O PS está actualmente em convulsão, com duas alas correspondentes a duas visões sobre como gerir a coisa pública, ambas dispondo de uma alavanca implícita no nosso sistema político que reforçará qualquer delas quando alcançar o poder: uma, a de Seguro, compromete-se a não aumentar impostos, nem reduzir serviços públicos. Compensará com o crescimento da economia, induzido pela Europa, rendida ao inegável carisma do líder (que cativou recentemente, entre nós, quase um terço de um terço dos eleitores), alguma criatividade nas contas, e cortes na despesa que não afectem nem pessoas nem serviços, cuja natureza de momento ainda não pôde ser apurada mas que será determinada logo que tenha acesso aos dossiers;
Outra, a de António Costa, propõe-se mudar de paradigma de governação, enveredando por apostas: na educação, na qualificação da mão-de-obra, na investigação científica e num novo modelo de desenvolvimento que dará os primeiros passos nos dias úteis a seguir à tomada de posse. E, é claro, não dispensa uma componente diplomática muitíssimo aguda, com o propósito de organizar uma fronda dos países enrascados na Europa do Sul a favor de uma reforma das instituições tal que os do Norte encostem a barriga ao balcão; sem esquecer que porá fim a esta senda de destruição do País que um governo celerado tem vindo a promover com afinco. Sobre impostos e fecho de serviços não garante nada, mas reconhece que é necessário inverter o ciclo - a chave está no crescimento e ele, Costa, explica luminosamente que, em o país crescendo, a importância relativa da dívida diminui.
A alavanca consiste no Tribunal Constitucional, que tem tido a tarefa necessária de interpretar uma Constituição que contém o programa de governo do PS, como se o programa não estivesse lá nem nós no Euro - coisa que os senhores juízes, compreensivelmente, não têm sabido fazer. A pobre Constituição começou por ser sul-americana, versão Che, o PSD esforçou-se ao longo do tempo por a puxar, dentro do mesmo continente, mais para Norte, e o PS, que entretanto tinha metido o socialismo na gaveta, resolveu, sem atraiçoar a querida herança abrilista, casar o projecto com a social-democracia sueca traduzida em calão dos anos sessenta - e é o que temos.
O Tribunal Constitucional não se ocupa directamente, graças a Deus, de crescimentos nem de dívidas, mas, confrontado com a necessidade de reduzir o défice, entende que há margem mais que suficiente para operar a redução através de aumento de impostos.
Temos então que o IVA vai subir. E como a subida prevista talvez chegue para a redução num ano, mas não nos seguintes, convirá desde já interiorizar a ideia de que, num futuro não muito distante, já estaremos nos 25%.
Esta é, claro, a solução que convém à Oposição: o aumento de impostos desagrada a toda a gente, de mais a mais sendo sobre o consumo - sempre se poderá dizer que o pobre pagará proporcionalmente mais, razão pela qual a nova bandeira passará a ser corrigir esta grande injustiça aumentando o imposto sobre o rendimento nos escalões superiores e os impostos sobre o património.
Estão portanto reunidas as condições para o governo ser cozido em lume brando. Pode fazer como a rã, que se vai adaptando ao aumento de temperatura até falecer tenrinha; ou poderia entregar a chave ao Senhor Presidente da República, dizendo-lhe: Excelência, marque eleições. É mais do que provável que as percamos, mas para governar como o PS é melhor, a bem da transparência, o original do que a cópia. Não se apoquente Vossa Excelência: o Primeiro-Ministro Costa, a cumprir o Tratado Orçamental, não dura mais de um ano até a popularidade cair a níveis ainda inferiores aos da fossa de Mindanau. E, de regresso, então ou até antes, e estando o país à beira de um novo resgate, sem o qual os senhores juízes, como os outros dependentes do Estado, terão de viver das suas economias, se as tiverem, talvez possa haver condições para reformar, ou o Tribunal, ou a Constituição.
É certo que, para rever a Constituição, são precisos 2/3 dos deputados, o que significa provavelmente que, como de costume, o PS tem poder de veto. Mas, desta vez, os credores tomarão decerto precauções acrescidas. E é impressionante a capacidade de concentração que deputados e juízes sem vencimentos podem encontrar nas fibras do seu ser: uns descobrirão que afinal a realidade tem muita força, e renovarão os seus votos de europeísmo fazendo o que lhes mandam; e outros descobririam, ainda que fosse na mesma Constituição, se fosse preciso, princípios que já lá estavam, mas dos quais ainda não tinham tido vagar para se aperceberem.
Não estamos sós/ A sombra de outro alguém/ Vive entre nós/ Não nunca o saberás/ Mileeeena.
Cantava o saudoso Conjunto João Paulo, famoso por ter descido à cidade com o propósito inexplicável de dançar hulli-gulli, em pleno fássismo.
Mas não foi a Milena que se intrometeu no seio deste casal em gozo de um fim de semana prolongado na Meia-Praia, em Lagos, mas sim um senhor tenente da Marinha, em missão de pré-inspecção a uma área concessionada de guarda-sóis.
Os referidos, constituídos por um cone de colmo assente num tronco, têm a configuração que há anos lhes conheço; o empreendimento é o mesmo que frequento há muito tempo; e a simplicidade reina - um rectângulo de passadeiras em ripas de madeira, a primeira, do lado maior, a contar da estrada, antes do primeiro renque de guarda-sóis uns dois metros, a outra entre o penúltimo e o último renque, do lado do mar - um arranjo judicioso para evitar que, nos meses de canícula, os veraneantes escaldem os pés, que a areia queima.
Infelizmente, não tive direito à tradicional espreguiçadeira, das quais havia dezenas cuidadosamente empilhadas junto à casota do concessionário, mas não quis interromper a animada conversa com o trajado à civil que vim a saber ser o mencionado oficial.
Quando este, de bloco-notas na mão, deu de frosques, é que fui inteirado da sua excelsa qualidade. E fiquei a saber que não, não senhor, não podia usar a espreguiçadeira porque só dali a dois dias é que começava a “época balnear”; que o homem embirrou com a colocação das placas da área concessionada, que não estavam bem onde sempre tinham estado, mas sim meio-metro para o lado; que a passadeira na parte mais perto do mar tinha que ser removida porque ele não achava bem; que ignorar os dizeres da autoridade estava fora de questão porque as multas eram terroristas e eles têm a caneta ligeira; e que tinha insistido com a pobre funcionária para ela me vir dizer que não podia estar debaixo do guarda-sol, porque ainda não era a altura.
Começaram bem, as mini-férias: se a funcionária, prudentemente, se não tivesse abstido de me inquietar, as probabilidades de o graduado se ver tratado de burro seriam mais altas do que as do edil Costa conquistar a curto-prazo a cidadela do PS - eu tenho esta fraqueza, e a franqueza, de embirrar com abusos de autoridade e o exercício cretino dela.
Tudo acabou bem, ainda que sem espreguiçadeira, da qual aliás não preciso. E dei comigo, envergonhadamente, a ter saudades da praia do antigamente, onde a autoridade consistia vagamente num cabo-de-mar trajado de branco que passava de longe em longe, preocupado com o jogo da bola junto ao mar e os barcos perto da praia, e que deixava os concessionários em paz, por não haver minuciosos regulamentos, congeminados por inúteis, redigidos por trapalhões e interpretados por oficiais de marinha que percorrem os areais a pé para exercer desastradamente a autoridade que não exercem nos barcos que não há.
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