O bairro, se assim lhe podemos chamar, fica na zona mais cara do Porto. Em lotes de dimensão razoável, os edifícios de habitação atingem com frequência os 15 andares. São volumes dispersos, de aspecto rico, espaçoso, e desinteressante, limpos de adornos e revestidos de materiais decentes, com áreas abertas nos intervalos. As manchas de verde, geralmente bem cuidadas, não chegam a formar jardins. Pelo meio sobrevivem meia dúzia de moradias. De alguma maneira, todo o conjunto consegue apresentar-se correcto, hesitante e desordenado. Para todos os efeitos, é um bairro residencial sem grande história – mas dos bons.

 

A coisa foi construída naquele bairro. Ocupa um terreno de inclinação relativamente suave, descendo em direcção à foz do Douro. Souto Moura voltou-lhe as costas para a vizinhança. Escolheu dois compartimentos e virou-os para uma paisagem, suponho, magnífica - cada um no seu eixo, evitando a obstrução visual dos edifícios que tinha em frente. Rematou estes compartimentos com paredes de vidro, dando-lhes o aspecto de aparelhos de televisão (os grandes arquitectos têm estas subtilezas). Em volumes geometricamente simplificados, que se intersectam num corte quase infantil (tal é a lógica dos seus propósitos e o despudor com que encara as convenções), a “casa” existe com uma identidade totalmente autónoma. Somos informados que é uma casa, mas nada no objecto nos permite chegar a essa conclusão. Está ali, num bairro do Porto, mas podia estar em Tóquio, em Narvik, ou nos arredores de Estremoz.

 

Para o autor deste projecto, a relação com o lugar é interpretada exclusivamente de dentro para fora. O exterior, o que já lá estava, só conta na medida em que possa servir o interior. Souto Moura separa a área envolvente em duas categorias: a paisagem (que é a parte boa) e o resto do bairro (onde vivem os outros, que é a parte má). E Souto Moura não desce à humilhação de submeter a superioridade do seu risco ao entendimento e aos costumes dos brutos: eles fazem as casas deles à maneira e à medida das suas vidas primárias. É um mundo diferente, estreito e banal, com que Souto Moura (e os seus iniciados) não querem ter contacto.

 

Para Souto Moura, a paisagem é importante desde que se possa extrair dela um benefício próprio; mas não é importante perceber como é que a construção altera e condiciona a área envolvente, como é que o objecto é percebido, até que ponto é que a obra aceita ou recusa, integra ou despreza, despótica e sobranceira, o prazer e os costumes dos outros. Não é indiferente que o presente de Souto Moura à humanidade tenha custado cerca de 4 vezes o seu valor de mercado; mesmo porque a humanidade já o pagou.

 

Souto Moura sabe, como qualquer arquitecto é obrigado a saber, que a arquitectura é sempre uma imposição. Deve ser, por esse motivo, um exercício de compromisso. E a atitude educada é dar pelo menos tanto quanto retira. É procurar que a sua presença não seja um fardo. É entender e falar pelo menos uma parte da linguagem comum que faz de cada autor um membro da comunidade – e não um fanfarrão. O arquitecto que se dá ao respeito projecta para o cliente no contexto da cidade. Não projecta para se “expressar”, segundo o seu sentimento ou a sua emoção - que só a si dizem respeito. Nem projecta homenagens a si mesmo e à importância que imagina ter.

 

O que se fez com a “Casa” Manoel de Oliveira foi uma desconsideração. O suposto habitante (como é natural) recusou morar nela. E agora ninguém a quer. De resto, o próprio tempo (como é hábito) encarregou-se de deixar à mostra a moral desta história: se ao artista não lhe interessa obter o respeito dos outros, caminha confiante para merecer deles o desdém.

 

publicado por Margarida Bentes Penedo às 00:45
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Quinta-feira, 8 de Maio de 2014

Custos de com tachos

Há muito tempo, teve enorme divulgação nos meios de comunicação social, em todo o Mundo, a existência, creio que sobre os polos, de um buraco na camada de ozono.

 

A comoção durou para cima de dois anos. Nessa altura, como hoje, eu fabricava frigoríficos, e vi-me de repente no grupo de inimigos da humanidade que usava gases com efeitos deletérios naquela preciosa camada. Com a atenuante todavia de ter ficado na companhia das senhoras que usavam sprays com freon, para efeito de porem laca no cabelo e desodorizante nas axilas. Este estatuto deu-me um grande conforto, porquanto, a ter que ser responsabilizado pelo aumento exponencial de cancros na pele, mais valia efectivamente estar em agradável companhia.

 

As revistas do meu ramo profissional produziam artigo atrás de artigo, prodigalizando conselhos. Uma ou outra, raramente, referia a opinião de uns poucos maduros que chamavam a atenção para o facto de o tamanho do buraco nunca ter sido, na história da Terra, estável, nem as provas laboratoriais do desastre serem convincentes - mas disso a opinião pública não curava, porque a inexistência de problemas e de maus não constitui, por definição, notícia. E a associação industrial a que naquele tempo pertencia chegou em determinada altura a recomendar-me, e aos meus colegas, uma mudança de mentalidade, visto que aquela da qual éramos portadores estava consideravelmente obsoleta.

 

Signifiquei na altura a quem de direito que me recusava a mudar de mentalidade, por ter com esta uma relação antiga e pacífica. E aproveitei para retirar a empresa da associação - sempre poupava nas quotas e me punha ao abrigo de injunções patetas.

 

O mercado acabou por produzir gases diferentes, inócuos para a camada de ozono, que ainda hoje, como toda a gente, uso. Estes gases, porém, obrigavam à substituição de maquinaria e componentes e eram, claro, mais caros.

 

Embora os modelos matemáticos previssem que o buraco se alargaria ainda durante décadas, mesmo que se suprimisse o uso do freon, deixou de se falar no assunto, e efectivamente ignoro se por esta altura se terá transformado num buraquinho ou num buracão. E também não estou ao corrente da evolução dos cancros cutâneos, que aparentemente não cresceram de modo a dar nas vistas, não obstante as pessoas não se terem começado a vestir como tuaregues.

 

Tenho fortes suspeitas de que, não fosse o oportunamente descoberto aquecimento global, hoje transmutado em alterações climáticas, e ainda não teríamos saído do buraco... do ozono.

 

São precisas causas para entreter os radicais; fundos para alimentar a investigação; normas para gerar comportamentos desviantes que alimentem agências, inspecções, polícias e multas; pretextos para cimeiras, mesas-redondas e viagens; perigos, mesmo que imaginários, para aumentar o poder de políticos e burocracias; e notícias, para vender papel, conquistar audiências e ter receitas de publicidade.

 

O público crê: dantes nas forças do Além, que mandavam terramotos e desgraças sortidas, que era preciso aplacar com sacrifício de indivíduos desviantes da norma; e hoje na variedade de cientistas que querem reformar a Humanidade e que esta os adore e ouça, porque eles sabem - mesmo que outros menos conhecidos digam, com boas razões, que na realidade são apenas fanáticos ou oportunistas, os mesmos de antigamente e de sempre.

 

Pois bem: fui há pouco tempo inteirado de que os novos gases têm efeito de estufa - bem me parecia que era apenas uma questão de tempo até os malditos mostrarem os seus recônditos defeitos. Por mim, apreciador do calor como sou, ficaria bem mais preocupado se produzissem um aumento de cáries dentárias, às quais sou bastante achacado. Mas não: efeito de estufa it is.

 

E por causa deste efeito recebi há dias a seguinte comunicação de um fornecedor:

 

"Informamos que, na sequência do disposto no futuro Regulamento de Gases Fluorados a ser publicado nos próximos meses, a partir de 1 de janeiro de 2015, a venda de gases fluorados com efeito de estufa só poderá ser efetuada a empresas certificadas que prestem serviços a terceiros nesta área, ou a empresas que, não prestando serviços a terceiros nesta área, possuam técnicos certificados.

Alertamos, deste modo, para que os nossos estimados clientes verifiquem com a maior brevidade possível a sua situação, de forma a estarem em cumprimento com a legislação.

Para mais informações sobre a certificação dos técnicos e  empresas, transcrevemos abaixo o comunicado da APA (Agência Portuguesa do Ambiente)".

 

Já estou a estudar o assunto e, faltando-me ainda uma quantidade de informações e diligências, já conheço o resultado: vou gastar muito mais para produzir o mesmo, sem nenhum valor acrescentado para o produto.

 

O Governo ia diminuir aos custos de contexto? Ia, não ia? Respondo em inglês, para não chocar:

 

My ass.

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publicado por José Meireles Graça às 17:33
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